INDEMNIZAÇÃO
SEGURADORA
DIREITO DE REGRESSO
CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
Sumário

1. Conforme preceituado no artigo 19.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85 É esta a legislação aplicável, uma vez que o acidente ocorreu antes da publicação do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto., “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso... contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandono de sinistrado...»
2. No caso de condução sob o efeito do álcool, a seguradora só poderá ser indemnizada por via de regresso contra o segurado, condutor do veículo, se este tiver agido sob a influência do álcool e se provar um nexo causal entre o sinistro e a condução sob o efeito do álcool.
3. E compete à seguradora provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
4. Assim, toda a questão está em saber o que se entende por “agir sob a influência do álcool”, o que passa essencialmente por saber se basta que o condutor apresente uma taxa superior à legalmente permitida, ou se, além disso é necessário que se prove que o acidente ocorreu por o condutor se encontrar alcoolizado, ou seja, se tem de se provar que existiu um nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
5. Esta questão tem suscitado divergências na nossa jurisprudência e têm sido seguidas, no essencial, três teses:
a) O reembolso pela seguradora é sempre devido porque representa o desvalor da acção, uma vez que o risco contratualmente assumido não se compadece com condutores que agem sob o efeito do álcool e que preconiza o efeito automático da existência do direito de regresso [v. g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, (S) vol. III-1, p. 151, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1999, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, p. 307];
b) A seguradora só tem direito de regresso se provar que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador [v., v. g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, (S) vol. I-1, p. 104, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 442, p. 155, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, vol. V-1, p. 39 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997.
c) O direito de regresso só existe se a situação de alcoolemia for causa do acidente, embora tal relação seja de presumir nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 3/82, do artigo 350.º do Código Civil e do artigo 81.º do C. E. (Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 1995, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 449, p. 429), cabendo ao condutor, portador da taxa de alcoolémia no sangue (TAS), provar que o acidente teve outra causa.
6. Entretanto, o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2002, de 28.05.2002, seguiu a orientação referida em b) e uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.»
7. Mesmo nos casos em que se prove que o segurado agiu com culpa, cometendo uma infracção grave, sendo o único responsável pelo acidente, essa circunstância, por si só, não pode fazer presumir o nexo de causalidade justificativo do direito de regresso.
8. Assim, a influência do álcool só relevará se tiver sido causal relativamente ao acidente, pois, caso contrário, o direito de regresso resultaria directamente da prova de que o condutor apresentava uma TAS superior à permitida por lei
9. Na generalidade dos casos não é fácil provar-se o nexo de causalidade entre a TAS e o acidente, mas isso não significa que se esteja a remeter o direito de regresso a um regime de “prova diabólica”, com base na ideia de que, por via de regra, o condutor sóbrio também pode ter acidentes em circunstâncias semelhantes.
10. Mas, também mal se compreenderia que o simples facto de o condutor agir sob a influência do álcool fizesse nascer, ipso facto, o direito de regresso.
11. Estamos perante um facto constitutivo do direito invocado pelo autor, pelo que lhe compete fazer a prova de que o acidente ocorreu por o réu conduzir sob a influência do álcool (artigo 342.º, n.º 1, do CC), não se justificando a inversão do ónus da prova.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa – 7ª secção.
I
1. L… S.A. propôs a presente acção com processo sumário contra J…, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 5.677,06 € a título de direito de regresso relativamente aos montantes pagos pela autora na sequência do acidente de viação em que o réu foi interveniente, ocorrido em … 2007, pelas … horas e … minutos, em L….
Para tanto, alegou em síntese, que:
- No dia … de 2007, cerca das … horas e … minutos, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. … com a Av. …, em L…, em que foram intervenientes o veículo de matrícula RL, seguro na autora e o veículo de matrícula ZF, conduzido por F…..;
- O réu não respeitou a sinalização semafórica vermelha, bem como violou um sinal vertical de sentido obrigatório, bem como conduzia sob o efeito do álcool, apresentando no momento do acidente uma taxa de alcoolemia do valor de 0,78 g/ l, o que diminuiu as suas capacidades físicas e motoras, afectando determinantemente a sua capacidade de condução;
- Na sequência do embate, resultaram danos materiais nos dois veículos intervenientes no acidente, tendo a autora solicitado aos seus serviços técnicos a realização de peritagem ao veículo … a fim de serem determinados os danos e o orçamentado da reparação;
- A autora procedeu ao pagamento da reparação do veículo …, no montante de 4.373,28 €, bem como suportou a quantia de 1.303,78 € a título de aluguer de um veículo de substituição.
2. O réu foi citado pessoalmente e contestou.
Para tanto, alegou em síntese, que:
- Não violou qualquer sinalização luminosa, porque o sinal se encontrava verde, apenas tendo efetuado uma manobra que não lhe era permitida ao virar no cruzamento com o objetivo de seguir pela Av. … no sentido da Praça …;
- O acidente não ocorreu devido à condução do réu sob o efeito do álcool, não alegando a autora factos que, em concreto, possam consubstanciar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
3. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido dados como provados os seguintes factos[1]:
1. A autora exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos.
2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou com o ora ré um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº …, conforme documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Através do referido contrato de seguro, a A. assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula RL.
4. No dia … de 2007, pelas … horas, ocorreu um acidente de viação no cruzamento entre a Avª …, Avª …e a Avª …, em L…, conforme cópia da participação de Acidente de Viação junta aos autos como documento nº 2 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Foram intervenientes neste acidente o veículo seguro RL, conduzido na altura pelo réu.
6. E o veiculo de matrícula … [de ora em diante designado …], conduzido, no momento do acidente, por F….
7. O local do acidente configura um cruzamento.
8. Em todas as artérias, o trânsito processa-se em ambos os sentidos.
9. A Av. … é composta por 8 (oito) vias de trânsito.
10. Sendo que em três dessas vias o trânsito se processa no sentido Norte/Sul.
11. E nas restantes vias que compõem a referida Avenida, o trânsito faz-se no sentido Sul /Norte.
12. Por sua vez, a Av. …é constituída igualmente por 8 (oi to) vias de trânsito.
13. Existindo quatro vias para cada sentido de trânsito.
14. A Av. … é composta por 4 (quatro) vias de trânsito.
15. Destinando-se as mesmas à circulação no sen ido Este /Oeste.
16. Todas estas artérias estão reguladas por sinalização semafórica.
17. No momento do acidente, estava bom tempo.
18. O veículo RL circulava na Av. … pela via mais à esquerda, atento o sentido Este/Oeste.
19. Com a intenção de passar a circular na Av. …, no sentido Norte/Sul.
20. Para quem circula pela Av. …, em direção à Av. … existe um sinal de sentido obrigatório [sinal D1c do Regulamento de Sinalização de Trânsito], bem como sinalização semafórica.
21. Por sua vez, o veículo … circulava na Av. … no sentido Oeste/Este.
22. Ao chegar ao cruzamento, a condutora do veículo …, perante o sinal luminoso na posição de verde, avançou.
23. Quando, lhe surgiu, súbita e inopinadamente, a cortar a sua linha de marcha o veículo seguro ...
24. Provocando o embate com a parte frontal lateral direita do veículo seguro … na parte frontal do veículo ….
25. Acresce que o ora R. conduzia o veículo seguro sob a influência do álcool.
26. Logo após o acidente, ambos os condutores intervenientes no acidente foram submetidos ao teste qualitativo de alcoolemia, pela autoridade policial presente no local.
27. A condutora do veículo … acusou uma TAS negativa.
28. Por sua vez o condutor do veículo seguro e ora R. acusou uma TAS positiva.
29. Após o que, foi transportado à 2ª Secção de Acidentes da Divisão Policial de Trânsito de …… - …, local onde foi submetido ao teste quantitativo de alcoolemia.
30. Cujo resultado foi de uma TAS de 0,85 g/ l.
31. Face a este resultado, o R. requereu a realização de contraprova.
32. Para esse efeito, foi submetido, nesse mesmo local, a novo teste quantitativo de alcoolemia.
33. Tendo este último teste acusado a TAS de 0,78 g/ l , correspondente à TAS de 0,85 g/ l deduzido o valor máximo de erro admissível de 0,07 g/ l.
34. A TAS que o R. acusou diminuiu-lhe as capacidades físicas e motoras.
35. O álcool no sangue afectou a capacidade de condução do réu, limitando as suas capacidades de visão, atenção e reação sendo causal para a produção do acidente.
36. E provocando uma sub-avaliação do perigo e das distâncias.
37. Do embate resultaram danos materiais nos dois veículos intervenientes no acidente supra descri to, nomeadamente na dianteira do veículo ….
38. A autora solicitou aos seus serviços técnicos a realização de uma peritagem ao veículo .., a fim de serem determinados os danos e orçamentado o valor da reparação.
39. Na sequência da peritagem, foi possível concluir que o veículo … apresentava danos em todas a parte dianteira, no valor de 4.373,28€.
40. A autora ao abrigo do contrato de seguro supra identificado, procedeu ao pagamento da reparação do veículo … no montante de 4.373,28€ .
41. Durante o período de tempo necessário à realização da reparação, o veículo .. esteve impedido de circular.
42. Por essa razão, a autora suportou os custos referentes à sua paralisação.
43. A autora despendeu a quantia de 1.303,78€ a t í tulo de aluguer do veículo de substituição.
44. Estes pagamentos derivaram das Condições Gerais do Contrato de Seguro aludido no artigo 2º da petição inicial.
45. O semáforo apresentava a cor verde para os veículos que como o réu circulavam na artéria descrita na participação do acidente elaborada pela PSP, junto com a petição inicial sob o doc. 2.
46. O réu tinha um veículo à sua frente, pelo que só avançou após este ter arrancado com o sinal verde, tal como os restantes veículos que seguiam atrás do réu.
47. O mesmo se passando com a condutora do veículo …, já que os dois sinais luminosos apresentavam então a cor verde, o que é lógico tendo em conta o cruzamento e as características do local onde ocorreu o acidente.
48. O que aconteceu foi que o R. efectuou uma manobra que não lhe era permitida, já que pretendeu virar no cruzamento com o objetivo de seguir pela Av. … no sentido da Praça ….
49. E ao assim ter procedido embateu no veículo … que seguia no cruzamento em frente.
50. Quer isto dizer que o réu ao pretender mudar de direção no cruzamento para seguir pela Av. … em direção à Praça …, efetuou uma manobra proibida, mas não passou por tal cruzamento com o sinal vermelho.
51. Tanto o réu como a condutora do veículo … podiam atravessar simultaneamente o cruzamento em causa, nas direções em que seguiam, sem que existisse algum impedimento.
52. Bastando que o réu tivesse seguido em frente, sendo que o réu é que não poderia ter mudado de direção, circunstância que causou e foi determinante para a produção do acidente.
53. À autora o réu apresentou os elementos e esclarecimentos devidos em circunstâncias como aquelas em que ocorreu o acidente.
4. Com base nestes factos foi proferida a competente sentença com o dispositivo que se transcreve:
Face ao exposto, decido julgar a presente ação procedente, por provada e, em consequência, condeno o réu, J…, a pagar à autora, L… a quantia de 5.677,06 € (cinco mil seiscentos e setenta e sete euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4 %, contados desde a citação até integral pagamento.
Dela recorreu o réu, formulando as seguintes conclusões:
A. Os quesitos 22º, 31º, 32º, 33º e 35º da base instrutória foram indevidamente dados como provados, pelo que a respetiva matéria deve ser dada como não provada.
B. A prova produzida pelo Recorrente através das testemunhas F…. e M…, impõe que tais quesitos sejam dados como não provados, em sede de reapreciação da prova e ao abrigo do disposto no artigo 685º-B do CPC.
C. O acidente ocorreu por causas que nada tiveram a ver com a condução pelo Recorrente sob a influência do álcool.
D. Recorrente logrou demonstrar que não ultrapassou qualquer sinal vermelho, o que foi confirmado pela douta sentença recorrida.
E. Foi a Autora (quesito 16º dado como não provado) quem invocou expressamente que o acidente apenas aconteceu pelo facto do Recorrente ter desrespeitado a sinalização semafórica existente no local, ultrapassando um sinal vermelho do qual ele não se teria apercebido por conduzir sob o efeito do álcool.
F. Quer isto dizer que este foi o nexo de causalidade adequada invocado pela Autora seguradora para demonstrar a relação entre a condução sob influência do álcool e o resultado danoso provocado pelo Recorrente.
G. Face a esta prova, o Tribunal a quo não podia ter fundamentado a condenação do Recorrente através de um nexo de causalidade - o desrespeito da sinalização vertical existente no local - que nem sequer foi apresentado e suscitado pela Autora seguradora, sendo que toda a defesa apresentada pelo Recorrente foi baseada no nexo de causalidade estabelecido pela Autora e não naquele outro estabelecido a posteriori pela douta sentença recorrida.
H. Em qualquer caso, as testemunhas F… e M…, únicas testemunhas presenciais do acidente que prestaram depoimento, referiram as circunstâncias exactas em que ocorreu o acidente, sendo que em face das suas declarações não é possível concluir pela existência do aludido nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a não observância da sinalização vertical, conforme tudo melhor consta da transcrição dos seus depoimentos prestados na sessão de julgamento de 20.10.2010 e reproduzidos em supra.
I. A resposta dada aos quesitos 22º, 31º, 32º, 33º e 35º da base instrutória - provados - não só não têm qualquer apoio na prova produzida, como até os respetivos factos foram infirmados pelas referidas testemunhas.
J. A douta sentença recorrida não fundamentou o seu entendimento de que o desrespeito da sinalização vertical pelo Recorrente ficou a dever-se à condução sob o efeito do álcool, nem um facto foi apresentado para o comprovar.
K. A douta decisão recorrida adere à tese segundo a qual a simples existência da taxa de alcoolémia superior ao máximo permitido por lei determina, automaticamente, a condenação do respectivo agente pelos danos causados, estabelecendo como que uma verdadeira presunção de culpa inilidível.
L. A tese aceite e fixada pela nossa jurisprudência não é essa, mas sim a de que o reembolso só tem lugar se a seguradora fizer a prova de que o sinistro apenas teve lugar por causa (normativamente adequada) da influência do álcool na produção do acidente.
M. O Tribunal a quo supriu a inexistência de tal nexo de causalidade, pela sua invocada prova de primeira aparência, quando a prova produzida no processo não lhe permitia (bem pelo contrário) retirar tal conclusão.
N. Ficou provado, contrariamente ao que era referido pela Autora Seguradora, que:
a) O acidente não se ficou a dever ao desrespeito da sinalização semafórica;
b) O Recorrente imobilizou o seu veículo no cruzamento e que só avançou quando o sinal apresentou a cor verde;
c) O local onde ocorreu o acidente é um cruzamento com vários entroncamentos;
d) O Recorrente conduzia o seu veículo em perfeitas condições conforme foi referido pelas testemunhas que arrolou;
e) A mudança de direção por parte do recorrente não se ficou a dever ao efeito do álcool, mas sim a uma decisão perfeitamente conscienciosa do recorrente, o qual não se apercebeu de que a mesma não lhe era permitida e que tanto o Recorrente como o condutor do outro veículo podiam ter mudado de direção.
O. Da prova produzida não resulta que a causa do acidente tenha emergido da própria etilização do Recorrente.
P. Contrariamente ao referido na douta sentença recorrida, não ficou demonstrado que o grau de alcoolemia do Recorrente funcionou como causa real, efetiva e adequada ao desencadear do acidente.
Q. A douta sentença recorrida violou, pois, a alínea c) do n.º1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, artigos 342º e 346º do Código Civil e artigos 264º, nº 2, 516º, 655º, nº 1 e 664º, do Código do Processo Civil.
R. A douta sentença recorrida deve ser revogada, sendo proferido acórdão que decida pela improcedência do pedido da Autora e, consequentemente, absolva o Recorrente do pedido.
E termina dizendo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente:
a) Alterada a matéria de facto, por forma a que os quesitos 22º, 31º, 32º, 33º e 35º da Base Instrutória sejam dados como não provados;
b) Revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser o ora recorrente absolvido do pedido.
5. Em contra-alegações foram extraídas as conclusões que seguem
1. Contrariamente ao invocado pelo Recorrente, a violação da sinalização semafórica não foi a única conduta ilícita alegada pela Recorrida, como causal para ocorrência deste acidente.
2. A Recorrida alegou que existia um sinal de sentido obrigatório [em frente] e que o Recorrente mudou de direcção para o lado esquerdo, o que significa que imputou ao mesmo a violação daquele sinal vertical.
3. Essa conduta do Recorrente resultou provada nos autos, assim como ficou provado que a mesma foi causal para a ocorrência do acidente.
4. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n 6/2002 veio preconizar a doutrina de que só assistirá direito de regresso à Seguradora, se esta provar que o acidente foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador.
5. Os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência não têm carácter vinculativo, nem obrigatório.
6. De facto, é possível inferir através de presunção judicial, a existência de nexo de causalidade.
7. O julgador pode basear-se em presunções naturais, baseadas nas regras da experiência comum e em juízos de probabilidade para concluir pelo nexo de causalidade entre a TAS acusada pelo condutor e o acidente.
8. Face às regras de experiência comum e científica, a influência de uma TAS de 0,78 g/I no ora Recorrente, em abstracto, era idónea para levar à diminuição dos seus reflexos, e das suas capacidades de atenção, percepção e reacção.
9. O Recorrente não reparou no sinal vertical de sentido obrigatório.
10. O homem médio colocado em iguais circunstâncias de tempo e lugar, na qualidade de condutor, certamente teria visto o sinal vertical e cumprido o mesmo.
11. Não foram provadas quaisquer circunstâncias que justifiquem o facto do Recorrente não ter visto o sinal em causa.
12. Não existem quaisquer factos, quer humanos, quer naturais, quer circunstanciais, que permitam encontrar outra explicação para tal erro de percepção.
13. Atenta a forma como ocorreu o acidente, torna-se evidente que face à TAS apresentada, esta foi efectivamente causal para ocorrência do acidente.
14. Verifica-se, portanto, não só em abstracto como também em concreto, que a causa do acidente dos presentes autos foi o facto do Recorrente conduzir sob o efeito de uma TAS de 0,78g/I, pois não fosse a taxa de alcoolemia, este teria reparado no sinal vertical de sentido obrigatório e teria cumprido o mesmo.
15. Atendendo aos factos dados como provados, é possível para o Tribunal concluir, através de uma presunção judicial, pela existência de nexo de causalidade entre o acidente e a TAS apresentada pelo ora Recorrente.
16. Assim, encontra-se provada a existência de nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
17. A matéria de facto dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo não deve ser objecto de qualquer alteração.
II
É pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites do recurso (art.º 684.º, n.º 3 e 685.º-B, ambos do CPC)
Estão essencialmente em causa duas questões:
a) Eventual alteração da matéria de facto;
b) Se, independentemente dessa alteração, deve manter-se a decisão recorrida, isto é, se se verificam os pressupostos do direito de regresso a favor da seguradora.
III
1. Estão em causa os quesitos 22º, 31º, 32º, 33º e 35º, com a seguinte redacção:
22. Acresce que o ora R. conduzia o veículo seguro sob a influência do álcool?
31. A TAS que o R. acusou diminuiu-lhe as capacidades físicas e motoras?
32. O álcool no sangue afetou determinantemente a capacidade de condução do réu?
33. Limitando as suas capacidades de visão, atenção e reação sendo causal para a produção do acidente?
35. E provocando uma sub-avaliação do perigo e das distâncias?
No essencial, como resulta dos factos provados sob os n.ºs 25, 34, 35 e 36, todos os quesitos foram dados como provados, excepto o 32º, ao qual foi respondido restritivamente (retirando-se o vocábulo “determinantemente”), ou seja, ficou provado apenas que “o álcool no sangue afectou a capacidade de condução do réu”.
E tem interesse referir que ao quesito 34 foi respondido “não provado”, o qual tinha a seguinte redacção: O álcool actuou como agente desinibidor, provocando no R uma euforia incompatível com o exercício de uma actividade perigosa como a condução?
2. Em 1ª instância foram assim fundamentadas as respostas dadas a estes artigos da BI:
«No que tange aos factos vertidos nos pontos 31.º a 35.º da base instrutória, encontramo-nos perante matéria de facto cuja dificuldade de prova é manifesta.
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2003, disponível em www.dgsi.pt, o melindre da factualidade em causa projecta as dificuldades do julgador na arte de julgar, remetendo-o a uma gestão cuidadosa da flexibilidade e da exigência.
Assim, como se refere no citado aresto jurisprudencial, há-de obter-se a resposta através de regras da vida real, devendo fazer-se alguma transigência, no contexto ponderativo de certos casos limite, evitando um qualquer juízo de arbítrio, sem cair no fundamentalismo formal do ritual da prova.
O coeficiente de exigência probatória material tem que ser contido nos limites do razoável das circunstâncias concretas, do concreto tipo de nexo causal sem, todavia, se abrir mão da exigência do princípio de que à seguradora competirá a prova da relevância da alcoolemia na produção do acidente e sem se cair no automatismo ou presunção da causa, que a reverta a uma singela condição sine qua non do resultado.
Na verdade, a demonstração directa do nexo causal entre a condução sob influência do álcool e o resultado danoso provocado pelo condutor alcoolizado não é possível em casos como o dos autos. Assim, como se refere no citado acórdão, à assinalada transigência bastará a prova bastante, porventura a prova da primeira aparência, cabendo ao condutor a contraprova, apontando factos de que resulte a séria possibilidade de um decurso atípico.
Assim, quando um grau considerável de probabilidade aponta para que o resultado danoso verificado se enquadra numa consequência típica da condução sob a influência do álcool, estaremos perante prova bastante do nexo causal entre a condução no referido estado e o evento danoso ocorrido.
No mesmo sentido apontado pelo citado aresto, poderão ver-se, ainda e entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 20/11/2008 e 17/09/2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, no que se refere aos factos vertidos nos pontos 31.º a 35.º da base instrutória, importa referir ser do conhecimento geral, comprovado por inúmeros estudos científicos, que o álcool influência de facto as capacidades físicas e psíquicas do condutor, nomeadamente reduzindo a acuidade visual, quer para perto, quer para longe, bem como perda de vigilância em relação ao meio envolvente, já que sob a influência do álcool as capacidades de atenção e de concentração do condutor ficam diminuídas.
Mais, o álcool perturba as capacidades perceptivas, de tal modo que a identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta, aumentando, assim, o tempo de reacção, e tornando mais lenta a resposta reflexa, diminuindo de igual modo a resistência à fadiga.
Por tudo o exposto, não podia o Tribunal deixar de julgar provados os factos vertidos nos pontos 31.º a 33.º e 35.º da base instrutória tal como o fez, sendo que a resposta dada aos factos vertidos em 32.º o foi de forma restritiva, uma vez que a expressão “determinantemente” ali contida se revela de cariz conclusivo, não encerrando factualidade concreta.»
Considerou-se, portanto, nesse despacho, que compete à autora fazer a prova da relevância da alcoolemia para o acidente. Mas logo se acrescenta que “bastará a prova bastante, porventura a prova da primeira aparência, cabendo ao condutor a contraprova, apontando factos de que resulte a séria possibilidade de um decurso atípico”. Assim, prossegue aquele raciocínio: “quando um grau considerável de probabilidade aponta para que o resultado danoso verificado se enquadra numa consequência típica da condução sob a influência do álcool, estaremos perante prova bastante do nexo causal entre a condução no referido estado e o evento danoso ocorrido”.
A verdade é que, salvo o devido respeito, a seguradora não fez essa prova da primeira aparência e o M.º juiz, tecendo embora doutas considerações de ordem jurisprudencial, e até de carácter científico, nada disse em concreto em relação ao caso sub judice.
As respostas dadas aos citados artigos da BI não tiveram praticamente em consideração o caso concreto, excepto, porventura, a resposta dada ao quesito 22 que resultaria directamente da circunstância de o R conduzir com uma TAS superior à permitida (mas esta resposta também será alterada).
O réu arrolou duas testemunhas que presenciaram o acidente e tinham acompanhado o réu durante a tarde. Uma delas declarou que era transportada no veículo ao lado do condutor e outra que seguia no seu veículo, atrás do veículo conduzido pelo réu, pelo que ambas presenciaram o acidente.
Estas afirmaram peremptoriamente que o réu “não estava bêbado” e que faria a manobra em causa em qualquer circunstância, porque pensava que podia virar à esquerda. A testemunha F… disse, por exemplo, que o réu lhe disse que nem sequer reparou no sinal porque pensou que podia fazer tal manobra: “virei porque pensava que podia virar”.
Por isso, como consta da conclusão H, tendo em consideração as declarações destas testemunhas, não seria possível concluir pela existência do aludido nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a não observância da sinalização vertical, “conforme tudo melhor consta da transcrição dos seus depoimentos prestados na sessão de julgamento de …/2010 e reproduzidos em supra”.
É certo que o depoimento de testemunhas naquelas condições (tinham passado parte do dia com o réu e eram suas amigas) nem sempre pode ser aceite sem reservas. A verdade é que a seguradora não fez a mínima prova em sentido contrário, no sentido de abalar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo réu
Ora, salvo melhor opinião, admitindo-se ser suficiente a prova da primeira aparência e que podem ser tidas em consideração as aludidas presunções, parece-nos que, in casu, não seria possível invocá-las, porquanto não existem factos dos quais pudessem ser retiradas tais conclusões. “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do CC)[2]. Mas, salvo o devido respeito, nenhum facto foi sequer alegado do qual se pudesse concluir que o réu conduzia sob a influência do álcool. Aliás, não foi invocado qualquer comportamento do réu, posterior ao acidente, que indiciasse estar alcoolizado. Pelo contrário, parece-nos importante que, por um lado, tenha logo aceitado a responsabilidade pelo acidente e, por outro, que tenha pedido a realização da contraprova. Ou seja, as respostas aos quesitos terão sido dadas apenas com base na TAS e nos ensinamentos da ciência sobre a influência do álcool na condução. É certo, como se diz na fundamentação, que o álcool “perturba as capacidades perceptivas, de tal modo que a identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta, aumentando, assim, o tempo de reacção, e tornando mais lenta a resposta reflexa, diminuindo de igual modo a resistência à fadiga”. Mas para os efeitos do direto de regresso há que ter em consideração o caso concreto.
Diz a apelada: efectivamente, consideramos que, atendendo aos factos dados como provados, é possível para o tribunal concluir, através de uma presunção judicial, pela existência de nexo de causalidade entre o acidente e a TAS apresentada pelo ora recorrente”.
Não vemos, porém, onde estejam tais factos.
Aliás, a autora imputou ao réu, sobretudo, a infracção resultante de ter passado o semáforo com o sinal vermelho para os veículos. E esse facto não foi dado como provado.
Pelo contrário, foi dado como provado:
- O semáforo apresentava a cor verde para os veículos que como o réu circulavam na artéria atrás descrita
- Entretanto, o R. efetuou uma manobra que não lhe era permitida, pois pretendeu virar no cruzamento com o objetivo de seguir pela Av. … no sentido da Praça ….
- E ao assim ter procedido embateu no veículo … que seguia no cruzamento em frente.
- Quer isto dizer que o réu, ao pretender mudar de direção (no cruzamento) para seguir pela Av. … em direção à Praça … [em vez de seguir em frente, como lhe competia], efetuou uma manobra proibida, mas não passou por tal cruzamento com o sinal vermelho.
- Tanto o réu como a condutora do veículo … podiam atravessar simultaneamente o cruzamento em causa, nas direções em que seguiam, sem que existisse algum impedimento, bastando que o réu tivesse seguido em frente, (sendo certo que o réu não podia ter mudado de direção, circunstância que causou e foi determinante para a produção do acidente.
Portanto, foi a autora que invocou expressamente que o acidente ocorreu pelo facto de o recorrente ter desrespeitado a sinalização semafórica existente no local, ultrapassando um sinal vermelho do qual ele não se teria apercebido por conduzir sob o efeito do álcool. Mas foi provado que o ora recorrente não ultrapassou qualquer “sinal vermelho”, o que foi confirmado na douta sentença recorrida.
É certo que no artigo 29 da PI a autora alega que o R desrespeitou ainda um sinal vertical de sentido obrigatório. E este facto foi dado como provado, mas não foi com base nele que a A. diz que o réu conduzia sob o efeito do álcool.
Ou seja, não ficou provado que o réu passou pelo semáforo quando este apresentava cor vermelha para veículos, mas praticou uma manobra proibida, pois, no local, não lhe era permitido virar à esquerda. E foi em virtude dessa infracção (grave) que ocorreu o embate entre os dois veículos, com as consequências descritas.
Diz a apelada: contrariamente ao invocado pelo Recorrente, a violação da sinalização semafórica não foi a única conduta ilícita alegada pela Recorrida, como causal para a ocorrência deste acidente; a Recorrida alegou que existia um sinal de sentido obrigatório [em frente] e que o Recorrente mudou de direcção para o lado esquerdo, o que significa que imputou ao mesmo a violação daquele sinal vertical; essa conduta do Recorrente resultou provada nos autos, assim como ficou provado que a mesma foi causal para a ocorrência do acidente.
Mas não foi esta a causa invocada pela seguradora para fundamentar o seu pedido, ou seja, não foi esse o nexo de causalidade adequada (vejam-se as conclusões E e F)
Não há qualquer dúvida de que o réu, no momento do acidente apresentava uma TAS de 0,78 g/l. Mas isso não significa necessariamente que o acidente tenha ocorrido por o réu conduzir com aquela percentagem de álcool no sangue.
Diz a apelada: o julgador pode basear-se em presunções naturais, baseadas nas regras da experiência comum e em juízos de probabilidade para concluir pelo nexo de causalidade entre a TAS acusada pelo condutor e o acidente; face às regras de experiência comum e científica, a influência de uma TAS de 0,78 g/I no ora Recorrente, em abstracto, era idónea para levar à diminuição dos seus reflexos, e das suas capacidades de atenção, percepção e reacção.
Mas, se, em teoria é assim, tal não significa que daí se possa concluir, por simples presunções, que a taxa de alcoolémia foi  causal do acidente.
Alega também a apelada: “o homem médio colocado em iguais circunstâncias de tempo e lugar, na qualidade de condutor, certamente teria visto o sinal vertical e cumprido o mesmo”. Mas também não há qualquer dúvida de que um condutor de diligência normal (o bonus pater familia) sem qualquer percentagem de alcool no sangue podia ter agido da mesma maneira.
Em síntese: Não tem razão a apelante no que alega na conclusão n.º 14: “verifica-se portanto, não só em abstracto como também em concreto, que a causa do acidente dos presentes autos foi o facto do Recorrente conduzir sob o efeito de uma TAS de 0,78g/I, pois não fosse a taxa de alcoolemia, este teria reparado no sinal vertical de sentido obrigatório e teria cumprido o mesmo”.
Caso contrário, seguir-se-ia a doutrina contrária à que fez vencimento no acórdão uniformizador de jurisprudência (n.º 6/2002, de 28.05.2002, a que nos referiremos mais tarde).
4. Mas, tendo em consideração a natureza dos quesitos e os factos deles constantes, parece-nos que não se pode responder pura e simplesmente “não provado”.
Entendemos assim que se justifica uma resposta conjunta a todos os quesitos, no sentido de que o réu era portador, no momento do acidente, de uma taxa de alcoolemia no sangue de 0,78 g/ l.
III
1. A questão que se põe é a de saber se, não obstante a resposta dada a estes quesitos, a decisão deve ser mantida ou se, pelo contrário, deve ser revogada.
2. Dispõe o artigo 19.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85[3]:
«Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso:
... contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandono de sinistrado...»
Aqui apenas importa ter em consideração a condução sob o efeito do álcool.
Assim, o direito de regresso a favor da seguradora só existe se o segurado conduzir sob a influência do álcool e a seguradora for responsabilizada pelas consequências do acidente.
Sobre estas questões foi referido a douta sentença:
a) quanto à responsabilidade pelas consequências do acidente de viação: «atento tudo o exposto, verifica-se estarem preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual plasmados no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a L…. procedido ao ressarcimento dos danos produzidos pelo embate dos autos atenta a culpa exclusiva do réu na produção do mesmo e a transferência da responsabilidade civil por danos produzidos pela utilização do veículo RL através do contrato de seguro identificado…»
b) quanto ao direito de regresso:
«Assim, tem-se hoje por assente que para que o invocado direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido, tem a mesma de alegar e provar a culpa do condutor na produção do evento danoso e, ainda, que alegar e provar factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução sob influência do álcool e o evento dela resultante.
In casu, tal como já se referiu e em face do que resultou provado sob 33. a 36., impõe-se concluir pela causalidade do estado de influenciado pelo álcool do réu relativamente ao embate ocorrido.
De acordo com o que se mostra vertido em 28. a 33. dos factos provados, o réu ao ser submetido ao teste de alcoolemia acusou a taxa positiva de 0,78 g/l .
Importa, assim, concluir pelo cumprimento pela autora nestes autos do ónus probatório que sobre si impendia, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil».
Foram, pois, dados como verificados ambos os pressupostos (embora, naturalmente, com base nos factos que foram dados como provados): responsabilidade do segurado da autora pelas consequências do acidente e nexo de causalidade entre a condução sob influência do álcool e o evento dela resultante.
3. Vejamos antes de mais em que consiste o direito de regresso[4].
Diz A. Varela (Obrigações em Geral, vol. II, p. 334) que «é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta». Vaz Serra na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110.º, p. 339, diz que «o direito de regresso é um direito resultante de uma relação especial existente entre o seu titular e o devedor, não operando, portanto, ao contrário daquela (sub-rogação) uma transmissão do direito do credor para o autor da prestação». Aníbal de Castro (em A Caducidade, p. 93) formula uma outra definição ao dizer que «direito de regresso é aquele que tem uma pessoa, responsável por indemnização de perdas e danos, a reclamar de outrem a mesma indemnização, expressa na mesma quantia, devida pelo mesmo motivo, baseada no mesmo facto».
Constituindo o direito de regresso um direito ex novo surgido com a extinção da obrigação para com o lesado e ficando a seguradora na posição de credora em relação ao segurado pela mesma ou diversa quantia, pelo mesmo motivo e pelo mesmo facto, o segurado terá o dever de pagar à seguradora o que esta despendeu se se verificar o fundamento do regresso. E este tem a sua razão de ser no facto e na medida em que o condutor tiver causado o acidente por influência do álcool, tendo em conta o presente caso que cumpre decidir.
O direito de regresso no Decreto-Lei n.º 522/85 pode ser considerado como uma excepção em relação à responsabilidade da seguradora nos acidentes de viação. Não é qualquer fundamento de culpa do condutor que justifica existência do direito de regresso, mas apenas um dos incluídos no artigo 19.º daquele decreto-lei.
4. Não há qualquer dúvida de que se verifica o primeiro daqueles pressupostos, pois provou-se a culpa efectiva do réu pelas consequências do acidente, e a seguradora indemnizou o dono do outro veículo interveniente
 A questão está então em saber se o réu conduzia sob o efeito do álcool, no sentido de que se verificou um nexo de causalidade entre o acidente e a condução com uma taxa de alcoolémia no sangue (TAS) superior à permitida.
Não há qualquer dúvida de que, satisfeita a indemnização, a seguradora goza do direito de regresso contra o condutor do veículo, se este, no momento do acidente, conduzir sob a influência do álcool.
Assim, toda a questão está em saber o que se entende por “agir sob a influência do álcool”, o que passa essencialmente por saber se basta que o condutor apresente uma taxa superior à legalmente permitida, ou se, além disso é necessário que se prove que o acidente ocorreu por o condutor se encontrar alcoolizado, ou seja, se tem de se provar que existiu um nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. Neste caso ainda haverá que apreciar e decidir quem tem o ónus da prova, e em que termos.
Por isso, esta questão tem suscitado divergências na nossa jurisprudência e têm sido seguidas, no essencial, três teses:
a) O reembolso pela seguradora é sempre devido porque representa o desvalor da acção, uma vez que o risco contratualmente assumido não se compadece com condutores que agem sob o efeito do álcool e que preconiza o efeito automático da existência do direito de regresso [v. g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, (S) vol. III-1, p. 151, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1999, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, p. 307];
b) A seguradora só tem direito de regresso se provar que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador [v., v. g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, (S) vol. I-1, p. 104, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 442, p. 155, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, vol. V-1, p. 39 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997.
c) O direito de regresso só existe se a situação de alcoolemia for causa do acidente, embora tal relação seja de presumir nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 3/82, do artigo 350.º do Código Civil e do artigo 81.º do C. E. (Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 1995, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 449, p. 429), cabendo ao condutor, portador da taxa de alcoolémia no sangue (TAS), provar que o acidente teve outra causa.
5. Entretanto, o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2002, de 28.05.2002, seguiu a orientação referida em b) e uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
«A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.»
Mas foram lavrados alguns votos de vencido.
a) Seguindo-e a primeira doutrina enunciada, a acção procederia, pois, a TAS máxima permitida era de 0,5 g/l, o réu deu causa ao acidente e a seguradora indemnizou o dono do outro veículo.
Esta doutrina foi defendida num dos votos de vencido nos termos seguintes:
«Entendemos ser de seguir a tese contrária à perfilhada no projecto, pois que o direito ao reembolso, pela seguradora, da indemnização paga ao lesado, exercitado ao abrigo da alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro - condução sob influência do álcool -, se basta com a alegação e a prova de uma condução com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, bem como da culpa exclusiva ou concorrencial do condutor-lesante na produção do evento.
Não tem a seguradora o ónus de demonstrar um qualquer nexo de causalidade entre a condução sob uma excessiva taxa de alcoolemia e a produção do evento danoso. Prova que seria, aliás, na prática, impossível de fazer, tornando letra-morta a disposição legal em causa.
Aquela tese contrariaria a teleologia da norma (artigo 9.º do Código Civil) e reduziria à quase total inocuidade o conteúdo do direito de regresso, para além de não assegurar uma adequada ponderação e protecção dos interesses em jogo: estabelecer uma disciplina moralizadora, simultaneamente dissuasora e repressiva, punindo civilmente os tomadores do seguro; proteger os interesses das seguradoras que, com a instituição do regime do seguro obrigatório, passaram a ter de suportar riscos alargados, cujas situações eram anteriormente salvaguardadas através da inclusão, nas condições gerais das apólices, de cláusulas de exclusão da garantia».
Posição semelhante foi defendida noutro voto de vencido:
«Sufragando a conclusão constante do parecer do Ministério Público, votei pela uniformização da jurisprudência no sentido de que «o reconhecimento do direito de regresso da seguradora, previsto na alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na parte em que atribui esse direito contra quem tenha agido sob influência do álcool, pressupõe a simples alegação e prova de que o condutor conduzia influenciado pelo álcool e de que teve culpa na produção do acidente».
b) Seguindo-se a terceira tese, a questão seria mias discutível, uma vez que se presumiria que a situação de alcoolemia seria causa do acidente, cabendo ao condutor, portador da taxa de alcoolémia no sangue (TAS), provar que o acidente teve outra causa.
Assim, num dos votos de vencido foi dito:
«Acompanho o doutamente decidido, com a declaração de que a dificuldade da prova exigida pode eventualmente ser mitigada pelo uso criterioso de presunção simples, natural, judicial, ou de experiência, que os artigos 349.º e 351.º do Código Civil consentem, assente em que a condução com TAS (taxa de álcool no sangue) elevada importa normalmente diminuição da aptidão para bem conduzir e o consequente agravamento do risco de acidente.»
Não vemos, contudo, no caso de que nos ocupamos, que se encontre provado qualquer facto do qual se possa presumir um nexo de causalidade entre o acidente e a TAS, como, aliás, já dissemos.
6. Entendemos ser de seguir a orientação preconizada pelo douto acórdão uniformizador, que acompanharemos de perto, por vezes textualmente.
Portanto, a seguradora só poderá ser indemnizada por via de regresso contra o segurado, condutor do veículo, se este tiver agido sob a influência do álcool e se provar um nexo causal entre o sinistro e a condução sob o efeito do álcool.
E compete à seguradora provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
No caso sub judice, o R. agiu com culpa, tendo sido o único responsável pelo acidente, (questão que nem se discute), pelo que tudo está em saber se existiu um nexo causal entre o acidente e a condução sob o efeito do álcool.
Não se vê que o Decreto-Lei n.º 522/85, ao consagrar o direito de regresso, estabeleça qualquer presunção no sentido que tem sido defendido por alguns.
Não há qualquer dúvida de que o réu cometeu uma infracção grave causadora do acidente. Mas parece-nos que também não há dúvida de que essa mesma infracção, nas mesmas circunstâncias, podia ser cometida por um condutor sóbrio.  Daí não se poder presumir que o réu só actuou pela forma descrita por estar alcoolizado.
A condução nas circunstâncias descritas faz presumir a culpa do condutor quanto ao acidente, mas não pode fazer presumir o nexo de causalidade justificativo do direito de regresso. Trata-se de fundamentos jurídicos diferentes. A responsabilidade da seguradora resulta da culpa ou do risco causado pelo veículo conduzido, nexo de causalidade e dano. O direito de regresso fundamenta-se na circunstância de o condutor agir sob a influência do álcool, sendo este o facto constitutivo do direito da seguradora a ser reembolsada pelos prejuízos sofridos. Assim, a influência do álcool só relevará se tiver sido causal relativamente ao acidente. Caso contrário, o direito de regresso resultaria directamente da prova de que o condutor apresentava uma TAS superior à permitida por lei
«O alcance social do seguro obrigatório, como regime indicado para a protecção dos lesados, estendendo a protecção de uma forma alargada em aproximação de seguro social e fazendo recair sobre as seguradoras boa parte do ónus desse benefício, tem aqui desvios quanto à assunção da responsabilidade com a criação do direito de regresso a favor das seguradoras. E porque de um direito especial se trata, o direito de regresso tem de ser demonstrado nos termos gerais de direito, uma vez que nenhuma disposição do Decreto-Lei n.º 522/85 veio afastar o regime geral da responsabilização, criando presunções, alterando o ónus da prova ou outro circunstancialismo que se desvie do regime geral» (in acórdão uniformizador).
Assim, refere-se no Acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 1997 (Colectânea de Jurisprudência (S) vol. V-I, p. 57): «Se o direito de regresso da seguradora não existe em relação a todo e qualquer condutor que provoque por culpa sua o acidente, e porque o direito de regresso se situa dentro do campo das sanções civis reparadoras, a lógica jurídica e o equilíbrio do sistema jurídico importam a adopção da conclusão segundo a qual não pode aquele direito ser estendido a consequências que não têm a ver com as circunstâncias especiais que o motivam.
Isto quer dizer que o direito de regresso apenas deverá abranger os prejuízos que a seguradora suportou e que têm nexo causal com aquelas circunstâncias; não basta que resultem da condução; impõe-se que sejam, por exemplo, consequência típica adequada de uma condução por condutor alcoolizado [...]».
«Sendo o fundamento do direito ao reembolso pela seguradora a condução sob o efeito do álcool, cabe a quem invoca o direito o dever de provar os pressupostos de que ele depende e no qual se inclui a existência de alcoolemia e do nexo causal dela com a produção do acidente (artigo 342.º do Código Civil), como se decidiu nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 468, p. 376, de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S) vol. V-I, p. 39, e de 22 de Fevereiro de 2000, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 494, p. 325.
Os elementos que constituem o fundamento do direito de regresso são factos constitutivos do direito que ao autor cabe demonstrar.
Posto isto, há que concluir que o direito de regresso está limitado no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85 a situações restritas e que vêm aí mencionadas, não funcionando como sanção civil reparadora contra todo e qualquer agente que provoque o dano. Daí que só possa existir quando se verificarem as circunstâncias aí especificadas. No caso em apreço exige-se que haja condução sob influência do álcool a ditar o comportamento do condutor. Não é suficiente que o condutor estivesse sob a influência do álcool, sendo necessário que esse facto seja a causa ou uma das causas do acidente (v. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 206, de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S), vol. V-I, p. 39, e de 14 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência (S) vol. V-I, p. 59).
Na verdade, interpretação que desprezasse a relação de causalidade levaria, inaceitavelmente, a um objectivar, em benefício da seguradora, das consequências da condução sob a influência do álcool, assacando ao condutor responsabilidades que nada tinham a ver com a conduta culposa consistente na perturbação etílica.
Ficaria, porém, a dúvida sobre o ónus de prova dos factos integrantes da relação de causalidade. Para uns impendia tal ónus sobre a seguradora, para outros, impendia sobre o segurado a demonstração do seu afastamento.
Acompanhamos, contudo, a posição que fez vencimento no acórdão uniformizador de jurisprudência
É certo que não será fácil, na generalidade dos casos, provar-se o nexo de causalidade entre a TAS e o acidente. Mas não nos parece que assim se esteja a remeter o direito de regresso a um regime de “prova diabólica”, com base na ideia de que, por via de regra, o condutor sóbrio também pode ter acidentes em circunstâncias semelhantes.
Mas, também mal se compreenderia que o simples facto de o condutor agir sob a influência do álcool fizesse nascer, ipso facto, o direito de regresso.
Estamos perante um facto constitutivo do direito invocado pelo autor, pelo que lhe compete fazer a prova de que o acidente ocorreu (nas aludidas circunstâncias) por o réu conduzir sob a influência do álcool (artigo 342.º, n.º 1, do CC).
E não vemos que se justifique a inversão do ónus da prova. O que parece defensável é que, perante uma TAS elevada, o julgador não deve ser muito exigente quanto à prova, mas é questão que não se põe no caso em apreço.
V
Por todo o exposto acorda-se em julgar procedente a apelação e em consequência:
1. Alteram-se as respostas dadas aos quesitos 22, 31, 32, 33 e 35 para: provado apenas que o réu, no momento do acidente, apresentava uma TAS de78gl.
2. Revoga-se a sentença recorrida e absolve-se o réu do pedido.
Custas pela apelada.
Lisboa, 10.09.2013.
José David Pimentel Marcos
Manuel Tomé Gomes (vencido, conforme declaração junta)
Maria do Rosário Morgado.
[1]  Como veremos, os factos referidos sob os n.ºs 34, 35 e 36 vão ser dados como não provados, e vai ser alterada a resposta dada ao quesito 22 (facto 25).
[2] Ou seja, perante um facto conhecido (provado) o julgador, com base nos dados da experiência, retira outro (o desconhecido).
[3]  É esta a legislação aplicável, uma vez que o acidente ocorreu antes da publicação do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
[4] Segue-se de perto o que foi dito no acórdão uniformizador.