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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CHEQUE
TÍTULO EXECUTIVO
FOTOCÓPIA
CONVITE ÀS PARTES
Sumário
I – Tendo sido apresentada, com o requerimento executivo, uma cópia do rosto do cheque que constituiria o título executivo, não se trata de caso em que seja manifesta a falta de título executivo, tudo levando a crer que ele existia efectivamente, o que justificava o convite do juiz a que o exequente procedesse à junção; deste modo, com a junção do original do cheque a situação ficou regularizada. II – Nessa situação, feita a junção, ao executado deverá ser concedido novo prazo para se opor quanto ao documento original, embora não contra todo o teor do requerimento executivo para o que já dispusera de prazo de oposição. III – A inquirição como testemunha de quem seja inábil para depor origina uma nulidade processual, nos termos do art. 201 do CPC, a ser arguida na oportunidade a que alude o art. 205 do mesmo Código; de qualquer modo, não é inábil para depor a mulher do exequente, visto não ser parte no processo, sendo terceiro em face da relação jurídica processual. IV – A circunstância de no verso do cheque – invocado como quirógrafo da obrigação que fundamenta a sua subscrição – não constar qual o motivo da sua devolução não lhe retira a qualidade de título executivo, nem implica a sua insuficiência como tal. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Por apenso à execução contra ele intentada por “A” veio “B” deduzir oposição.
Alegou a inexistência ou insuficiência do título executivo por não se encontrar junto aos autos o original do cheque que é título executivo.
Pediu que o requerimento executivo fosse indeferido e que, assim não se entendendo, fosse determinada a junção aos autos do original do cheque, título executivo, sendo então concedido ao executado um novo prazo para deduzir oposição.
O exequente contestou referindo que o título por ele dado à execução é um documento particular quirógrafo, assinado pelo devedor, onde está reconhecida uma obrigação pecuniária de 50.000,00 €, carecendo de fundamento o alegado pelo opoente.
Após junção pelo exequente do original do cheque título executivo, foi proferida decisão com o seguinte teor:
«1. Tendo a exequente oferecido como título executivo a cópia do rosto de um cheque, de onde sobressai ter sido passado pelo executado à ordem do exequente, não deve ser, sem mais, indeferida liminarmente a execução por falta de título executivo.
2. É que a sua falta não é manifesta – artigo 812º-E, nº1 al. a) do Código de Processo Civil, antes a cópia indiciando que existirá o documento original.
3. Deveria antes, em tal caso, ser a exequente notificada para juntar o documento original em prazo certo, sob pena, aí sim, de ser indeferida liminarmente a execução por falta de título – artigos 812º-E, nº3 e 4 do Código de Processo Civil.
4. E, como esse convite poderia ser feito oficiosamente pelo Tribunal até à primeira transmissão de algum bem penhorado – artigo 820º, nº1 do Código de Processo Civil, sendo agora caso de o fazer, desde já se tem por tempestiva a junção do original do cheque a fls. 29, ainda que por iniciativa do próprio exequente.
5. Com isto se julga improcedente o primeiro pedido deduzido pelo opoente, ou seja, de “declarar-se a inexistência ou insuficiência de título executivo, devendo o requerimento executivo ser indeferido”, encontrando-se já satisfeito o segundo pedido, ou seja, “deve ser ordenado a junção aos autos do original do título executivo (cheque)”.
6. Resta apreciar o terceiro pedido “deverá ser concedido ao executado um novo prazo de vinte dias para deduzir oposição à execução”.
A oposição à execução equivale a uma contestação na acção declarativa, devendo assim toda a defesa ser nela concentrada – artigos 489º, nº1 e 466º, nº1, ambos do Código de Processo Civil.
No requerimento executivo, de que o executado foi notificado, constam descritos factos que na perspectiva da exequente justificaram a emissão do cheque, ou seja, atinentes à relação material subjacente ao título.
Essas razões, do conhecimento do executado, poderiam e deveriam ter sido contraditadas no requerimento de oposição, estando então o executado em condições de estruturar quanto a elas a sua defesa.
Porque não o fez naquele momento, ficou precludida a hipótese de o fazer em momento posterior – artigo 145º, nº3 do Código de Processo Civil.
Unicamente se concebe, isso sim, agora que foi junto o original do título executivo e dele vai ser notificado, que o executado apresente defesa, no prazo de vinte dias, circunscrita ao documento em si ou ao título executivo na sua literalidade, isto é, já sem atacar a relação substantiva que o terá originado, pois antes o podia ter feito. Paralelamente, na acção declarativa, v.g. o réu não excepciona a ilegitimidade passiva e pede ao tribunal que caso ela seja improcedente lhe conceda novo prazo para contestar, então para se focar no mérito da acção…
7. Pelo exposto, notifique o opoente com cópia do título executivo (rosto e verso) junto a fls. 29 para, querendo, no prazo de vinte dias, apresentar oposição quanto a ele, ou seja, enquanto documento ou título executivo (relação cartular), indeferindo-se, por precludida, a oposição quanto às razões de ordem substantiva que o originaram (relação substantiva).»
O executado/opoente veio, então, alegar que o título dado à execução é falso, não tendo sido por si assinado ou preenchido e que do verso do cheque não existe nenhuma referência à sua devolução e motivo da mesma, concluindo pela falta ou insuficiência do título.
Requereu, ainda, a suspensão da execução nos termos do nº 1 do art. 818 do CPC.
O exequente contestou, sustentando que o título é verdadeiro e que a assinatura dele constante, a quantia escrita por extenso, o dia, mês e ano foram escritos pelo punho do opoente, tendo o exequente escrito o seu nome na parte em que se refere «à ordem de» e que o cheque foi devolvido alegadamente por “assinatura não conforme”.
O Tribunal determinou que o recebimento da oposição tem efeito suspensivo da execução. Foi proferido despacho saneador e, na sequência, ordenada a realização de peritagem à letra do opoente, perícia que teve lugar.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a oposição à execução improcedente e determinou o prosseguimento da acção executiva.
Da sentença apelou o opoente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1) Com o requerimento executivo, datado de 16/08/2011, o Exequente juntou fotocópia da frente de um cheque, alegando que apresentado a pagamento, veio o mesmo “devolvido por falta de pagamento”, tendo o cheque sido dado à execução como documento particular e não com o título executivo cambiário.
2) Refere o nº 1 do art. 45 do CPC, que toda a execução tem por base um título e o art. 46 do CPC indica as espécies de títulos, pelo que, a fotocópia da frente do cheque indicado na execução como sendo o título executivo, não preenche essa característica, nem é possível incluir o mesmo em nenhuma das alíneas do nº 1 art. 46 do CPC, pois falta-lhe o comprovativo de ter sido depositado a o motivo do mesmo não ter sido pago.
3) O Sr. Agente de Execução, face á insuficiência ou inexistência de título executivo, deveria ter remetido o processo ao juiz para despacho liminar, nos termos da alínea e) do art. 821-D do CPC.
4) Face à inexistência ou insuficiência do título executivo, o requerimento executivo deveria ter sido liminarmente indeferido, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 812-E do CPC.
5) A inexistência ou insuficiência de título executivo é fundamento de oposição à execução, nos termos dos arts. 814 e 816 do CPC.
6) Sem título executivo não há execução e sem execução não pode haver oposição à execução.
7) Em 21/09/2011 o Exequente deduziu Oposição à Execução, alegando a insuficiência ou inexistência de título executivo e deduzindo três pedidos:
a) Declarar-se a inexistência ou insuficiência de título executivo, devendo o requerimento executivo ser indeferido;
b) Assim não se entendendo, ser ordenado a junção aos autos do original do título executivo;
c) Sendo o ordenado na alínea anterior cumprido, ser concedido ao Executado novo prazo de 20 dias para deduzir oposição à execução.
8) O Exequente foi notificado da Oposição em 30/09/2011 e em 10/10/2011 juntou aos autos, com a sua contestação à Oposição, a frente e verso do cheque dado à execução, pelo que apenas após ter decorrido o prazo para oposição à execução é que o título executivo foi junto autos.
9) No entanto, continuava a não constar dos autos o motivo da devolução do cheque, o que apenas foi esclarecido pelo requerimento do exequente datado de 16/02/2012, em que juntou o motivo da devolução do cheque que, ao contrário do que tinha alegado no requerimento executivo, não tinha sido devolvido por falta de provisão mas por “Assinatura não Conforme”, pelo que apenas nesta data foi suprido a insuficiência/inexistência do título executivo.
10) Por douto despacho de 16/01/2012, o executado foi notificado, em resumo, do seguinte:
g) A execução não deveria, sem mais, ser indeferida liminarmente por falta de título executivo, dado que a sua falta não é manifesta, pois tratando-se de uma cópia tudo indiciava que existiria o original;
h) Deveria antes ser o exequente notificado para juntar o documento original em prazo certo, sob pena, aí sim, de ser indeferida liminarmente a execução por falta de título;
i) Esse convite poderia ser feito oficiosamente pelo Tribunal até á transmissão de algum bem penhorado, e dado o exequente o ter junto por iniciativa própria, considerou-se a junção do mesmo por tempestiva;
j) Perante tal facto julgou-se improcedente o primeiro pedido deduzido pelo opoente e encontrando-se já satisfeito o segundo pedido;
k) O terceiro pedido do opoente também foi indeferido;
l) Foi concedido ao opoente prazo de 20 dias apresentar oposição quanto ao título executivo.
11) Foi entendimento o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que o tribunal poderia oficiosamente convidar oficiosamente o exequente a juntar o original do título executivo nos termos do nº 1 do art. 820 do CPC.
12) Salvo douta opinião em contrário, o que o referido preceito legal refere é que o juiz poder conhecer oficiosamente as questões a que aludem os nºs 1 e 3 do art. 812-E do CPC, mas a falta ou insuficiência do título executivo não é passível do juiz convidar o exequente a suprir as irregularidades, tudo conforme nº 3 do art. 812-E do CPC.
13) Se ao opoente, ora recorrente, é dado um prazo de vinte dias para apresentar oposição quanto ao título executivo, é porque inicialmente o mesmo não existia ou não era suficiente.
14) Se o título executivo não existia ou era insuficiente, o Meritíssimo juiz do tribunal “a quo” deveria ter indeferido a execução, ou concedido ao opoente novo prazo para deduzir oposição à execução, dado o título executivo só ter sido junto aos autos após ter decorrido o prazo para deduzir a oposição.
15) Na sua oposição ao título executivo, que foi admitida por despacho de 16/01/2012, datada de 04/02/2012, o executado impugnou a letra e assinatura do cheque, excepcionando ainda a sua insuficiência como título executivo, na medida que não estava atestado no verso a motivo da sua devolução.
16) Após a realização de prova pericial à letra e assinatura, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” indeferiu os pedidos de esclarecimentos aos peritos quanto às conclusões do relatório, considerando o mesmo claro, tirando no despacho de 10/01/2013 as seguintes: “1- O problema num dos dedos da mão direita, referido pelo executado, era do conhecimento das peritas antes da elaboração do relatório pericial, tanto que a registaram na folha de identificação. 2 – A falta de alusão a tal problema na justificação da escrita pouco fluente e lenta deve-se apenas à desconsideração do mesmo, o que se compreende pois não se estenda aos cinco dedos ou a toda a mão”.
17) Salvo melhor opinião em contrário, deveriam ter sido as peritas a dar tal justificação e não o tribunal a vir em salvação das mesmas, sendo que para além do mais, parece entendimento que a falta de um dedo, ou a sua incapacidade, é indiferente.
18) Apesar de ter sido indeferido os pedidos de esclarecimentos ao relatório pericial, o problema num dos dedos da mão direita é chamado à colação “… mesmo que pelo meio o executado tenha aludido a um problema num dedo da mão direita talvez para que pudesse inquinar os resultados da mesma ...”.
19) Assim, é de concluir que afinal o problema num dos dedos da mão direita era importante, mais que não fosse para fundamentar a sentença em prejuízo do executado, mas já não entendendo que era importante para defesa do mesmo.
20) As reclamações deveriam ter sido atendidas, enviadas para as peritas, serem estas a responder e não o tribunal responder em nome das mesmas, pelo que se impugna tal decisão.
21) A douta sentença julgou improcedente a impugnação da letra e assinatura do cheque.
22) Também julgou improcedente a excepção da insuficiência do título executivo, começando por dizer “o cheque veio devolvido pelo motivo de assinatura não conforme”, sendo que no requerimento executivo refere “devolvido por falta de provisão”.
23) A própria sentença dá como provado o seguinte, no ponto 12) “Apresentado a pagamento, o cheque veio devolvido por “assinatura não conforme” (artigos 10º do requerimento executivo e 9º da contestação”.
24) Com o devido respeito, que é muito, o requerimento executivo refere “devolvido por falta de provisão” e a contestação, de 16/02/2012, refere “assinatura não conforme”, pelo que estamos perante uma contradição, tendo o tribunal tirado a conclusão que tirou por em 16/02/2012 ter sido junto aos autos a justificação da devolução do cheque.
25) Assim, estivemos até 16/02/2012, há muito ultrapassado o prazo para dedução da Oposição à Execução, sem documento justificativo da devolução do cheque e como tal sem título executivo ou título executivo suficiente.
26) Para o tribunal “a quo” o facto de não constar o motivo da devolução do cheque é indiferente, pois o mesmo é um documento particular assinado pelo devedor, mas a verdade é que para ser título executivo tem de constar de documento, dado que foi alegado que o mesmo foi depositado e devolvido por não pago, quando foi depositado, onde foi depositado e motivo da sua devolução.
27) Assim, deveria ter sido julgada procedente a excepção da falta ou insuficiência do título executivo.
28) A testemunha do Exequente “C”, que prestou depoimento das 16.19.01 às 16.41.11 e das 16.54.30 às 16.57.35 é cônjuge do exequente, tendo a mesma afirmado tal.
29) No decurso do seu depoimento a mesma refere que o cheque era adiantamento para pagamento da casa que era sua e do exequente, que passaram procuração ao executado, tendo o mesmo entregue o cheque à testemunha e ao exequente.
30) A procuração em causa é o doc. 2 junto aos autos, constando da mesma o nome da testemunha e do exequente, em que constituíram procurador o executado e destinava-se à venda do imóvel da testemunha e do exequente.
31) Assim, a testemunha, que deveria ter sido parte e não testemunha, pois o cheque é para proveito comum do casal e tem interesse na causa, não deveria ter sido admitida a depor, devendo ser considerada inábil para ser testemunha.
32) A sentença e os despachos colocados em crise fizeram uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, pelo que devem ser revogados.
O apelado contra alegou nos termos de fls. 301 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. O exequente no ano de 2007 passava por uma grave crise económico-financeira que se verificava já há algum tempo porquanto a actividade profissional que desenvolvia de canalizador e ainda razões de saúde não lhe permitiam angariar meios que lhe permitissem solver os seus compromissos, nomeadamente o cumprimento das suas obrigações fiscais e pagamento ao Banco “D” da prestação mensal referente à aquisição da sua habitação sita no lugar do ..., ..., concelho de V... (artigo 1º do requerimento executivo).
2. O executado desempenha profissionalmente a actividade de técnico oficial de contas sendo que no ano de 2007 e nos anteriores era o TOC do ora exequente (artigo 2º do requerimento executivo).
3. As dificuldades financeiras por que o exequente passava levou-o a emigrar para França, país onde então se radicou e tem centrada a sua vida familiar a profissional (artigo 3º do requerimento executivo).
4. O executado, conhecedor das dificuldades do exequente e como forma deste resolver a sua situação financeira, propôs-lhe adquirir-lhe a casa de habitação com o recheio e diversos equipamentos agrícolas de que este era proprietário na localidade acima referida, casa que valia cerca de 200.000 euros (artigo 4º do requerimento executivo).
5. Tal negócio consistiu em o executado pagar ao exequente a quantia de 100.000 euros e liquidar as dívidas do exequente às Finanças no montante de cerca de 10.000 euros e ainda o empréstimo para habitação que o exequente contraiu junto do Banco “D” no montantes de 71.452,09 euros (artigo 5º do requerimento executivo).
6. Para efectivação do negócio o executado solicitou ao exequente e à mulher que lhe outorgassem uma procuração com poderes bastantes para o executado vender a ele próprio ou a um terceiro o imóvel supra referido com o recheio e diversos equipamentos agrícolas, procuração que o exequente e mulher outorgaram no dia 25.01.2007 no Consulado Geral de Portugal em Marselha e enviaram ao executado que recebeu (artigo 6º do requerimento executivo).
7. O executado vendeu em 27.09.2007 a casa e os móveis a um sobrinho e mulher (artigo 7º do requerimento executivo).
8. A relação de confiança do exequente com o executado, seu contabilista, era enorme, sendo que outorgou-lhe conjuntamente com a mulher uma procuração sem assinar qualquer documento titulador da promessa ou venda do imóvel e sem que na hora recebesse qualquer valor do preço acordado (artigo 8º do requerimento executivo).
9. O executado, para pagamento dos 100.000 euros, entregou-lhe um cheque no montante de 50.000 euros datado de 31.03.2007, com o número ... sacado da conta do executado nº ... constituída no Banco “E”, S.A (artigo 9º do requerimento executivo).
10. O montante do cheque, em numerário, a assinatura “B”, a quantia por extenso, “cinquenta mil euros”, o dia, o mês e o ano, constantes do cheque foram escritos pelo punho do executado (artigos 4º e 6º da contestação).
11. O exequente escreveu o seu nome “A” no cheque no dia em que o depositou na sua conta do “F” em ..., França (artigo 8º da contestação).
12. Apresentado a pagamento, o cheque veio devolvido por “assinatura não conforme” (artigos 10º do requerimento executivo e 9º da contestação).
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III - Com as alterações das normas de processo civil sobre recursos o recurso de agravo deixou de se encontrar previsto na lei, havendo sido absorvido pela apelação. Para além da decisão do Tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo e do qual cabe recurso de apelação (nº 1 do art. 691), cabe igualmente recurso de apelação das decisões elencadas no nº 2 do art. 691; as demais decisões do Tribunal de 1ª instância, para além destas, poderão ser impugnadas quando da apelação da decisão final, consoante o nº 3 do art. 691. Assim, as decisões intercalares que, reunindo os pressupostos gerais da recorribilidade, não admitam recurso imediatosó podem ser impugnadas no âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisão final. Sobre estas decisões intercalares não se forma caso julgado.
No caso que nos ocupa, o apelante não põe em causa apenas a decisão final, mas decisões anteriormente proferidas nos autos.
Nestas circunstâncias, uma vez que, como resulta do art. 684, nº 3, do CPC são as conclusões da alegação do recurso que definem o objecto do mesmo, face às conclusões das alegações apresentadas pelo opoente, as questões que essencialmente se colocam são as seguintes: se face à inexistência/insuficiência de título executivo o requerimento executivo deveria ter sido indeferido; não sendo assim considerado, se ao executado deveria ter sido concedido novo prazo para deduzir oposição após a junção; se deveria ter sido deferido o pedido de esclarecimento ao relatório pericial; se “C” não deveria ter sido ouvida como testemunha; consequências de só com a contestação à oposição, em 16-2-2012, o exequente ter referido que o cheque foi devolvido por “assinatura não conforme”.
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IV – 1 - Nos termos do art. 812 do CPC o agente de execução que receba o processo de execução deve analisá-lo e remetê-lo electronicamente ao juiz para despacho liminar se duvidar da suficiência do título. Nesse caso, consoante o art. 812-E , nº 1-a) do mesmo Código, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título; mas, de acordo com o nºs 3 e 4, fora das hipóteses previstas no nº 1, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos - sem o que o requerimento executivo será indeferido.
O art. 45 do CPC especifica que toda a execução «tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva». Entre os possíveis títulos encontram-se «os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético» - nº 1-c) do art. 46.
Sucede que o nº 6 do art. 810 do CPC refere que o requerimento executivo deve ser acompanhado «da cópia ou do original do título executivo quando o requerimento é entregue por via electrónica ou em papel, respectivamente».
Salienta Lebre de Freitas ([1]) que no caso de título de crédito ele não era, até ao dl 226/2008, de 20-11, substituível por uma cópia, ainda que dotada de força probatória do original por só nele se incorporar a obrigação cambiária, embora tal não devesse ir ao ponto de impor a não admissão da execução fundada em título de crédito não disponível porque junto a outro processo e como tal certificado, nem impedia a utilização da cópia como título executivo da obrigação subjacente. Mas, com o dl 226/2008, passou a ser exigida apenas a cópia do título executivo quando o requerimento é entregue por via electrónica, passando portanto a caber ao executado exigir, em oposição à execução, a apresentação do original.
No caso dos autos sabemos que foi oferecido como título executivo a cópia do rosto de um cheque que teria sido passado pelo executado à ordem do exequente.
Considerando que, deste modo, o requerimento executivo deu entrada desacompanhado do títuloexecutivo (apenas o acompanhava a cópia do rosto do cheque) entende-se justificada a solução adoptada pelo Tribunal de 1ª instância, face ao disposto nos arts. 811, nº 1-b) e 812-E, nºs 1-a) e 3.
É que não se trata de caso em que seja manifesta a falta do título executivo, tudo levando a crer que ele existia efectivamente, pelo que o juiz deveria convidar o exequente a juntá-lo, sem o que o requerimento executivo seria, então, indeferido.
No sentido apontado, designadamente, Lebre de Freitas ([2]) referindo que se der entrada no Tribunal um requerimento executivo desacompanhado do título que lhe serve de base «quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título, tem lugar a recusa do requerimento executivo pelo agente de execução ou o seu indeferimento pelo juiz; não o sendo o juiz deve convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta …; em caso de dúvida, cabe ao agente de execução suscitar a intervenção do juiz».
Também Amâncio Ferreira ([3]) menciona que o indeferimento previsto na alínea a) do nº 1 do art. 812-E deverá ocorrer face à não existência de título executivo por o exequente o não exibir nem a ele aludir no requerimento executivo; haverá lugar a despacho de aperfeiçoamento perante a não junção do título executivo, apesar da sua existência resultar da narração constante do requerimento executivo.
Pelo que, com a junção do original do cheque ocorrida em 11-10-2011 a irregularidade que ocorria ficou suprida tempestivamente.
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IV – 2 - No despacho de fls. 34-35, datado de 16-1-2012, foi concedido ao executado um novo prazo de 20 dias para apresentar oposição quanto ao documento original (cheque) que só então lhe fora notificado, considerando-se precludida a oposição quanto às razões de ordem substantiva que o originaram. O que faz sentido, uma vez que a oposição – que o executado já deduzira – é dirigida globalmente à execução, levantando ali o executado todas as razões susceptíveis de deduzir como defesa no processo de declaração, quer se reconduzam a matéria de impugnação quer se reconduzam a matéria de excepção (art. 816 do CPC), defendendo-se amplamente da pretensão do exequente. O executado já tivera oportunidade de se pronunciar, nos aludidos termos contra o que constava do requerimento executivo; todavia, porque o original do título não havia sido junto aos autos inicialmente, compreende-se que tivesse sido dada oportunidade ao executado para sobre ele se pronunciar, defendendo-se nessa parte – o que ainda não lhe fora possível fazer – mas não mais do que isso, ou seja, não lhe devendo ser concedido um segundo prazo para o que já pudera ter feito, se quisesse.
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IV – 3 - No que concerne especificamente ao título executivo alegou o opoente que o mesmo «é falso, não tendo sido assinado nem preenchido pelo executado».
O Tribunal de 1ª instância concluiu que o «exequente provou ter sido o executado a preencher e assinar o cheque, com excepção do nome do exequente».
Um dos meios de prova realizados foi a prova pericial.
No relatório pericial - fls. 200 a 219 – consignou-se como conclusão ser provável quer a escrita contestada da assinatura aposta no cheque quer a escrita contestada do preenchimento do mesmo ser do punho do aqui executado.
Na sequência o executado veio pedir esclarecimentos, sendo a sua pretensão indeferida por despacho de fls. 239 onde se referiu que o relatório pericial não padecia de qualquer obscuridade, ambiguidade ou deficiência que carecesse de ser esclarecida.
Continua o apelante a pugnar pelo entendimento de que as reclamações deveriam ter sido atendidas e pela relevância da circunstância de o executado ter um problema na mão.
Vejamos.
Nos termos do art. 587 do CPC as partes podem formular as suas reclamações se entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.
Se as reclamações forem atendidas o juiz ordenará que o perito complete, esclareça ou fundamente por escrito o relatório apresentado.
Como explicam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto ([4]) ocorrerá deficiência quando o relatório não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão amplamente como devia; haverá obscuridade quando não se vislumbra o sentido de alguma passagem ou esta pode ter mais do que um sentido; a contradição será entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos ou entre as posições tomadas pelos vários peritos quando a perícia seja colegial. De nenhum desses vícios sofre o relatório pericial apresentado o qual se mostra amplamente fundamentado. Aliás, o apelante, nas suas conclusões de recurso, apenas se reconduz ao problema que o executado teria na mão, o que o levara a insistir com o Tribunal de 1ª instância nos seguintes termos:
«O executado referiu durante a diligência que tinha, desde longa data, um problema num dedo da mão direita e que tal lhe dificultava a escrita, tendo tal afirmação sido registada no processo. No Relatório Pericial nada foi dito sobre tal facto, não se sabendo se foi, ou não, levado em consideração».
Merecendo tal requerimento o despacho de fls. 241, do seguinte teor:
«O problema num dos dedos da mão direita, referido pelo executado, era do conhecimento das peritas antes da elaboração do relatório pericial, tanto que o registaram na folha de identificação (fls. 199).
2. A falta de alusão a tal problema na justificação da escrita pouco fluente e lenta deve-se apenas à desconsideração do mesmo, o que se compreende pois não se estende aos cinco dedos ou a toda a mão.
3. Não se justifica, por isso e ainda assim, esclarecimento adicional».
Sucede que quando da recolha de elementos de escrita do executado a perita responsável pela recolha de escrita constatou como observação «problema num dos dedos» (fls. 189). Tal circunstância – conhecida, pois – não foi valorizada, não lhe sendo dada relevância. O referido problema na mão, quanto muito, levaria a que a escrita apresentasse “diferenças” e não acentuaria “semelhanças”, mas nem isso o relatório considerou.
Pelo que o pretendido esclarecimento não se justificava, não sendo relevante em termos de influência na posterior decisão sobre a matéria de facto.
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IV – 4 - Na audiência de discussão e julgamento prestou depoimento “C” que disse ser casada com o exequente e conhecer o executado ([5]); tendo sido advertida nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 618 do CPC, declarou pretender falar. Vem agora o apelante sustentar que a testemunha «deveria ter sido parte e não testemunha, pois o cheque é para proveito comum do casal e tem interesse na causa, não deveria ter sido admitida a depor, devendo ser considerada inábil para ser testemunha».
Vejamos.
A inquirição como testemunha de quem seja inábil para depor origina uma nulidade processual, nos termos do art. 201 do CPC, a ser arguida na oportunidade a que alude o art. 205 do mesmo Código – o que não sucedeu.
Mesmo assim, «se a nulidade não for atempadamente arguida, o tribunal ao apreciar livremente a prova, não deve deixar de valorar, como facto acessório a considerar, a existência do fundamento da inabilidade» ([6]).
Daí, porque o Tribunal de 1ª instância, na decisão sobre a matéria de facto provada, se fundamentou também no depoimento de “C”, haver que avaliar a argumentação do apelante quanto à inabilidade da testemunha – que, desde já se adianta, não tem razão de ser.
Não oferece dúvida que, nos autos, o exequente é, tão só, “A”, sendo executado/opoente “B”. “C”, sendo embora casada com o exequente “A”, pese embora o seu interesse e relacionamento com os factos dos autos, não é parte no processo.
Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto ([7]) «a testemunha é um terceiro em face da relação jurídica processual, ainda que não perante a relação jurídica material ou os interesses que no processo se discutem».
Nos termos do art. 617 do CPC estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Ora, não sendo parte, a referida “C” não poderia depor como tal, podendo depor como testemunha, embora com a faculdade de se poder recusar a depor (nº 1-c) do art. 618 do CPC) – o que no caso não ocorreu.
Daí nada obstar ao depoimento como testemunha de “C”, em que o Tribunal de 1ª instância se fundamentou.
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IV – 5 - Do verso do cheque em referência não constava a razão da sua devolução.
De acordo com o que o executado refere o exequente no requerimento executivo alegara que a devolução fora devida a falta de provisão. Sucede, porém, que posteriormente, na contestação à oposição deduzida em 16-2-2012 o exequente esclareceu que o cheque veio devolvido alegadamente por “assinatura não conforme”, comprovando-o através da junção de uma carta que lhe fora enviada em 20-11-2007 pelo Banco “F” (fls. 46-48).
Deste modo, o exequente terá corrigido uma afirmação incorrecta constante do requerimento executivo. A circunstância de no verso do cheque não constar o motivo da sua devolução não lhe retira a qualidade de título executivo, nem implica a sua insuficiência, como decorre claramente do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 46 do CPC. Não esqueçamos, aliás, que de acordo com os elementos de que dispomos nos autos ([8]) o cheque em referência foi invocado como mero quirógrafo da obrigação que fundamenta a sua subscrição ([9]). Não colhe, pois, a afirmação do apelante de que a insuficiência/inexistência do título executivo apenas foi suprida em 16-2-2012 (conclusão 9ª) antes o tendo sido quando da junção do original do cheque, bem como a de que até então estivemos sem título executivo ou título executivo suficiente (conclusão 25ª).
Provou-se, efectivamente, que apresentado a pagamento o cheque veio devolvido por “assinatura não conforme”, nada impondo, como vimos, que para que o cheque em causa correspondesse a um título executivo o motivo da devolução houvesse que constar do documento.
Improcedem, pois, todas as conclusões da apelação.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 11 de Julho de 2013
Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Em «A Acção Executiva – Depois da Reforma da Reforma», Coimbra, 5ª edição, pags. 76-77. [2] Obra e local citados. [3] Em «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pags. 164 e 168. [4] No «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra, vol. II, pag. 518. [5] Acta de fls. 265 e seguintes. [6] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, na obra citada, pag. 534. [7] Obra citada, pag. 533. [8] Não dispomos de cópia do requerimento executivo, mas são feitas menções várias ao mesmo. [9] Como referiu o STJ no seu acórdão de 21-10-2010, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , processo 172/08.6TBGRD-A.S1 «podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva LU como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira «causa petendi» da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório»; «neste caso, o documento assinado pelo devedor constitui quirógrafo de uma obrigação causal cujos elementos constitutivos essenciais têm de ser processualmente adquiridos, em complemento do título executivo, por iniciativa tempestiva e processualmente adequada do próprio exequente, sendo articulados no requerimento executivo sempre que não resultem do próprio título». Assim, nada obsta «a que o cheque seja invocável, no âmbito das relações imediatas, como mero quirógrafo de uma relação obrigacional causal, não sujeita a particular forma legal, justificadora da ordem de pagamento dada pelo executado a favor do exequente, desde que este, no requerimento executivo, tenha alegado os factos constitutivos desse débito causal - não mencionado no próprio cheque dado à execução - nos termos actualmente consentidos, de forma expressa, pelo art. 810º, nº3, al. c) do CPC».