FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
REEMBOLSO
Sumário

Encontrando-se o FGA  sub-rogado nos direitos do lesado, pode o mesmo demandar, com vista ao reembolso das quantias que pagou, todas as pessoas susceptíveis de serem consideradas civilmente responsáveis, e não apenas o sujeito da obrigação de segurar.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
I.A. Antecedentes processuais
O apelante intentou acção ordinária contra o apelado pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 37.570,15 €,acrescida de juros sobre o capital de 34.129,18.
Alegou, em síntese que:
- no dia 22/09/2003,cerca das 00.45, em Inglaterra, ocorreu uma colisão entre os veículos de matrícula  …-…-…,conduzido pelo seu proprietário, o apelado  e de matrícula  …-…,conduzido por J. e propriedade de COP.,Ltd.;
-ambos os veículos circulavam no mesmo sentido, em faixas paralelas, o … à esquerda do. …;
-O … ,mudou para a direita e cortou a linha de trânsito do … embatendo neste, sendo assim o único responsável pelo sinistro; .
-O … não dispunha de seguro válido e eficaz e o G., …, regularizou o sinistro reclamado pelo seu congénere inglês o M., M.;
-O G. reclamou junto do A o pagamento da verba parga ao MIB;
O A ,por sua vez, pagou ao GPCV a quantia reclamada no valor de €34.129,18, pelo que tem direito ao reembolso do que prestou nos termos do  art.1º do DL n.º122-A/86.
O apelado contestou dizendo , em síntese, que :
-é parte ilegítima porquanto não é o proprietário do veículo interveniente no sinistro;
-o direito do A prescreveu , atenta a data em que ocorreu o sinistro e a data de propositura da acção;
-não foi o único responsável pelo sinistro, sendo que o veículo teria seguro válido..
O A replicou pugnando pela legitimidade  do R apelado  e tempestividade de exercício do direito de regresso, . Requereu a intervenção principal provocada de T., Lda.
O incidente foi admitido.
O autor veio posteriormente desistir da instância quanto à interveniente T. Lda., que de resto, não chegou a ser citada.
A desistência foi homologada.
Posteriormente foi proferido despacho saneador(que julgou inverificada a excepção de ilegitimidade ) e  sentença cujo dispositivo é o seguinte “Face ao exposto, decide-se julgar a acção improcedente e, consequentemente, absolve-se o réu do pedido.”
I.B. Síntese conclusiva .
Apelante
A) O Tribunal “a quo” absolveu o Réu C. do pedido, por entender que o F.não tem legitimidade para demandar o responsável civil do acidente mas apenas o seu proprietário, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 25 do DL 522/85 de 31.12.
B) O Tribunal “a quo” deveria ter aplicado o disposto no n.º 1 do citado preceito legal, na medida em que o F.fica sub-rogado nos direitos do lesado, logo, adquire o direito a demandar o responsável civil, além das pessoas sujeitas à obrigação de segurar (proprietário, usufrutuário ou locatário).
C) A douta sentença recorrida, ao absolver o réu J.  da instância, violou assim, o disposto no art.º 25º do D.L. 522/85 de 31 de Dezembro.
I.C. Objecto do recurso
A única questão colocada à consideração deste tribunal resume-se a saber contra quem pode o FGA exercer o direito ao reembolso das quantias pagas a título de indemnização.
II. Fundamentação
II.A.Facto
1º- No dia 22/09/2003, em Inglaterra, na auto-estrada M25, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias, de matrícula …-…-…, conduzido pelo réu e, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula inglesa, … – …, conduzido por J..
2º- O veículo … seguia na dita auto-estrada, pela faixa da esquerda e, quando estava paralelamente ao veículo …, o réu mudou repentinamente de direcção para a faixa direita, cortando a linha de trânsito ao … e embatendo-o, fazendo-o entrar em despiste.
3º- O M., congénere do G., ressarciu os danos sofridos pelo … e reclamou junto do G.o pagamento da respectiva indemnização, no montante de 34 129,18€.
4º- A propriedade do veículo de matrícula …-…-…, mostra-se registada, desde …/…/…, a favor de T., Lda.

II. B.Direito

Antes do mais, há que referir que o apelado foi absolvido do pedido(e não da instância como se refere nas conclusões)  por não ser sujeito da obrigação de segurar e não, como alega o recorrente, por ser considerado parte ilegítima [a excepção deduzida pelo apelado foi julgada improcedente].
Cabe então referir o seguinte.
O  Código da Estrada de 1954 (Dec Lei n.º39672 ,de 20-05-1954 ) já estipulava  no seu art. 57º que “as pessoas ou entidades civilmente responsáveis pelo acidente de trânsito poderão transferir esta responsabilidade …”.
Em 1979 foi publicado o DL n.º408/79 de 25-09 que adaptou a legislação já publicada sobre seguro obrigatório[DL n.º165/77e 166/75 ,ambos de 28-03-1975],cujo art.1º,n.º1, estipulava que “1 - Os veículos terrestres a motor, seus reboques e semi-reboques, só podem circular na via pública, ou em locais públicos ou privados abertos ao público ou a certo número de pessoas com o direito de os utilizar, desde que nos termos do presente diploma seja efectuado, em empresa ou sociedade legalmente autorizada, seguro da responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização..
Passou-se, assim, de um seguro facultativo para um sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil.
A falta de seguro foi compensada pela instituição do Fundo de Garantia Automóvel, FGA. (cfr.art.20º do citado DL n.º 408/79 e Dec Reg n.º58/79 de 25-09)
Posteriormente foi publicado o Dec. Lei nº 522/85, de 31-12 (em vigor na data do sinistro , que ocorreu em …/…/…),em que  o art.1º, nº 1, estipula que “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor … deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”.
E também neste diploma (cfr.art.21º,.º2) , e no actual DL n.º291/2007 de 21-08 (cfr. art.47º),está comtemplada a existência de uma entidade , o FGA ,que satisfaz as indemnizações   decorrentes de acidentes originados por veículos sujeito ao  seguro obrigatório por “a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz, ou for declarada a falência da seguradora;
b) Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz;  “.
Cabe referir que o Fundo não é um devedor, mas, tão só, um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado. Responderá, consequentemente, em sede subsidiária e não como devedor principal ou directo – que é o violador da obrigação de segurar -, inexistindo entre este e o FGA uma relação de solidariedade passiva (própria).
Por outro lado, nos termos do art. 2º, nº 1,do cit DL n.º522/85 , “a obrigação de segurar  impende sobre o proprietário do veículo…”. Todavia, logo o nº 2 esclarece que “se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior”.
E , prescreve o art.30º, nº 1,do mencionado diploma , que a obrigação de seguro respeita a todo o veículo automóvel que esteja em circulação, devendo o respectivo condutor exibir o documento comprovativo (cfr.art. 31º, nº 1), sob pena de apreensão do veículo (cfr.art. 32º) e prática de contra-ordenação (cfr. art. 34º).
Do que se expõe resulta claro que, embora recaia sobre o titular do direito de propriedade do veículo (ou de outro direito que confira poderes de direcção efectiva) a obrigação primária de efectuar e manter em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil, o condutor não é alheio a tal obrigação, devendo assegurar-se igualmente, quando coloca o veículo em circulação, que a responsabilidade civil que lhe possa vir a ser assacada (a título de culpa ou pelo risco) se encontra transferida para uma Seguradora, através de contrato de seguro que especificamente indique a matrícula do veículo ou, se for o caso, mediante o apelidado “seguro de automobilista” (art. 2º, nº 4) ou o “seguro de garagista” (nº 3).
Pretende o FGA ser reembolsado da quantia que pagou ao G..
Nos termos do art.26º do cit.DL n.º522/85, “1 - O F. reembolsa o GP. pelo montante despendido por este, ao abrigo da Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais, em consequência das indemnizações devidas por acidentes causados por veículos matriculados em Portugal e sujeitos ao seguro obrigatório previsto neste diploma, desde que:
a) O acidente ocorra num outro Estado membro da Comunidade Económica Europeia ou num país terceiro, cujo gabinete nacional de seguros tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais ou ainda no trajecto que ligue directamente dois Estados membros, quando nesse território não exista gabinete nacional de seguros;
b) O responsável não seja titular de um seguro de responsabilidade civil automóvel;
c) As indemnizações tenham sido atribuídas nas condições previstas para o seguro de responsabilidade civil automóvel na legislação nacional”
Satisfeito o reembolso ,o FGA fica sub-rogado  nos termos do art.25º do DL 522/85 (cfr. art.26º,n.º4) substituindo-se ao lesado na titularidade do direito a uma prestação, pois enquanto terceiro  cumpriu em lugar do devedor (art. 25º,n.º1,1, citado DL e art. 592º.n.º1, C. Civ.).
É certo que o  lesado, a fim de efectivar os seus direitos tem que demandar o FGA e o responsável civil , sob pena de ilegitimidade.- art.29º ,n.º6, do CL n.º522/85.:
Mas  o normativo em causa apela para o conceito de responsável civil, e não do proprietário do veículo ou sujeito da obrigação de segurar (cf. art. 2.º do citado DL 522/85).
Quem é, então, o responsável civil a que se reporta o art 29º,n.º6?
No acórdão do STJ de 15.04.2010[1],refere-se que o art. 29º nº 6 do Dl 522/85 de 31/12 impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil.( não falando a lei em proprietário do veículo ou sujeito da obrigação de segurar) [.O FGA invocava a sua ilegitimidade porquanto não havia sido demandado o proprietário(locador). Decidiu-se que era parte legítima porquanto haviam sido demandados o condutor e o locatário ]  No  Ac.STJ de12.07.2011 [2]admite-se que nada obsta a que o lesado demande, além do Fundo e do referido responsável, outro ou outros sujeitos que considere civilmente responsáveis , como por exemplo o condutor( que muitas vezes não é o sujeito da obrigação de segurar) e venha a obter, a final a respectiva condenação solidária com a dos restantes demandados. Também no Ac do STJ de 19.04.2012 [3]se conclui que ao abrigo do regime previsto no DL 522/85 de 31/12 o FGA assegura o pagamento das indemnizações devidas por quaisquer “ dos responsáveis civis” decorrentes de acidentes de viação causado por automóvel não coberto por contrato de seguro válido e eficaz ou por veículo desconhecido. Finalmente no Ac STJ de 18/10/2012 [4]conclui-se que  o citado art. 29º nº 6 do citado DL nº 522/85 impõe o litisconsórcio necessário passivo do DD e do responsável civil, sendo que este é não só o sujeito da obrigação de segurar que em regra impende sobre o proprietário do veículo, como qualquer outro sujeito que seja susceptível de ser civilmente responsável [Julgou-se o FGA parte ilegítima porquanto  a acção havia sido intentada apenas contra aquela entidade ,a  seguradora, o proprietário ,omitindo-se o condutor. ]
Do que se acaba de expor resulta, medianamente claro que , encontrando-se o FGA  sub-rogado nos direitos do lesado, pode o mesmo demandar, com vista ao reembolso das quantias que pagou, todas as pessoas susceptíveis de serem consideradas civilmente responsáveis e não apenas o sujeito da obrigação de segurar , como se entendeu na sentença recorrida..
O apelante demandou o apelado e este na qualidade de “condutor” do veiculo em questão, integra o conceito de responsável civil.

As conclusões  do apelante procedem pois .
No entanto há que ponderar o seguinte.

O apelado impugnou  a versão do sinistro, pelo que cabe em primeira linha apurar se o mesmo é culpado  pela sua produção8art.483º,n.º1, C civ), pois só assim  será considerado responsável civil.
Os autos carecem pois de prosseguir com a indispensável selecção  da matéria  de facto assente e controvertida e julgamento.
Em síntese diz-se o seguinte
Encontrando-se o FGA  sub-rogado nos direitos do lesado, pode o mesmo demandar, com vista ao reembolso das quantias que pagou, todas as pessoas susceptíveis de serem consideradas civilmente responsáveis, e não apenas o sujeito da obrigação de segurar.

III.Decisão

Considerando oque se acaba de expor anula-se a sentença recorrida  e ordena-se o prosseguimento dos autos com selecção da matéria de facto e julgamento.

Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 11 de Julho de 2013

Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques

Isabel Maria Brás da Fonseca

Eurico José Marques dos Reis

[1] Proc n.º355/2002.E1.S1(Serra Baptista) in  www.dgsi.pt
[2] Proc n.º5762/06.9TBMTS.P1(Nuno Cameira) in  www.dgsi.pt
[3] Proc n.º3203/05.8TBMTJ.L1.S1 in  www.dgsi.pt
[4] Proc n.º2383/05.7TBVFR.P1.S1(Tavares de Paiva) in  www.dgsi.pt