I - Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento conforme à nossa constituição;
II - A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário sido notificado da data da leitura e faltando também, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor.
III - O facto da leitura não ter ocorrido perante o mandatário constituído pelo arguido, em nada altera, uma vez que o art.373, n°3, CPP, expressamente refere que se considera o arguido notificado com a leitura da sentença perante o "defensor nomeado ou constituído".
Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) n°355/04.8TABNV, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, o arguido P..., por sentença de 15Nov.11, foi condenado, por crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €7.
Não tendo o arguido estado presente na sessão da audiência de discussão e julgamento em que foi lida a sentença, a secretaria fez diligências para notificação pessoal da sentença ao mesmo, tendo o Mmo. Juiz proferido despacho em 27Set.12, considerando que a sentença já transitara em julgado e ordenando a liquidação da pena e das custas.
Notificado para efectuar o pagamento das custas, o arguido requereu que fosse dada sem efeito a conta elaborada e determinada a sua notificação da sentença.
O Mmo. Juiz, por despacho de 180M.12, considerou que a conta é elaborada depois do trânsito em julgado e que a sentença já transitara em julgado.
2. Inconformado, o arguido recorreu, concluindo:
2.1 Tendo o arguido faltado, por facto alheio à sua vontade, à audiência na qual se procedeu à leitura de sentença, na qual o mesmo estava representado por defensor (e não pelo seu mandatário constituído), não pode operar efeitos a previsão do art.373, n°3, CPP, nos moldes assinalados pela decisão recorrida, a qual terá de ceder em face ao estabelecido no art.411, n°1 e 333, n°5, também do CPP;
2.2 Tanto mais que, sendo o art.373, n°3, CPP interpretado no sentido de ser sempre considerado notificado o arguido faltoso, o mesmo envolve violação dos princípios do contraditório e do direito ao recurso, garantias essenciais em processo criminal, tal como plasmado no art.32, n's1,5,6 e 7, da CRP, ficando ferido de inconstitucionalidade, que desde já se invoca e vem arguir;
2.3 Havendo que reter a interpretação dada pelo Tribunal Constitucional, segundo o qual julgou inconstitucional, por violação do art.32, n°1, da CRP, as normas dos arts.113, n°9, 425, n°6 e 411, n°1, todos do CPP, entendidos no sentido de que a notificação de urna decisão condenatória relevante para contagem do prazo de interposição é apenas a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória;
2.4 A decisão sob recurso viola, pois, os comandos legais assinalados nas presentes conclusões.
3. O Ministério Público respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso, após o que este foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-geral Adjunta aderiu à resposta do Ministério Público em la instância.
5. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.
6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se a sentença transitou em julgado.
* * *
II° I. O art.113, n°9, do CPP, inserido no capítulo IV, com a epígrafe "Da comunicação dos actos e da convocação para eles", estatui sobre a regra geral das notificações ao arguido, estabelecendo que as mesmas podem ser feitas ao respectivo defensor, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença.
No que diz respeito ao caso particular da sentença, aqui em discussão, no Título II, do CPP, sob a epígrafe "Da Audiência", encontramos normas específicas, os arts.333, n°5, 334, n°6 e 373, n°3.
Os dois primeiros preceitos legais citados, relativos a casos de julgamento na ausência do arguido, expressamente consagram a necessidade de notificação pessoal da sentença ao mesmo "...logo que seja detido ou se apresente voluntariamente".
Como é sabido, antes da 4ª Revisão Constitucional, era pacífico o entendimento de que a Constituição impedia o processo de ausentes e que essa proibição resultava da necessidade de assegurar ao arguido todos os direitos de defesa.
Os impactos negativos de tal proibição no bom andamento dos processos e a ineficácia que o instituto da contumácia veio a revelar, justificou que ao art.32, da C.R.P. fosse acrescentado o actual n°6 "A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento".
Assim, aquelas normas relativas à notificação da sentença ao arguido, visaram conciliar a dispensa da presença do arguido ao julgamento, com a garantia dos direitos de defesa, que não obstante têm de ser assegurados, o que impedirá que uma decisão condenatória possa transitar sem se assegurar ao arguido a possibilidade de defesa pessoal.
Com base naqueles princípios, tem o Tribunal Constitucional interpretado as normas do n°1, do art.411 e do n°5, do art.333, do CPP, no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito da secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis[1].
No caso em apreço, porém, não estamos perante julgamento na ausência do arguido. Na verdade, o mesmo, acompanhado por ilustre mandatário, esteve presente à sessão da audiência de julgamento de 100ut.11 (cfr. acta de fls.33), nela prestou declarações, assistiu à produção de prova e foi notificado de despacho interrompendo a audiência para prosseguir no dia 7Nov.11, data em que não compareceu, tendo o seu ilustre mandatário alegado que ele estava hospitalizado (acta de fls.342), nesse acto tendo sido designado o dia 15Nov.11 para leitura da sentença, a que faltaram o arguido e seu ilustre mandatário, constando da acta, porém, que foi comunicado que o arguido continuava doente e que seu ilustre mandatário não podia comparecer, após o que foi nomeado defensor ao arguido e lida a sentença.
A interrupção da audiência, no caso em apreço, justificou-se pela necessidade de requisitar documentos considerados importantes e, na segunda sessão, pela natural impossibilidade de elaboração imediata da decisão, pois é do conhecimento geral que, na generalidade das comarcas, o julgador é confrontado com pendência processual muito acima do razoável, o que o obriga ao agendamento de várias diligências para o mesmo dia, tomando compreensível o recurso ao disposto no art.373, n°1, do CPP.
Contudo, tendo o arguido estado presente na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, em que decorreu parte da produção de prova. sendo pessoalmente notificado da data da sessão seguinte, a que faltou, mas a que compareceu o seu ilustre mandatário, sendo este notificado da data designada para leitura da sentença, não se justifica procedimento idêntico ao dos casos em que toda a audiência decorre na sua ausência, mas antes que o arguido se considere notificado da sentença depois desta ser lida perante defensor, como estabelece o n°3, do art.373, do CPP.
Com efeito, a presença do arguido na sessão da audiência em que foi produzida parte da prova e do seu ilustre mandatário na sessão em que foi designada data para leitura da sentença, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa.
A Constituição consagra que o processo criminal assegura todos os direitos de defesa (art.32), mas não impõe a notificação pessoal da sentença ao arguido, o que apenas se terá de considerar como obrigatório quando tal notificação for necessária à garantia desses direitos.
No caso, sabendo o arguido que estava a decorrer julgamento em processo onde era arguido, no qual compareceu e prestou declarações, e sendo o seu ilustre mandatário notificado da data designada para leitura da sentença, todos os direitos de defesa estão assegurados.
O caso dos autos não pode ser equiparado ao que incidiu o Ac. do T.C. n°59/99, citado pelo recorrente, em que estava em causa notificação de decisão do tribunal recurso, para o qual o arguido não foi convocado e a que não compareceu o defensor nomeado nos autos.
O garantismo do processo penal, não pode chegar ao ponto de dar cobertura a atitudes de manifesto alheamento e recusa voluntária do exercício de direitos de defesa.
Se o arguido compareceu a uma sessão da audiência de discussão e julgamento, o seu ilustre mandatário às duas sessões em que foi produzida prova e foi notificado da data de leitura da sentença, a esta leitura não comparecendo ambos e não procurando saber o resultado do julgamento, na secretaria ou junto do defensor nomeado para a leitura da sentença, sibi impute!.
A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário sido notificado da data da leitura e faltando também, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor.
Como têm entendido os nossos tribunais superiores, há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença[2], entendimento conforme à nossa constituição[3].
O facto da leitura não ter ocorrido perante o mandatário constituído pelo arguido, em nada altera, uma vez que o art.373, n°3, CPP, expressamente refere que se considera o arguido notificado com a leitura da sentença perante o "defensor nomeado ou constituído". O mandatário constituído pelo arguido esteve presente no julgamento e foi notificado da data designada para leitura da sentença, não compareceu nesta última sessão, mas perante o que dispõe o citado n°3, do art.373, tinha o dever de procurar saber o resultado do julgamento e comunicá-la ao arguido, estudando no prazo de recurso a forma de reagir à sentença, razão por que não se reconhece a violação apontada pelo recorrente aos princípios do contraditório e do direito ao recurso.
Em conclusão, considerando-se o arguido notificado da sentença em 15Nov.11, tendo a mesma sido depositada nessa data, é manifesto que há muito transitou, como entendeu o Mmo. Juiz no despacho recorrido.
* * *
III° DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em negar provimento ao recurso confirmando o despacho recorrido.
Condena-se o recorrente em três Ucs de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Junho de 2013
Vieira Lamim
Ricardo Cardoso
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[1] Ac. n°312/05. do Tribunal Constitucional, de 8Jun.05 (D.R. IIª Série de 8Ago.05).
[2] Neste sentido, entre outros:
-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20Fev.13, Relator Elsa Paixão, acessível em www.dgsi.pt "Nas situações a que aludem os arts. 333° n's 2, 3 e 5 e 334° n° 6 do Código de Processo Penal, o arguido está física e processualmente ausente da audiência e, por isso, o legislador não prescindiu da comunicação da sentença ao arguido através da sua notificação pessoal; II— Neste caso, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partirda data da notificação pessoal da sentença; III— Se o arguido esteve presente no julgamento, mas entretanto ausentou-se (Justificada ou injustificadamente) e não assistiu à leitura da sentença, considera-se notificado com a leitura da sentença feita perante o seu defensor, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 373° do Código de Processo Pena. IV — A disposição legal contida no art.373, n°3 do Código de Processo Penal é uma norma especial relativamente à contida no art. 113° n° 9 e, por isso, prevalece sobre esta. V- Aqui, o prazo para o recurso conta-se da data do depósito da sentença mesmo que a secretaria o tenha notificado da sentença pois que tal notificação configura acto inútil que não produz qualquer efeito".
-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 240ut.12, Relator Eduarda Lobo, acessível em www.dgsi.pt "1- O facto de o arguido ter comparecido a uma das sessões da audiência de julgamento e de ter sido dispensado de comparecer à seguinte, ocasião em que foi designada a data da leitura da sentença, não o desonera do dever de se informar sobre o estado do processo... ".
-Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20Nov.12, Relator Ana Brito, acessível em www.dgsi.pt "1. A lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença — a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333°, n° 5 do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373°, n°3 do CPP). 2. Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido ("quando este se apresentar ou for detido') valendo, para o segundo caso, a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411', n°1 - aí a) do CPP). 3. Esta diferença de regimes assume que apenas na segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado e sabe que o julgamento terminará com a leitura da sentença. 4. Justifica-se, por isso, a exigência de alguma pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa. 5. Também o TC tem entendido que "a cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade do arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente um notificação pessoal da mesma ao arguido". 6. Encontrando-se assegurada a cognoscibilidade da decisão condenatória, só podendo "radicar numa grosseira negligência do próprio arguido um eventual e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença", afigura-se também irrelevante a frustrada tentativa de notificação pessoal da data designada para a leitura da sentença, notificação que, não sendo proibida, também não é exigível no caso presente".
-Ac. da Relação de Lisboa de 16Dez.98, na C.J. ano XXIII, tomo 5, pág.I5 I e, ainda, o Vive-Presidente da Relação de Évora, por despacho de 22Fev.06 (Reclamação n°506/06, acessível em www.dgsi.pt) "Nas situações em que o julgamento é efectuado na presença do arguido, mas em que este .falta.._ à sessão da audiência designada para a leitura de sentença, o prazo para interpor recurso da sentença conta-se a partir da data do respectivo depósito".
-[3] O Ac. do TC n°489/08, DR n°219, Série II, de 11Nov.08, decidiu "Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, n.° 3, e 113º°, n. ° 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado".
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