1. O procedimento administrativo que visa a obtenção de uma autorização de introdução no mercado de um medicamento (AIM) não tem como objectivo a tutela de direitos de propriedade industrial.
2. Na arbitragem necessária instituída pela Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, o que se visa é a protecção dos direitos de propriedade industrial derivados de patentes, mediante a imposição de abstenção de condutas susceptíveis de os violarem.
3. A condenação em sanção pecuniária compulsória tem como pressuposto, no caso, o reconhecimento de uma violação actual ou iminente do direito de propriedade conferido pela patente.
4. Exercendo as demandantes um direito potestativo, sem que haja lugar a qualquer facto ilícito praticado pelas demandadas, as custas da acção serão suportadas pelas demandantes, nos termos do artº 449 nº1 e 2 al a)do Código de Processo Civil.AP
As demandantes, S S K K, com sede em (…) Osaka, 541-0045 Japão, e A - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., com sede em (…) Barcarena, notificaram as Demandadas, A PHARMA (MALTA) LIMITED, com sede em (…), Malta, D INTERNATIONAL BV, com sede em (…) Holanda, P-D - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., com sede em (…) Porto Salvo, R PORTUGAL - COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS UNIPESSOAL, Ld.ª, com sede em (…) Porto, e S LIMITED, sociedade regulada pelo direito inglês, com sede em (…) Londres, Inglaterra, por carta de 7 de fevereiro de 2012, invocando os artigos 2º, 3º, e 9º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e o artigo 11º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, à data a Lei de Arbitragem Voluntária vigente em Portugal, tendo em vista o exercício do direito que as Demandantes possuem, decorrente da Patente Europeia n.º 0521471 e do Certificado Complementar de Proteção nº 156, como resulta do artigo 101º do Código da Propriedade Industrial, relativamente a medicamentos genéricos, incluindo, mas não apenas, os indicados na lista publicada pelo INFARMED no seu website em 11 de janeiro de 2012, respeitantes à substância ativa Rosuvastatina.
As Demandantes apresentaram a sua petição inicial, tendo formulado os pedidos seguintes:
a) Devem as Demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os Genéricos Rosuvastatina, ou sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio ativo enquanto os direitos de propriedade industrial se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 de Julho de 2017;
b) Mais devem ser as Demandadas condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das Demandantes, a não transmitir a terceiros as AIM acima identificadas, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos;
c) Requer-se, ainda, que, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, sejam as Demandadas condenadas a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 99.700,00 (noventa e nove mil e setecentos euros) por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida nos termos do acima requerido.»
Em 16 de janeiro de 2013 vieram as Demandantes comunicar ao Tribunal Arbitral que, atendendo ao acordo celebrado com a Demandada P-D sobre o objeto do litígio, perderam o interesse na arbitragem iniciada contra essa Demandada, requerendo a extinção do processo arbitral exclusivamente quanto a essa Demandada.
O prazo para contestação das restantes Demandadas findou, não tendo sido por elas apresentada contestação ou qualquer outra manifestação de vontade.
Consta dos autos o seguinte despacho:
“….Para proferir decisão nos presentes autos que configure o referido título executivo, são suficientes os factos alegados pelas Demandantes e já provados pelos documentos juntos por estas. Não se revela, pois, necessário produzir mais prova, passando-se de imediato para a prolação da sentença arbitral…”
Termos em que foi proferida esta decisão acerca do objecto do litígio:
1) Condenam-se as Demandadas A, D, R e S a absterem-se de importar, fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio ou utilizar, em Portugal, os Genéricos Rosuvastatina, ou sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio ativo, enquanto os direitos de propriedade industrial das Demandantes se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 de Julho de 2017;
Absolvem-se as referidas Demandadas dos pedidos de não transmissão de AIM a terceiros e de condenação em sanção pecuniária compulsória;
Declara-se o processo arbitral extinto e encerrado relativamente à Demandada P-D, nos termos requeridos pelas Demandantes.
Custas a suportar pelas partes na proporção de 3/4 pelas Demandadas A, D, R e S e de 1/4 pelas Demandantes.”
É esta decisão que as demandantes e demandadas impugnam, formulando estas conclusões:
1) Demandantes S S K K e A –Produtos Farmacêuticos Ldª
A – O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito da arbitragem necessária "ad hoc" iniciada pelas Demandantes contra as Demandadas, nos termos dos artigos 2.°,3.° e 9.°, n.os 2 e 3 da Lei n," 62/2011, de 12 de Dezembro, na parte em que absolveu as demandantes dos pedidos de não transmissão de AIM a terceiros e de condenação em sanção pecuniária compulsória.
A.- artigo 3.° n. ° 1 da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, impõe aos titulares de direitos de propriedade industrial que pretendam fazer valer o seu direito, o ónus de propor uma ação arbitral num curto prazo.
B.-o entanto, os poderes decisórios do tribunal arbitral, mesmo no caso em que o demandado não conteste, não podem ficar limitados àqueles que decorrem da revelia deste, uma vez que a competência do tribunal arbitral, nos termos estabelecidos no artigo 2.° da Lei n° 62/2011, de 12 de dezembro, abrange a de conhecer todos os pedidos que lhe sejam formulados no âmbito de litígios envolvendo direitos de propriedade industrial, medicamentos genéricos e medicamentos de referência.
C.-O Tribunal “a quo” analisou assim, impropriamente, os pedidos de não transmissão a terceiros da AIM e de condenação em sanção pecuniária compulsória como se de pedidos autónomos e independentes se tratasse, circunstância que conduziu ao erro da decisão recorrida.
D.-Na perspetiva do Tribunal, a vertente subjetiva do caso julgado impõe que se as Demandadas são condenadas a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos das Demandantes - como o foi nestes autos - então também não podem proporcionar a um terceiro que, utilizando a mesma AIM, proceda à exploração industrial e comercial do medicamento objeto da decisão condenatória.
E.-Porém, o pedido de não transmissão das AlMs dos autos é uma decorrência da causa de pedir nos presentes autos, o qual reside na ameaça de violação dos direitos emergentes dos direitos de propriedade industrial em virtude do pedido de obtenção de AIM para medicamentos genéricos.
F.-A condenação das Demandadas a não realizar a transmissão é, assim, sob o ponto de vista prático, essencial para proporcionar um efetivo valor tutelar à sentença condenat6ria que, de outro modo, de pouco valerá, pois que bastará às Demandadas, no dia seguinte ao da prolação da sentença, transmitir a um terceiro a sua AIM, forçando o titular da patente a iniciar uma via crucis sempre renovada e sempre totalmente ineficaz para tentar exercer os seus direitos. Por outras palavras, a condenação das Demandadas a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante um risco real de a mesma não passar de pura letra morta.
H.-Impunha-se assim que o Tribunal fizesse uso do dispositivo do artigo 335.° do Código Civil, conciliando o direito das Recorridas à transmissão da AIM com O das Recorrentes à tutela efetiva do seu direito de propriedade industrial.
I.-A decisão recorrida confunde a condenação das Demandadas numa conduta negativa de não transmissão de AIM com uma ordem de suspensão de eficácia da AIM; a condenação das Demandadas a não transmitir as AIMs de que são titulares não elimina a transmissibilidade das AlMs, antes pressupõe que tal transmissibilidade continua juridicamente possível,
J.-Entende o Tribunal a quo que, atenta a não dedução de contestação pelas Demandadas comunicada ao lNFARMED, este deveria, pelo menos, dar conhecimento à adquirente da AlM de que houve uma ação arbitral, a qual não foi objeto de contestação e informá- la do que isso significaria em termos jurídicos. Porém, nada no Estatuto do Medicamento lhe impõe tal conduta. nem o INFARMED tem corroborado este entendimento.
K.-É irrelevante a inexistência de indícios, no sentido de as Demandadas se prepararem ou se encontrarem a fazer diligências junto de outras entidades, para o efeito de transferir as AIMs de que são titulares relativamente ao referido genérico, uma vez que a hipótese de transmissão não deverá ser entendida como um risco específico destes autos: é um risco genérico cuja existência é mais do que evidente em face das condições criadas pela decisão a quo.
L.-Nos termos do artigo 829.0-A do Código Civil, a condenação em sanção pecuniária compulsória, quando requerida pelo credor, não está na disponibilidade do tribunal, antes constituindo um dever, sempre que exista condenação na prestação de facto infungivel positivo ou negativo.
M)- Demandantes apenas pediram, em linha com o dispositivo do artigo 829.0-A do Código Civil foi, que o Tribunal condenasse as Demandadas a cumprir uma obrigação de conteúdo negativo e infungível e que assegurasse o cumprimento dessa obrigação impondo ao devedor o pagamento da dita sanção no caso em que a incumprisse.
N.-A condenação em sanção pecuniária compulsória não é mais que uma pressão sobre o devedor no sentido de respeitar a decisão do Tribunal, que de outra forma não seria possível garantir dada a infungibilidade da prestação.
O.-Nestes autos, o cumprimento da injunção judicial impõe às Demandadas uma obrigação negtiva (non facere) - abstenção de exploração comercial e industrial de medicamentos genéricos contendo Rosuvastatina como substância ativa - num prazo definido - durante a vigência dos direitos de propriedade industrial das Demandantes.
P.-As obrigações negativas (non facere), pela natureza do seu objeto - abstenção de um determinado comportamento -, não podem ser realizadas por terceiro, sendo, por isso, infungíveis e é neste campo que a sanção compulsória encontra a sua maior utilidade, como meio de prevenir o incumprimento, provocando 8 obediência do devedor à condenação inibitória e o respeito pela devida prestação originária de non facere.
Q.-A prevalência do ressarcimento em forma especifica sobre o ressarcimento pecuniário tem tecnicamente um domínio de eleição no caso dos direitos de propriedade industrial; no domínio dos direitos de propriedade industrial a tutela inibitória é a mais idónea das tutelas.
R.-A sanção pecuniária compulsória pode incentivar a tutela inibitória, como meio de pressão simples, capaz de realizar o optimum da tutela dos direitos e interesses legítimos, determinando o condenado a acatar a decisão do tribunal e a cumprir a obrigação.
S.-A sanção pecuniária compulsória é a ameaça de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz para a hipótese de o devedor não obedecer à condenação principal, visando o cumprimento das obrigações e a eficácia da decisão do tribunal; consiste, em suma, numa condenação pecuniária acessória e condicional, distinta e independente da indemnização, a fim de forçar e incitar o obrigado a realizar a prestação devida mediante a ameaça de consequências mais gravosas para os seus interesses do que aquelas que resultam do adimplemento (João Calvão da Silva, in Ob. Cito pág.536).
T.-Ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo a condenação na sanção pecuniária compulsória não está dependente de qualquer iminência de violação - ou sequer de qualquer probabilidade de violação - da obrigação a que o devedor foi condenado.
U.-E ainda que o facto de as Demandadas terem requerido uma AIM não constitua, por si mesmo, uma violação dos direitos de propriedade industrial das Demandantes, esses pedidos de AIM, como condição necessária que são para a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos em causa, justifica que, com intuito dissuasor, as Demandadas sejam condenadas na requerida sanção compulsória.
V.-A douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.°, 3.° n.°s 1 e 2 e 9.0 da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, bem como dos artigos 37.° e 179.° do Estatuto do Medicamento e do artigo 829.0-A do Código Civil, violando, ainda, o artigo 4.°, n.°2, alínea b) do CPC ex vi Ponto 4.2.5 da Ata de Instalação do Tribunal Arbitral e o artigo 20.°, n," 5 da CRP.
B) Demandada S LIMITED
1. O presente recurso vem, em primeiro lugar, interposto da decisão arbitral de condenação da Demandada Sigillata na proibição de importar, fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio ou utilizar em Portugal qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio activo, uma vez que o Tribunal Arbitral, ao decidir como decidiu, excedeu, manifestamente, os poderes nos quais se encontra investido, por forca do regime de arbitragem necessária previsto na lei nº 62/2011.
2. Da conjugação dos artigos 3ºnº1 e 2 da lei nº 62/2011 e do artigo 15º-A nº/s 1 e 2 (bem como do artigo 9º nº 2, aplicável in casu) do Estatuto do Medicamento resulta que o âmbito do processo arbitral está limitado, exclusivamente, aos medicamentos genéricos cujo pedido de AIM, tendo sido publicitado pelo INFARMED e que gerou o direito de iniciar a arbitragem em questão pelo "interessado" que pretenda invocar os seus direitos de propriedade industrial.
3. Tal publicação, ao identificar o medicamento genérico em causa, no que respeita, entre outros, à sua substância activa, à respectiva dosagem, à data do pedido e à forma farmacêutica do mesmo, tem por consequência excluir do âmbito da arbitragem e, consequentemente, da decisão arbitral que nela venha a ser proferida, quaisquer outros medicamentos, genéricos ou não, que contenham a mesma substância activa constante da publicação, bem como medicamentos genéricos cujos elementos não correspondam, na totalidade aos indicados nessa mesma publicação.
4. Faz-se notar que não está em causa o respeito pelos direitos de propriedade industrial de terceiros - in casu a PE 471 e o CCP 156 - porquanto a lei é clara nesta matéria: a AIM, o preço e a com participação do medicamento genérico não violam direitos de propriedade industrial de terceiros, pelo que tais pedidos, a existirem, não implicam qualquer violação do direito de exclusivo. Do que aqui se trata é da inadmissibilidade de condenação, através de um meio legal excepcional - o regime consagrado na lei nº 62/2011 é um regime de excepção no contexto do direito de uma eventual futura AIM para medicamentos contendo Rosuvastatina seja assegurado o correspondente direito de defesa.
5-O entendimento contrário, como permitindo aplicar uma proibição de comercialização ou exploração industrial a qualquer medicamento contendo Rosuvastatina como substância activa, não tem qualquer suporte legal, nem pode corresponder a qualquer interpretação do referido artigo 3º, nº2 2 da lei nº 62/2011, sob pena de a referida lei, assim interpretada, ser inconstitucional, por violação do elementar direito de acesso ao direito e de defesa previsto no art. 20 da Constituição da República Portuguesa, e bem assim por constituir uma restrição infundada do direito fundamental, constitucionalmente protegido, de livre iniciativa económica (cfr. arts. 61 nº1 e 80 alínea c) da Constituição da República Portuguesa), inconstitucionalidades que, para todos os efeitos, se arguem.
6. Se a amplitude da condenação pudesse ser acolhida, isso significaria também que se estaria perante uma violação gritante do princípio do contraditório, consagrado expressamente no artigo 16º, alínea c) da LAV, que é apanágio de qualquer estado de direito.
7. Com efeito, não tendo sido identificados quaisquer outros pedidos de AIM para um medicamento genérico contendo Rosuvastatina mas não sendo certo que os mesmos não possam ter sido, ou não venham a ser, deduzidos, o tribunal arbitral já antecipou, relativamente a esses pedidos "futuros", uma condenação - uma verdadeira condenação "em branco'", sem que sobre os factos subjacentes à mesma se tenha pronunciado a Demandada, ora Recorrente.
8-Ao decidir como decidiu, a decisão arbitral viola, para além do artigo 3º nº 2 da Lei nº 62/2011, os artigos 2º nº 3 e 11º nº 3 da LAV e directamente o direito de defesa consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, assim como o princípio do contraditório expressamente previsto no artigo 16º alínea c) dessa mesma LAV.
9-A não se entender tal como acima exposto, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, diga-se que, em todo o caso, tal decido arbitral é anulável, uma vez que, ao decidir como decidiu, o Tribunal Arbitral veio conhecer de questões de que não deveria conhecer, proferindo uma decido anulável, nos termos do disposto no artigo 27º nº1 a1ínea c) e e) da LAV.
10- Sem conceder, a decisão arbitral sempre será anulável no que concerne à extensão a quaisquer medicamentos contendo Rosuvastatina por falta de fundamentação, no que respeita à condenação a quaisquer medicamentos contendo Rosuvastatina, porquanto se acaso o Tribunal Arbitral entende que a Lei nº 62/2011 permite a ampliação do litígio a futuros pedidos de AIM, então teria que especificamente fundamentar tal abrangência, fundamentação esta que é totalmente inexistente, o que configura anulabilidade da decido, nos termos do disposto no artigo 27º nº1 alínea d) e artigo 23º, n.º 3 da LAV.
11- Em segundo lugar, o presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Arbitral que fixou os encargos da arbitragem.
12- Os encargos da presente arbitragem foram fixados inicialmente, por acordo das partes, tendo presente o número de Demandadas e as questões de complexidade técnica que poderiam surgir, tendo presente a patente de síntese química invocada pelas demandantes, em 62.000,00 €.
13-Nenhuma das Demandadas dos presentes autos apresentou contestação, e o Tribunal Arbitral procedeu, por despacho de 31 de Janeiro de 2013, à redução dos respetivos encargos para 32.000,00, com fundamento no facto de que ainda seria "necessário proferir sentença fundamentada sobre várias questões jurídicas de grande complexidade». A ora Demandada opõe-se aquele montante, por excessivo, mas o Tribunal Arbitral decidiu mantê-lo, por despacho de 5 de Março de 2013.
14-No entanto, o montante fixado mantém-se elevado e desproporcional face à reduzida atividade processual do tribunal arbitral (e tendo em conta o praticado noutras arbitragens).
15-Para que o acesso ao direito garantido no art. 20º da CRP seja plenamente assegurado, é necessário que o processo seja equitativo e que os custos a pagar por tal acesso sejam, para além de proporcionais e adequados aos serviços prestados, também razoáveis face ao cidadão médio; por isso o legislador previu um regime de custas processuais nos processos que correm seus termos nos tribunais judiciais e a maioria dos centros de arbitragens institucionalizadas terem criado o seu próprio regulamento com critérios de fixação dos respetivos encargos processuais, baseando em ambos os caos tais critérios nos princípios da proporcionalidade, de igualdade entre as partes e adequação.
16-Tais princípios de igualdade, proporcionalidade e adequação, ganham ainda maior relevância quando estamos perante uma arbitragem necessária como é o caso dos presentes autos, pelo que os encargos da presente arbitragem deveriam, por isso, e atendo também à falta de dedução de contestação por parte da ora Recorrente, ser fixados e/ou reduzidos para uma valor mais razoável, adequado e proporcional ao desenrolar concreto do processo e ao serviço efetivamente prestado pelos senhores árbitros.
17-Na presente arbitragem, as tarefas do tribunal, no que toca ao pedido que considerou ser o principal, limitaram-se a atender ao efeito cominatório expresso no nº 2 do artigo 3º da Lei nº 62/2011, uma vez que as Demandadas não apresentaram contestação, e a apreciação dos restantes pedidos não implicou elevada complexidade técnica, tanto que tais questões foram já tratadas em outras arbitragens em que os Senhores Árbitros também participam.
18- Apesar dos €32.000,OO representarem uma redução de 50%S do as mesmas montante acordado pelas partes no que respeita aos encargos da presente arbitragem, o certo é que nesta arbitragem nâo existiram contestações (várias, uma vez que estão em causa quatro Demandadas), resposta a essas contestações, audiência preliminar, guião de prova e respectivas sugestões de alteração (e decisão sobre), audiência de produção de prova oral (que poderia ter várias sessões, assessores técnicos, entre outros), alegações de facto e de direito, tudo de acordo com o previsto na Acta de Instalação do Tribunal Arbitral (cfr. ponto 4.1.1, alíneas a), k), I), m) a r», o que, de per se, é demonstrativo da redução drástica ocorrida na actividade processual expectável pelo Tribunal Arbitral para a efectivamente havida por este e, em consequência, representativo da desproporcionalidade, por excesso, que o montante de € 32.000,00 representa nos presentes autos.
19- Assim, por dever considerar-se manifestamente excessivo face à actividade desenvolvida pelo tribunal arbitral na presente arbitragem, deve o montante de €32.000,00, fixado pelo tribunal arbitral a titulo de encargos com a mesma, ser reduzido para montante que não seja superior, pelo menos, ao resultante da aplicação do Regulamento de acordo com os valores máximos das Tabelas, atenta - e apenas por força da - especial qualificação dos senhores árbitros, se a mesma se dever considerar uma "circunstância relevante".
20- Em último lugar, o presente recurso vem interposto da decisão de condenação da Demandada em encargos e da sua repartição, na proporção de pelas Demandadas e de " pelas Demandantes.
21-O Tribunal Arbitral justificou a sua decisão com base em três fundamentos:
i) DA conduta das Demandadas esteve na génese da presente ação arbitral ( ... ) As Demandadas não podiam ignorar que esta atuação-que não curaram de justificar perante o Tribunal- levaria as Demandantes, com alto grau de probabilidade, após tomar conhecimento da sua publicação no Boletim do INFARMED, a instaurar acção arbitral ( ... );
(ii) a sentença deste Tribunal Arbitral condenou as Demandadas( ... )no pedido principal, absolvendo-as dos outros dois pedidos dependentes;
(iii) a ação arbitral foi iniciada sem que as Demandadas tivessem praticado qualquer facto ilícito correspondente ao exercido do direito potestativo por parte das Demandantes e as Demandadas não contestaram a acção (artigo 449 do CPC), nem foram colhidos indícios nestes autos de que iriam, no futuro, violar a patente ou o CCP das Demandantes. Todavia, pese embora as Demandadas não terem praticado qualquer ato ilícito, as Demandantes invocam um direito potestativo, cujo exercício em determinado prazo e através desta ação arbitral é determinado por lei sob pena da sua caducidade ou ineficácia. De facto, nos termos da Lei nº 62/2011, sob as Demandantes recai um ónus de propositura da ação arbitral, estando, assim, afastada a regra do artigo 449 CPC" (cfr. página 26 da decisão arbitral, ênfase nosso).
22- Em relação ao primeiro argumento do Tribunal Arbitral, desde logo se faz notar que todas as AIMs publicadas na lista do Infarmed, ao abrigo do artigo 9º, nº 2 da lei nº62/2011, que estiveram na origem da presente acção arbitral, foram pedidas em data anterior à publicação da lei nº 62/2011, não se verificando, assim, o juízo de censurabilidade - que em todo o caso não se admite - que esteve na base da fundamentação da repartição dos encargos, sendo evidente que a decisão de condenação da Demandada, ora Recorrente, enferma de contradição insanável quanto à fundamentação e como tal deve ser considerada nula, nos termos do artigo 668, nº 1, alínea c) do CPC.
23- Também não merece colhimento o segundo argumento utilizado pelo Tribunal para justificar a condenação em encargos, tendo presente a cominação legal prevista na lei nº 62/2011 para o caso da acção arbitra1 não ser contestada, como aconteceu no caso dos presentes autos (que não consubstancia uma condenação de per si). e per si).
24- Por último, o Tribunal Arbitral resolve não aplicar a norma contida no artigo 449 do Código de Processo Civil, pois entende que, apesar de se verificarem os requisitos da sua aplicação, nos termos da Lei 62/2011, sob as Demandantes recai o ónus de propositura da acçâo arbitral em determinado prazo, sob pena de caducidade. Porém, carece totalmente de fundamento a posição afirmada pelo Tribunal Arbitral - a este propósito veja-se o recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 2/2013, proferido no processo nº478/12 (e disponível para consulta em www.tribunalconstitucionaJ.pt) no qual se entendeu que os titulares de direitos de propriedade industrial não são obrigados a propor acções arbitrais sempre que são pedidas (ou concedidas) AIMs relativas aos seus medicamentos de referência.
25- Assim:
·Não existe qualquer juízo de censurabilidade (que em qualquer caso não se admite) na conduta da Demandada - o seu pedido de AIM data de Novembro de 2010 e a lei nº 62/2011 foi publicada em Dezembro de 2011;
·A Demandada não praticou nenhum acto ilícito, como o Tribunal Arbitral reconhece e expressamente refere;
·As Demandantes decidiram - porque se trata de uma verdadeira opção - moverem a presente acção arbitra1;
·A Demandada não contestou a acção arbitral, assumindo, assim, a cominação expressamente prevista na lei (diversamente de uma condenação);
·As Demandantes exerceram um direito potestativo e pretendem uma
condenação, sem que a Demandada tenha praticado qualquer acto ilícito;
Pelo que, inexiste fundamento para a condenação em encargos, sendo plenamente aplicável o disposto no artigo 449 do Código de Processo Civil aos presentes autos.
26- Assim, a decisão arbitral viola os artigos 158, 499 e 659, nº/s 2 e 3 do CPC, padecendo, por isso, de nulidade, por efeito do artigo 668, nº 1, al, c) do Código de Processo Civil nulidade esta que, desde já, se argui para os devidos efeitos legais e que constitui fundamento do presente recurso, nos termos do nº 4 do artigo 668.
27-Mas ainda que se entendesse não ser aplicável o disposto no artigo 449, n.9s 1 e 2 alínea a) do Código de Processo Civil, sempre deveria entender-se que, nos termos da regra geral estabelecida no artigo 446, nº 1 do CPC, conjugada com o regime constante da Lei nº 62/2011, a ora Recorrente tampouco foi parte vencida na acção, como resulta amplamente de toda a fundamentação supro exposta.
28- Sem conceder, e para o caso de se entender que a decisão arbitral não padece da nulidade invocada, a decisão arbitral, pela qual se condenou em encargos a Recorrente viola o disposto no 449 nº/s 1 e 2 alínea c" do CPC e, caso assim não se entenda, o artigo 446 do CPC, devendo, em consequência, ser revogada por uma outra que conclua pela condenação em custas das demandantes , ora Recorridas.
29- Mas ainda que tudo o anteriormente referido não seja considerado procedente, o que apenas se admite por mera cautela e subsidiariamente, ou seja, ainda que devesse ser a Demandada responsabilizada na medida do seu decaimento, o certo é que a decisão arbitral de responsabilização das Demandadas - onde se inclui a ora Demandada - em das custas do processo arbitral, afigura-se consubstanciar um tratamento desigual das partes não admissível.
30- E se foram formulados pela Demandante três pedidos e esta decaiu em dois, por terem sido julgados improcedentes, mandam as regras da matemática - no que toca a proporções - que a Demandante fosse condenada em 2/3 das custas, ainda que não se quisesse fazer recair sobre a mesma a totalidade dos encargos da presente arbitragem.
31.A proporção fixada pelo tribunal arbitral de para a Demandada e de ~ para as Demandantes traduz-se, assim, num puro acto discricionário do Tribunal Arbitral, e consubstancia um tratamento desigual das partes que não pode ter acolhimento, violando o disposto nos artigos 5º e 16º, alínea a) da LAV, nos artigos 446 e 449.,nº 1 e 2, alínea a) e 469, nº 1 do CPC, viola frontalmente os princípios gerais de igualdade, proporcionalidade e adequação, subjacentes ao princípio de acesso ao direito e de um Estado de direito democrático, consagrados nos artigos 2º, 13º, 17º,18., 19,20 e 22.2 da Constituição da República Portuguesa e segundo os quais se deve pautar um tribunal, judicial ou arbitral.
32. Mas se tudo o que acima se expôs for diferentemente entendido, o que apenas se admite subsidiariamente e por mera cautela, tal significa que o artigo 3º da Lei nº62/2011 estará a ser interpretado no sentido de permitir o estabe1ecimento obrigatório de encargos adicionais - os inerentes às acções arbitrais - para as entidades requerentes de AIMs de medicamentos genéricos, apenas pelo mero facto de as terem requerido e ainda que não contestem as acções arbitrais contra elas instauradas, o que acarreta um tratamento desigual das entidades requerentes de AIMs face aos restantes países da União Europeia.
33- Assim, tal interpretação dada ao disposto na Lei nº 62/2011, no sentido de deverem ser as empresas de genéricas as entidades a suportar os custos das arbitragens necessárias ali previstas pelo mero facto de terem requerido uma AIM para um medicamento genérico em Portugal, viola não só a Diretiva 2001/83/CE, como o Regulamento nº 726/2004 e os artigos 4º e 34º do Tratado de Funcionamento da União Europeia e, por essa via, então o regime da arbitragem necessária previsto na referida Lei nº 62/2011, concretamente o seu artigo 3º, nº1, é inconstitucional, por violação do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o primado do direito comunitário no seu número 4, o que desde já se argui para todos os devidos efeitos.
C) Demandada A PHARMA (MALTA) LIMITED
1. O Tribunal Recorrido fixou os honorários dos árbitros em € 30.000,00 (trinta mil euros) e os honorários do secretário em € 2.000,00 (dois mil euros), num total de custas do processo de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), constituindo tal valor uma redução de 50% do valor inicialmente fixado.
2-Sucede, contudo que nem a ora Recorrente, nem as demais Demandadas, tomaram posição quanto ao litígio, nem Invocaram qualquer excepção ou, sequer, procederam à impugnação dos factos articulados pelos Demandantes, facto que prejudicou a consideração do presente litígio como um litígio de elevada complexidade ou morosidade.
3-Sendo certo que o Tribunal Arbitral, tal como refere no Acórdão, se encontrava vinculado a proferir decisão final, no que respeita aos pedidos constantes da petição apresentada pela Demandante, não se podendo limitar a extinguir a instância, comunicando a falta de contestação ao INFARMED e ao INPI.
4. O Tribunal Arbitral fundamenta tal posição com o facto de se mostrar necessário munir, a Demandante de um de titulo executivo que lhe permita reagir imediatamente em caso de violação dos deveres de conduta a cargo da ora Recorrente, tendo em vista a reparação coerciva do direito industrial violado, e nâo em virtude do facto de, alegadamente , a Recorrente ter tomado posição quanto ao litígio , o que , aliás, não aconteceu.
5. De todo o modo o Tribunal Arbitral nunca poderia pressupor, tendo em conta os princípios gerais em matéria processual, que o processo termina a com a simples falta de contestaçâo .
6)O referido preceito apenas refere “caso não seja apresentada a contestação “não se podendo inferir desta expressão qualquer consequência de término do processo
7. Acontece que o Regulamento de 2008 do Cento de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa determina o prosseguimento do processo arbitral, em caso de não apresentação de contestação.
8. Em face do exposto, as consideraç6es expendidas encontram-se eivadas de uma errónea Interpretação jurídica e factual, que conduziu à fixação de um valor extraordinariamente elevado para o presente litígio.
9. O valor dos custos definidos para a presente arbitragem, revelam-se, em face da reduzida complexidade e tempo expandidos no tratamento do mesmo, manifestamente excessivos, porquanto não foi realizada qualquer audiência, nem analisado, em detalhe a formulação química da patente invocada pelas Recorridas, pelo que deveria ser reduzidos os custos processuais na devida proporção .
10-O Tribunal Recorrido entendeu, ainda, imputar a responsabilidade pelas encargos à ora Recorrente e demais Demandadas, na proporção de ¾ e às Recorridas na proporção de ¼
11. Todavia, atento o disposto no nº1 e alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 449. do Código de Processo Civil, é o autor quem, não obstante ter vencido a acção , tem da pagar as custas, sempre que, cumulativamente , o Réu não tenha contestado e não tenha dado causa à acção, nomeadamente por se tratar do exercício de um direito potestativo por parte do autor, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu, ou porque a obrigação do réu só se vence com a citação ou depois de proposta a acçâo .
12. As situações previstas no nº 2 do artigo referido supra são referidas a título meramente exemplificativo, devendo considerar-se, também, que o réu nâo dá causa à acção quando esta não repousa numa efectiva violação do direito de patente.
13. Os pressupostos de aplicação deste artigo encontram-se absolutamente preenchidos, na medida em que se defende que a enumeração do artigo 449.° não é taxativa ,que o nº 2, alínea a) deve ser interpretado em termos amplos, como um poder legal,e que, em qualquer caso, inexistindo violação do direito de propriedade industrial das Demandantes pela Demandada, não se encontra verificada a condição de exigibilidade da obrigação que determinaria que as custas corressem por conta desta.
14-A ora Recorrente não apresentou contestação no âmbito da presente acção arbitral e, por outro lado, através da presente acçâo arbitral as Demandantes propuseram exercer arbitralmente o seu direito de propriedade sem que da parte da Demandada tivesse existido violação desse direito.
15. As Demandadas invocam o seu direito de propriedade Industrial, direito esse que se caracteriza como um direito exclusivo e que, nessa medida, origina um dever geral de abstenção na esfera de terceiros, que ficam, assim, sujeitos a não o violaram, nomeadamente através da prática de actos de produção, comercialização ou utilização, antes da caducidade da Patente e do Certificado Complementar de Proteção (CCP).
16. O douto Acórdão sob recurso, erroneamente, qualifica a conduta da aqui Recorrente como estando na génese destes autos de acçâo necessária arbitral, no entanto, a Recorrente não praticou qualquer facto ilícito que tenha originado o exercício, pelas Demandantes, do direito que invocam.
17. De facto, nem os pedidos da Autorização de Introdução no Mercado (AlM), nem o pedido de fixação da Preço de Venda ao Público (PVP), efectuados pela Recorrente correspondem a qualquer acto de comercialização ou utilização, previsto e punido paio artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial, não sendo sequer contrário aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos.
18. O Supremo Tribunal Administrativo, em decisão datada de 9 de· Janeiro de 2013, proferida no âmbito do Recurso nº 771/12, veio a confirmar lapidarmente este entendimento, i.e, os actos administrativos de aprovação de autorizações de introdução no mercado não constituam, nem podem ser considerados como constituindo actos violadores dos direitos de propriedade Industrial de terceiros, máxime, violadores das invenções protegidas através de patente. Considerações essas, aliás, já anteriormente validadas pelo Conselho e Comissão da Comunidade Europeia.
19. Em face do exposto, não se concebe como se pode considerar que a conduta da Recorrente, consubstanciada nos referidos pedidos e não na comercialização ou utilização de medicamentos em violação do direito de propriedade industrial das Recorrentes, está ferida de ilicitude, estando, por isso, na génese da presente acçâo arbitral
20. Em sede arbitral já foi afirmado , expressa e perentoriamente, que as condutas que apenas visam cumprir os requisitos da regulação administrativa pública, tais como os pedidos de AIM. de medicamento genérico, de fixação do seu PVP e de Inserção desse medicamento no esquema de comparticipação no PVP, não constituem uma oferta ao público do medicamento genérico, nem podem ser qualificadas, per se, como actos preparatórios, estando excluídas do âmbito da ilicitude.
21. No referido aresto foi ainda considerado, correctamente, diga que no interesse das empresas farmacêuticas em serem titulares de AIMs antes da caducidade dos direitos de propriedade Industrial não reside, exclusivamente , no lançamento Imediato dos medicamentos no mercado, porquanto constitui, também, uma vantagem competitiva em relação às demais empresas que, posteriormente, venham a requerer a AIM e a aprovação doe PVPs de um outro medicamento genérico bioequivalente ao medicamento de referência.
22-A conduta da Recorrente não é uma conduta prevista como ilícita no Código da Propriedade Industrial, não tendo, por isso mesmo, dado causa à presente acçâo arbitral
23. A presente acção arbitral trata-se, tão somente, do exercício de um poder legal por parte das aqui Recorridas e entra em regra de custas nos termos do nº2, alínea a)do do referido artigo 449.° do Código de Processo Civil. Em todo o caso, inexistindo violação, inexiste desrespeito pela obrigação e consequente vencimento imediato pela prática de facto ilícito (cfr. 805.°, nº 2, al. b) Código Civil), pelo que também pode encontrar aplicação o disposto no nº 2, alínea b) do referido artigo 449.° do Código de Processo Civil
24- Acresce ainda, a todo o exposto que a lei civil só excepcionalmente admite a responsabilidade civil por actos lícitos, nos casos em que faca objectivamente responsável o agente ou o beneficiário de um acto ilícito que sacrifica um bem de outrem em vista de um Interesse superior.
25. A conduta da Recorrente, consubstanciada nos pedidos feitos de AIM para os seus medicamentos, não sacrificou o direito Invocado pelas Demandantes causando-lhes prejuízos, não sendo esta, portanto, uma situação em que a lei preveja a responsabilidade civil por actos lícitos.
26. Muito pelo contrário: são as Demandantes quem pretende causar prejuízos à ora Recorrente, ao Estado e aos pacientes através da tentativa de obstrução abusiva e ilegítima da possibilidade de comercialização de genéricos pela Recorrente logo após a caducidade do CCP, ao cumular a presente acçâo arbitral com as acçôes administrativas especiais ainda pendentes.
27. Sem prescindir de tudo o quanto se expôs a Recorrente, subsidiariamente, considera que a repartição dos encargos deverá ser revista, invertendo o ratio aplicado, sindicando as Recorridas com 3/4 e a Recorrente com 1/4, tendo em atenção o comportamento desta, o facto de não ter praticado qualquer facto ilícito e de não ter deduzido contestação.
28. A condenação da Demandada no primeiro pedido - ante a respectiva falta de contestação – é parte reduzida do labor dedicado pelos ilustres Árbitros, ao invés da exposição e fundamentação jurídica relativa ao indeferimento dos demais pedidos formulados pelas ora Recorridas
Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso
Factos provados
1) A Demandante (S S K K) é titular da Patente Europeia n.º 0521471 (documento n.º 5 apresentado com a petição inicial);
2) A Patente Europeia n.º 0521471 tem por epígrafe "derivados de pirimidina corno inibidores da HMG-COA redutase" (documento n.º 5 apresentado com a petição inicial);
3) A Patente Europeia nº 0521471 foi requerida ao Instituto Europeu de Patentes em 30 de junho de 1992, concedida em 25 de outubro de 2000 tendo a menção da sua concessão sido publicada no Boletim Europeu de Patentes n.º 2000/43 (documento n.º 5 apresentado com a petição inicial);
4) A Patente Europeia n.º 0521471 foi validada em Portugal mediante entrega da respetiva tradução no INPI em 18 de janeiro de 2001 (documento n.º 5 apresentado com a petição inicial);
5) A Patente Europeia n.º 0521471 esteve em vigor até 30 de junho de 2012, data em que completou o seu período legal de duração (documento n.º 5 apresentado com a petição inicial);
6) A Patente Europeia n.º 0521471 inclui nas suas reivindicações a substância Rosuvastatina (documentos n.º 5 e 6 apresentados com a petição inicial);
7) A Demandante (S S K K) é titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 156 (documento n.º 7 apresentado com a petição inicial);
8) O Certificado Complementar de Proteção n.º 156 foi concedido pelo INPI em 25 de novembro de 2003, tendo por base a Patente Europeia n.º 0521471 e por referência à primeira autorização de introdução no mercado na Europa do medicamento contendo como substância ativa a Rosuvastatina, com a marca Crestor (documento n.º 7 apresentado com a petição inicial);
9) A segunda Demandante (A – Produtos Farmacêuticos, Ldª) é detentora de uma sublicença exclusiva em Portugal para exploração da Patente Europeia n.º 0521471 e do Certificado Complementar de Proteção n.º 156 (documentos nº 5 e 7 apresentados com a petição inicial);
10) A segunda Demandante obteve autorizações de introdução no mercado para o medicamento contendo Rosuvastativa como substância ativa, nas dosagens de 5 mg, 10 mg, 20 mg, e 40 mg e na forma de comprimidos revestidos por película, o qual é comercializado em Portugal sob a marca Crestor (documentos n.º 1 e 4 apresentados com a petição inicial);
11) A Demandada A requereu em 12 de maio de 2011 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina Aurobindo, contendo Rosuvastatina cálcica como substância ativa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 27 de julho de 2012 (documentos n.º 9 a 16 e 45 apresentados com a petição inicial);
12) A Demandada S requereu em 25 de novembro de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos contendo Rosuvastatina cálcica como substância ativa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, (documentos n.º 17 a 20 apresentados com a petição inicial);
13) A Demandada D requereu em 2 de março de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos contendo Rosuvastatina cálcica como substância ativa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, (documentos n.º 21 a 28 apresentados com a petição inicial);
14) A Demandada P-D requereu em 11 de maio de 2011 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina Parke-Davis, contendo Rosuvastatina cálcica como substância ativa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 31 de julho de 2012 (documentos n.º 29 a 36 e 45 apresentados com a petição inicial);
15) A Demandada R requereu em 30 de janeiro de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina Ranbaxy, contendo Rosuvastatina cálcica como substância ativa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 21 de novembro de 2011 (documentos n.º 37 a 44 apresentados com a petição inicial).
E ainda com interesse para a decisão destes recursos…
16- Por acta de 25 de setembro de 2012 foi constituída o tribunal arbitral e fixadas as regras de funcionamento da arbitragem, com exceção das respeitantes a encargos e honorários
17- Do acordo das partes, posterior à ata, decorre que o valor da ação é de 30.001,00 € e o montante dos honorários a atribuir aos Árbitros 60.000,00 € mais 20% dos honorários de um Árbitro para o secretário.
18- Em 16 de janeiro de 2013 vieram as Demandantes comunicar ao Tribunal Arbitral que, atendendo ao acordo celebrado com a Demandada P-D sobre o objeto do litígio, perderam o interesse na arbitragem iniciada contra essa Demandada, requerendo a extinção do processo arbitral exclusivamente quanto a essa Demandada.
19-O prazo para contestação das restantes Demandadas findou, não tendo sido por elas apresentada contestação ou qualquer outra manifestação de vontade.
20-No entanto, o tribunal arbitral entendeu estar vinculado a proferir sentença nesta arbitragem, bastando os factos alegados pelas Demandantes e já provados pelos documentos juntos por estas, pelo que não foi levada a cabo qualquer produção de prova
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº 684 nº3 e e 685-A do CPC ) ,sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( artº 660 nº 2 CPC ),o que aqui se discute é o montante dos encargos da arbitragem ,repartição das custas , anulabilidade da mesma da sentença ,absolvição do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória e de não transmissão da AIM a terceiros.
Os recursos serão apreciados em conjunto, porquanto ambos se cruzam quanto à análise de factos e subsunção jurídica.
A) Condenação da Demandada S a não iniciar a exploração industrial ou comercial das autorizações de introdução no mercado (AIM) de medicamentos genéricos contendo como princípio ativo a Rosuvastatina, protegido pelo Certificado Complementar de Proteção nº 156
Os medicamentos para uso humano só podem ser introduzidos no mercado após a emissão de uma autorização administrativa, no caso, o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento, estando esta matéria regulada pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto (alterado pelos Decretos-lei n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106 -A/2010, de 1 de outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho – e bem assim pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro) diploma legal que aprovou o atual Estatuto do Medicamento, e que transpôs para o direito português a Diretiva n.º 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004,bem como nos termos do Regulamento (CE)nº 736/2004 ,estabelecendo “o regime jurídico a que obedece a autorização de introdução no mercado e suas alterações, o fabrico, a importação, a exportação, a comercialização, a rotulagem e informação, a publicidade, a farmacovigilância e a utilização dos medicamentos para uso humano e respetiva inspeção” ( seu art.º 1.º).
O regime jurídico da AIM, acabou por ser trazida ao Supremo Tribunal Administrativo e foi apreciada e decidida pela formação alargada em que intervieram todos os juízes do contencioso administrativo, no Ac. de 9/01/2013, P. 771/12,publicado em DR, 1ª Série, 29.1.2013, como Acórdão n.º 2/2013.
Este Acórdão uniformiza a jurisprudência do sentido modo:
“- a decisão administrativa do Infarmed que concede a AIM nada decide sobre a matéria do respeito ou ofensa dos direitos de propriedade industrial, nem autoriza actos que ponham em causa tais direitos;”
Tal decisão veio na sequência do entendimento jurisprudencial pacífico no sentido de que :
-quanto aos pedidos de AIM, e em consonância com a letra da Directiva 2001/83/CE do PE e do Conselho de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um Código Comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, a Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, consagra expressamente que a concessão de autorizações de introdução no mercado (e do preço de venda ao público e da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos) não depende da apreciação, pelas autoridades administrativas competentes, da eventual existência de direitos de propriedade industrial e que os pedidos de autorização em causa não podem ser indeferidos com aquele fundamento nem as mesmas podem ser alteradas, suspensas ou revogadas, pelas respectivas entidades emitentes, com base na eventual existência desses direitos (cfr. art.ºs 25.º, n.º 2, e 179.º, n.º 2, do RJMUH).
Contudo, simultaneamente, a mesma lei nº 62/2011 veio introduzir um especial regime de "composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, prevendo que os mesmos, incluindo os procedimentos cautelares respetivos fiquem sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada - artigo 1º e 2º[1].
De acordo com a Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 13/XII de 1/09/2011 (disponível em http://www.parlamento.pt), a Lei em causa visou obviar aos fatores de estrangulamento que dificultam a entrada célere de genéricos no mercado de medicamentos, entre outros os decorrentes da incerteza sobre a violação, ou não, de direitos de propriedade industrial por parte dos medicamentos genéricos que pretendem aceder ao mercado e consequentes litígios judiciais relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem, através da instituição de um mecanismo alternativo de composição dos litígios – arbitragem necessária – que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial – visando, a final, um objectivo de sustentabilidade do SNS e de acesso dos utentes a medicamentos a custos comportáveis.[2]
Decorre do regime exposto a separação entre o procedimento administrativo com vista à obtenção de AIM e a tutela de direitos de propriedade industrial,com recurso à arbitragem necessária.
Ora, é nesta diversidade de enquadramentos jurídicos que reside o cerne da decisão desta conclusão
Na verdade, uma realidade é a reconhecimento/violação da AIM, com a natureza jurídica que lhe atribuímos, e outra o reconhecimento do direito de propriedade industrial-medicamentos de referência/genéricos.
E é este último enquadramento jurídico que está em causa
A lei nº 62/2011 previu a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, prevendo que os mesmos, incluindo os procedimentos cautelares respetivos fiquem sujeitos artigo 1º e 2º.
Este regime de arbitragem necessária assenta nos seguintes traços, com interesse para a decisão:
-recurso à arbitragem pelo interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial no prazo de 30 dias a contar da publicitação pelo INFARMED, na sua página electrónica, dos pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos (prevendo-se, a título de disposição transitória, igual prazo a contar da publicação, também no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da Lei, dos elementos relativos aos medicamentos para os quais ainda não tenha sido proferida pelo menos uma das decisões de AIM, do preço de venda ao público ou de inclusão na comparticipação do Estado no preço dos medicamentos); a não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação pelo tribunal arbitral implica que o requerente de autorização ou registo, de introdução no mercado de medicamento genérico, não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial, na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados em sede de arbitragem necessária (artº3 nº1 , 2 , 3 e 4 )
Daí que, como se lê na acta de instalação do Tribunal Arbitral de fls. 7, o objecto do litígio consista:
“…no exercício do direito que as Demandantes se arrogam decorrente da Patente Europeia nº 0521471 e respectivo Certificado Complementar de Protecção nº 156, relativos à substância activa Rosuvastatina, nomeadamente como resulta do art.º 101 do Código de Propriedade Industrial, relativamente a medicamentos genéricos das Demandadas contendo aquela substância, incluindo, mas não apenas, os indicados na lista publicada pelo INFARMED no seu website ,em 11 de Janeiro de 2011”
Tal significa que a causa de pedir neste tipo de litígio não pode ser a inobservância ou violação da AIM, mas a invocação dos direitos de propriedade industrial fundados em patentes de medicamentos ou certificados complementares de protecção para medicamentos. Tais direitos «encontram-se no domínio formalmente abrangido pelo preceito [constitucional que consagra o direito de propriedade como direito fundamental] e integram o conteúdo substancialmente protegido pela norma constitucional referente ao direito de propriedade privada».[3]
Com efeito, o art.º 51.º e segs. do Código da Propriedade Industria[4] regula o âmbito de aplicação de patentes, como um direito privativo da propriedade industrial que visa proteger uma invenção, embora não apresente uma definição legal deste conceito.
Por sua vez, o art.º 97.º, n.º1, do Código da Propriedade Industrial, estabelece que “o âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”. E, “se o objeto da patente disser respeito a um processo, os direitos conferidos por essa patente abrangem os produtos obtidos diretamente pelo processo patenteado”.
O seu art.º 99.º fixa em 20 anos, contados da data do respetivo pedido, a duração da patente.
No que respeita aos direitos emergentes da patente, o n.º1 do art.º 101.º, estabelece, expressamente, que a patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português.
E confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados – ( n.º2 do citado art.º 101.º), mas tais direitos, porém, não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações (n.º4 da mesma norma).
De acordo com o n.º1, do art.º 75º, do Código da Propriedade Industrial, as suas disposições seguintes aplicam-se aos pedidos de patente europeia e às patentes europeias que produzam efeitos em Portugal. E o seu n.º2 manda aplicar as disposições deste diploma legal em tudo que não contrarie a Convenção sobre a Patente Europeia de 5 de Outubro de 1973.
Portanto, o Código da Propriedade Industrial é aplicável aos pedidos de patente europeia, previstos na Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias de 5 de Outubro de 1973 (também designada por Convenção sobre a Patente Europeia, que criou a Organização Europeia de Patentes (OEP). Nos Estados contratantes onde a patente europeia produzir efeitos, o seu titular beneficia dos mesmos direitos que lhe seriam conferidos por um pedido de patente nacional. [5]
Não está em causa que a Demandante S S K K é titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 156, baseado na já referida Patente Europeia, e que protege um medicamento contendo como substância ativa a Rosuvastatina.
Daí que se leia na decisão arbitral “…Nos termos do Regulamento do Conselho (CEE) nº 1768/92, de 18 de junho de 2002, em vigor na data em que foi requerido o Certificado Complementar de Proteção nº 156, posteriormente substituído pelo Regulamento (C E)nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base, sendo que «Dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base, a protecção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado» (artigos 4º e 5º dos citados Regulamentos)..”.
Logo, conjugando o teor das considerações de direito já feitas com o objecto do litígio, consignado em acta de fls 7,só podemos concluir que a decisão arbitral apenas se reportou ao preceituado no artº 101 do CPI [6] e como tal condenou as Demandadas A, D R e S a absterem-se de importar, fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio ou utilizar, em Portugal, os Genéricos Rosuvastatina, ou sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio ativo, enquanto os direitos de propriedade industrial das Demandantes se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 de Julho de 2017.
No fundo, o que aqui está em causa é a condenação das Demandadas a uma obrigação de “non facere”, por via da declaração e reconhecimento do direito de propriedade, tal como o artº 1305 do CC tipifica o conteúdo do direito de propriedade.
Por último, acrescentamos que, se o apelante ainda persiste em dúvida acerca do acerto da decisão arbitral, terá que reexaminar o teor do objecto do litígio na parte em que refere “….mas não apenas ,os incluídos na lista publicada pelo Infarmed….”.É um elemento literal que acresce às razões de fundo, mas que manifesta a abrangência dos pedidos em discussão.
Consequentemente, não existe qualquer pronúncia excessiva, porquanto a decisão arbitral não define qualquer incerteza ou indefinição do direito de propriedade industrial, mas apenas condenou as Demandadas a uma abstenção[7]
Improcede, pois, a conclusão.
B) Não transmissão da AIM a terceiro
Já concluímos que os direitos de propriedade industrial não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico; que a promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED.
Ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. A AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização.
De acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão da impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes
Sendo assim e porque o pedido da AIM não se conecta com a esfera da propriedade industrial não pode titular deste direito impedir a transmissão da AIM ,ou seja, não podem as Demandantes pedirem algo ,quando tanto a constituição da AIM ou da sua transmissão a terceiro escapam ao conteúdo do seu direito de propriedade industrial [8]
Pelo exposto, improcede esta conclusão.
C) Absolvição da sanção pecuniária compulsória
Dispõe-se no art.829º-A, do CC, introduzido pelo Dec.-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniáriapor cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso” (nº 1).
A consagração da sanção pecuniária compulsória no art. 829º-A, do CC constituiu, entre nós, autêntica inovação, como se pode ler no relatório que precede o DL nº 262/83, de 16 de Junho:
“A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”
Esta sanção tem assim em vista, não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.
Por sua vez, retira-se do texto legal que ao juíz são reconhecidos amplos poderes quer na escolha da modalidade, quer na fixação do seu montante, confiando-se no seu prudente arbítrio, sentido de medida e de proporcionalidade.
Desta forma, dependendo das circunstâncias do caso concreto, o tribunal pode condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção .
Lançando mão de «critérios de razoabilidade», o tribunal fixará “livremente” um montante que possa impressionar e intimidar eficazmente o obrigado a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito tendo em conta as suas possibilidades económicas, mas também a sua capacidade de «resistência», sem esquecer o interesse do credor em ver cessada a situação de incumprimento[9].
Em face deste enquadramento normativo, concordamos em absoluto com o explanado na decisão arbitral, a saber:
“….Adiante-se já que esta obrigação há de resultar de um incumprimento atual ou iminente, alegado pelas Demandantes e verificado pelo Tribunal arbitral. Como salienta CALVÂO DA SILVA, "sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infração"
Ora, as Demandantes, para além da circunstância de já terem sido atribuídas AIM ao genérico que pretendem comercializar, não alegaram outras circunstâncias factuais das quais possa resultar a formação de uma convicção no sentido de as Demandadas neste processo arbitral - mesmo aquelas às quais já foi concedida a AIM - se encontrarem, neste momento, a fazer preparativos (não reconduzíveis ao cumprimento de exigências regulatórias públicas relacionadas com a demonstração da segurança, qualidade e eficácia do medicamento provida com esta substância ativa) destinados à comercialização deste medicamento em Portugal (v.g., trocas de mensagens entre as partes de onde resulte a intenção in faciendo de as Demandadas estarem a fazer tais preparativos; envio de amostras a potenciais clientes; marcação de reuniões entre delegados de informação médica e potenciais clientes; publicitação juntos dos interessados do lançamento iminente do genérico; aceitação de encomendas deste genérico; inscrição em lista para futuros fornecimentos, etc.)…..
….Não parece, porém, existir, no caso sub iudice, uma violação atual ou a ameaça de uma violação iminente do direito de patente ou certificado complementar relativos à referida substância ativa (Rosuvastatina). As Demandadas AUROBINDO, PARKE-DAVIS e RANBAXI apenas se premuniram das autorizações administrativas necessárias ao cumprimento das exigências regulatórias respeitantes à segurança, eficácia e qualidade do medicamento genérico, enquanto as outras duas Demandadas (SIGILLATA e DISPHAR) pediram a AIM mas ainda não a obtiveram….”.[10]
Pelo exposto ,improcede esta conclusão.
D) Montante dos encargos
A decisão arbitral debruça-se sobre esta questão ,nos seguintes termos:
“. Encargos da arbitragem e honorários dos árbitros
Tendo as partes acordado quanto à fixação de encargos da arbitragem e honorários dos árbitros e do secretário no sentido de o valor da ação ser de 30.001,00 € e o montante dos honorários a atribuir aos Árbitros de 60.000,00 € mais 20 dos honorários de um Árbitro para o secretário, assentando no pressuposto de este processo arbitral seguir o seu curso normal, atendendo à falta de contestação foi proferido despacho a 31 de Janeiro determinando: «atendendo ao disposto no n.º 5 do art.º. 48. o do Regulamento aplicável, o tribunal fixa o valor global de encargos da arbitragem e de honorários dos árbitros e do secretário em 32000,00 € (trinta e dois mil euros), a que acresce IVA».
Na medida em que as Demandadas A, D, R e S não deduziram contestação e, consequentemente, não foram marcadas audiências para a produção de prova, a complexidade processual ficou reduzida. Ainda assim, como resulta do texto anterior, foi necessário proferir sentença arbitral, fundamentada, sobre várias questões jurídicas de grande complexidade.
Nestes termos, o tribunal fixou o valor global de encargos da arbitragem e de honorários dos árbitros e secretário em 32 000,00 € (trinta e dois mil euros), correspondente a 50 do valor que resultaria da aplicação do acordo das partes.
As Demandadas A, S e D não se conformando com o valor fixado no referido despacho, consideraram que, por não terem deduzido contestação, e pela consequente simplificação processual, deveria ser reduzido o montante fixado pelo tribunal, o que justificou novo despacho (5 de março), nos seguintes termos:
<<A invocada simplificação processual foi tida em conta e expressamente referida no citado despacho de 31 de Janeiro, implicando que o valor acordado ( .. .) tivesse sido reduzido em 50 ao abrigo do disposto no n. o 5 do art. 48. o do Regulamento aplicável a esta arbitragem.
Na ponderação dos árbitros para fixar o montante total dos encargos e honorários em 50 do acordado com as partes foram tidos em conta, especialmente dois aspectos.
Da petição inicial decorre que o volume de vendas anual da substância ativa em causa (Rosuvastatina) é, segundo as Demandantes, de 35.900.000,00 €, razão pela qual, sem questionar o acordo das partes quanto ao valor da ação, depreende-se que o valor económico da causa é substancialmente elevado.
Relativamente a encargos e honorários, atendendo ao acordo estabelecido entre as partes e os árbitros e ao facto de não ter sido deduzida contestação, com a consequente simplificação processual, não sendo necessário elaborar guião de prova, nem realizar audiência de produção de prova, o Tribunal Arbitral decidiu fixar o valor global dos referidos encargos e honorários em 50 daquele montante, ou seja em € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), acrescido de IVA à taxa legal. Este valor teve em conta que apesar de as Demandadas não terem deduzido contestação, a complexidade processual, ainda que minimizada, subsiste, sendo necessário proferir sentença arbitral, fundamentada, sobre várias questões jurídicas de grande complexidade». …”
Os Tribunais arbitrais, embora não se enquadrem na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania e não sejam órgãos do Estado, "nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais" [11].Por isso, os tribunais a que se refere o artigo 20.º,n.º 1, da CRP não são apenas os tribunais estaduais, entendimento já sufragado pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos nº/s 250/96 e 506/96, onde se lê que "pode mesmo dizer-se que o tribunal arbitral, como tribunal que é, faz parte da própria garantia de acesso ao direito e aos tribunais" [12].
Consequentemente, não podem estes tribunais arbitrais estarem “divorciados” do princípio do acesso ao direito e aos tribunais ,ou seja, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (artº 20 da CRP).
Porém, tal principio não implica necessariamente a gratuitidade do serviço de justiça, sendo, pois, legítima a exigência do pagamento de custos.
«O direito de acesso aos tribunais não compreende, pois, um direito a litigar gratuitamente, pois, como decorre do que atrás se disse, não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cfr., neste sentido, também o Acórdão n.º 307/90, Diário da República, II Série, de 4 de Março de 1991).
O legislador pode, assim, exigir o pagamento de uma contrapartida monetária, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite — limite que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário, entendido este como instrumento que visa garantir o acesso aos Tribunais para aquela parte da nossa sociedade economicamente carenciada e não para o cidadão médio.
Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.[13].
A larga margem de conformação constitutiva de que goza o legislador ordinário na definição dos custos dos processos, não o exonera naturalmente da observância de critérios de proporcionalidade decorrente dos princípios do Estado direito, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP, sob pena de a legislação emanada em violação destes princípios padecer de inconstitucionalidade material [14]
Termos em que esta liberdade de definição do montante dos custos terá como limite superior o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso, corolário do Estado de direito democrático (artº 2.º, da C.R.P.), o qual impedirá a fixação de valores manifestamente desproporcionados ao serviço prestado, o que, a suceder, porá em causa a própria equivalência jurídica das prestações[15]
Podem ser utilizados os mais variados critérios para a fixação dos custos devidos pela tramitação de processo judicial, tais como:
- montante fixo para cada acto processual, sendo o número e o tipo de actos praticados em cada processo que determinará o seu custo final; quantia fixada pelo juiz, com limites previamente estabelecidos na lei;-montante previsto na lei, proporcional ao valor da causa.
No entanto, como se pode ler no acórdão nº 495/96 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pág. 655):
“O instituto do apoio judiciário não é, pois, um instrumento generalizado, ou pressuposto primário de acesso ao direito: é, antes, um remédio, uma solução a utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade dos cidadãos. Isto implica, necessariamente, que também o sistema das custas judiciais tenha que ser um sistema proporcional e justo, que não torne insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais.”[16]
Podemos, pois, concluir que o sinalagma entre serviços prestados no âmbito destes autos e respectiva contrapartida monetária, a pagar pelas partes, será analisado à luz de critérios de proporcionalidade, equidade, justiça diluídos pela noção de adequação à quantificação e qualificação dos actos processuais levados a cabo, tal como o preceituado no art.º 48 nº5 do Regulamento aplicável [17]
Para tanto, atenderemos ao seguinte:
a) --As demandantes não contestaram, pelo que não houve lugar à produção de prova, sendo suficientes os factos alegados e provados por documentação junta.
b)-As questões a decidir prenderam-se unicamente com a subsunção dos factos ao ordenamento jurídico
É óbvio que se as 4 demandadas tivessem contestado a tramitação processual seria constituída por um enorme e complexo número de actos processuais, tais como respostas, audiência preliminar, audição de testemunhas, peritos que poderiam levar a um prolongar das sessões de julgamento pelo tempo.
Ora, como tal não sucedeu este litígio apenas levou a um estudo dos factos, ultrapassando-se fases processuais morosas e complexas.
Por este motivo também o Sr. secretário desenvolveu muito menos serviço
No que se refere à sentença propriamente dita ….[18]
Houve cuidado em fundamentar, cuidadosamente, a necessidade de prolação da sentença, atenta a ausência da defesa (fls 401 a 405).No entanto, o preceituado no artº 22 do Regulamento aplicável é expresso no sentido da decisão tomada, o que agilizava a fundamentação do explanado.
Por outro lado, decorre da experiência extraída da resolução institucional dos litígios que nem sempre haverá contestação.
Logo, esta situação não se pode configurar como inédita e alvo de estudo pioneiro.
Em relação à abstenção de comercializar medicamentos genéricos contendo uma substância activa Rosuvastatina
É certo que houve uma fundamentação acolhida pelos diversos instrumentos jurídicos (Patente Europeia, Certificado Complementar de Proteção ,Pedidos de Autorização de Introdução no Mercado ) e alusão ao Código de Propriedade Industrial ,o que não será de estranhar em matérias que se regulam por esses mesmos instrumentos jurídicos.
Porém, todas estas referências foram articuladas pela ausência de contestação , a saber:
“…Nestas condições, atento o efeito cominatório expresso no nº 2 do art. 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, bem como o facto de as Demandadas A, D, R e S não terem contestado a presente ação arbitral iniciada pelas Demandantes, deverá aquela ser condenada a não iniciar a exploração industrial ou comercial das autorizações de introdução no mercado (AIM) de medicamentos genéricos contendo como princípio ativo a Rosuvastatina, protegido pelo Certificado Complementar de Proteção nº 156, que estende o âmbito de proteção da Patente Europeia nº 0521471, durante a vigência dos direitos de propriedade industrial invocados com base naquele CCP pelas Demandantes. Quanto à Demandada P-D, há que declarar a extinção do processo arbitral, atento o requerimento apresentado pelas Demandantes em 16 de janeiro de 2013…. “
Concluímos que a apreciação deste pedido não envolve grande complexidade, na medida em que o cerne do litígio estará no conteúdo do direito de propriedade industrial, o que, seguramente, implica estudo para fundamentar a decisão ,mas o quadro conceptual em que esta se movimenta está por demais analisado .
Não transmissão a terceiros da AIM
Ainda que esta seja uma questão muito específica do âmbito da actividade económica relacionada com os medicamentos, certo é que já existe jurisprudência uniforme veiculada pelo STA, após múltiplas decisões, acerca da natureza da AIM, conforme demos conta .
Por isso, ainda que a nossa posição tenha uma fundamentação diversa da explanada na decisão impugnada, certo é que não escamoteamos a argumentação cuidada desta última.
Termos em que atenderemos ao trabalho, ainda que não seja uma área a desbravar e a requer um estudo acrescido.
Condenação em sanção pecuniária compulsória
Diremos que todos os dias as Instâncias Judiciais são confrontadas com decisões de litígios, onde é necessário analisar e aplicar, ou não, este instituto jurídico. E para estas decisões os Tribunais recorrem a uma jurisprudência abundante a è excelência de obras doutrinais, nomeadamente, a do Prof. Doutor Calvão da Silva ( Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória ,Coimbra ,1995). Aliás como o fizeram os Srs. Árbitros a fls 417.
É óbvio que uma decisão em que seja necessário analisar e aplicar ,ou não ,este instituto reveste cuidado e atenção , mas face à diversidade dos estudos e decisões já tomadas acerca deste instituto ,não vislumbramos que aquela se revista da complexidade de uma decisão que se atravesse numa área inédita ,ou de ampla divisão de entendimentos.-
Logo ,esta decisão é cuidada ,mas não suscita a consideração de especial complexidade.
Concluindo que a complexidade do estudo, análise das questões colocadas, tempo de trabalho e número de actos praticados são as considerados com o atrás explanado, não vislumbramos razão para não atender ao preceituado nos art/s 46 a 48 do Regulamento aplicável, sem esquecer a redução de 50% levada a cabo e que levou à fixação dos honorários em 32.000 €
Estes normativos constituirão apenas um critério orientador, visto que as partes acordaram no estabelecimento de honorários.
E se este Regulamento é o normativo orientador, contrariamente ao explanado na decisão, chamar à colação o valor económico da causa é inócuo (art.º 47 do Regulamento).,atento o valor da acção (artº 47), o qual poderia ser mais elevado, se as partes assim o quisessem.
Posto isto, entendemos reduzir o montante total dos encargos para € 13.500,00 ,sendo atribuído ao sr. Secretário a quantia de € 1500 e aos 3 Srs. árbitos a quantia € 4.000,00
E) Repartição das Custas
O que se refere na decisão arbitral:
“….Custas a suportar pelas partes na proporção de 3/4 pelas Demandadas A, D, R e S e de 1/4 pelas Demandantes.
A repartição indicada encontra a seguinte justificação.
A conduta das Demandadas esteve na génese da presente ação arbitral ao efetuar pedidos de AIM seis anos antes do termo de vigência da patente e do correspondente certificado quando a referida AIM se obtém num período inferior a um ano. As Demandadas não podiam ignorar que esta atuação - que não curaram de justificar perante o Tribunal - levaria as Demandantes, com alto grau de probabilidade, após tomar conhecimento da sua publicitação no Boletim do INFARMED, a instaurar ação arbitral no prazo máximo de 30 dias a contar da referida publicitação.
Em segundo lugar, a sentença deste Tribunal Arbitral condenou as Demandadas A, D, R e S, conquanto estas não tenham apresentado contestação, no pedido principal, absolvendo-as dos outros dois pedidos dependentes.
Por último, também é certo que a ação arbitral foi iniciada sem que as Demandadas tivessem praticado qualquer facto ilícito correspondente ao exercício do direito potestativo por parte das Demandantes e as Demandadas não contestaram a ação (artigo 449.º, n.º 1, do CPC), nem foram colhidos indícios nestes autos de que iriam, no futuro, violar a patente ou o CCP das Demandantes. Todavia, pese embora as Demandadas não terem praticado qualquer ato ilícito, as Demandantes invocam um direito potestativo, cujo exercício em determinado prazo e através desta ação arbitral é determinado por lei sob pena da sua caducidade ou ineficácia. De facto, nos termos da Lei n.º 62/2011, sob as Demandantes recai um ónus de propositura da ação arbitral, estando, assim, afastada a regra do artigo 449.º CPC. …””
Vejamos..
A regra geral de responsabilidade pelo pagamento de custas assenta, a título principal, no principio da causalidade e, subsidiariamente ,no da vantagem ou proveito processual ,sendo aquele indiciado pelo principio da sucumbência ,pelo que deverá pagar as custas a parte vencida ,na respectiva proporção (artº 446 nº1 do CPC ).
A responsabilidade por custas pode, portanto, assentar num critério de causalidade, como num critério de benefício ou proveito.
Um nexo objectivo de causalidade liga a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva ,e esta é legalmente imputada a um dele ou a ambos se por acção ou omissão própria a poderiam ter evitado, não devendo a parte que agiu em conformidade com o direito ser responsabilizada pelo custo do litígio.
Segundo o critério da causalidade, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (artº 446º nº 2 do CPC).
São, no entanto, inúmeras as situações nas quais a responsabilidade pelas custas, embora determinada pelo critério da causalidade, é independente do decaimento na acção:
--assim, quando o Réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo Autor, apesar de vencedor:
-quando o autor exerce um direito potestativo que não tem em origem em qualquer facto ilícito do réu; quanto a obrigação só se vencer com a citação ou depois da propositura da acção; quando o autor, munido de título com manifesta força executiva, usar sem necessidade do processo declarativo (art. 449º nº 1 e 2 a) a c) do CPC).
Pressuposto para que tal ocorra é a concorrência de duas condições: não ter o réu dado causa à acção; não a ter contestado.
Todas as dificuldades de aplicação prática do problema da responsabilidade pelas custas, as dúvidas e embaraços que se levantam nos casos concretos respeitam o primeiro dos requisitos apontados: quando o réu não tenha dado causa à acção. Há, realmente casos e situações em que é difícil decidir se o réu deu causa à acção
No entanto, nunca poderemos esquecer a existência do nexo objectivo de causalidade que liga a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva ,e esta é legalmente imputada a um dele ou a ambos se por acção ou omissão própria a poderiam ter evitado, não devendo a parte que agiu em conformidade com o direito ser responsabilizada pelo custo do litígio. Por isso, deve entender-se que o réu não deu causa à acção, quando, pela sua conduta não tenha dado motivo à proposição da acção, quando não tenha com o seu procedimento, provocado o processo.
Voltando à análise do artº 449 nº2 al a) CPC …
Ninguém coloca em dúvida que as Demandadas não praticaram factos ilícitos e que as Demandantes invocaram um direito potestativo [19]
Como já referimos, a Lei nº 62/2001 veio estabelecer o regime jurídico a que obedece a autorização de introdução no mercado de medicamentos para uso humano (AIM).E também instituiu um regime de arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, para a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, cujos passos processuais já foram descritos.
Igualmente já referido que os direitos de propriedade industrial, a existirem, sob a forma de patente ou de certificado complementar de protecção, sempre conferem ao seu titular, durante um certo período de tempo, um conjunto de direitos, em especial o direito exclusivo de exploração da invenção, o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, um conjunto de comportamentos, incluindo a introdução no comércio e, ainda, o direito de se opor a todos os actos que constituam violação do título de propriedade industrial (cfr. artigos 101.º, n.ºs 1 a 3, e 99.º e artigo 115.ºdo CPI) – e os quais, não obstante a existência de AIM, sempre precludirão, durante o período de vigência dos mesmos, o início da exploração industrial ou comercial por parte do requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamento genérico.
Por outro lado, o recurso à justiça arbitral é necessário, mas não obrigatório. Isto, porquanto a defesa em sede arbitral ou noutra de direitos de propriedade industrial será justificada quando se pretenda fazer valer o direito de exclusivo da exploração económica do produto ou processo patenteado em face da introdução no mercado de medicamentos genéricos, o que, admita-se, não se verificará em todas as situações, nomeadamente, quando não haja sequer litígio a compor. O recurso à arbitragem necessária será uma forma antecipada de resolução de litígios.
Conjugando este enquadramento conceptual, nos termos em que o fizemos, com os pressupostos factuais e de direito que sustentaram esta arbitragem, a conclusão é a de que as Demandantes exerceram um direito potestativo—declaração e reconhecimento do direito de propriedade industrial –pressuposto essencial para a condenação das Demandadas nos termos da decisão impugnada ,sem que houvesse um litígio ,tal como a decisão impugnada reconheceu.
Aliás, revestindo a acção natureza declarativa de condenação existe sempre um prévio juízo declarativo na sequência do qual existe a condenação (artº 4 nº2 al a) do Código de Processo Civil)
E não se diga que a obtenção da AIM traduz o objecto do litígio pois estamos a tratar de realidades jurídicas e institucionais completamente diversas.
Termos em que as custas serão suportadas pelas Demandantes.
Por último, um esclarecimento quanto à divisão das custas do presente recurso.
A Demandada Sigillata não logrou vencimento em parte da sua impugnação, tal como resulta da improcedência das conclusões nº1 a 10.
As demais Demandadas lograram vencimento na sua impugnação.
As Demandantes não obtiveram qualquer vencimento.
Concluindo:
Existe separação entre o procedimento administrativo com vista à obtenção de AIM e a tutela de direitos de propriedade industrial, com recurso à arbitragem necessária. Por isso não haverá condenação no pedido de não transmissão da AIM, bem como em qualquer sanção pecuniária condenatória.
A atribuição da AIM não configura um litígio com as Demandantes.
Exercendo as Demandantes um direito potestativo, sem que haja lugar a qualquer facto ilícito, por parte das Demandadas, as custas da acção serão suportadas pelas Demandantes, nos termos do artº 449 nº1 e 2 al a)do Código de Processo Civil.
Acordam neste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente nos seguintes termos:
---os honorários serão reduzidos a 13.500,00€ (treze mil e quinhentos euros ), pelo que serão atribuídos a cada um dos Srs Árbitros a quantia de 4.000,00 € (quatro mil euros)e ao Sr. Secretário o montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros)
--as custas da acção serão suportadas pelas Demandantes em partes iguais
Em tudo o mais vai a decisão arbitral confirmada, ainda que por fundamento diverso.
Custas do presente recurso em ¾ para as Demandantes e de ¼ para a Demandada Sigillata
Lisboa, 3 de Outubro de 2013
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes
[1] Caso não haja referência ao diploma, as normas citadas serão as que constituem a Lei nº 62/2001
[2] Segundo a Exposição de motivos da referida proposta de lei n.º 13/XII, «(…) estabelece-se a compatibilização que se considera adequada desses direitos [de propriedade industrial] com outros de idêntica relevância, como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores».
[3] (J. C. Vieira de Andrade, A protecção de direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos, RLJ, n.º 3953, 2008, p. 71).
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 318/2007, de 26 de Setembro, 360/2007, de 2 de Novembro, e 143/2008, de 25 de julho de 2008 e ainda pela Lei n," 16/2008, de 1 de abril
[5] Portugal ratificou a Convenção sobre a Patente Europeia em 30 de agosto de 1991, passando a ser possível proteger uma invenção pela via europeia, no nosso país, a partir de 1 de janeiro de 1992
[6] Em consonância com o preceituado no artº 1305 do CC (Conteúdo do Direito de Propriedade)
[7] -Pelo que esta decisão arbitral é de condenação (artº 4 nº2 al b) CPC )
[8] Daí o preceituado no artº 37 do DL nº 176/2006 de 30-08 estipulando que o INFARMED aprecia os pedidos de transferência dos AIMs
[9] cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória,1987, 415 e ss.
[10] Recordamos, ainda, o facto da titularidade da AIM não significar uma actividade de comercialização
[11]Cfr ,(Acórdão n.º230/86 disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[12] Disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt
[13] Porém, não será é possível estabelecer uma matriz económica na correspondência exacta entre o custo do serviço e os custos cobrados , dada a complexidade da máquina judiciária (existem muitos custos indirectos que não é possível individualizar) ,
[14]cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 1182/96, Sousa e Brito, e 352/91, Messias Bento.
[15] Cfr , entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional”, 32º vol., pág. 185, nº 1108/96,
[16] Sublinhado nosso
[17] Regulamento de Arbitragem aprovado nas reuniões do Conselho do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 18 de Junho e 29 de Julho de 2008
[18]Apenas analisamos a sua complexidade e não a sua bondade.O acerto da mesma apenas será focado em função das conclusões.
[19] Os direitos potestativos são poderes conferidos ao seu titular com vista à produção de um efeito jurídico mediante uma sua declaração de vontade, de per si, com ou sem formalidades, ou integrada por ulterior decisão judicial (Cf. Prof. Manuel de Andrade “Teoria Geral da Relação Jurídica “vol. 1º,Coimbra 1966, pag 12)