ESTABELECIMENTO COMERCIAL
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
TRESPASSE
NULIDADE DO CONTRATO
Sumário

I- O DL 234/07, resulta da mens legis expressa no preâmbulo, não aboliu a necessidade de licenciamento, das vistorias camarárias prévias à emissão do alvará ou licença nem tão-pouco aboliu a necessidade daquele processo de licenciamento público dos estabelecimentos de restauração e bebidas e dos art.ºs 3, 10, 11 e 12 conjugados com o art.º 77/5 do RJUE resulta exactamente o contrário que se mantém a obrigação do licenciamento desse tipo de estabelecimentos.
II- O DL 234/07 autoriza que o promotor abra ao público o estabelecimento de restauração e bebidas sem estar devidamente licenciado, desde que o promotor e os técnicos responsáveis declarem certificadamente (declaração prévia do art.º 10) que o estabelecimento que assim abre as portas ao público não só obedece ao projecto aprovado como obedece às normas técnicas e regulamentares inerentes ao licenciamento (se não houver qualquer licença prévia), ou simples declaração prévia de conformidade nos termos do art.º 11 deixando para a fiscalização posterior e sancionamento subsequente das irregularidades que possam existir, a protecção do interesse público.
III- Sendo verdade que a falta de licença ou título formal de autorização emitido pela Câmara deixou de ser condição de validade dos negócios de transmissão dos estabelecimentos comerciais, não é menos verdade que o legislador estabeleceu que o comprovativo por parte do explorador de que efectuou a declaração prévia prevista no art.º 10 ou no art.º 11 do diploma é “título bastante e suficiente para a...transmissão do estabelecimento…”; se tal declaração prévia constitui título bastante e suficiente para a transmissão do estabelecimento é porque a transmissão do estabelecimento deve ser acompanhada dessa declaração prévia legal.
IV- Tendo aquele diploma entrado em vigor um mês depois da sua publicação, ou seja em 19/7/2007, se o negócio dos autos data de 1/11/2009, ou seja, mais de dois anos depois, então é manifesto que a obrigação da declaração prévia recaía sobre os trespassantes, anteriores exploradores do estabelecimento comercial dos autos.
V- porque essa declaração é “título bastante e suficiente” para a transmissão do estabelecimento comercial é apodítico que um contrato de trespasse a que falte esse título é um contrato contrário à lei que exige essa declaração como condição de abertura do próprio estabelecimento e se é contrário à lei o contrato é nulo, nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos e por força do disposto nas disposições dos art.ºs 280, 286, 289, 294 do CCiv.
(Sumário do Relator)

Texto Parcial

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTES/RÉUS: “A” e “B” (Representados em juízo pelo ilustre advogado ..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 9/11/2010 de fls.77 dos autos).
*
APELADA/AUTORA: “C”, LDA (Representada em juízo, juntamente com outro, pela ilustre advogada ..., com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 19/10/2010 de fls.53 dos autos
*
Com os sinais dos autos.

I.1 A Autora propôs contra os Réus acção declarativa de condenação sob a forma comum ordinária a que deu o valor de 33.500,00EUR (definitivamente fixado por despacho de 5/5/2011 de fls. 114), pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de 33.500,00EUR e juros à taxa legal supletiva e subsidiariamente a condenação dos Réus a restituir tudo com que indevidamente se locupletaram nos termos do art.º 473 do CCiv, tudo acrescido das custas do processo as despesas para a acção e as inerentes à deslocação das testemunhas e honorários em suma dizendo:
· Em 1/11/09 foi celebrado entre Autor e o 1.º Réu contrato denominado de trespasse tendo por objecto um estabelecimento comercial de restauração sito em ..., constando do contrato que poderia ser continuada a exploração da actividade pela adquirente ora Autora, que o senhorio tinha sido avisado com antecedência legal, não se opôs mediante o pagamento de 33.500,00EUR, sendo a renda mensal de 1.300,00EUR, sujeita a actualização (art.ºs 1 a 9)
· O 1.º Réu não informou ou deu a conhecer à Autora e aos seus representantes o conteúdo e cláusulas do contrato de arrendamento, tendo a Autora confiado na boa-fé do 1.º Réu, tendo entregue ao 1º Réu um cheque no referido valor de 33.500,00EUR; foi o senhorio quem veio a entregar à Autora uma cópia do contrato de arrendamento à Autora quando esta fez a tentativa de pagamento da renda de Novembro de 2009, pagamento que o senhorio recusou com o fundamento de ser absolutamente desconhecedor do contrato de trespasse, tendo a Autora vindo a saber que o senhorio não foi avisado com antecedência de 15 dias nem prestou consentimento ao trespasse, não obstante envio da carta que só chegou ao conhecimento do senhorio em 4/11/09 ou seja 3 dias após a celebração do contrato de trespasse, contrato ao qual o senhorio nunca se poderia, assim, opor (art.ºs 10 a 38)
· Já após estar na posse do estabelecimento constatou a Autora que o mesmo não era titular de qualquer licença ou alvará que permitisse a sua laboração, não tendo sequer licença para o toldo, que são requisitos essenciais de porta aberta do estabelecimento, pelo que a Autora se sentiu ludibriada o que fez ver por notificação judicial avulsa de 10/4/2010; os Réus iludiram e mantiveram em erro a Autora sobre o facto da carta escrita ao senhorio, uma vez que sabiam que o senhorio não se tinha oposto pela simples razão de que não tinha sequer conhecimento do trespasse, sendo a actuação dos Réus dolosa, além do que existe erro sobre o objecto do negócio delimitado nos termos do art.º 251 e 247 do CCiv pela inexistência das licenças e alvarás, o que conduz à anulabilidade do negócio, além do que o negócio é nulo por contrário à lei (art.ºs 39 a 86).
I.2. As Rés, citadas, vieram excepcionar a ilegitimidade da co-ré “B” que não outorgou o contrato de trespasse, nenhum facto sendo alegado no sentido da sua responsabilização, impugnam os factos dos art.ºs 39ª 45 e 49 da p.i. e motivadamente, dizem:
· O art.º 1038/g do CCiv contempla a notificação ao senhorio da escritura do trespasse e conta-se desde a respectiva escritura podendo ser cumprida pelo cedente como pelo cessionário, o Réu fez a comunicação ao senhorio das cláusulas do contrato de trespasse nos termos do art.º 416 do Cciv com a antecedência legal de 8 dias, não tendo sido exercido o direito de preferência nesse prazo que se contaria desde o conhecimento e considerando a data da escritura de 4/11/09, já decorreu, tendo mesmo afirmado que não exerceria o seu direito de preferência quando contactado telefonicamente (art.ºs 1 a 8, 15 a 18)
· Os responsáveis da Autora andaram cerca de 30 dias a estudar o movimento do estabelecimento e toda a documentação relativa ao mesmo, incluindo cópia do contrato de arrendamento que os responsáveis da Autora tiveram na sua posse durante vários dias e quando a Autora avançou para a assinatura da escritura de trespasse os seus responsáveis mostraram que estavam conscientes de todos os contornos do mesmo, nunca puseram entraves sequer levantaram qualquer dúvida relativa ao arrendamento ou a qualquer outra documentação para o seu funcionamento (art.ºs 9 a 14)
· A Autora tinha completo conhecimento das licenças e alvarás com que funcionava o estabelecimento que tem funcionado em nome da Autora até agora, a Autora não alega qualquer prejuízo que tenha tido decorrente da falta de licença ou alvará para o seu regular funcionamento (art.ºs 22 a 25).
I.3. Em Réplica a Autora, em suma, sustenta que a legitimidade da co-ré resulta do estatuído no art.º 1682-A do CCiv ou seja da necessidade do consentimento de ambos os cônjuges para a alienação de estabelecimento comercial; não tendo ocorrido o consentimento do cônjuge “B”, o negócio do trespasse dos autos é nulo nos termos dos art.º 1687, 892, 894 do CCIv o que o Tribunal deve declarar com todas as consequências legais, devendo ser julgado verificado o justo impedimento de apresentação tardia da Réplica.
I.4. Dispensada a audiência preliminar, julgado verificado o justo impedimento com admissão da Réplica, foi a Autora julgada parte ilegítima (por só a terem o cônjuge que não a prestou e seus herdeiros) para o pedido de declaração de nulidade do trespasse com base na alegada falta de consentimento do cônjuge “B” para o trespasse, com consequente absolvição dos Réus desse pedido, mantendo a legitimidade da co-ré quanto aos demais pedidos; condensados os factos assentes e os controvertido na base instrutória, instruídos os autos, procedeu-se ao julgamento, com observância da forma legal e gravação dos depoimentos, fixando-se a decisão de facto por despacho de 23/4/2012, sem a presença dos ilustres mandatários das partes.
I.5. Inconformados com a sentença de 31/12/2012 que julgou a acção totalmente procedente por provada, e, em consequência, declarou a nulidade do contrato de trespasse condenando os Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia de 33.500,00EUR mais juros moratórios desde a notificação judicial, dela apelaram os Réus em cujas alegações concluem:
(…)
I.6. Não houve contra-alegações; recebido o recurso, enviado, via electrónica, o projecto de acórdão aos Meritíssimos Juízes-adjuntos a quem os autos foram aos vistos, nada foi sugerido, nada obstando ao conhecimento do mérito do mesmo.
Questões a resolver:
Questão prévia de junção de documentos com as alegações de recurso
a) Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto contida nos artigos 3, 7, 8, 11, 13, 14, 15, 16, 19 da base instrutória, devendo ser dados como não provados os art.ºs 3 7,8,11, 13, 14 e provados os art.ºs 15, 16, 19.
b) Saber se ocorre erro de julgamento na indagação, interpretação e aplicação do direito por ser aplicável o disposto no DL 234/07 de 19/06 que revogou o DL 168/97 de 4/7 que a sentença aplicou diploma aquele que eliminou a obrigação de referir no contrato de trespasse a existência de alvarás o que se conjuga com o DL 48/2011 de 1/4 que estatui regime simplificado de licenciamento de estabelecimentos como o dos autos, sendo assim válido o contrato dos autos.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora (na qualidade de 2.ª outorgante) e o Réu “A” (na qualidade de qualidade de 1.º outorgante) em 1 de Novembro de 2009, apuseram as suas firmas no documento cuja cópia é de fls. 42 e 43 que aqui dou por reproduzido (al. A dos factos assentes)
2. Neste, pelo qual o Réu se afirmou dono do estabelecimento comercial de restauração instalado no n.º 11, loja 6, do prédio sito na Rua ... e Rua ..., n.º ..., ...-A e ...-B, em ... (al. B dos factos assentes)
3. Também no rosto desse documento escreveram as partes, na cláusula primeira que, “Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante trespassa à representada do Segundo Outorgante, “C”, LDª, o estabelecimento descrito na cláusula anterior, para ser continuada a exploração do mesmo pela adquirente.” (al. C dos factos assentes)
4. E, na cláusula terceira, que “O contrato de trespasse é celebrado com início em 1 de Novembro de 2009, tendo avisado o senhorio do local onde se situa o estabelecimento, com antecedência legal, o qual não se opôs (al. D dos factos assentes)
5. E na cláusula quarta: “A renda mensal do local é de € 1.300,00 (Mil e trezentos euros) e está sujeita a actualização, mediante aplicação dos coeficientes de actualização, sendo senhorio “D”, residente na Rua João Chagas, n.º 139 – 3.º direito.. 2795-102 ...” (al. E dos factos assentes)
6. Por fim, na cláusula quinta: “O valor do trespasse é de € 33.500 (trinta e três mil e quinhentos euros) pago pelos representados da Segunda Outorgante ao Primeiro Outorgante nesta data, da qual este dá a respectiva quitação” (al. F dos factos assentes)
7. Para o pagamento do valor convencionado a A. entregou aos RR um cheque sacado sobre Montepio Geral, datado de 01 de Novembro de 2009, no montante de Eur. 33.500 (al. G dos factos assentes)
8. Foi celebrado entre o primeiro Réu, como inquilino, e o senhor “D”, na qualidade de Senhorio, em 28 de Maio de 2008, o acordo cuja primeira folha é a cópia de fls. 27 dos autos, pelo qual este declarou dar de arrendamento com fim não habitacional, pelo prazo de dois anos, com início em 1 de Junho de 2008, renovável por iguais e sucessivos períodos, a fracção letra “G”, correspondente à loja 6, sita no piso -3, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, na Rua ..., n.º .... ...-A e ...-B e Rua ..., n.º 11 em ..., freguesia de ..., concelho de Oeiras, servirá exclusivamente para comércio, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, pelo prazo de dois anos, renovado por iguais e sucessivos períodos. (al. H dos factos assentes)
9. A carta cuja cópia é fls. 28, pela qual o Réu declara a “D”, que irá trespassar o estabelecimento pelo preço de € 33.500 à Autora, referindo que se pretender exercer o direito de preferência o faça por carta registada no prazo legal, foi depositada na estação de correios em 2009-10-09. (al. I dos factos assentes).
10. Ficou depositada nos CTT até 20/10/09 sem ser reclamada ou levantada. (al. J dos factos assentes)
11. Foi celebrado entre “D” e o Réu acordo que denominaram de “Contrato de Arrendamento não habitacional” pelo qual o primeiro declarou arrendar ao 2.º a fracção autónoma supra referida. (al. K dos factos assentes)
12. O acordo referido em 8, referente ao arrendamento do local onde se encontrava o estabelecimento, não foi apresentado à Autora pelos RR até à assinatura do contrato de trespasse. (art.º 3.º da base instrutória)
13. O “D” não prestou qualquer consentimento ao Acordo. (art.º 5.º da base instrutória)
14. “D” recusou o cheque de valor de EUR. 1.300,00 que a Autora lhe queria entregar para efectivar o pagamento da renda devida em Novembro de 2009. (art.º 6.º da base instrutória).
15. Não existia qualquer licença ou alvará que permitisse a laboração do estabelecimento objecto do acordo referido em 1.º (art.º 7.º da base instrutória)
16. Nem o toldo ou reclame publicitário ali instalado tinha licença camarária (art.º 8.º da base instrutória)
17.  Os Réus garantiram que o estabelecimento estava em legais e perfeitas condições para laborar. (art.º 9 da b.i.)
18. E sabiam que este era elemento essencial para que os Autores celebrassem o negócio. (art.º 10.º da base instrutória)
19. A Autora não foi elucidada sobre o prazo de 2 anos de duração do acordo de arrendamento pelos Réus, até à assinatura do contrato de trespasse. (art.º 11.º da base instrutória)
20. O “D” opôs-se à renovação do arrendamento, por terem passado dois anos desde o seu início. (art.º 12.º da base instrutória)
21. A Autora não celebraria o trespasse se soubesse que este podia durar apenas mais sete meses (art.º 13.º da base instrutória).
22. O que era do conhecimento dos Réus. (art.º 14.º da base instrutória)
23. O “D” foi avisado, ao menos pessoalmente, do trespasse, antes da sua realização. (art.º 18.º da base instrutória).
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Os recorrentes impugnam a decisão de facto contida nos art.ºs 7, 13, 14 que o Tribunal deu como provados e a decisão de facto contida nos art.ºs 15, 16, 19, que o Tribunal deu como não provada, o que se analisará em III.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3Questão prévia de junção de documentos com as alegações de recurso
Dispõe o art.º 693-B (correspondente ao antigo art.º 706):
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 524, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n.) do n.º 2 do art.º 691.”
O art.º 524/1 por seu turno dispõe: “Os documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”
O n.º2: “Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”
Os casos previstos nas alíneas do n.º 2 do art.º 691 acima mencionadas são do seguinte teor:
a) Decisão que aprecei o impedimento do juiz;
b) Decisão que aprecie a competência do Tribunal;
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
f) Decisão que ordene a suspensão da instância;
g) Decisão proferida depois da decisão final;
h) (…)
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;
m) Decisões cuja impugnação com o recuso da decisão final seja absolutamente inútil;
n) Nos demais casos expressamente previstos na lei.
(…)
Dir-se-á desde já que se não verifica neste caso nenhuma das situações do descrito art.º 691.
A Relação, para além de controlar a decisão impugnada tal como vem proferida, também deve levar em linha de conta os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que ocorrerem até ao encerramento da discussão perante ela, os documentos destinam-se não só à prova dos factos já submetidos à consideração do tribunal a quo como ainda à prova dos factos posteriores ao encerramento da discussão na 1.ª instância. E também na instância de recurso devem ser admitidos documentos destinados a comprovar factos supervenientes estranhos à matéria objecto da demanda ou que visem por termo a esta (art.º 524, n.º 2, por remissão do art.º 693º-B). (…) A junção de documentos pela parte funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova: no que concerne às primeiras, cogite-se na possibilidade da decisão e apoiar em normas jurídicas com cuja aplicação a parte justificadamente não contasse, se bem que essa oportunidade se encontre hoje bastante reduzida, face ao n.º 3 do art.º 3.º; atente-se, por exemplo, no contexto da resolução do contrato de arrendamento por não uso do locado por mais de um ano, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 1083 do CC na necessidade do tribunal superior em concordância com o tribunal recorrido, considerar insuficientes os documentos por ele oferecidos para provar, para efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 1072 do mesmo diploma que a sua ausência do locado, por período inferior a dois anos se ficou a dever ao cumprimento de deveres militares ou profissionais. Na terceira situação (alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art.º 691), a junção de documentos justifica-se por não haver lugar nem a articulados nem a audiência de discussão, nem a julgamento, pelo que não podem ser apresentados com aqueles em momento posterior à audiência ou a sua necessidade resultar de julgamento. Trata-se de impugnação de decisões proferida no termo dos articulados ou de incidentes, no decurso dos procedimentos cautelares ou determinadas por vicissitude, de conhecimento oficioso, surgidas ao longo do processo ou depois de proferida a decisão final[2].
O recorrente não justifica minimamente porque razão junta o documento agora com as alegações de recurso, sendo que o momento azado último é o do encerramento da discussão que ocorreu em 23/4/2012 com a decisão sobre a matéria de facto controvertida. Por outro lado, ainda, o documento de fls. 132 que consubstancia uma fotocópia de um alvará de licença de exploração de pastelaria sem fabrico e snack-bar sito na Rua ..., lote 17, loja 6, ..., foi concedido a “E”, que para além de não ser parte na acção, o dito alvará data de 9/12/97, sendo por isso, muito anterior à data do encerramento da discussão em 1.ª instância, nenhuma razão foi invocada para que tenha sido junta só agora com as alegações de recurso, na certeza de que nem o dito alvará (que não foi concedido a nenhuma as partes desta acção) constitui um facto superveniente modificativo da decisão de facto, nem a decisão de facto sobre a inexistência do alvará constituiu qualquer imprevisto para os recorrentes, porquanto resulta dos autos (fls. 128/132) que os Réus/Recorrente foram notificados para juntar aos autos as licenças e alvarás do estabelecimento, nada tendo sido junto ou sequer alegado relativamente à falta da posse desses documentos, o que levou a que o Tribunal tivesse valorado a conduta nos termos dos art.ºs 529 e 519. No actual art.º 651, na redacção introduzida pela Lei 41/2013, de 26/6, (que não se aplica ao caso porquanto, aquando das alegações de recurso estava em vigor a redacção dada ao art.º 693-B pelo DL303/07, que ao caso se aplica como acima se disse, os documentos “apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais do art.º 425 (cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão da causa), ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Ao invés do que preceituava o art.º 706/2, agora revogado, e que permitia a junção dos documentos supervenientes até se iniciarem os vistos aos juízes, a junção dos documentos deve ser feita com as alegações ou contra-alegações e não em momento posterior.[3]
Não se verificando nenhuma circunstância que permita a junção de documentos com as alegações de recurso indefere-se a junção dos mesmos.
III.4. Saber se ocorre erro de julgamento da decisão de facto contida nos artigos 3, 7, 8, 11, 13, 14, 15, 16, 19 da base instrutória, devendo ser dados como não provados os art.ºs 3 7,8,11, 13, 14 e provados os art.ºs 15, 16, 19.
III.4.1.Dispõe o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]”
E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.”
III.4.2. A este propósito refere António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[4].
III.4.3. Os recorrentes especificam os concretos pontos de facto que do respectivo ponto de vista se encontram incorrectamente julgados, assim como os concretos meios probatórios que conduzem à alteração da decisão, transcrevendo, inclusive, no corpo das alegações das respectivas passagens dos depoimentos das testemunhas que nesse sentido vão, pelo que cumprem o respectivo ónus processual, viabilizando, do mesmo passo a reapreciação da decisão de facto por esta Relação nos termos do art.º 712. Foi ouvido o suporte áudio.
III.4.4. É o seguinte o teor os quesitos 15, 16, 19 cujos factos o Tribunal deu como não provados:
15: “A Autora durante cerca de 30 dias estudou o movimento do estabelecimento e toda a documentação relativa ao mesmo?”
16: “O primeiro Réu facultou-lhe toda a documentação relativa ao mesmo, incluindo cópia do contrato de arrendamento?”
19: “O estabelecimento tem funcionado até ao presente, em nome da Autora, sem qualquer oposição do senhorio e sem que este tenha exercido do direito de preferência?”
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A matéria de facto dos art.ºs 7, 13, 14 que o Tribunal deu como provada é a seguinte:
Não existia qualquer licença ou alvará que permitisse a laboração do estabelecimento objecto do acordo referido em 1.º (art.º 7.º da base instrutória)
A Autora não celebraria o trespasse se soubesse que este podia durar apenas mais sete meses (art.º 13.º da base instrutória)
O que era do conhecimento dos Réus. (art.º 14.º da base instrutória)
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Perguntava-se no art.º 3: “O acordo referido em H), referente ao arrendamento do local onde se encontrava o estabelecimento nunca foi apresentado à Autora pelos Réus?”
Respondeu-se: “O acordo referido em 8, referente ao arrendamento do local onde se encontrava o estabelecimento, não foi apresentado à Autora pelos RR até à assinatura do contrato de trespasse”.
Pergunta-se no art.º 8: “Nem o toldo instalado tinha licença camarária?”
Respondeu-se: “Nem o toldo ou reclame publicitário ali instalado tinha licença camarária”
Pergunta-se no art.º 11: “A Autora não foi elucidada sobre o prazo de duração do acordo de arrendamento pelos Réus”
Respondeu-se: “A Autora não foi elucidada sobre o prazo de 2 anos de duração do acordo de arrendamento pelos Réus, até à assinatura do contrato de trespasse.”
III.4.5. Na motivação da decisão negativa diz o Tribunal recorrido: “…por sua vez a matéria dos art.ºs 15 a 17 resultou não provada, dado que sobre a mesma apenas “F” depôs concretamente, e sobre tal factualidade fê-lo de forma pouco credível e sem consistência, uma vez que apesar de inicialmente conformar tal matéria, veio posteriormente a esclarecer não ter visto quaisquer documentos, sabendo no essencial o que os Réus lhe iam transmitindo. Sobre a matéria dos art.ºs 19 e 20, da b.i., entende o tribunal não terem sido produzidos quaisquer meio de prova que a confirmassem, de onde a resposta de “não provado.”
III.4.6. É evidente que se se der como provada a factualidade dos art.ºs 15, 16 e 19, ter-se-á que dar como não provada a factualidade dos art.ºs 3, 11, 13 e 14 relativamente ao conhecimento prévio (à assinatura do contrato de trespasse) pela Autora do teor do contrato de arrendamento. O Tribunal, na motivação da decisão de facto contida nos artigos sob impugnação deu relevância ao depoimento da testemunha “G” (sócia da “C” que esteve no estabelecimento desde antes do início da actividade até fecho em Maio de 2011) e “H” (amigo dos sócios da Autora, da “mãe” “I” há vários anos e que presenciou a assinatura do contrato de trespasse) e que declararam que até à assinatura do contrato nunca o contrato de arrendamento dos Réus com o senhorio lhes foi exibido “sendo que a advogada que representou os RR no dia da assinatura do trespasse transmitiu-lhes que estava tudo em ordem, quer quanto aos senhorio, quer quanto às licenças e alvarás para exploração do estabelecimento que lhes facultaria os documentos dali a poucos dias, pelo que quando assinou o contrato de trespasse desconhecia que o arrendamento do espaço onde estava implantado terminava dali a cerca de sete meses, assim como desconhecia a oposição do senhorio à renovação do arrendamento, dado que os RR lhe transmitiram o contrário.”; na motivação da decisão de facto a Meritíssima Juíza faz-se valer das regras de experiência comum segundo as quais nenhum cidadão médio, minimamente avisado, celebraria um contrato de trespasse pelo valor de 33.500,00euros sabedor de que o arrendamento incidente sobre o espaço terminaria dali a sete meses, assim como não celebraria tal contrato sem garantias da existência das necessárias licenças para a exploração do estabelecimento; ora, essa máxima de experiência tem toda a razão de ser num contexto fáctico de celebração de um contrato de trespasse por parte dos representantes da Autora sem o acompanhamento (decerto voluntário) de um advogado e num aparente clima de confiança entre todos, na medida em que no próprio dia da assinatura do contrato de trespasse os Réus se fizeram acompanhar de uma advogada que aos sócios da Autora garantia que entregaria os documentos do estabelecimento dias depois, nenhuma reticência tendo sido suscitada. Tal contexto tem efectivo reflexo nos depoimentos de “G”e de “H” como se verá. No que toca  às licenças e à matéria dos art.ºs 7 e 8 o Tribunal recorrido valeu-se dos depoimentos de “F” com o facto de os RR terem sido notificados por despacho judicial para que juntassem aos autos os documentos atinentes às licenças e alvarás do estabelecimento (cfr. fls. 128 e 132), nada tendo sido junto ou alegado pelos RR valorando-se a conduta nos termos dos art.ºs 529 e 519/2 do CPC, tendo depois sido indeferido o requerimento de audiência de ofício à Câmara no sentido de junção desses alvarás; tal motivação conjugada com os depoimentos encontra perfeita justificação se se acrescer a circunstância de se não ter admitido a junção de 2 documentos com as alegações de recurso.
III.4.7. Discordam os recorrentes quanto aos 15 e 16 pela credibilidade e conhecimento directo do assunto da testemunha “F”. A testemunha em causa é pai da Ré “B”, quis prestar o seu depoimento mesmo podendo recusar-se a depor. O Tribunal não pôs em dúvida a credibilidade da testemunha por ser pai da Ré mas sim porque no final do seu depoimento acabou por dizer que não viu quaisquer documentos, sabendo no essencial o que os Réus lhe foram transmitindo. Ora, os Réus transcreveram o depoimento da testemunha que não foi posto em causa na medida em que nem sequer houve contra-alegações. O depoimento da testemunha não é clarividente, ou seja não é um depoimento que pelas circunstâncias que rodeiam o seu conhecimento de causa quer o do referido estudo do estabelecimento por parte do sócio da Autora, quer o do conhecimento por parte dos Autores de toda a documentação referente ao estabelecimento, em momento anterior ao da outorga do trespasse, permitam alterar a decisão de facto por ser manifesto o erro na apreciação. E não o é porque a testemunha, que ajudava a filha Ré no estabelecimento de restauração aqui em causa antes do trespasse, não só não conhecia antes os sócios da Autora, designadamente o mencionado “J”, como não conseguiu concretizar em que é que se traduziram as negociações prévias ao acordo final. Se é verdade que a testemunha afirma, peremptoriamente, que os sócios da Autora tiveram acesso prévio a toda a documentação do estabelecimento, contrato de arrendamento incluído, não conseguiu precisar em que circunstâncias é que os sócios da Autora tiveram acesso a esse documentos, uma vez que ela própria, testemunha, diz que não viu nenhuns documentos no estabelecimento em que ajudava a filha; tal afirmação é contrariada pelos depoimentos das testemunhas “G”e “H”. A testemunha disse, entre o mais, ouvido o suporte áudio que “ não assisti ao contrato de trespasse, o senhor “J”…eu penso que se a memória rio não me falha…foi o senhor “J” que tomou conta do (estabelecimento) deslocava-se quase diariamente ao restaurante…isto mais ou menos no mês de Agosto, Setembro..ele dirigia-se ao local para ver o ambiente…depois começaram as negociações…o senhor “J”…queria fazer rapidamente o contrato…o restaurante estava realmente com muitos utentes…e depois também havia, pelo menos que eu tivesse conhecimento, duas pessoas que estavam além do senhor “J”, mais duas pessoas que estavam interessadas a tomar conta do restaurante…eu ía ajudar a minha filha e o meu genro no restaurante…periodicidade diária…ajudava a trazer os pratos para as mesas, limpar as mesas…tinha esplanada, servia cafés…o senhor “J” ía lá realmente para ver o movimento, estava ao balcão a tomar uma bebida…o senhorio tinha mostrado interesse em ficar com a casa, combinaram valores e no dia aprazado o senhorio disse que pagava um x por mês e os Réus não estavam interessados…existia uma licença provisória, eu fui pessoalmente aos serviços camarários porque a “B” tomava conta do estabelecimento, foi afixado na porta do estabelecimento em nome do Réu “A”que dizia que estava autorizado a exercer a actividade e que aguardava alvará…antes de se fazer o contrato de trespasse, os autores tiveram conhecimento do arrendamento e não levantaram problemas, falava-se em contrato por dois anos e os autores diziam que depois resolveriam com o senhorio…na altura o senhorio não se opôs ao arrendamento com os trespassários o senhor “D”, na minha frente, disse à minha filha que não se opunha…a partir do trespasse eu sabia que o estabelecimento estava a funcionar…em que condições eu não sei…eu ía ajudar a filha e o genro diariamente, ajudava a trazer os pratos para a mesa, servia cafés…eu via o senhor “J” ao balcão a tomar uma bebida, o senhorio ía lá com frequência…o senhor “J” é natural que lá se tivesse deslocado e eu não me tivesse apercebido, havia muitos clientes eu ainda não o conheciaeu não vi papéis no estabelecimento, mas quando se entrou na fase de negociações foi apresentada toda a documentação, o documento da Câmara era o horário de funcionamento e o edital dizia que tinha entrado um pedido de alvará…foi explicado ao senhor “J” o problema com a publicidade luminosa…assisti às conversas entre a minha filha, o meu genro e o senhor “D” “já temos uma pessoa interessada no restaurante” e o senhor “D” dizia que estava bem…para além do horário, a minha filha exibiu aos autores o contrato de arrendamento entre a minha filha e o senhor “D”…”.
III.4.8. Já no tocante à facultação prévia à Autora da documentação relativa ao estabelecimento, contrato de arrendamento incluído, não ocorre concordância dos depoimentos, o depoimento de “G”e “H” em oposição com o de “F”. Ao Tribunal nenhum razão objectiva e subjectiva ocorre para que os depoimentos das testemunhas “G”e “H” não mereçam credibilidade, muito embora em relação à testemunha “G”, sócia da sociedade se possa assacar algum interesse no desfecho da acção, mas já assim não em relação á testemunha “H”. Com interesse disse a testemunha “G”: “…a senhora “B” e “A”transmitiram-nos que tinham enviado carta registada ao senhorio para o exercício do direito de preferência, essa carta foi enviada ao senhor “D”, e nós só a conhecemos depois…acreditei na palavra dos Réus e no teor da carta que nos foi mostrada…o envelope de fls. 29/30, o resto só nos foi mostrado uma semana depois do senhorio ter dito que não conhecia a carta…o contrato de arrendamento só nos foi mostrado depois da assinatura do contrato de trespasse e depois de termos entregue o cheque do valor do trespasse…a “B” disse-nos só depois da assinatura do contrato que tinha toda a documentação do estabelecimento para nos entregar: contrato de arrendamento, licenças, documentos, as chaves só nos foram entregues 3 dias depois para terem tempo de arrumar o estabelecimento…na 2.ª feira seguinte, quando lá foi o senhorio, quisemos reter o cheque…o senhorio entrou na loja, estávamos nós a limpar o estabelecimento, perguntou quem nós éramos e nós dissemos que “ficámos com isto à “B”” e o senhorio disse que nunca tinha recebido a carta que lhe mostrámos….o senhorio não nos reconheceu como arrendatários e não nos aceitou o 1.º cheque do pagamento de renda e disse que tínhamos de sair dali que a casa era dele…não havia alvará, um papel da C.M.L. com o horário da senhora Maria…mais tarde vim a saber que tinha sido a esposa do senhor “D” que ali tinha tido um negócio…os “placards” não tinham licença, apenas disseram que corria processo de legalização…se soubéssemos nunca tínhamos feito negócio…falou-se que o contrato de arrendamento era de 5 anos e que o senhorio renovava facilmente…o senhor “D” enviou-nos carta a opor-se, que nos queria fora dali…se soubéssemos que o contrato de trespasse apenas durava o tempo de arrendamento de 7 meses nunca teríamos feito o negócio, tinha que ser por mais tempo para recuperar os 33 mil euros…o senhor “D” propôs acção de despejo…os réus sabiam que se nós soubéssemos que o trespasse era por 7 meses, não faríamos o negócio com uma renda alta…o senhorio ficou a saber do trespasse 2 ou 3 dias depois da assinatura do contrato de trespasse, quando lhe mostrámos o contrato…”.
III.4.9. A testemunha “D”, o senhorio, foi ouvido em Tribunal, o seu depoimento foi gravado, é credível mas prolixo, assim como o foi para o Meritíssimo Juiz da 1.ª Instância e esse depoimento encontra reflexo na decisão de facto ora impugnada; pela simples audição do seu depoimento facilmente se conclui que é uma pessoa “complicada”, reage de forma inopinada e, pode mesmo acrescentar-se, estranha, tendo em mente os actuais padrões de relacionamento entre as pessoas, sobretudo em matéria de negócios jurídicos, não se percebendo porque razão é que não aceitou continuar a receber o rendimento da renda do estabelecimento dos trespassários, confessando ao mesmo tempo que tinha encargo mensal do mútuo bancário anteriormente contraído para adquirir aquele espaço. Com interesse, entre o mais disse: “…dei de arrendamento ao senhor “A”em 1/6/2008, por dois anos, para ele explorar o café e o contrato era para renovar, se não houvesse problemas…o senhor “A”trespassou o estabelecimento, na altura perguntaram-me se eu queria ficar com ele por 33 mil e eu disse que queria comprar, mas disse que dava 10 mil e pagava o resto em várias vezes mas os Réus queriam a pronto pagamento e não aceitavam, o senhor “A”e a D. “B” não me disseram que tinham encontrado uma pessoa interessada no trespasse…a cabeleireira disse-me que a casa estava trespassada e quando lá fui vi os Autores que me mostraram a escritura de trespasse e eu calei-me, não poda fazer nada, faltavam 6 meses para os Réus saírem, era esse o prazo do contrato inicial de arrendamento…eu disse-lhes que só mantinha 6 meses e que não fazia mais contrato, não vou prolongar, não recebi a renda porque  a renda estava em nome da “B”…a carta…fui culpado de não a ter recebido, eu trabalho na indústria hoteleira, tenho vários estabelecimentos de restauração, pouco tempo disponível…quando vi lá as pessoas fui falara com a D. “B” e a D. “B” disse-me para eu falar com o advogado dela…pus acção em Tribunal contra os Autores porque não me pagavam renda (eu também não a queria receber) e depois desisti dessa acção…”
III.4.10. O Tribunal apreciou livremente a prova como o consente o art.º 655 que de nenhuma inconstitucionalidade padece, fixou os factos de acordo com as normas processuais e as regras de distribuição do ónus da prova dos art.ºs 342 e ss do Cciv e 516., razão pela qual se mantém a decisão impugnada.
III.5. Saber se ocorre erro de julgamento na indagação, interpretação e aplicação do direito por ser aplicável o disposto no DL 234/07 de 19/06 que revogou o DL 168/97 de 4/7 que a sentença aplicou diploma aquele que eliminou a obrigação de referir no contrato de trespasse a existência de alvarás o que se conjuga com o DL 48/2011 de 1/4 que estatui regime simplificado de licenciamento de estabelecimentos como o dos autos, sendo assim válido o contrato dos autos.
III.5.1. Inquestionável que entre as partes se aperfeiçoou um contrato de trespasse. Em suma louvou-se a sentença no seguinte a respeito da nulidade do negócio jurídico do trespasse:
· À data da celebração do contrato de trespasse não existia licença ou alvará que permitisse a laboração do estabelecimento objecto desse mesmo trespasse, nem toldo ou reclame publicitário ali instalado tinha licença camarária, sendo certo que os Réus garantiram que o estabelecimento estava em legais e perfeitas condições para laborara sabendo que este era elemento essencial para que a Autora celebrasse o negócio
· O regime de instalação e funcionamento dos estabelecimentos comerciais de restauração mostra-se regulado pelo DL 167/97 de 4/7 alterado e republicado pelo DL 57/2002, de 11/3 dele decorrendo que o alvará ou licença de utilização é obrigatória para os estabelecimentos de restauração e bebidas, materializando a licença uma autorização administrativa que permite a exploração e transmissão jurídica integrando um dos elementos necessários e essenciais ao seu funcionamento;
· De acordo com o art.º 14/2 do DL 167/97 de 4/7 qualquer contrato ou contrato promessa de transmissão de estabelecimento de restauração celebrados após 12/3/2002 deve obrigatoriamente mencionar sob pena de nulidade a existência de alvará ou licença de autorização para serviços de restauração ou de bebidas, pelo que nos termos dos art.ºs 280, 289/1 do CCiv o contrato de trespasse dos autos está ferido de nulidad3e devendo ser restituído tudo o que foi prestado, o que torna prejudicada a questão da anulabilidade do negócio, por dolo, no tocante à comunicação do trespasse ao senhorio.
III.5.2. Discorda o recorrente em suma dizendo:
· O DL 168/97, de 4/7 com a redacção dada pelo DL 57/2002 de 11/3 foi revogado pelo DL 234/2007, de 19/6 que vigorava à data do contrato de arrendamento datado de 28/5/2008 e era o regime que vigorava na data do trespasse de 1/11/09, designadamente o art.º 14/2 mencionado; o novo regime eliminou a obrigação de referir no contrato de trespasse a existência de alvará, referindo, ainda, no art.º 12/2 que não pode o funcionamento do estabelecimento bem como as transacções comerciais e imobiliárias a ele respeitantes ser prejudicadas pela inexistência de um título formal emitido pela Câmara Municipal;
· O DL 234/07 foi, entretanto, revogado pelo DL 48/2011 de ¼, antes da data do julgamento, diploma este que aprova o novo regime e instalação e de modificação de estabelecimento de restauração ou de bebidas baseado numa mera comunicação prévia efectuada num balcão único electrónico (iniciativa de licenciamento zero), destinada a reduzir encargos administrativos sobre os cidadãos e as empresas, por via da eliminação de licenças, autorizações, vistorias e condicionamentos prévios para actividades específicas, substituindo-os por acções sistemáticas de fiscalização a posteriori e mecanismos de responsabilização efectiva dos promotores;
· Não havendo lei que exija a expressa referência ao alvará ou licença de funcionamento no contrato de trespasse assinado entre a Autora e o Réu “A”o contrato não é nulo por falta dessa referência, o documento tem a forma legal está devidamente assinado e a comunicação ao senhorio teria de ser feita 15 dias após o trespasse, nos termos do art.º 1038/g do Cciv e tinha de a fazer também o adquirente do trespasse nos termos do art.º 1059, o que aconteceu.
· Nos termos dos art.ºs 10 e 11 do DL 234/07 de 19/06 a Autora deveria requerer a concessão de licença ou de autorização para o estabelecimento de restauração e bebidas e decorridos 30 dias sem que tivesse sido concedida comunicava à Câmara a sua decisão de abrir ao público, apresentando, antes do início da actividade, uma declaração na Câmara Municipal na qual se responsabiliza que o estabelecimento cumpre todos os requisitos adequados ao exercício da actividade, era a Autora e não os Réus quem tinha a obrigação legal da declaração prévia junto da Câmara de que se responsabilizava pelo cumprimento dos requisitos adequados ao exercício da actividade.
III.5.3. Dir-se-á, em primeiro lugar, que, no tocante ao licenciamento de estabelecimentos de restauração e bebidas, o legislador tem sido prolixo e só para realçar os principais, desde 1997, temos o DL 168/97 (o DL 167/97 tem a ver com empreendimentos turísticos e foi publicado no Diário da República no mesmo dia), parcialmente alterado pelo DL 139/99 de 24/4, pelo DL 222/2000 de 9/9 e pelo DL 9/2002 de 24/1. O art.º 14, que aqui nos interessa, foi, juntamente com outros preceitos, alterado pelo DL57/02 de 11/3 (face à alteração do regime de licenciamento municipal para cujo teor o DL 168/97 remetia) em cujo preâmbulo se pode ler, entre o mais que se torna “(…) obrigatória a  menção à existência de alvará de licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma ou à existência da autorização de abertura, no caso dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas existentes à data da entrada em vigor do presente diploma, concedida pela Direcção-Geral do Turismo ou pelas câmaras municipais ao abrigo de legislação anterior, ou ainda a abertura dos estabelecimentos com base num deferimento tácito, nos contratos de transmissão ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior
à entrada em vigor do presente diploma, sob pena de nulidade e recusa do registo dos mesmos.(…)
É o seguinte o teor desse art.º 14 na redacção do DL 57/02:
Artigo 14.o
Funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas
1 — O funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas depende apenas da titularidade do alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, emitido nos termos do disposto no artigo anterior, o qual constitui, relativamente a estes estabelecimentos, o alvará de licença ou autorização de utilização previsto nos artigos 62.o e 74.o do Decreto-Lei n.o 555/99, de 16 de Dezembro.
2 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a existência de alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma ou a existência da autorização de abertura, no caso dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas existentes à data da entrada em vigor do presente diploma, concedida pela Direcção-Geral do Turismo ou pelas câmaras municipais, nos termos do artigo 36.o do Decreto-Lei n.o 328/86, de 30 de Setembro, ou de legislação anterior, ou ainda a abertura dos estabelecimentos com base num deferimento tácito do pedido de emissão do alvará de licença ou de autorização para serviços de restauração ou de bebidas deve ser obrigatoriamente mencionado nos  contratos de transmissão, ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior à entrada em vigor do presente diploma, sob pena de nulidade dos mesmos.
3 — Aos contratos de arrendamento relativos a imóveis, ou suas fracções, onde se pretendam instalar estabelecimentos de restauração ou de bebidas aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 9.o
do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 321-B/90, de 15 de Outubro.
 4 — A falta da menção referida no n.o 2 no título de transmissão constitui fundamento de recusa do registo da mesma.
5 — A transmissão ou promessa de transmissão, sob qualquer forma, de direitos relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções, onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, deve ser comunicada à câmara municipal competente, nos termos e para os efeitos previstos no n.o 3 do artigo seguinte.
III.5.4. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ía no sentido referido na decisão recorrida. Entre outros vejam-se os seguintes arestos que se sumariam e constam o sítio www.igfej.pt:
 239/07.8TBSTS.P1.S1         
Nº Convencional:         1.ª SECÇÃO
Relator:            GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores:      ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
IMPOSSIBILIDADE TEMPORÁRIA
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
CULPA IN CONTRAHENDO
           
Nº do Documento:       SJ
Data do Acordão:        24-01-2012
Votação:          UNANIMIDADE
Texto Integral:  S
Privacidade:     1
           
Meio Processual:         REVISTA
Decisão:           NEGADA A REVISTA
           
Sumário :         I - A expressão “objecto do negócio jurídico”, inserta no art. 280.º do CC, que comina de nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, pode ter dois sentidos: um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir; o outro, correspondente ao objecto mediato, ou objecto stricto sensu, consistente naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.

II - Na universalidade que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que, sem ela, não é legalmente admissível a laboração; mas não é condição sine qua non, bastando que o complexo da sua organização económica esteja pronto ou apto a entrar em movimento.

III - Um estabelecimento comercial pode ser objecto de trespasse mesmo que ainda não esteja a ser explorado ou, inclusive, incompleto e em via de formação, não sendo necessário, para se falar em trespasse, que a transferência abarque todos os elementos que, na altura, integram o estabelecimento, sendo admissível o trespasse parcial.

IV - A falta de menção no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03.

V - Todavia, importa realçar que se está perante um contrato-promessa, do qual unicamente advém o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido, e que a impossibilidade legal originária verificada é meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num momento em que prestação ainda oferece interesse ao credor (art. 792.º, n.º 2, do CC), pois que até à celebração do contrato prometido pode perfeitamente o promitente trespassante obter a licença em falta.

VI - Se não obstante a falta da licença de utilização e consequente omissão no contrato-promessa, a promitente trespassária não ficou impedida de explorar, por sua conta e risco, o estabelecimento de café, snack-bar e restaurante, bem como ao longo do tempo e até à data da propositura da acção (2,5 anos), foi entregando parcelares quantias por conta do preço acordado, e, inclusive, contratualizou novo arrendamento com o senhorio, tudo como se aquele contrato estivesse perfeito, válido e plenamente eficaz, não pode deixar de constituir abuso do direito da sua parte, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação da nulidade do contrato-promessa de trespasse.

VII - A responsabilidade pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações, e pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito (art. 227.º, n.º 1, do CC).
*
02B1116        
Nº Convencional:         JSTJ00000158
Relator:            QUIRINO SOARES
Descritores:      ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO
           
Nº do Documento:       SJ200205160011167
Data do Acordão:        16-05-2002
Votação:          UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:         T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1550/01
Data:    02-10-2001
Texto Integral:  S
Privacidade:     1
           
Meio Processual:         REVISTA.
Decisão:           CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional:    CCIV66 ARTIGO 251.
           
Sumário :         A aquisição de um estabelecimento devidamente licenciado embora sujeito ao regime transitório definido no art. 49 do Dec-Lei 168/97, cujo prazo decorria, no momento da escritura da cessão de quotas, e conhecendo os adquirentes que os alienantes tinham pedido uma vistoria a fim de conseguirem o licenciamento para utilização nos termos que aqueles pretendiam, é válido, sendo irrelevante que o pedido venha a ser indeferido.
(…)
O DL 168/97, de 4/7, estabeleceu o regime jurídico da instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas, que, antes, constava do DL 328/86, de 5/12.
No art. 49, definiu o regime transitório dos estabelecimentos existentes, estabelecendo, no n. 2, um prazo de dois anos a contar da entrada em vigor do regulamento previsto no n. 5, do art. 1, para adaptação aos novos requisitos legais.
O regulamento foi posto a vigorar pelo Dec. Reg. 38/97, de 25/9, que reservou ao art. 35 aquela disciplina transitória.
De acordo com os referidos dispositivos legais, na sua articulação com o sistema onde se inserem, as entidades exploradoras dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas já existentes à data da entrada em vigor do DL 168/97 deveriam requerer à câmara municipal da respectiva área, e no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor do Dec. Reg. 38/97, a emissão de licença de utilização depois de, sendo caso disso, adaptarem os estabelecimentos aos novos requisitos exigidos, com realização das obras e a instalação dos equipamentos necessários.
Ora, o requerimento de fls.21, em cujo indeferimento a Relação baseou a ideia de que o estabelecimento não estava licenciado, visou precisamente esse objectivo de cumprir o dito regime transitório; nele, a sociedade pede a realização de vistoria, "nos termos do art. 49, n. 2 do Decreto-Lei n. 168/97, conjugado com o n. 1 do art. 35º do Decreto Regulamentar n. 38/97".
O requerimento foi interposto em 27.3.98, no tempo, ainda, dos anteriores sócios, mas já foi com os novos sócios que ocorreram os momentos principais do procedimento administrativo que desencadeou.
Os documentos juntos aos autos, extraídos desse procedimento (e que constam de fls. 21 a 37 e 156 a 159) mostram, à sociedade, o seguinte:
-          o local do estabelecimento está referenciado nos arquivos da edilidade coimbrã como estabelecimento de bebidas (café) desde os idos de 1968, com alvará sanitário n.º 677/68, do Governo Civil de Coimbra;
-          o mesmo local tem licença municipal de utilização para comércio, desde, pelo menos, 1997;
-          o estabelecimento tem alvará de abertura n. 270/97, passado pelo dito Governo Civil, ao abrigo do art. 37º, DL 328/86, de 30/9, após consulta à Câmara Municipal de Coimbra, entre outras entidades;
-          a Câmara Municipal de Coimbra homologou o horário de funcionamento do estabelecimento e emitiu o competente documento.
O estabelecimento N, cumpria, assim, os requisitos de instalação e abertura exigidos pelo DL 328/86, segundo o entendimento que, daquele diploma, tinham as competentes entidades (Governo Civil e Câmara Municipal de Coimbra); não constituiu óbice a circunstância de a licença municipal de utilização ser genericamente para comércio, em vez de ter a específica destinação hoteleira ou similar, não interessando, por isso, discutir o acerto da indistinção.
Portanto, os autores adquiriram (através da compra da totalidade das quotas da sociedade proprietária) um estabelecimento devidamente licenciado, embora sujeito ao regime transitório definido no art. 49, DL 168/97, cujo prazo decorria, no momento da escritura de cessão de quotas.
Se, pois, o fundamento da anulação é o erro sobre a existência de licença de utilização e abertura do estabelecimento, haverá que concluir que não houve erro nenhum.
Ademais, e confirmando, de algum modo, o que fica dito, aí estão as decisões de indeferimento (cfr. fls.34 e 156), que, tal como dizem os recorrentes, não têm um conteúdo definitivo, mas são fundamentalmente de natureza interlocutória, visando a satisfação, por parte da sociedade requerente, dos novos requisitos legais ainda por cumprir.
·           Questão diferente será a de saber se a boa fé que deve nortear o comportamento pre-negocial das partes, exigiria dos réus a informação de que estava em curso o procedimento de legalização de acordo com o novo regime instituído pelo DL 168/97, e não somente a provocada, tardia e parcelar informação dada aos autores em Setembro de 1998, já depois de realizada a escritura.
Mas, sem esquecer que o ónus de conhecimento da lei (art. 6, CC) também caía sobre os autores (isto para significar que não lhes aproveitava o desconhecimento da vigência do mencionado regime transitório), abordar tal questão equivaleria a alargar, indevidamente, o âmbito da causa, a uma ilícita (art. 264, n. 1, CPC (2)) convolação da causa de pedir.
III.5.5. O estabelecimento dos autos não tinha qualquer licença ou alvará que permitisse a laboração do estabelecimento, como vem provado e não se alterou. Acontece que o contrato de trespasse dos autos é de Novembro de 2009 e nessa data regia já o DL 234/07 de 19/06, que entrou em vigor um mês depois da sua publicação. Como resulta do dos art.ºs 26 e 27 desse diploma o DL 168/97 foi revogado, sem qualquer ressalva, designadamente quanto ao seu art.º 14/2. Do preâmbulo do diploma consta:
O Decreto-Lei n.o 168/97, de 4 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 139/99, de 24 de Abril, 222/2000, de 9 de Setembro, e 57/2002, de 11 de Março, diploma que contém o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, estabelece que a abertura dos mesmos só pode ocorrer após a emissão de um alvará de licença ou autorização de utilização para restauração ou bebidas.
Tal acto administrativo é precedido de vistoria obrigatória para o efeito, a qual só pode ser requerida após a conclusão da obra e de o estabelecimento estar em condições de iniciar o seu funcionamento.
Esta circunstância, associada ao facto de nem sempre serem cumpridos os prazos legais para a realização da vistoria e emissão do alvará, tem conduzido à abertura ao público de estabelecimentos de restauração ou de bebidas em situações irregulares, com evidentes prejuízos para consumidores, Estado e promotores. Estes últimos, tendo o estabelecimento em condições de laboração, ficam impossibilitados de iniciar a exploração dos mesmos por causas que não lhes são imputáveis ou assumem o risco de iniciar actividade em situação irregular, sujeitando-se às consequências legais.
Com a presente iniciativa legislativa, em cumprimento das orientações fixadas no Programa do Governo no sentido de serem agilizados os procedimentos de licenciamento dos estabelecimentos do sector do turismo, pretende-se ultrapassar situações como as acima descritas, possibilitando a abertura regular dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas uma vez concluída a obra ou, na ausência desta, sempre que o estabelecimento se encontre equipado e apto a entrar em funcionamento.
Para tanto, há que prever a possibilidade de, em certas circunstâncias, a abertura do estabelecimento poder ser efectuada independentemente de realização da vistoria e da emissão de título que legitime a utilização do imóvel.
Com efeito, a vistoria para utilização limita-se a verificar a conformidade da execução da obra com o projecto aprovado, bem como a idoneidade da edificação para o fim a que se destina e a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.
De resto, nos termos do n.o 1 do artigo 64.o do Decreto-Lei n.o 555/99, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.o 177/2001, de 4 de Junho (regime jurídico da urbanização e da edificação), a concessão de licença ou autorização de utilização de edifícios e suas fracções não depende, em regra, de prévia vistoria municipal.
Assim, nos casos em que os prazos previstos para a realização da vistoria ou para a emissão do alvará de licença ou autorização de utilização para estabelecimento de restauração ou de bebidas não sejam cumpridos pelas entidades competentes, admite-se a possibilidade de abertura ao público do estabelecimento mediante a responsabilização do promotor, do director técnico da obra, dos autores dos projectos de especialidades e do autor do projecto de segurança contra incêndios, atestando que a edificação respeita o projecto aprovado, bem como as normas legais e regulamentares aplicáveis, tendo em conta o uso a que se destina, assegurando-se, deste modo, a salvaguarda do interesse público.
Ao mesmo tempo, acompanha-se a tendência para a responsabilização das empresas no que se refere à qualidade e segurança de instalações e funcionamento dos estabelecimentos, bem como dos produtos alimentares comercializados, conforme estabelecido em legislação comunitária, nomeadamente pelo Regulamento (CE) n.o 178/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e dos Regulamentos (CE) n.os 852/2004 e 853/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativos à segurança e higiene dos géneros alimentícios.
Aproveita-se a presente iniciativa para, através da declaração prévia introduzida no processo, operacionalizar também o registo obrigatório dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, o qual será promovido pela Direcção-Geral das Actividades Económicas.  (…)
III.5.6. O DL 234/07, resulta da mens legis expressa no preâmbulo, não aboliu a necessidade de licenciamento, das vistorias camarárias prévias à emissão do alvará ou licença nem tão-pouco aboliu a necessidade daquele processo de licenciamento público dos estabelecimentos de restauração e bebidas e dos art.ºs 3, 10, 11 e 12 conjugados com o art.º 77/5 do RJUE resulta exactamente o contrário que se mantém a obrigação do licenciamento desse tipo de estabelecimentos. O que o legislador diz é que os promotores desses estabelecimentos esperam tempo excessivo (tendo em conta os prazos da lei) quer pela vistoria quer pela licença final que oportunamente requereram no âmbito do licenciamento do estabelecimento o que, na prática, leva a que esses promotores abram esses estabelecimentos sem a devida vistoria e licença com evidente prejuízo para o público em cujo interesse último radica a emissão do alvará de funcionamento. Ciente desta realidade, o que faz o legislador? Autoriza que o promotor abra ao público o estabelecimento de restauração e bebidas sem estar devidamente licenciado, desde que o promotor e os técnicos responsáveis declarem certificadamente (declaração prévia) que o estabelecimento que assim abre as portas ao público não só obedece ao projecto aprovado como obedece às normas técnicas e regulamentares inerentes ao licenciamento deixando para a fiscalização posterior e sancionamento subsequente das irregularidades que possam existir, a protecção do interesse público. Nada no preâmbulo se refere aos negócios jurídicos de transmissão ou contratos-promessa de transmissão de estabelecimentos de restauração e de bebidas, designadamente à necessidade ou desnecessidade de fazer constar que a abertura do estabelecimento ao público resulta do deferimento tácito do pedido de emissão de alvará de licenciamento do estabelecimento, tal como resultava do art.º 14/2 do DL 168/97 na redacção que lhe foi dada pelo DL 57/2002. Das disposições legais temos, contudo, o art.º 12/2 que expressamente estatui que as transacções comerciais relativas ao estabelecimento comercial de restauração e de bebidas não podem ser prejudicadas pela inexistência da referida licença ou alvará de funcionamento e ou abertura. Se essas transacções não podem ser prejudicadas pela inexistência dessa licença é porque deixou de ser condição de validade dos negócios de transmissão do estabelecimento comercial, designadamente do trespasse do seu estabelecimento. Nenhuma ressalva ocorre, designadamente, quanto à possibilidade de uma eventual invalidade do negócio de trespasse apenas poder ser arguida apenas pelo trespassário e já não pelo trespassante ou Tribunal, nulidade imprópria. É seguinte o teor dos preceitos.
Artigo 10.o
Licença ou autorização de utilização
1—Concluída a obra e equipado o estabelecimento em condições de iniciar o seu funcionamento, o interessado requer a concessão da licença ou da autorização para estabelecimento de restauração ou de bebidas, nos termos do RJUE.
2—O alvará de licença ou de autorização de utilização para estabelecimento de restauração ou de bebidas deve conter os elementos referidos no n.o 5 do artigo 77.o do RJUE.
3—Decorridos os prazos de 30 dias para concessão da licença ou de 20 dias para autorização de utilização, previstos respectivamente na alínea d) do n.o 1 do artigo 23.o ou na alínea b) do n.o 1 do artigo 30.o do RJUE, sem que tenha sido concedida, o interessado pode comunicar à câmara municipal a sua decisão de abrir ao público.
4—Para o efeito, deve remeter à câmara municipal competente, com cópia à DGAE ou em quem esta expressamente delegar, a declaração prévia prevista no n.o 1 do artigo 11.o do presente decreto-lei, acompanhada dos seguintes elementos adicionais:
a) Termo de responsabilidade do director técnico de obra previsto no artigo 63.o do RJUE, caso ainda não tenha sido entregue com o pedido a que se refere o n.o 1 do artigo 10.o deste diploma;
b) Termo de responsabilidade subscrito pelo autor do projecto de segurança contra incêndios declarando que a obra foi executada de acordo com o projecto aprovado e, se for caso disso, que as alterações efectuadas estão em conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em matéria de segurança contra riscos de incêndio, caso não tenha sido entregue com o pedido a que se refere o n.o 1 do artigo 10.o deste diploma;
c) Termo de responsabilidade subscrito pelos autores dos projectos de especialidades, nomeadamente, relativos a instalações eléctricas, acústicas, acessibilidades do edifício, quando obrigatórios e ainda não entregues;
d) Auto de vistoria de teor favorável à abertura do estabelecimento elaborado pelas entidades que tenham realizado a vistoria prevista nos artigos 62.o e 64.o do RJUE, quando tenha ocorrido;
e) No caso de a vistoria ter imposto condicionantes, termo de responsabilidade assinado pelo responsável da direcção técnica da obra assegurando que as mesmas foram respeitadas.
5—Caso se venha a verificar grave ou significativa desconformidade do estabelecimento em funcionamento com o projecto aprovado, os subscritores dos termos de responsabilidade mencionados no n.o 2 do presente artigo respondem solidariamente com a entidade exploradora do estabelecimento, nos termos estabelecidos nos artigos 98.o a 101.o do RJUE.
Artigo 11.o
Declaração prévia
1—Existindo licença de utilização ou autorização para estabelecimento de restauração ou de bebidas, o titular da exploração dos estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei deve, antes do início da actividade, apresentar uma declaração na Câmara Municipal competente, com cópia à DGAE ou em quem esta expressamente delegar, na qual se responsabiliza que o estabelecimento cumpre todos os requisitos adequados ao exercício da respectiva actividade.
2—A declaração a que se refere o número anterior é efectuada através de modelo próprio, a aprovar por portaria dos membros do Governo com a tutela do turismo e das autarquias locais e disponibilizado, electronicamente ou em papel, pelas câmaras municipais e pela DGAE ou em quem esta expressamente delegar.
Artigo 12.o
Título de abertura
1—Constitui título válido de abertura do estabelecimento a posse, pelo respectivo explorador, de comprovativo de ter efectuado a declaração prévia prevista no artigo 10.o ou no artigo 11.o do presente decreto- lei-
2—Os documentos referidos no número anterior constituem título bastante e suficiente para efeitos de identificação do estabelecimento, legitimidade de funcionamento, respectiva transmissão e registo, não podendo o funcionamento do mesmo, bem como as transacções comerciais e imobiliárias a ele respeitantes ser prejudicados pela inexistência de um título formal emitido pela Câmara Municipal.
3—Aos contratos de arrendamento relativos a imóveis ou suas fracções, onde se pretenda instalar estabelecimento de restauração ou de bebidas, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto- -Lei n.o 160/2006, de 8 de Agosto.
(…)
III.5.7. Sendo verdade que a falta de licença ou título formal de autorização emitido pela Câmara deixou de ser condição de validade dos negócios de transmissão dos estabelecimentos comerciais, não é menos verdade que o legislador estabeleceu que o comprovativo por parte do explorador de que efectuou a declaração prévia prevista no art.º 10 ou no art.º 11 do diploma é “título bastante e suficiente para a...transmissão do estabelecimento…”; se tal declaração prévia constitui título bastante e suficiente para a transmissão do estabelecimento é porque a transmissão do estabelecimento deve ser acompanhada dessa declaração prévia legal. E quem é que estava obrigado a apresentá-la nos serviços camarários, o trespassante, anterior explorador do estabelecimento ou a entidade trespassária, agora Autora? Aquele diploma entrou em vigor um mês depois da sua publicação, ou seja em 19/7/2007 e se o negócio dos autos data de 1/11/2009, ou seja, mais de dois anos depois, então é manifesto que a obrigação da declaração prévia recaía sobre os trespassantes, anteriores exploradores do estabelecimento comercial dos autos. Embora o legislador o não tenha referido, ou seja, muito embora o legislador não tenha cominado com a nulidade o negócio de trespasse a que falte o comprovativo dessa declaração prévia, porque essa declaração é “título bastante e suficiente” para a transmissão do estabelecimento comercial é apodítico que um contrato de trespasse a que falte esse título é um contrato contrário à lei que exige essa declaração como condição de abertura do próprio estabelecimento e se é contrário à lei o contrato é nulo, nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos e por força do disposto nas disposições dos art.ºs 280, 286, 289, 294 do CCiv.


IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida quanto ao seu dispositivo ou decisão, ainda que com diferente fundamentação, a qual decorre de III.
Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade dos Réus/Recorrentes que decaem e porque decaem (art.º 446, n.sº 1 e 2)

Lisboa, 17 de Outubro de 2013

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de a p.i. ter dado entrada e sido distribuída ao 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Oeiras em 27/10/2010 e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; os art.ºs 5/1 e 8 da Lei 41/2013 de 26/7 estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente a todas as acções declarativas pendentes, por isso, aparentemente, a esta acção e recurso, mas logo nos n.ºs 2 a 6 constam várias excepções, nenhuma delas se referindo a matéria de recursos; em matéria de recursos o art.º 7/1 da Lei 41/2013 de 26/7 apenas contém uma disposição transitória referente a recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor, em acções instauradas antes de 1/1/08, mandando aplicar o DL 303/07 de 24/08 que o art.º 4 dessa Lei não revogou, e que se encontrava em vigor aquando do despacho do Relator que recebeu o recurso; ora nenhuma razão ocorre para, neste momento que entrou em vigor a redacção da Lei 41/2013 se aplique a este recurso a nova redacção da matéria de recursos, pois de contrário teríamos nesta instância dois regimes processuais aplicáveis ao recurso que agora apreciamos, conclusão absurda que, decerto, o legislador não queria; ao Código referido, na redacção dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, Almedina, págs. 204/205.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, 2008, pág. 229.
[4] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs.