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LEGITIMIDADE PASSIVA
ACÇÃO EXECUTIVA
LIQUIDEZ
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
HIPOTECA
PROPRIETÁRIO
Sumário
1. A circunstância de a ora oponente não ter sido condenada no acórdão dado à execução – nem ter sido demandada ou sequer intervindo na acção em cujo âmbito o acórdão foi proferido – não implica necessariamente a rejeição da execução quanto a ela por falta de legitimidade passiva. 2. Na verdade, a legitimidade passiva traduz-se na possibilidade de assumir a posição de executada de acordo com o estatuído em qualquer dos artigos 55º a 59º do Cód. Proc. Civ., que apelam a critérios diferentes dos que norteiam a legitimidade em sede de acção declarativa. 3. Quando conste da sentença que a liquidação dos juros vencidos depende de simples cálculo aritmético (que a exequente procedeu no requerimento executivo) e a liquidação dos juros vincendos é feita a final isso não obsta à exigência de liquidez da obrigação nos temros e para os efeitos do artº 802 CPC.. 4. Também não há que falar em inexigibilidade da obrigação por a ora apelante não ter sido interpelada para cumprir, dado que não detém a qualidade de devedora, mas apenas de proprietária do imóvel que garante o cumprimento da obrigação da 1ª executada. 5. Como se tem dito, o terceiro proprietário da coisa hipotecada, quer seja terceiro adquirente quer seja terceiro dador, não sendo pessoalmente obrigado pelo débito «torna-se responsável em razão da coisa e dentro dos limites do seu valor e da importância inscrita, pelas dívidas contraídas pelo seu autor e garantidas hipotecariamente.
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Banco D. (Portugal), S.A. instaurou contra RM, S.A. e Imobiliária F, S.A. execução para pagamento de quantia certa. Deu à execução o acórdão que condenou a 1ª executada a pagar o montante global de 4.627.234,05€, acrescido de juros, por incumprimento de um contrato de locação financeira entre ambas celebrado, incumprimento esse que havia sido garantido por hipoteca constituída pela 1ª executada sobre dado prédio urbano.
A 2ª executada deduziu oposição à execução, invocando, em síntese, que: nunca foi citada nem interveio na acção declarativa em que o acórdão condenatório foi proferido; tal acção não foi, aliás, contra si proposta, pelo que não se pronunciou sobre qualquer crédito que a exequente pudesse ter sobre a oponente; a oponente, dona do imóvel alegadamente dado em garantia, nunca conferiu poderes para tal à 1ª executada; a oponente nunca foi judicial ou extrajudicialmente interpelada para proceder ao pagamento de qualquer quantia à exequente. Deste modo, a oponente concluiu não ter legitimidade passiva, não existir contra si título executivo e não se encontrar em mora perante a exequente.
A 1ª instância julgou a 2ª executada parte legítima e, indeferiu liminarmente a oposição por manifesta improcedência.
A oponente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A exequente apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
(…)
*
I - A primeira questão a decidir é a de saber se a circunstância de a ora oponente não ter sido condenada no acórdão dado à execução – nem ter sido demandada ou sequer intervindo na acção em cujo âmbito o acórdão foi proferido – implica a rejeição da execução quanto à ora oponente, quer por falta de legitimidade passiva, quer por falta de título executivo.
A este respeito, disse a 1ª instância:
“(…)
O único fundamento de oposição à execução alegado pela executada prende-se com a circunstância de a decisão condenatória dada à execução condenar apenas a primeira executada a pagar determinados montantes, concluindo pela sua ilegitimidade, e ainda pela falta de título executivo em relação a si.
Com efeito, a executada, ora opoente, veio invocar a sua ilegitimidade passiva.
A ilegitimidade constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso conducente à absolvição da parte, da instância (artº 288º, nº 1, al. d), 493º, nº 1 e 2 e 494º, nº1, al.e) do CPC).
O executado é dotado de legitimidade quando figure no título na posição de devedor (artº 55º do CPC).
Trata-se de um critério formal. “Não se diz no preceito em causa que são partes legítimas, como exequente e executado, o credor e o devedor, respectivamente, mas aqueles que no título figurem nessas qualidades.” (cf. F.A.Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12ª ed., Almedina, p.75).
No Acórdão ora dado à execução, figura apenas a 1ª executada como condenada a pagar determinados montantes relativos a um contrato de locação financeira imobiliária que tinha celebrado com a exequente, montantes esses correspondentes à quantia exequenda.
Esta regra geral de legitimidade processual nas execuções tem, no entanto, desvios previstos logo no artº 56º do CPC.
Designadamente no artº 56º, nº 2 do CPC, está previsto que: “A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.”
Resulta, pois, do título executivo e documentos supra dados como reproduzidos, que a execução foi intentada contra a ora opoente, em virtude de a mesma ser a proprietária do prédio onerado com a hipoteca a favor do exequente, embora não seja a devedora da quantia exequenda, ao abrigo do citado artº 56º, nº 2 do CPC.
De facto, decorre da escritura de constituição da hipoteca supra dada por reproduzida, que para garantia do pagamento de quaisquer montantes/responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de locação financeira, celebrado entre a exequente e a 1ª executada, incluindo indemnizações em caso de resolução do contrato, a 2ª executada, ora opoente, declarou constituir uma hipoteca sobre um imóvel de que era proprietária.
No próprio contrato de locação financeira, reproduzido na sentença ora dada à execução, consta prevista a constituição de tal hipoteca por parte da ora opoente.
Tal hipoteca foi devidamente registada, produzindo assim plenos efeitos quer entre as partes, quer em relação a terceiros (artº 687º do CC, artº 4º, nº 2 e 5º, nº 1 do Cód.Reg.Pred.).
E a quantia exequenda corresponde precisamente às obrigações decorrentes do contrato de locação financeira celebrado entre a exequente a 1ª executada, a saber rendas em atraso e indemnizações decorrentes da resolução do mesmo, que aquela foi condenada a pagar, obrigações essas garantidas pela hipoteca constituída sobre o bem imóvel da ora opoente.
Encontra-se pois assegurada a legitimidade passiva da 2ª executada, falecendo desde já toda a linha argumentativa da oposição que se reconduz sempre à circunstância de a 2ª executada, ora opoente, não constar da decisão judicial condenatória ora dada à execução.
(…).”.
Concordamos inteiramente com a argumentação da 1ª instância.
Como refere Maria Isabel Menéres Campos (Da Hipoteca Caracterização, constituição e Efeitos, Almedina, Coimbra, 2003:199):
“Na execução de hipoteca, os documentos a apresentar com o requerimento inicial são o documento comprovativo da existência da obrigação – e que serviu de base ao registo da hipoteca – e a certidão do registo predial donde conste a inscrição hipotecária.
Se se tratar de um hipoteca voluntária, tais documentos são a escritura pública de constituição de hipoteca ou o testamento, no caso de estarem em causa imóveis, (…) e, cumulativamente, a certidão do registo predial ou documento certificativo de onde conste a inscrição da hipoteca. Por outro lado, é necessário juntar os documentos comprovativos da existência da obrigação, (…).”.
No caso concreto, a exequente acompanhou o requerimento inicial de todos os referidos documentos, pelo que não há que falar em falta ou insuficiência de título executivo.
Importa, ainda, acrescentar algumas ideias, dado o equívoco em que parece incorrer a apelante.
Vejamos, pois.
Instaurada contra a ora apelante uma execução é indispensável que lhe assista legitimidade passiva, ou seja, a possibilidade de assumir a posição de executada de acordo com qualquer um dos preceitos que rege na matéria (artigos 55º a 59º do Cód. Proc. Civ., que apelam a critérios diferentes dos que norteiam a legitimidade em sede de acção declarativa). Na situação em apreço, já vimos que a ora apelante podia ser demandada em sede executiva, ao abrigo do nº 2 do artigo 56º do Cód. Proc. Civ..
Demandada que efectivamente foi, é inequívoco que lhe assistia – como assistiu - legitimidade para deduzir oposição à execução (artigo 813º nº 1 do Cód. Proc. Civ.), independentemente dos fundamentos de que se socorresse.
Já os fundamentos invocados – que podem respeitar à forma ou ao mérito - relevam para aferir da procedência/improcedência da oposição.
No caso concreto, a ora apelante invocou falecer-lhe legitimidade passiva na execução e não dispor a exequente, contra si, de título executivo. Fundamentos que, como vimos, não procedem.
E – como subjaz às conclusões 11ª e 12ª das alegações da apelante (que secundam a posição de Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, Coimbra, 11ª edição:81/82) - poderia, também, ter-se defendido nos termos do disposto no artigo 698º do Cód. Civ. quanto à relação jurídica que opôs a exequente à 1ª executada no âmbito da acção declarativa que entre ambas correu termos, posto que o acórdão nessa acção proferido não constitui caso julgado relativamente à ora apelante (artigos 635º nº 1 e 717º nº 2 do Cód. Civ.). O que, porém, não fez, não podendo, agora, a apelante pretender que a oposição prossiga para tratar de fundamentos não alegados ou de fundamentos que foram considerados improcedentes.
II - A segunda questão a resolver é a de saber se a obrigação exequenda goza das indispensáveis características de certeza, liquidez e exigibilidade (artigo 802º do Cód. Proc. Civ.).
Em face do teor do acórdão referido no ponto 1. da matéria de facto, parece-nos evidente que nem foi formulado um pedido genérico (apenas determinado quanto ao género e quantidade), nem proferida uma condenação no que viesse a ser liquidado.
A liquidação dos juros vencidos dependia de simples cálculo aritmético – a que a exequente procedeu no requerimento executivo – e a liquidação dos juros vincendos é feita a final (artigo 805º do Cód. Proc. Civ.).
Também não há que falar em inexigibilidade da obrigação por a ora apelante não ter sido interpelada para cumprir, dado que não detém a qualidade de devedora, mas apenas de proprietária do imóvel que garante o cumprimento da obrigação da 1ª executada.
Com efeito, “o terceiro proprietário da coisa hipotecada, quer seja terceiro adquirente quer seja terceiro dador, não sendo pessoalmente obrigado pelo débito «torna-se responsável em razão da coisa e dentro dos limites do seu valor e da importância inscrita, pelas dívidas contraídas pelo seu autor e garantidas hipotecariamente, responsabilidade que não é nem se torna nunca pessoal, mas que o obriga a sofrer a execução forçada dos credores inscritos, perdendo, do produto da venda o que é absorvido pelos credores hipotecários” (Maria Isabel Menéres Campos, obra citada:40).
Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantemos a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 22 de Outubro de 2013
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos
João Ramos de Sousa