TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
PROVA COMPLEMENTAR
Sumário

Diversamente do que sucede com os documentos autênticos ou autenticados, não é admissível a realização de prova complementar prevista no artigo 50º do Código de Processo Civil no caso dos documentos particulares em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras.

Texto Integral

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
A G, Limited instaurou execução comum em 24/10/2012 contra João para pagamento da quantia de 5.962,56 €, alegando, em síntese:
- a exequente celebrou com a Credora Originária COFIDIS, SA, Contrato de Cessão de Créditos, conforme documentos 1 e 2 contendo folha extraída do Anexo onde se comprova a cedência do contrato sub júdice;
- a Exequente é assim parte legítima na presente execução, porque é a legítima titular do crédito resultante do incumprimento do contrato;
- o documento dado à execução é título executivo, conforme doc. 3, no qual se reconhece a existência de uma obrigação pecuniária, sendo o montante determinável através de simples cálculo aritmético, montante esse calculado de acordo com as cláusulas constantes do próprio documento;
- por documento particular foi celebrado pela COFIDIS com o executado um contrato de crédito em conta corrente, nas condições que constam do título executivo;
- o executado comprometeu-se ao pagamento de 18 prestações mensais e sucessivas;
- desde 07-09-2007 o executado nada pagou, data em que o contrato de crédito foi resolvido;
- tendo ficado em dívida o montante de 3.925,90 €, conforme extracto de conta corrente junto como doc. 4;
- nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do executado, existirá um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal;
- assim, o valor em dívida é de 3.925,90 €;
- aquela quantia venceu juros legais até à data da propositura da execução no valor de 1.766,66 € e acrescem os juros vincendos até integral e efectivo pagamento.

Após penhora e citação do executado, foi proferido despacho convidando a exequente a pronunciar-se sobre a falta de requisitos do título executivo; a exequente respondeu defendendo que apresentou título executivo que obedece aos requisitos exigidos pelo art. 46º do CPC.

Foi depois proferida a seguinte decisão:
«A G, Limited propôs acção executiva para pagamento da quantia de € 5.692,56, contra João.
Como título executivo apresentou documento que na frente tem a denominação “Conta Certa” e no verso “Contrato de Crédito em Conta Corrente”.
Notificada nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para, querendo, se pronunciar quanto à falta de requisitos do título executivo, alegou nomeadamente que basta que a obrigação esteja constituída no título para que seja exigível em processo executivo, concluindo ainda que o título executivo se apresenta como inteligível e suficiente.
A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art. 45°, no}, do CPC).
O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada (C. Mendes, Lições de Processo Civil, 69170 e Manuel de Andrade, Noções Elementares, pág. 60).
Os títulos executivos são enumerados taxativamente no artigo 46.º do CPC. Entre eles encontram-se os chamados títulos executivos negociais (art.º 46.º, 1, c) do CPC), nos quais a pessoa que os emitiu e assinou reconhece ser devedora de uma obrigação pecuniária de montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de uma obrigação para entrega de coisa ou para prestação de facto.
O título executivo apresentado consiste em formulário de proposta de adesão ao denominado “Conta Certa”, sem data de assinatura, preenchido além do mais com uma cruz na quadrícula que após referência impressa “3000€”, assinala a mensalidade denominada “Conforto”, € 90, 58 meses, acompanhado de extracto cuja correspondência com o designado “Conta Certa” se mostra ininteligível.
Retira-se da leitura do referido documento que está em causa um contrato de crédito em conta corrente até limite máximo de € 3.000, sendo o reembolso de capital e juros efectuado por débito mensal em conta, de montante não concretamente determinado, variável em função do montante e duração do contrato.
O contrato de crédito em conta corrente, por definição, não implica o reconhecimento ou constituição de obrigações líquidas e exigíveis para qualquer das partes, na medida em que, pelo mesmo, o concedente do crédito apenas se vincula a disponibilizar crédito até determinado montante na medida das solicitações a efectuar pela contraparte, que por seu turno só se vincula ao pagamento, na medida do que lhe for disponibilizado, e se for disponibilizado.
Do referido documento não resulta, pois, a constituição de obrigação de pagamento de montante e prazo determinados, mas tão só a vinculação do executado ao pagamento de uma obrigação pecuniária futura, de constituição condicionada à utilização do crédito, e variável em função do valor utilizado.
Conclui-se desta forma que o documento apresentado não importa a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária cujo valor seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético face aos elementos constantes do mesmo, não reunindo assim os requisitos necessários para ser considerado título executivo.
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, em conformidade com o disposto nos art.ºs 812.º-E, 1, a) e 820.º, 1, do CPC, rejeitar a execução, ordenando em consequência o levantamento das penhoras efectuadas e a restituição ao Executado das quantias eventualmente penhoradas.»

Inconformada, apelou a exequente, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
A) O documento apresentado à execução titula um contrato, celebrado entre a apelante e o apelado, através do qual a Exequente/apelante concedeu um crédito ao Executado, através do qual este se obrigou a reembolsar a Exequente da verba mutuada e efectivamente disponibilizada, mediante o pagamento de prestações mensais determinadas no contrato;
B) O contrato de concessão de crédito constitui um documento particular assinado pelo Executado, constitutivo de uma obrigação por parte daquele, de restituição da quantia financiada/mutuada nos moldes acordados, a qual é aritmeticamente determinável;
C) Não obstante interpelado para efectuar o pagamento das prestações em dívida, o Executado não pagou as mesmas e em consequência, incumpriu definitivamente as condições de reembolso e o respectivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, nos termos do Art. 781º do Código Civil;
D) O Executado assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária mutuada, ainda que diluída num dado período temporal, mediante a aposição da sua assinatura no contrato, aceitando, assim, as condições particulares e gerais, aliás conforme declarado expressamente no contrato;
E) Pelo requerimento pretende-se obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelos devedores no contrato que titula a execução;
F) A propositura de uma acção executiva implica que o pretenso Exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro;
G) Do contrato de concessão de crédito resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda;
H) “Ao exequente mais não compete, relativamente à existência da obrigação, do que exibir o título executivo pelo qual ela é constituída ou reconhecida”; I) “Um contrato em que a entidade bancária concede a alguém um empréstimo, (...), alegando aquela entidade que este não pagou uma prestação vencida e todas as que lhe seguiram, pode servir de título executivo em execução a instaurar contra o devedor”;
J) O pagamento das mensalidades ora reclamadas constitui um facto extintivo do direito invocado pela Exequente, pelo que, nos termos do Art.342º, nº2 do CC, o respectivo ónus compete aos Executados, ou seja, àqueles contra quem o direito é invocado, em sede de eventual oposição;
K) A oposição à execução configura-se como uma contra-execução, cuja função essencial no núcleo da acção executiva é obstar aos normais efeitos do título executivo, sob o fundamento, por exemplo, da inexistência da obrigação exequenda.
L) Pelo que, os direitos de defesa dos executados não são prejudicados, agilizando-se uma eventual necessidade de apreciação do mérito da causa, sem perigar os direitos do credor/exequente, na garantia e eventual satisfação do seu crédito.
M) Do documento resulta ainda a aparência do direito invocado pela Exequente, direito que, por isso, é de presumir;
N) O Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 45º nº 1 e 46º nº 1 alínea c), ambos do C.P.C., na sua actual redacção, porquanto o contrato sub júdice constitui título executivo bastante.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça”.

O executado não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que a questão a decidir é esta:
- se a exequente dispõe de título executivo

III – Fundamentação
A) Os factos a considerar são os seguintes:
1 – A exequente apresentou como título executivo o documento 3 de fls. 20/21 composto por duas páginas.
2 – Na página 1 desse documento consta um cabeçalho com os dizeres impressos:
«Contrato de Crédito em Conta Corrente
Esta proposta de contrato tem por objecto a concessão de crédito em conta corrente pela COFIDIS (Sucursal da S.A. francesa COFIDIS, (…), Instituição de Crédito supervisionada pelo Banco de Portugal (…)
Esta proposta é válida até 31/12/2007 e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuários, nos termos seguintes:»
3 – Também nessa página 1 constam os dizeres impressos «Condições Gerais» e no canto inferior direito consta uma assinatura junto a «Assinatura COFIDIS» e «Data.08-09-2006».
4 – Nas «Condições Gerais» constam 17 pontos impressos, onde se lê, nomeadamente:
«1. Aceitação, livre resolução e conclusão do contrato
1.1. A adesão ao contrato é feita enviando à COFIDIS o exemplar que lhe é destinado, devidamente preenchido e assinado pelo(s) Mutuário(s) que, nos 14 dias seguintes pode(m) livremente resolvê-lo (…)
(…)
1.4. A COFIDIS, após recepção do exemplar do contrato que lhe é destinado bem como análise e comprovação das informações prestadas pelo Mutuário, reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão do crédito, considerando-se como data da conclusão do contrato a da comunicação pela COFIDIS da autorização de utilização do crédito»;

«2. Abertura do crédito e movimentação da conta
2.1. A COFIDIS autoriza o Mutuário a utilizar o crédito concedido através da conta corrente CONTA CERTA, até ao limite máximo autorizado no ponto 5. do presente contrato.
2.2. Para o efeito, o Mutuário pedirá à COFIDIS que disponibilize, por transferência bancária, um montante nunca inferior ao valor de uma mensalidade, por sua conta, e em seu benefício ou de terceiros (ex. fornecedores de bens e serviços ou estabelecimentos com os quais a COFIDIS tenha acordos de colaboração – estabelecimentos associados).
2.3. A COFIDIS pode pôr à disposição do Mutuário um cartão CONTA CERTA ou outros meios de utilização da conta, que podem ser usados para obter numerário e/ou efectuar pagamentos a terceiros.
(…)
2.4. Os movimentos da conta são registados num extracto a enviar mensalmente. As operações registadas no extracto consideram-se correctas e aprovadas pelo Mutuário se este, nos 30 dias seguintes à data de emissão, não manifestar desacordo por carta (…)»;

«3. Obrigações do Mutuário e Confissão de Dívida
3.1. O Mutuário obriga-se, nomeadamente, a pagar pontualmente as mensalidades a que está obrigado; (…)
3.2. o Mutuário confessa-se devedor à COFIDIS do crédito  concedido ao abrigo do presente contrato, juros e demais encargos com ele conexos»;

«6. Custo do Crédito
O custo do crédito varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros vencidos, impostos e demais encargos, excepto o selo do contrato, incluindo o seguro, correspondente a uma Taxa Nominal Anual de de 23,87% e a uma Taxa Anual Efectiva Global (TAEG) de 28,45%, calculada nos termos (…)»;

«8. Reembolso Mínimo e Prestação Mensal
8.1. O valor em dívida deve ser reembolsado à COFIDIS em prestações mensais por débito na conta bancária do Mutuário (ou outra forma previamente autorizada pela COFIDIS), sendo o montante dessas prestações função do montante e duração do crédito autorizado (“plafond”).
8.2. O Mutuário obriga-se a manter a sua conta bancária provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações de reembolso.
8.3. As prestações mensais serão as constantes no quadro indicado no cabeçalho da pág. 2 do presente contrato, desde que não se verifiquem novas utilizações do crédito, não haja adesão ao seguro, ou não haja alteração ao limite máximo do crédito autorizado, ou ainda da T.A.E.G., motivo pelo qual o quadro tem natureza meramente indicativa.
8.4. As prestações mensais nunca serão inferiores a uma parte fixa e pré-estabelecida de valor igual a 3% do limite máximo do crédito autorizado (“plafond”), sendo o número dessas prestações variável.
(…)»;

«10. Incumprimento e Resolução do contrato
10.1 Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento, ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora sem prejuízo de a COFIDIS (…)
10.2. Mantendo-se o incumprimento a COFIDIS pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos, sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a COFIDIS resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal.
(…)».
5 - Na página 2 desse documento constam, além do mais, os seguintes dizeres impressos:
- no canto superior direito: «Exemplar a enviar à COFIDIS»;
- no canto superior esquerdo: «CONTA C€RTA»;
- no cabeçalho impresso no canto superior direito: «Solicito o crédito imediato e a mensalidade no valor de:», e após os dizeres «Conforto» e «Duração» está assinalada com «X» a quadrícula onde se lê «90 €» e «58 meses» com referência ao «Montante» de «3000 €».
6 – Nessa página 2 consta a assinatura do executado e sob ela a data «26/04/2007».
7 – Imediatamente antes da assinatura do executado estão impressos estes dizeres:
«Assinatura do contrato e autorização de débito em conta
O(s) abaixo(s) assinado(s) Mutuário(s) declara(m) aceitar todas as Condições Gerais deste contrato de crédito, das quais igualmente declaram ter tido integral conhecimento antes de assinar e das quais confirmam ter recebido um exemplar, juntamente com uma informação Pré-Contratual e Nota Informativa Sobre o Seguro Facultativo anexa (caso tenha acolhido esta opção). (…)
Autorizo a instituição bancária na qual se encontra aberta a minha conta a debitar e transferir da mesma os montantes indicados directamente pela COFIDIS ou por quem esta mandatar para o efeito.».
8 – Nessa página 2 está assinalada com «X» a quadrícula referente aos dizeres impressos «Sim, desejo aderir ao CONTA CERTA, com seguro»;
8 – Na parte inferior da página 2 estão impressos os dizeres «Como Aderir ao Conta Certa» e sob estes «Preencha e assine o contrato e a autorização de débito em conta», «junte ao formulário preenchido as cópias dos documentos solicitados», «Não se esqueça de preencher e conservar a sua cópia do contrato».
9 – O documento 4 que no requerimento executivo a exequente refere como sendo «extracto de conta corrente» é composto de duas páginas (cfr fls. 22/23) e nele constam diversos movimentos desde 25/07/2007, indicado-se como vencido em 24/3/2008 o montante de 3.925,9 €.

B) O Direito
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (cfr art. 45º nº 1 do CPC).
Os títulos executivos estão enumerados taxativamente, conforme decorre do art. 46º do CPC, aí se prevendo:
«1 – À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por força de disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 – (…)».
A exequente invoca como título executivo um contrato de crédito em conta corrente conforme documento 3 de fls. 20/21, dizendo que nesse escrito particular o executado reconhece a existência de uma obrigação pecuniária de montante determinável através de simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes no próprio documento.
Decorre das «Condições Gerais» insertas no documento 3 que a proposta assinada pelo mutuário só se converteria em contrato se a COFIDIS confirmasse a concessão do crédito e que consideraria como data de conclusão do contrato a da comunicação pela COFIDIS da autorização de utilização do crédito (cfr ponto 1.4.)
Porém, não está alegado nem documentado que a COFIDIS fez tal comunicação e em que data.
Mas a admitir-se que tal comunicação foi efectuada e que, assim, o documento 3 de fls. 20/21 consubstancia um contrato, dele não resulta que o crédito foi disponibilizado, e em que data, ao executado, mas tão só a vinculação da COFIDIS a disponibilizá-lo; por seu lado, o executado vinculou-se a pagar as mensalidades de 90 € cada durante 58 meses mas como contrapartida da disponibilização do crédito.
Significa isto que nesse documento está convencionada uma prestação futura por parte da COFIDIS e que a obrigação de pagamento das mensalidades de 90 € por parte do executado só se constituiria no momento e na medida da efectiva concessão do crédito. Em consequência, o documento 3, por si só, não importa a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias por parte do executado cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
Nos pontos 2.3 e 2.4 das «Condições Gerais» do documento 3, prevê-se o envio mensal pela COFIDIS ao mutuário de um extracto com o registo de todos os movimentos da «Conta Certa», estabelecendo-se que «As operações registadas no extracto consideram-se correctas e aprovadas pelo Mutuário se este, nos 30 dias seguintes à data de emissão, não manifestar desacordo por carta».
Porém, esses extractos mensais não constam dos autos nem a exequente alegou a sua existência.
Quanto ao documento 4 de fls. 22/23, que a exequente diz ser «extracto de conta corrente», não contém a data de emissão nem faz qualquer menção ao executado e à COFIDIS, pelo que dele não se retira sequer que respeita ao contrato invocado pela exequente.
Em face do que se expôs, o documento 3 de fls. 20/21 não reúne os requisitos necessários para ser considerado título executivo nos termos do art. 46º nº 1 al. c) do CPC.
Mas ainda assim se dirá que mesmo a junção dos extractos mensais que eventualmente tenham sido enviados ao executado em conformidade com os pontos 2.3 e 2.4 não teria a virtualidade de conferir força executiva ao documento 3, pois, diversamente do que sucede com os documentos autênticos ou autenticados, não é admissível a realização de prova complementar prevista no art. 50º do CPC no caso dos documentos particulares. Neste sentido, ponderou-se no Ac da RL de 1/7/2010 (P. 4986/09.1TCLRS.L1-6, in sss.dgsi.pt): «Sendo convencionada ou prevista a constituição de prestações futuras, terá de ser anexado documento emitido na sua conformidade, demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição de obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (art. 50º do CPC).
E isto, porque é necessário que o título permita certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, pois só assim representa o facto jurídico constitutivo do crédito e que deve emergir do próprio título (cfr Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, pág. 125).
Se não for junto tal documento complementar, que deve obedecer às condições estabelecidas no documento que constitui o título-base, não há prova da existência de obrigação dotada de força executiva (cfr Lopes Cardoso, ob. cit, pág. 73, Lebre de Freitas, ob cit, pág. 49 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª e., pág. 80).
In casu, não foi feita essa prova.
Não obstante e como se adianta na decisão sindicanda, a exequente nunca poderia servir-se de tal mecanismo legal, porque na previsão do citado art. 50º do CPC apenas se têm em vista os documentos em que se convencionem prestações futuras exarados ou autenticados pelo notário, o que não é manifestamente o caso.»
Conforme se explana no Ac do STJ de 3/11/2011 (CJ XIX, 3º, pág. 100) o art. 50º do CPC alarga a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados pelo notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal àqueles que em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, «Contemplando a primeira hipótese, desde logo, a abertura de crédito e a de contrato de fornecimento, sendo que, para que o documento notarial sirva de base à execução, torna-se necessário provar que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio. Já na segunda hipótese, de vinculação futura à satisfação de certa importância, torna-se necessário provar que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.
(…)
Bem se compreendendo a necessidade de prova de que a obrigação foi efectivamente contraída.
Pois, convencionando-se ou prevendo-se prestações futuras, tal convenção ou previsão mais não contém senão, uma promessa de empréstimo, que só por si não pode, naturalmente, constituir título executivo contra o creditado.
Só surgindo a obrigação deste no momento em que o crédito é concedido, nascendo, consequentemente, a dívida.
Nascendo a obrigação do devedor – as prestações futuras a que o art. 50º alude são as que devem ser efectuadas pelo credor e não as que o devedor tenha de satisfazer – quando levanta o dinheiro ou recebe os bens a consumir.
Assim sendo necessária a prova complementar».
Também sobre o campo de aplicação do art. 50º do CPC referem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto: «No âmbito do art. 50º cabe o contrato de abertura de crédito, tipificado, entre outras operações bancárias, no art. 362º CCom. Através deste contrato, o banco obriga-se a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo, obrigando-se este a, para além do pagamento das comissões e dos juros convencionados, reembolsar o banco na medida dos montantes de crédito efectivamente postos à sua disposição, que for solicitando. A obrigação de reembolso a cargo do creditado apenas surge, pois, na medida da disponibilização efectiva do crédito, pelo que, se o banco creditante quiser dar à execução essa obrigação, nela terá de provar, não só o contrato, mas também a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente.
O mesmo acontece com os contratos pelos quais uma das partes se obriga a entregar à outra dinheiro ou outra coisa fungível e esta se obriga a restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade. Exigindo-se a traditio rei para a constituição do mútuo prometido (art. 1142º CC), a obrigação de restituição a cargo do mutuário apenas surge com a entrega a este da quantia mutuada, feita em cumprimento de obrigação resultante do anterior contrato-promessa. Uma vez que a obrigação exequenda não resulta do documento exarado ou autenticado pelo notário, exige-se que o mutuante/exequente faça complementarmente prova da respectiva constituição» (in Código de Processo Civil anotado, vol 1º, 2ª ed, pág. 107/108).
Ora, como dissemos, o art. 50º do CPC não contempla os documentos particulares pelo que, no caso concreto, não é possível a prova complementar.
Nem se diga que tal prova poderia ser feita ao abrigo do disposto no art. 804º do CPC por prever, no nº 1: «Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação». Com efeito, como assinalam José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, o art. 50º reporta-se à fase da constituição da obrigação enquanto que o artigo  804º se reporta à fase da sua execução, visando este último a prova da “exigibilidade” da dívida, «e a maior exigência formal do art. 50º no confronto com o art. 804-1 justifica-se por o primeiro cuidar da existência da obrigação, enquanto que no segundo está só em causa a demonstração da sua “exigibilidade”» (cfr ob cit, pág. 107).
Também Eurico Lopes Cardoso explica «Não deve confundir-se a exigibilidade da obrigação, regulada no nº 2 do art. 804º, com a prova complementar das escrituras públicas de crédito e semelhantes, referida no nº 2 do artigo 50º.
Ambos os preceitos falam na necessidade de demonstrar que foi feita alguma prestação pelo exequente mas as hipóteses que cada um deles contempla são perfeitamente distintas: - No caso do artigo 804º, trata-se de provar o vencimento da obrigação; no do artigo 50º, a obrigação pode estar vencida mas tem de se fazer prova do seu montante» (in Manual da Acção Executiva, 3ª ed, pág. 216).
Por quanto se disse, impõe-se a confirmação da decisão recorrida.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 03 de Outubro de 2013
Anabela Calafate
Ana de Azeredo Coelho (concordo com a decisão, sem prejuízo de diversa interpretação do artigo 804º do Código de Processo Civil)
Tomé Ramião