EMPREITADA
Sumário

I- O lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respectivos prejuízos, terá de observar a prioridade dos direitos consagrados nos artºs. 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil.
II- O exercício dos direitos dos citados artºs. 1221º e 1222º do Código Civil não exclui o de ser indemnizado por prejuízos complementares, nos termos do artº 1223º do Código Civil, mas este não é um direito alternativo daqueles e pressupõe a constituição do empreiteiro em mora.
III- Mesmo que os defeitos tenham sido eliminados ou a obra realizada de novo ou reduzido o preço ou resolvido o contrato, por maioria de razão se deve entender que o dono da obra goza do mesmo direito a ser indemnizado nos termos gerais, quando os defeitos não foram eliminados pelo empreiteiro, mau grado ter sido solicitado a fazê-lo, nem foi construída nova obra, nem foi reduzido o preço e nem o contrato foi resolvido.
IV- O instituto da excepção do não cumprimento do contrato também opera no caso do não cumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso.
V- Se o dono da obra tem de pagar parcelarmente o preço, pode invocar a excepção de não cumprimento e recusar o respectivo pagamento, enquanto não forem eliminados os reclamados defeitos da obra realizada.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1) “JAC”, empresa em nome individual, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra AC e FC, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 9.565.424$00, acrescida de juros até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que, no âmbito da sua actividade, acordou com o R., pelo preço de 23.000.000$00, construir-lhe uma moradia segundo um projecto por ele disponibilizado.
Mais invocou que realizou os trabalhos acordados, tendo-lhe sido paga a quantia de 22.000.000$00.
No decurso das obras, os R.R. pediram diversas alterações e a substituição de acabamentos, modificações que foram executadas em obra, tendo as partes acordado que os R.R. suportariam a diferença de custos, que veio a cifrar-se num agravamento de 7.327.011$00, mais IVA.
Referiu ainda que os R.R. se recusaram a proceder ao pagamento da totalidade do preço da empreitada e dos trabalhos a mais e que por isso não procedeu à entrega da moradia, já vistoriada pelos demandados.
Por fim disse que, em …/1998, os R.R. entraram por meios próprios na habitação, que se encontrava fechada.
2) Regularmente citados, vieram os R.R. contestar, defendendo-se por impugnação e deduzindo pedido reconvencional.
Para tanto referem que não lhes é exigível o pagamento da quantia de 1.000.000$00, relativa à parte não paga do preço inicial da empreitada, em virtude de tal montante corresponder ao valor da garantia convencionada, que lhes é legítimo reter.
Por outro lado, disseram que a construção nunca foi finalizada, nem por si vistoriada e que o custo da alteração de materiais ocorrido é diminuto.
Mais referem que algumas das alterações feitas na obra foram da iniciativa da A. não lhes cabendo suportar os respectivos custos, uma vez que tanto não foi acordado, e enjeitaram que lhes seja imputável o atraso conhecido pelos trabalhos.
Em sede reconvencional, pedem a condenação da A. a pagar-lhes a quantia de 8.026.417$00, mais juros desde a notificação, e no montante que for liquidado em execução de sentença, como custo da correcção de vícios da construção e substituição de materiais, bem como na entrega das chaves da habitação.
Referem que foi por si suportado o custo de aquisição de diverso material colocado em obra, que enumeraram.
Alegaram ainda que a A. abandonou a obra, fechando a habitação, sem a terminar ou corrigir os defeitos que lhe haviam sido apontados e impugnam o custo das alterações introduzidas em obra, por excessivo.
Referiram, também, que notificaram a A. para se proceder à recepção provisória da obra dentro de certo prazo, volvido o qual ordenariam a correcção dos vícios a expensas dele, sem que, contudo, o mesmo tivesse acatado a injunção.
Declararam igualmente ter sobre a A. um crédito de 2.340.380$00, resultante de trabalhos contratados não realizados e de materiais por si directamente custeados.
Invocaram também que, quando entraram na posse da moradia, a mesma apresentava vários vícios e deficiências, que enumeraram e descreveram.
Ademais disseram que em água para a obra, impostos não recuperado e com a reparação de parte das anomalias detectadas, despenderam 5.686.037$00, montante que pretendem reaver do demandante.
Por fim, sustentaram que o custo reparação dos demais vícios não é determinável, relegando para momento posterior a sua liquidação.
3) A A. respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e concluindo como na petição inicial.
4) Foi proferido despacho saneador e discriminada a matéria de facto assente e a que carecia de prova a produzir.
5) No decurso da acção faleceu JAC, tendo sido habilitados como seus sucessores APC, AJC, JMC e NC.
6) Seguiram, então, os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.
7) Posteriormente veio a ser proferida Sentença, a julgar a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, constando da parte decisória da mesma :
“Termos em que se julga a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e em consequência se decide:
a) Absolver os R.R. do pedido;
b) Condenar o A./reconvindo a pagar aos R.R./reconvintes a quantia de € 698,27 (seiscentos e noventa e oito euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em cada momento vigente, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento;
c) Absolver o A./reconvindo do demais peticionado;
d) Condenar as partes no pagamento das custas na medida do respectivo decaimento;
Registe e notifique”.
8) Desta decisão interpuseram os sucessores da A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
(…)
9) Os R.R. contra-alegaram, mais apresentando recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões :
(…)
D) CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO SUBORDINADO
11. A douta sentença entendeu, erradamente, que “não parece que os RR. tenham resolvido o contrato de empreitada que os liga ao A. e que se tenham prevalecido com essa finalidade da mora intolerável em que o mesmo se colocou, comunicando-lhe a definitiva perda do seu interesse na conclusão da obra e no cumprimento do contrato” e, por via disso, absolveu os AA. do demais peticionado na reconvenção.
12. Ora, a mencionada carta de interpelação de fls. 134 e 135, endereçada pelo mandatário dos RR. ao A. e por este recepcionada, refere que “dado que pouco falta para a conclusão, fica V. Exª notificado para terminar e entregar a obra no prazo de quinze dias, período que se afigura suficiente para os trabalhos em falta, findo o qual, se a obra não estiver terminada, opera automaticamente e sem mais notificação a resolução contratual por incumprimento de V. Exª.
Deve ainda V. Exª fazer a imediata entrega das chaves, de modo a que o nosso cliente tenha pleno acesso a todas as partes da casa.
Se V. Exª não retomar a obra e não der acesso ao nosso cliente no prazo de cinco dias, será tomado como desinteresse da sua parte, pelo que o nosso cliente considera o contrato de empreitada automaticamente resolvido, sem mais notificações.
Em qualquer caso, resolvido o contrato, deve V. Exª fazer entrega imediata – nos dois dias seguintes – de todas as chaves em seu poder e entrega da obra no estado em que se encontra, fazendo o nosso cliente a respectiva recepção, de que elaborará auto com V. Exª, mandando este executar os trabalhos não realizados”.
13. A notificação do A. é clara e inequívoca a consequência de resolução contratual se a obra não for concluída em 15 dias ou se não for retomada e dado acesso aos RR. no prazo de 5 dias, sem mais notificações. A obra não foi concluída, tão pouco foi retomada, nem dado o acesso. O A. nunca mais voltou à obra. Operou-se, pois, automaticamente, a resolução contratual.
14. Volvido que estava o prazo convencionado de execução da obra e não se encontrando a mesma concluída, após inclusive várias tentativas de contacto dos RR. junto do A. para solucionar os problemas existentes, bem como proceder à competente entrega da obra, a comunicação efectuada pelos RR. em …/1998 (fls. 134 e 135) não pode deixar de produzir os respectivos efeitos: a resolução do contrato de empreitada celebrado entre as partes.
15. Encontra-se provado que a obra não foi concluída pelo A. e que sofre de defeitos e vícios de execução, boa parte dos quais os RR. só puderam tomar conhecimento quando dela se apossaram; encontra-se provado que os RR. fizeram e terão de fazer despesas para completar e corrigir a obra, pelo que assiste a estes o pleno direito a serem ressarcidos pelos AA. de todos os montantes que se viram obrigados a despender – e não apenas dos € 698,27 em que os AA. foram condenados – bem como para poderem tomar posse do seu imóvel que, de outro modo e ao contrário do entendimento expendido na douta sentença, não despenderiam, valores esses uns quantificados nos autos e outros a liquidar em execução de sentença, bem como nos que ainda haja a despender.
16. Da matéria dada por provada e da documentada nos autos, resultam, pelo menos, liquidados os valores que os RR. reclamam dos AA. referentes a: sistema de vídeo da porta (ponto 11), 252.720$00, convertido em 1.260,56 € - fls. 589 - cf. alteração ao pedido em acta aquando da junção deste documento; estores (pontos 23 e 24), 478.530$00, convertido em 2.386,90 € - fls. 140 e 594; cozinha (ponto 26), 580.000$00, convertido em 2.893,03 € - fls. 69; desinfestação (ponto 52), 221.832$00, convertido em 1.106,49 € - fls. 147 e 148; reparação de pavimento (ponto 54), 23.400$00, convertido em 116,72 € - fls. 149; reparação de fissuras e isolamento (ponto 55), 386.100$00, convertido em 1.925,86 € - fls. 150 e 151; sisa não recuperada (ponto 58), 470.000$00, convertido em 2.344,35 € - fls. 164 a 167 e 590; alteração de fechadura (ponto 59), 60.000$00, convertido em 299.28 € - fls. 168; valores apurados para além do liquidado no ponto 22), 952.600$00-73.364$00 = 879.236$00, convertido em 4.385,61 € - fls. 108 a 132 e 582 a 588, o que perfaz 16.718,80 €.
17. Quanto ao mais e em consonância com o ponto 56), devem os AA. ser condenados em montante a liquidar em execução de sentença e no que ainda se vier a despender.
18. Mal andou, nesta parte, a douta sentença, que violou o disposto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artº 668º do CPC e 798º, 1208º, 1223º e 1225º, todos do CC.
Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelos AA., mantendo-se a douta decisão recorrida, nesta parte.
Mais deve ser julgado procedente o recurso subordinado interposto pelos RR., revogando-se parcialmente a douta decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que condene os AA. em mais 16.718,80 € do pedido reconvencional já liquidado e o mais a liquidar em execução de sentença e no que vierem a despender, assim se fazendo Justiça”.
10) Os sucessores da A. apresentaram contra-alegações ao recurso subordinado, onde apresentam as seguintes conclusões :
“1.- Por escrito datado de …/1996, a Autora, como empreiteira de construção Civil e AC, primeiro réu, acordaram que a autora se obrigava a construir uma moradia unifamiliar, constituída por cave, rés do chão e 1º piso, na Quinta da …, lote …, em …, de acordo com projecto aprovado, apresentado pelo réu.
2.- Os RR dirigiram ao Autor, em …/1998 (fls. 134 e 135 dos autos), carta em que manifestaram pretender a entrega da obra a que se reporta o contrato que ambos celebraram, em …/1996, relativo à construção da obra referida em 1. supra.
3.- Tal carta surge numa situação de conflito aberto entre Autor e RR decorrente de acerto de contas que não finalizaram, pedindo o autor o pagamento de trabalhos a mais cujo pagamento os RR recusaram.
4.- Os RR. dirigiram ao Autor a carta supra, de …(1998, muito para além da data acordada para a entrega da construção, peticionando a entrega da obra, cuja construção sempre acompanharam e que bem sabiam que estava concluída, desde …/1998, como o atestou o técnico responsável pela mesma no Livro de Obra, furtando-se, desta forma, ao acerto de contas pendente.
5.- O Autor não entregou a obra porque se o fizesse, os RR não lhe pagariam.
6.- Os RR, decorrido o prazo que em seu alvedrio fixaram, apesar do Autor não lhes ter facultado as chaves, que aliás possuíam para efeitos de fiscalização, chamaram uma força da GNR de … e pelos seus meios, acederam e tomaram posse da obra em … 1998.
7.- Nela se instalaram e passaram a fazer a sua vida familiar, até hoje.
8.- Já na posse da moradia, nunca apresentaram qualquer denúncia por defeitos construtivos ao construtor.
9.- O construtor, ainda em vida, não tinha razões para voltar à obra porque a mesma, contrariamente ao que os RR sustentam, estava acabada, como o atestou o técnico designado para a acompanhar no Livro de Obra, em .../1998.
10.- Por falta de pagamento do que entendia ser-lhe devido, o Autor intentou contra os RR a acção de que emerge o presente recurso, no âmbito do qual os RR reconvieram, peticionando a condenação do Autor por inúmeras deficiências que discriminaram como consta dos nºs. 1 a 7, do item 2-Da Reconvenção, na sentença recorrida a saber:
a) Restituição do valor dos materiais e consumos abrangidos pelo valor global da empreitada que foi autonomamente colocado em obra e pago pelos reconvintes, a saber: 478 530$00 relativos a estores (artº 69.º da contestação); 54 250$00 referente à 2.ª aquisição pelos RR do pavimento da cozinha (artº 70.ª da contestação); 567 350$00 respeitante ao custo dos azulejos e ladrilhos das casas de banho, cozinha, casa das máquinas e varandas (art.º 25.º da contestação); 385 250$00 de louças sanitárias e torneiras do interior do edifício (art.º 25.º da contestação) e 137 205$00 de água.
b) Valor do material integrado no custo da empreitada não colocado em obra: 150 000$00 do sistema de vídeo (art.º 69.º da contestação); 15 000$00 do aro da janela da casa de banho (art.º 69.º da contestação) e 580 000$00 da cozinha (art.º 70.º da contestação.
c) Maior custo do que o considerado na fixação do valor global da empreitada: 110 000$00 da lareira (art.º 72.º da contestação).
d) Despesas havidas pelos RR com a correcção de vícios e defeitos: 221 832$00 com desinfestações (art.º 89.º da contestação); 23 400$00 com a reposição do pavimento de um dos quartos (art.º 91.º da contestação) e 386 100$00 da reparação de fissuras e isolamentos (art.º 92.º da contestação).
e) Montantes necessários à reparação dos vícios e defeitos subsistentes: 3 750 000$00, acrescido de IVA, para a correcção das sancas, estuque de paredes e tectos, pintura, lixagem, e envernizamento das madeiras e correcção dos degraus das escadas (art.º 93.º da contestação); gastos a efectuar para a correcção dos demais vícios da obra e substituição de materiais em montante não determinado e a liquidar em execução de sentença (art.º 102.º da contestação).
f) Quantias não recuperadas por causa do atraso na execução da obra: 470 000$00 de sisa (artºs 95.º a 98.º da contestação);
g) Quantia gasta pelos RR por omissão de entrega da obra: 60 000$00 da alteração da fechadura da porta (cf. art.º 100.º da contestação).
11.- No decurso da acção faleceu o construtor.
12.- A carta dos RR de …/1998 não pode ser considerada como tendo a virtualidade de resolver o contrato de empreitada que ligava o Autor aos RR.
13.- Os RR nunca comunicaram expressamente ao Autor a sua perda de interesse no cumprimento, por ele, da prestação a que estava adstrito e, por essa via a definitiva resolução do contrato.
14.- A indicação na carta enviada de que se não aceitasse e acatasse as exigências feitas não satisfaz esse requisito da resolução.
15.- Mas os RR também não lograram demonstrar toda a factualidade de que dependeria a procedência integral da sua pretensão constante do artigo 10. supra.
16.- Da factualidade provada não se vislumbrou fundamentos para o recurso pelos RR à acção directa para defesa da sua posse ou propriedade.
17.- No decurso das negociações havidas entre o Autor e os RR com vista ao pagamento dos trabalhos a mais feitos, nunca os RR denunciaram a existência de defeitos ou que a obra se encontrava inacabada.
18.- Fizeram-no só, na Reconvenção.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs. por eventuais lacunas de patrocínio, porque os recorrentes não lograram efectuar a prova dos factos alegados na reconvenção como lhes incumbia, nos termos do artigo 342º do C. Civil, que a carta enviada em …/1998 não preenche os requisitos legais constantes do artigo 1222º do C. Civil para resolver o contrato celebrado e de que, porque se encontravam largamente decorridos, como estavam, à data da apresentação da reconvenção, os prazos a que aludem os artigos 1220º e 1224º, do C. Civil que, quando não respeitados pelo dono da obra implicam a caducidade dos direitos que lhe assistam, deve o interposto recurso subordinado improceder e ser confirmada a sentença recorrida, excepto quanto ao segmento a que se reporta o recurso principal – (alínea a) de III-Decisão)), seguindo-se os demais trâmites legais.
E, assim, V. Ex.ªs farão a devida Justiça”.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto dada como provada em 1ª instância foi a seguinte :
1- Por escrito datado de …/1996, a A., como empreiteira de construção civil, e o R. AC acordaram que a A. se obrigava a construir uma moradia unifamiliar constituída por cave, R/c e 1º piso, na Quinta …, lote …, em L…, de acordo com o projecto aprovado, apresentado pelo R..
2- De acordo com a cláusula 2ª do escrito referenciado em 1. foi acordado que o R. apresentaria à A. o projecto aprovado, no qual seriam assinalados e descriminadas as alterações por si pretendidas.
3- Mais foi acordado que a A. se comprometia a executar a obra no prazo de oito meses a contar do levantamento pelo R. das licenças na Câmara Municipal.
4- Nos termos da cláusula 3ª do escrito aludido em 1., o R. comprometeu-se a pagar à A. a quantia de 23.000.000$00 pela execução da moradia, conforme projecto aprovado, com as alterações assinaladas e discriminadas.
5- Nos termos da cláusula 4ª do escrito aludido em 1., o A. comprometeu-se a construir a moradia unifamiliar de acordo com o projecto aprovado utilizando os seguintes materiais :
a) O exterior da moradia unifamiliar de acordo com o projecto aprovado, seguindo a traça do existente no local;
b) Porta principal em madeira maciça de mogno, secupira ou outra idêntica de acordo com o R..
Acabamentos:
c) Cave :
-Paredes e tectos, roscone fino pintado a tinta de areia à cor a escolher pelo R..
-Chão em “revigrés” ou equivalente, mas com valor até 3.5000$00/m2.
-Azulejo nas paredes das instalações sanitárias até uma altura de 2,00 metros ou material equivalente, mas com valor até 3.5000$00/m2.
-Escadas interiores executadas em pinásios de mogno envernizados.
-Loiças instalação sanitária serão constituídas por: -sanita com mochila, lavatório com coluna e polivam da marca R ou S aos preços normais correntes.
d) Interiores do edifício:
1 - Entrada principal: degraus e patins em pedra “moliano”.
2 - Paredes e tectos : revestidos de acordo com o existente nos edifícios anexos.
3 - Hall de entrada : tecto revestido a réguas de mogno envernizadas com dois pontos de luz.
4 - Fogão de sala : revestido a pedra mármore de Estremoz de cor Rosa ou outra idêntica ao que será metido no lote 19.
5 - Paredes da sala e quartos : estucadas com sancas e centros de acordo com aprovação do R..
6 - Pavimentos sala e quartos : tacos de madeira ou outro qualquer material mas com valor até 7.000$00/m2.
7 - Pavimento cozinha : chão em “revigrés” ou outro material idêntico.
8 - Paredes cozinha : azulejo até a altura de 2 m, restante em estuque.
Nota : o valor do pavimento e azulejo, não poderão ser superiores a 4.000$00/m2.
9 – Armários : o valor dos armários com pedra é de 580.000$00. A pedra é mármore de Estremoz ou granito nacional.
10 - Instalações sanitárias : azulejo até à altura de 2 m, restante em estuque. Valor não pode ir além de 5.000$00/m2.
11 - Varandas e terraços : chão em “revigrés” ou outro equivalente, mas de valor até 3.000$00/m2.
12 - Electricidade : a aparelhagem será da série Algarve do fabricante L, a instalação será executada de acordo com o projecto aprovado e as alterações assinaladas na altura da execução.
13 - Canalizações Gerais : de acordo com o projecto aprovado.
14 - Portas interiores : em madeira de cor da marca C, folheadas a mogno com almofadas chapeadas em folheado de 0,05 metros.
15 – Roupeiros : revestidos por dentro e por fora a madeira de mogno envernizada, idêntico às portas interiores.
16 - Instalação sanitária 1º piso (grande) : azulejo até à altura de 2m, restante em estuque. Valor não pode ir além de 5.000$00/m2. Loiças constituídas por : sanita com mochila, lavatório em pedra mármore de … ou granito nacional com um ou dois lavatórios embutidos. A frente do armário da instalação sanitária será em madeira de mogno envernizada.
17 - Instalações sanitárias 1º piso (pequena) : azulejo até à altura de 2m, restante em estuque. Valor não pode ir além de 5.000$00/m2. Loiças constituídas por : sanita com mochila, lavatório de coluna e polibam da marca “R” ou “S” a preços correntes normais.
18 – Despensas : levarão prateleiras no seu interior, sendo envernizadas. Parede e tecto serão estucados.
6- Nos termos do escrito referido em 1., foram fixadas as seguintes condições de pagamento :
a) O R. pagará à A. o valor de 2.000.000$00 após a conclusão do enchimento das fundações ;
b) O R. pagará à A. o valor de 4.000.000$00 após a conclusão da última placa ;
c) O R. pagará à A. o valor de 5.000.000$00 após alvenarias concluídas, assentamento de mármores ou pedra molianos ;
d) O R. pagará à A. o valor de 6.000.000$00 após o assentamento de aduelas das portas, instalação de tubagem de electricidade concluída, estuque concluído, tanto tectos como paredes e toda a canalização de águas e esgotos concluídos ; o R. ficará na posse de 2.000.000$00, como fundo de maneio para compra de equipamento, sendo o restante dado como fundo de garantia da empreitada durante um período de 24 meses ;
e) Os restantes 4.000.000$00 serão disponibilizados sempre que seja necessário efectuar pagamentos para o bom andamento da empreitada. O restante valor será pago pelo R. aquando da assinatura de ambas as partes após conclusão da empreitada.
7- Do preço acordado a A. recebeu 22.000.000$00.
8- A construção da moradia foi iniciada em …/1996.
9- Em lugar da madeira de mogno prevista foi aplicada na obra, a pedido dos R.R., carvalho francês.
10- A A. executou as alterações ao projecto solicitadas pelos R.R..
11- A A. não colocou o sistema de vídeo de porta.
12- A A. não entregou a obra aos R.R..
13- Em Julho de 1998 os R.R., pelos seus meios, tomaram posse da obra.
14- Com data de …/1998 os R.R. remeteram à A. a carta que consta de fls. 134 e ss., a qual foi por esta recebida em …/1998.
15- A obra foi dada por concluída pelo engenheiro responsável em …/1998.
16- Após o início das obras, para além do referido em 9., os R.R. solicitaram à A. trabalhos com vista ao aproveitamento do sótão.
17- Após o início das obras os R.R. solicitaram à A. a abertura de roços em toda a construção para instalação de aspiração central.
18- Após o início das obras os R.R. solicitaram à A. a alteração dos lambris da garagem.
19- E a construção de mais uma chaminé.
20- Após o início das obras, para além do referido em 16., 17., 18. e 19., os R.R. solicitaram à A. : A colocação e edificação de tubo e chaminé da garagem ao telhado ; a colocação na casa das máquinas, nas casas de banho de toda a casa e na cozinha de azulejo acima dos 2m ; o aproveitamento da parte de baixo das escadas com pintura e reboco das paredes e colocação de porta, guarnições, ombreira, fechadura e puxador ; a construção de um degrau e moleanos na casa de banho grande ; a colocação e assentamento de lagetas rústicas no soco e a colocação da calçada do passeio público.
21- A. e R.R. acordaram que estes pagariam a diferença entre o custo das alterações e o valor orçamentado, se superior a este.
22- Do material que cabia à A. colocar em obra, os R.R. escolheram e pagaram, pelo menos, a quantia de 73.364$00, respeitante a torneiras e um tanque.
23- A A. não executou a colocação de estores.
24- A A. não forneceu, nem colocou os estores das janelas redondas da moradia.
25- A A. não aplicou aro na janela da casa de banho.
26- A A. não colocou a cozinha.
27- No momento referido em 13., as sancas de diversas divisões da casa apresentavam-se irregulares.
28- No momento dito em 13., o estuque das paredes e tectos da moradia apresentava imperfeições, mais notórias no tecto da casa de banho do quarto principal.
29- No momento referido em 13., a pintura das paredes e tectos da habitação apresentava manchas, mais notórias na zona da escada e hall do 1º andar.
30- Havia estuque gretado no hall do 1º andar (junto à caixa de derivação dos circuitos telefónicos), no quarto em bico, no quarto do lado direito da casa de banho maior, nas casas de banho do 1º andar, na casa das máquinas e paredes estucadas desaprumadas.
31- Na mesma ocasião estava por acabar a prateleira superior da despensa.
32- Parte dos azulejos da casa de banho pequena (do quarto), em particular do rodapé, não estavam betumados.
33- Na ocasião referida em 13. havia alguns azulejos das casas de banho fendidos.
34-Encontrando-se os azulejos de revestimento da fachada insuficientemente betumados.
35- Nas portas e madeiras havia sintomas de contaminação pelo bicho da madeira (caruncho) das réguas de encabeçamento dos corrimões e do rodapé da escada interior.
36- E imperfeições nos acabamentos dos degraus da escada de acesso ao primeiro andar, particularmente nos seus topos, e mossas em muitos deles.
37-Sendo que dois degraus não estão devidamente assentes sobre a estrutura da escada, rangendo ao serem pisados.
38-Havia portas, aduelas (ombreiras) guarnições com acabamento áspero, denotando falta de polimento adequado (passagem de lixas finas) antes do verniz de finalização.
39-A porta de entrada principal apresentava defeitos construtivos e com madeira gretada.
40- Na mesma altura as aduelas (ombreiras) e guarnições das portas do piso 0 (garagem) estavam muito escurecidas, com maior nitidez na base junto ao pavimento.
41- Havia imperfeições na execução do tecto falso do “hall” de entrada, com aberturas tapadas com massa de cola e serradura.
42- O aro das portas do roupeiro do quarto do lado esquerdo da casa de banho grande não encaixa correctamente no vão que para ele foi aberto na alvenaria.
43- Bem como ausência de envernizamento de partes interiores em madeira.
44- Existem, de origem, desajustes entre os aros e as portas da despensa.
45- Falta de testa de espelho da fechadura da porta da despensa e acabamento grosseiro da caixa da fechadura.
46- O pavimento no quarto “em bico” (primeiro quarto do lado esquerdo) estava levantado em diferentes zonas junto às janelas, denotando infiltrações de humidade.
47- Existiam irregularidades no nivelamento dos pavimentos, em particular no dos quartos.
48- Na ocasião referida em 13., a banheira apresentava riscos.
49- O comando de saída de ar quente do lado esquerdo da lareira não funciona.
50- Existiam fendas no muro da varanda dos quartos e no muro de envolvimento exterior, com a pedra “molianos” de capeamento estalada em várias zonas.
51- A A. aplicou madeira de segunda escolha.
52- O que levou os R.R. a mandarem fazer uma desinfestação, na qual despenderam 221.832$00.
53- É, pelo menos, aconselhável a realização de tratamentos periódicos à madeira contaminada.
54- Os R.R. despenderam a quantia de 23.400$00 com a reparação do pavimento dito em 46..
55- A edificação sofria de fissuras e isolamentos mal aplicados, o que proporcionava infiltrações de humidade, pelo que os R.R. mandaram proceder à respectiva reparação, despendendo a quantia de 386.100$00.
56- Para reparar os defeitos referidos de 27. a 54., os R.R. terão de despender quantia não concretamente apurada.
57- O valor da água consumida na obra ascendeu a 66.627$00.
58- Os R.R. adquiriram o lote de terreno dos autos em …/1996, de que pagaram, em 19 do mesmo mês e ano a respectiva sisa, no montante de 470.000$00.
59- Para se colocarem na situação referida em 14., os R.R. despenderam 60.000$00 com a alteração da fechadura da porta de entrada
b) Como resulta do disposto nos artºs.????? 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente, as questões sob recurso consistem em determinar :
-Se a recorrente tem direito ao pagamento do valor remanescente pela realização da obra.
Quanto ao recurso subordinado, a única questão sob recurso é a de saber :
-Se os recorridos têm direito à indemnização pelo atraso na execução da obra, pelo cumprimento defeituoso ou pelo incumprimento parcial.
c) Vejamos, então, se a recorrente tem direito ao pagamento do valor remanescente pela realização da obra.
O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações correspectivas ou correlativas, isto é interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra: A obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço (artº 1207º do Código Civil).
O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artº 1208º do Código Civil).
O preço deve ser pago, não havendo cláusula em contrário, no acto de aceitação da obra (artº 1211º nº 2 do Código Civil).
O lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respectivos prejuízos, deverá observar o regime estabelecido nos artºs. 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil, os quais conferem ao dono da obra uma série de direitos.
Mas o dono da obra não pode seguir qualquer uma das vias apontadas, a seu livre arbítrio, estando antes obrigado a observar a prioridade dos direitos consagrados nos referidos preceitos legais, que é a seguinte:
-Em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos, se estes puderem ser eliminados;
-Em segundo lugar, uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados ;
-Em terceiro lugar, na hipótese de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o direito de exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato.
O exercício destes direitos não exclui o de ser indemnizado nos termos gerais, pelo prejuízos complementares (artº 1223º do Código Civil), mas este não é um direito alternativo daqueles e pressupõe a constituição do empreiteiro em mora na eliminação dos defeitos.
Aqui chegados, importa salientar :
-Os dois primeiros dos apontados direitos cessam se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito ;
-O direito à resolução do contrato só existe, para além do mais, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, inadequação esta que existirá quando a obra seja completamente diversa da encomendada ou quando lhe falte uma qualidade essencial, objectiva ou subjectivamente considerada (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed., pgs. 820 e ss. e Meneses Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, Vol. 3º, pgs. 537 e ss.).
-Se o exercício dos direitos conferidos pelos artºs. 1221º e 1222º do Código Civil não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais, mesmo que os defeitos tenham sido eliminados ou a obra realizada de novo, ou reduzido o preço, ou resolvido o contrato “claro está que, por maioria de razão, o dono da obra goza do mesmo direito a ser indemnizado nos termos gerais, quando os defeitos não foram eliminados pelo empreiteiro, mau grado ter sido solicitado a fazê-lo, nem foi construída nova obra, nem foi reduzido o preço e nem o contrato foi validamente resolvido” (cf. Acórdão do S.T.J. de 14/3/1995, in B.M.J. nº 445, pg. 472 e Acórdão do S.T.J. de 7/12/2005, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
O direito à indemnização, nos termos do artº 1223º do Código Civil, tem apenas em vista os danos que não podem ser ressarcidos através da eliminação dos defeitos, ou da construção de novo da obra, ou da redução do preço.
Tratando-se de danos compensáveis por estes meios, é deles que o lesado se deve socorrer e não do pedido de indemnização nos termos gerais, que apenas respeita àqueles danos que não estão numa conexão “imediata” com o cumprimento defeituoso, mas que são causados por outro acontecimento que está com o cumprimento defeituoso só numa conexão “mediata”, como acontece, por exemplo, com os danos resultantes da mora no cumprimento, os causados à pessoa do dono da obra ou a outros bens jurídicos dele, os resultantes da deformidade da obra, não eliminável ou cuja eliminação não tenha sido pedida, mas que não lhe diminua o valor ou o rendimento, os resultantes da violação contratual positiva, isto é, do imperfeito ou defeituoso cumprimento, de tal maneira que semelhante direito à indemnização terá uma função complementar ou integradora dos outros direitos conferidos ao dono da obra pelos citados artºs. 1221º e 1222º do Código Civil, servindo apenas para reparar aqueles danos que o exercício destes direitos não reparasse (cf. Acórdão do S.T.J. de 14/3/1995, in B.M.J. nº 445, pg. 473).
Como já se observou, ficam de fora deste direito de indemnização nos termos gerais, todos os danos na própria obra, directa e imediatamente derivados do defeituoso cumprimento do contrato e que podem ser ressarcidos através da eliminação dos defeitos, da construção de nova obra ou da redução do preço.
Salvo caso de manifesta urgência, a lei não permite que o dono da obra tome a iniciativa de eliminar, ele próprio, os defeitos ou de construir de novo a obra, para, em seguida, reclamar uma indemnização do empreiteiro pelas despesas que teve.
O que o dono da obra tem a fazer, se o empreiteiro se recusar a eliminar os defeitos ou a realizar de novo a obra, é recorrer ao tribunal, para obter uma condenação prévia do empreiteiro, após o que, em execução de prestação de facto, conseguirá a eliminação dos defeitos ou a nova construção, pelo próprio empreiteiro ou por terceiro, nos termos do artº 828º do Código Civil.
É esta a posição da doutrina e da jurisprudência, com que se concorda (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 820, 821 e 823 ; Meneses Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, Vol. III, pgs. 537, 538, 545 e 546 ; Acórdão do S.T.J. de 14/3/95, in B.M.J. nº 445, pg. 473).
d) No caso “sub judice”, os recorridos recusaram o pagamento da quantia de 1.000.000$00 (era essa a moeda corrente na altura da celebração do contrato), que é o remanescente do preço acordado inicialmente de 23.000.000$00, dos quais foram pagos 22.000.000$00.
Referem que a A. não concluiu a obra e a parte realizada apresenta vícios.
Tal situação remete-nos para a figura do cumprimento defeituoso.
Existe cumprimento defeituoso em todos os caos em que o defeito ou a irregularidade da prestação causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não seja o da simples recusa da aceitação .
Por cumprimento inexacto deve entender-se todo aquele em que a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la com o conteúdo obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo a inexactidão “ser quantitativa (prestação parcial a que se seguem os efeitos do não cumprimento no que respeita apenas à parte da prestação não executada; a mora ou incumprimento definitivo) e qualitativa (traduzida numa diversidade da prestação, como uma deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiros sobre o objecto, aplicando-se o cumprimento inexacto ao caso de inexactidão qualitativa)” (cf. Baptista Machado, in “Obra Dispersa”, Vol. I, pg. 169).
O instituto da excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do artº 428º do Código Civil opera também no caso do não cumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso.
Por via da chamada “exceptio non adimpleti contractus” o contraente pode recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada (cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., pg. 410 e Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pg. 337),
Para que a “exceptio” funcione é necessário que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a excepção não teria razão de ser.
Mas é evidente “que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeitos a prazos diferentes, a “exceptio” poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pg. 405).
Tal significa que, estando a recorrente obrigada a cumprir primeiro, os apelados podiam recusar o pagamento do remanescente do preço da empreitada sem incorrerem em mora, enquanto aquela não eliminasse os defeitos da obra.
Com efeito, o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação enquanto não corrigir o defeito da sua prestação e o contraente faltoso só adquire o direito à contraprestação quando, prévia ou simultaneamente, se ofereça para reparar os danos causados à contraparte, repondo a situação dela.
Ora, apurou-se que :
-A recorrente não colocou o sistema de vídeo de porta.
-Não executou a colocação de estores.
-Não forneceu, nem colocou os estores das janelas redondas da moradia.
-Não aplicou aro na janela da casa de banho.
-Não colocou a cozinha.
-Não acabou a prateleira superior da despensa.
-Deixou o comando de saída de ar quente do lado esquerdo da lareira sem funcionar.
-Deixou fendas no muro da varanda dos quartos e no muro de envolvimento exterior, com a pedra “molianos” de capeamento estalada em várias zonas.
-A apelante aplicou, na obra, madeira de segunda escolha.
Além destes factos, que apontam inequivocamente para concluirmos que a obra não foi terminada, outros há que demonstram que a mesma apresenta inúmeros defeitos. Assim:
-As sancas de diversas divisões da casa apresentavam-se irregulares.
-O estuque das paredes e tectos da moradia apresentava imperfeições, mais notórias no tecto da casa de banho do quarto principal.
-A pintura das paredes e tectos da habitação apresentava manchas, mais notórias na zona da escada e hall do 1º andar.
-Havia estuque gretado no hall do 1º andar (junto à caixa de derivação dos circuitos telefónicos), no quarto em bico, no quarto do lado direito da casa de banho maior, nas casas de banho do 1º andar, na casa das máquinas e paredes estucadas desaprumadas.
-Parte dos azulejos da casa de banho pequena (do quarto), em particular do rodapé, não estavam betumados.
-Alguns azulejos das casas de banho estavam fendidos.
-Os azulejos de revestimento da fachada estavam insuficientemente betumados.
-Nas portas e madeiras havia sintomas de contaminação pelo bicho da madeira (caruncho) das réguas de encabeçamento dos corrimões e do rodapé da escada interior.
-Havia imperfeições nos acabamentos dos degraus da escada de acesso ao primeiro andar, particularmente nos seus topos, e mossas em muitos deles.
-Dois degraus não estão devidamente assentes sobre a estrutura da escada, rangendo ao serem pisados.
-Havia portas, aduelas (ombreiras) guarnições com acabamento áspero, denotando falta de polimento adequado (passagem de lixas finas) antes do verniz de finalização.
-A porta de entrada principal apresentava defeitos construtivos e com madeira gretada.
-As aduelas (ombreiras) e guarnições das portas do piso 0 (garagem) estavam muito escurecidas, com maior nitidez na base junto ao pavimento.
-Havia imperfeições na execução do tecto falso do “hall” de entrada, com aberturas tapadas com massa de cola e serradura.
-O aro das portas do roupeiro do quarto do lado esquerdo da casa de banho grande não encaixa correctamente no vão que para ele foi aberto na alvenaria.
-Havia ausência de envernizamento de partes interiores em madeira.
-Existem, de origem, desajustes entre os aros e as portas da despensa.
-Havia falta de testa de espelho da fechadura da porta da despensa e acabamento grosseiro da caixa da fechadura.
-O pavimento no quarto “em bico” (primeiro quarto do lado esquerdo) estava levantado em diferentes zonas junto às janelas, denotando infiltrações de humidade.
-Existiam irregularidades no nivelamento dos pavimentos, em particular no dos quartos.
-A banheira apresentava riscos.
-Existiam fendas no muro da varanda dos quartos e no muro de envolvimento exterior, com a pedra “molianos” de capeamento estalada em várias zonas.
Ora, as partes contraentes estipularam o seguinte calendário de pagamentos (ainda em escudos) :
-2.000.000$00 com a conclusão das fundações ;
-4.000.000$00 com a conclusão da última placa ;
-5.000.000$00 com a conclusão das alvenarias, assentamento de mármores ou pedra molianos ;
-6.000.000$00 com o assentamento de aduelas das portas e conclusão da instalação de tubagem de electricidade, do estuque de tectos e paredes e da canalização de águas e esgotos ;
-4.000.000$00 disponibilizados quando necessário efectuar pagamentos para o bom andamento da empreitada ;
-2.000.000$00 que ficariam na posse dos recorridos, como fundo de maneio para compra de equipamento, sendo o valor não utilizado para essa finalidade instituído como fundo de garantia da empreitada durante um período de 24 meses, a ser entregue à recorrente volvido esse prazo após a conclusão da obra.
Perante tal, é óbvio que o remanescente de 1.000.000$00, que fazia parte do fundo de maneio, só deveria ser pago pelos apelados após a conclusão da obra.
E, em face dos factos acima apontados, é manifesto que a obra não só não está concluída (ao contrário do que defende a recorrente), como apresenta inúmeros vícios que a comprometem, a tudo acrescendo que a mesma nem sequer foi entregue.
Surgindo estes vícios, nada se opõe a que os devedores (neste caso os recorridos) se sirvam da excepção de não cumprimento, pois afinal, a sua obrigação ainda não se venceu por a obra apresentar defeitos, ou seja, a obrigação de pagamento do remanescente do preço das obras pressupunha a execução prévia e sem defeitos pela empreiteira (neste caso a recorrente).
Assim sendo, improcede o recurso apresentado pelos sucessores habilitados de JAC.
e) Vejamos, agora, o recurso subordinado.
Pretendiam os apelados ser indemnizados por :
-Restituição do valor dos materiais e consumos abrangidos pelo valor global da empreitada que foi autonomamente colocado em obra e pago pelos reconvintes, a saber : 478.530$00 relativos a estores. 54.250$00 referentes à 2ª aquisição, por eles, do pavimento da cozinha. 567.350$00 respeitantes ao custo dos azulejos e ladrilhos das casas de banho, cozinha, casa das máquinas e varandas. 385.250$00 de louças sanitárias e torneiras do interior do edifício. 137.205$00 de água.
-Valor do material integrado no custo da empreitada não colocado em obra : 150.000$00 do sistema de vídeo. 15.000$00 do aro da janela da casa de banho. 580.000$00 da cozinha.
-Menor custo do que o considerado na fixação do valor global da empreitada : 110.000$00 da lareira.
-Despesas havidas pelos apelados com a correcção de vícios e defeitos : 221.832$00 com desinfestação. 23.400$00 com a reposição do pavimento de um dos quartos. 386.100$00 da reparação de fissuras e isolamentos.
-Montantes necessários à reparação dos vícios e defeitos subsistentes : 3.750.000$00, acrescido de IVA, para correcção das sancas, estuque de paredes e tectos, pintura, lixagem, e envernizamento das madeiras e correcção dos degraus das escadas. Gastos a efectuar para correcção dos demais vícios da obra e substituição de materiais em montante não determinado e a liquidar em execução de sentença.
-Quantias não recuperadas por causa do atraso na execução da obra : 470.000$00 de Sisa.
-Quantia gasta pelos recorridos por omissão de entrega da obra : 60.000$00 da alteração da fechadura da porta.
Entendeu o Tribunal “a quo” que os apelados apenas teriam direito a ser indemnizados pela apelante relativamente às quantias de 73.364$00, referente às torneiras e tanque por si colocados na obra e à quantia de 66.627$00 respeitante a gastos com água.
Os apelados, baseando-se na carta cuja cópia consta de fls. 134 e ss., vêm defender que, com a mesma, operou a resolução do contrato, motivo pelo qual deverão ser indemnizados dos valores acima indicados.
Ora, resulta efectivamente dos factos provados que a apelante (como acima se viu a propósito do recurso principal) não concluiu a obra em causa no prazo convencionado.
Também se apurou que, com data de …/1998 os recorridos (através dos seus Advogados) remeteram à recorrente uma carta, a qual foi por esta recebida em …/1998, e na qual consta :
“(…) não obstante o prazo contratual estar há muito largamente ultrapassado por atraso dos trabalhos, V. Exª abandonou a obra e levou abusivamente as chaves, impedindo também abusivamente o acesso do respectivo dono.
Já ali se deslocou a empresa de distribuição de gás para testar a instalação, o que não pôde efectuar por a casa se encontrar fechada, o mesmo acontecendo com os fornecedores de equipamentos adquiridos pelo nosso cliente, que tiveram de levar as coisas de volta.
(…)
A presente situação, que terá de cessar imediatamente, está a causar sérios e avultados prejuízos ao nosso cliente, que reserva o direito de oportunamente os liquidar e os imputar a V. Exª.
Assim, dado que pouco falta para a conclusão, fica V. Exª notificado para terminar e entregar a obra no prazo de quinze dias, período que se afigura suficiente para os trabalhos em falta, findo o qual, se a obra não estiver terminada, opera automaticamente e sem mais notificação a resolução contratual por incumprimento de V. Exª.
Deve ainda V. Exª fazer a imediata entrega das chaves, de modo a que o nosso cliente tenha pleno acesso a todas as partes da casa.
Se V. Exª não retomar a obra e não der acesso ao nosso cliente no prazo de cinco dias, será tomado como desinteresse da sua parte, pelo que o nosso cliente considera o contrato de empreitada automaticamente resolvido, sem mais notificações.
Em qualquer caso, resolvido o contrato, deve V. Exª fazer entrega imediata – nos dois dias seguintes – de todas as chaves em seu poder e entrega da obra no estado em que se encontra, fazendo o nosso cliente a respectiva recepção, de que elaborará auto com V. Exª mandando este executar os trabalhos não realizados.
(…)
O nosso cliente disponibiliza-se desde já para aferir e contabilizar com V. Exª os trabalhos a mais e a menos realizados, liquidar o respectivo custo final da obra e fazer o correspondente acerto de contas”.
Ora, o cumprimento da prestação do empreiteiro depende da execução da obra de harmonia com o programa negocial acordado, respeitando, além do mais, o prazo acordado.
Todavia, não se tratando de prazo peremptório, fixo, Vaz Serra (in Rev. Leg. Jur., Ano 110, pgs. 326 e 327), ensina : “A estipulação de um prazo para execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato ; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo. Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto. Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples”.
Estamos perante um “prazo fixo relativo”, o da conclusão da obra, atenta a natureza do contrato.
E não se tendo provado que o prazo contratado fosse insusceptível de ser alterado, os apelados tinham que converter a mora em incumprimento definitivo, através de interpelação admonitória, ou demonstrar que objectivamente, pela conduta da apelante, tinham perdido interesse na prestação desta. Segundo o artº 808º nº 2 do Código Civil “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.
“O direito de resolução de um contrato, com o subsequente pedido de indemnização, apenas encontra fundamento na impossibilidade culposa da prestação (artºs. 801º e 802º do Código Civil), sendo certo que a mora culposa do devedor (artºs. 805º e 799º nº 1 do Código Civil) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do mesmo (retardamento), se verifique uma de duas situações : Ou o credor perdeu o interesse que tinha na prestação ou o devedor não a ter cumprido no prazo razoável que o credor lhe fixou (artº 808º do Código Civil)” – cf. Acórdão do S.T.J., de 27/11/1997, in B.M.J. nº 471, pg. 391.
“A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento ; fixação de um termo peremptório para o cumprimento ; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo” (Calvão da Silva in “Estudos de Direito Civil e Processo Civil”, pg.159).
“O direito de resolução do contrato previsto nos artigos 432º e seguintes do Código Civil é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, que é “o facto do incumprimento ou a situação de inadimplência”. Daí que inexista direito de resolução sem o “juízo de inadimplemento” (cf. Acórdão do S.T.J. de 25/1/1998, in B.M.J. nº 477, pg. 460).
Assim, no caso de mora, ou incumprimento parcial, há que proceder à sua conversão em incumprimento definitivo, sendo necessária a fixação de um prazo suplementar cominatório para o cumprimento através da chamada interpelação admonitória (cf. Prof. Galvão Telles, in “O Direito”, 120º, pg. 587).
A interpelação admonitória consiste, pois, numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida (cf. Acórdão do S.T.J. de 5/5/2005, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Ou seja, tal interpelação representa, “uma ponte obrigatória de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação” (A. Varela in Rev. Leg. Jur., Ano 128, pg. 138).
Só se decorrido esse prazo – o novo prazo, que pode ter sido clausulado “ab initio” – o devedor não cumprir, é que o credor pode resolver o contrato (cf. entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 27/6/2006, 4/4/2006, 7/3/2006 e 2/2/2006, todos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).
Segundo prazo esse que não se confunde nem pode ser somado com o prazo inicial, nem com o período de mora, uma vez que é um novo prazo de natureza peremptória /cf. Acórdão do S.T.J. de 18/4/2006, consultado na “internet” em www.dgsi.pt e A. Varela, in “Das obrigações em geral”, Vol. II, pg. 120).
f) Não se diga que o regime do artº 808º do Código Civil não se aplica aos contratos cujas prestações se prolongam no tempo, como o presente, de empreitada.
Em primeiro lugar porque não fazendo a lei qualquer distinção nesse sentido, tem aqui pleno cabimento a expressão latina “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, estando, assim e à partida, vedada aquela interpretação restritiva do citado preceito.
Em segundo lugar porque não há que enfatizar o elemento da perda da confiança na relação contratual, em detrimento das concretas condições e prestações anuídas pelos contraentes.
Porque tal elemento, apesar de dever ser incentivado, o deve ser, outrossim, em qualquer relação contratual, importando que a defesa e tutela do mesmo se opere de um modo tendencialmente igualitário e equilibrado, não havendo razões substancialmente atendíveis e ponderosas – sendo certo que a vinculação dos contraentes durante um maior lapso de tempo não basta – para se privilegiarem os contratos de prestações prolongadas.
E porque a consideração autónoma e a sobrevalorização do factor confiança – cuja afectação pode muitas vezes resultar de elementos ou circunstâncias mais ou menos subjectivas e insindicáveis – implicaria uma maior aleatoriedade na análise dos casos e uma maior instabilidade nas relações e tráfego jurídico-económico.
Naturalmente que a lei, ao permitir a resolução do contrato, também o faz na consideração da perda da confiança do contraente não faltoso ou relapso. Mas exige mais, sendo ainda necessário que ocorram outras razões, de cariz mais concreto, substancial palpável, objectivo e lógica e sequencialmente tendentes à obtenção (ou não obtenção) de um certo resultado economicamente mensurável, como sejam o decurso do prazo concedido na interpelação admonitória ou a perda do interesse na prestação.
E mesmo que assim não fosse ou não se entenda há a considerar que o pressuposto do direito à resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação ou prestação principal do contrato.
Quando não esteja em causa o cumprimento de uma única prestação ou da essencial, como acontece nos contratos duradouros, de execução continuada ou prestações periódicas, ou obrigações acessórias ou secundárias, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, sob o aspecto da sua aptidão e adequação para proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do negócio.
Sendo que, só a mora em que seja objectivamente detectável uma consequência importante sobre a economia da relação contratual duradoura, é susceptível de integrar a perda de interesse do credor, apreciada também à luz do princípio da boa fé, e de fundar o direito de resolução (cf. Acórdão do S.T.J. de 4/4/2006, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para se considere que perdeu o interesse na prestação : Há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas (cf. Acórdão do S.T.J. de 5/5/2005, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Ora no caso vertente e perante os factos apurados, considerando, por um lado, a natureza do contrato em causa, o largo período de tempo (oito meses) acordado para a sua execução, a complexidade dos trabalhos, a circunstância de as partes terem anuído na realização de trabalhos que não constavam no projecto inicial, bem como a quantidade e qualidade dessas alterações na obra, bem como o curto prazo concedido, na mencionada missiva, para a conclusão da obra, não pode concluir-se, objectivamente e em termos de uma certa razoabilidade, que os recorridos, de todo em todo, tenham ficado gravemente afectado nos seus interesses e da continuação da execução do contrato (claro que sujeito a alguma renegociação) já não pudesse retirar os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do negócio.
Ou, noutra perspectiva, que o período de mora (que, no essencial, poderemos fixar em dois meses, que decorreram entre a data em que o engenheiro responsável deu a obra por concluída e a data em que a carta foi enviada) tenha causado prejuízo irremediável ou de tal maneira relevante que clamasse a conclusão, numa perspectiva objectiva e de razoabilidade, que os apelados deixaram, de todo em todo, de ter interesse na continuação da relação contratual.
Aliás, não se vê que a obra, com os seus defeitos e incompletude não fosse adequada ao fim a que se destinava, pois o certo é que os recorridos a ocuparam.
E, como bem se assinala na decisão sob recurso, “da missiva que remeteram ao A. em …/1998 apenas resulta a intenção dos R.R. de resolução do negócio caso não se verifique a conclusão da obra e a sua entrega no prazo estipulado”.
Não se apurou se os apelados expressamente comunicaram à recorrente a sua perda de interesse no cumprimento, por ela, da prestação a que estava adstrita e, por essa via, a definitiva resolução do contrato.
Na verdade “por razões de certeza do comércio jurídico, não satisfaz aquele requisito a indicação constante na única missiva endereçada de que esse efeito seria havido como automático caso o demandante não aceitasse e acatasse as exigências feitas” (ver Sentença recorrida).
Deste modo, o simples facto de não terem os recorridos operado, de um modo válido e eficaz, a sua declaração de resolução do contrato, retira-lhes, “ipso facto”, jus a qualquer indemnização, mesmo que os prejuízos alegados se tenham apurado.
Assim, inexistindo resolução válida e eficaz, é óbvio que a pretensão indemnizatória teria de soçobrar.
g) Mas diremos mais :
Não deixa de ser um pouco contraditória a defesa dos recorridos que, ao serem demandados, lançaram mão da excepção de não cumprimento (para evitarem o pagamento da quantia de 1.000.000$00) na reconvenção que formularam e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, invocaram a resolução do contrato.
Na realidade, a resolução do contrato visa o corte definitivo do vínculo contratual baseado num fundamento que, por regra, é o incumprimento em sentido lato, corte esse que opera retroactivamente, obrigando à restituição do que tiver sido prestado, ou, não sendo essa restituição possível em espécie, ao seu equivalente (cf. artºs. 432º a 434º do Código Civil).
Já a invocação da excepção do não cumprimento do contrato (cf. artº 428º nº 1 do Código Civil) deixa intocado o vínculo contratual. A “exceptio” visa compelir o contraente em mora a cumprir, é um meio de pressão para o adimplemento, sob pena de não receber da contraparte a prestação correspectiva envolvida no sinalagma contratual.
Assim não é congruente que, quem invoca o incumprimento da parte contrária, pretenda ao mesmo tempo, prevalecer-se da excepção do não cumprimento que visa apenas retardar a prestação que lhe incumbe, e declare resolvido o contrato. A “exceptio” mantém o vínculo contratual, a resolução rompe-o.
Não se vislumbram, assim, motivos para alterar a decisão sob recurso nesta parte, razão pela qual improcede o recurso subordinado.
h) Decaem, assim, a recorrente no recurso principal e os recorridos no recurso subordinado, mantendo-se inalterada a Sentença recorrida.
i) Sumariando :
I- O lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respectivos prejuízos, terá de observar a prioridade dos direitos consagrados nos artºs. 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil.
II- O exercício dos direitos dos citados artºs. 1221º e 1222º do Código Civil não exclui o de ser indemnizado por prejuízos complementares, nos termos do artº 1223º do Código Civil, mas este não é um direito alternativo daqueles e pressupõe a constituição do empreiteiro em mora.
III- Mesmo que os defeitos tenham sido eliminados ou a obra realizada de novo ou reduzido o preço ou resolvido o contrato, por maioria de razão se deve entender que o dono da obra goza do mesmo direito a ser indemnizado nos termos gerais, quando os defeitos não foram eliminados pelo empreiteiro, mau grado ter sido solicitado a fazê-lo, nem foi construída nova obra, nem foi reduzido o preço e nem o contrato foi resolvido.
IV- O instituto da excepção do não cumprimento do contrato também opera no caso do não cumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso.
V- Se o dono da obra tem de pagar parcelarmente o preço, pode invocar a excepção de não cumprimento e recusar o respectivo pagamento, enquanto não forem eliminados os reclamados defeitos da obra realizada.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente (bem como improcedente o recurso subordinado) e confirmar a decisão recorrida.
Custas : Por recorrente e recorridos na proporção do respectivo decaimento (artigo 446º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 10 de Outubro de 2013
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(Pedro Brighton)
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(Teresa Sousa Henriques)
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(Isabel Fonseca)