ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Sumário

O comando vertido no art. 98º H nº1 do Código de Processo do Trabalho é constitucional.
(Elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

AA, residente na Rua (…), Frielas, instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra BB,Lda, pedindo seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento de que foi alvo, apresentando o formulário a que se reportam os arts. 98º-C e 98º-D do CPT.

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Designada data para a realização da audiência de partes - o dia 04-06-2013 - o Autor faltou.

Foi ordenado que a Secção diligenciasse por contacto telefónico com o Autor, o que foi feito, tendo o mesmo dito que se encontrava em casa pois não tinha recebido a notificação para comparecer em Tribunal.

A Mma Juíza proferiu despacho no sentido de ser confirmada a notificação.

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Os CTT informaram que o registo para notificação do Autor fora entregue ao próprio no dia 09-05-2013.

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Entretanto, o Autor veio declarar que não pode comparecer porque esteve numa entrevista de trabalho.

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A Mma Juíza julgou injustificada a falta do Autor à audiência de partes e proferiu sentença nos seguintes termos

“Uma vez que o autor, apesar de ter sido pessoalmente notificado para comparecer à audiência de partes, não este presente na mesma e a falta foi considerada injustificada, nos termos do disposto no art. 98º H nº1 do CPT, decide este Tribunal absolver a ré do pedido.

Sem custas, por não serem devidas nesta fase.

Registe e notifique.”

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Inconformado, o Autor, com o patrocínio do Ministério Público, interpôs recurso, concluindo que(…)

Os autos foram os vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos

Cumpre apreciar e decidir

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II – Objecto do Recurso

Nos termos do disposto nos art 684º nº 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As conclusões, como afirmou Alberto dos Reis, “devem emergir logicamente do arrazoado feito das alegações. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (sic Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, vol. V, 1984, pág 359).

Tal significa que não pode conhecer-se de questões constantes das conclusões que não tenham sido explanadas nas alegações (motivações) e vice-versa, não pode conhecer-se de questões que, embora abordadas nas alegações, não constem das conclusões.

Atendendo às conclusões apresentadas, a questão a que cumpre dar resposta no presente recurso é a seguinte: se o comando do art. 98º H nº1 do CPT é inconstitucional por violação dos art. 18º, 13º, 58º e 59º e 2º da CRP e, a considerar-se inconstitucional, se a Mma Juíza a quo o deveria ter aplicado no caso sub judice.


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III – Fundamentação de Facto

Os factos relevantes para a questão que nos ocupa são os que constam do antecedente Relatório.

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IV – Fundamentação Jurídica

Pretende o Autor, aqui representado pelo Ministério Público, que o art. 98º H nº1 do CPT, ao consagrar a cominação aí contida, é inconstitucional por violação do disposto nos art. 18º, 13º, 58º e 59º e 2º da CRP.

O art. 98º H do CPT, sob a epígrafe “Efeitos da não comparência do trabalhador ou de ambas as partes” determina, no seu nº1 que, “Se o trabalhador não comparecer na audiência de partes, nem se fizer representar nos termos do nº2 do artigo 98º - F, nem justificar a sua falta nos 10 dias subsequentes, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado, o juiz determina a absolvição do pedido.” (sic)

Esta norma foi introduzida pelo Dec. Lei 295/2009 de 13 de Outubro, que reviu o processo laboral, consagrou diversas inovações no processo laboral, nomeadamente criando novos processos especiais, entre os quais figura o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulado nos arts. 98º-B a 98º-P.

Esta revisão do Código de Processo de Trabalho, operada pelo referido Dec.Lei, pretendeu levar a efeito “um conjunto de alterações na disciplina processual do direito do trabalho, justificado pela necessidade de adequação às novas realidades jurídico -laborais introduzidas com a revisão do Código do Trabalho (CT), operada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro …” (sic Preâmbulo do referido Dec. Lei)

Neste contexto, foi criada a nova acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. “… [C]ria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do art. 387.º do CT …”.

Como se afirma no Ac do STJ de 10-07-2013 – Proc 885/10.2TTBCL.P1.S1, “Com esta acção declarativa de condenação com processo especial para a impugnação da regularidade e licitude do despedimento visou-se agilizar e imprimir celeridade à apreciação judicial do despedimento, tendo em mente, sobretudo, os elevados encargos em retribuições intercalares a pagar aos trabalhadores por força da morosidade dos processos. O novo Código de Processo de Trabalho, para obviar às avultadas somas a pagar pelas empresas, em virtude de atrasos processuais, decidiu que passa a ser o Estado a proceder ao pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário (art. 98.º-N, n.º 1 do CPT), recaindo, agora, sobre o Estado, o risco da excessiva demora na conclusão da acção judicial.” (sic)

Na prossecução desse desiderato de maior celeridade, a lei prevê que o inicio do processo, “no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação”, ocorra “com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta oposição do trabalhador de oposição ao despedimento…” (sic art. 98º C do CPT)

Desse requerimento, que consta de um formulário electrónico, apenas é obrigatório constar a identificação do empregador, a data e a assinatura, sendo entregue juntamente com a decisão de despedimento, a qual tem de constar de um documento escrito pelo empregador. São estas as únicas exigências, que resultam do disposto no art. 98º E do CPT.

Nesta fase inicial, e ao contrário do que se passa no processo comum, o trabalhador é dispensado de fundamentar a sua posição - indicando, ainda que de forma genérica, qualquer razão para a oposição ao despedimento - ou de apresentar qualquer tipo de prova. É ao empregador que incumbe o ónus de alegar e provar os factos subjacentes ao despedimento e a defesa da sua validade, apresentando o articulado motivador do despedimento a que se refere o art. 98.º- J, e que constitui verdadeiramente o primeiro articulado.

Cabe ao trabalhador subsequentemente contestar, e, querendo, reclamar todos os créditos que tenha a haver por virtude do contrato de trabalho.

Ocorre como que uma inversão dos articulados, já que a entidade empregadora assume processualmente uma posição muito semelhante à de um autor, na medida em que lhe compete apresentar junto do tribunal um articulado que motive o despedimento, para o que oferecerá todas as provas, sendo depois o trabalhador notificado para responder, querendo, no prazo de 15 dias, como resulta do disposto no art. 98.º-L nº 1 do CPT.

No articulado inicial, o empregador só pode invocar factos e fundamentos que constem da decisão de despedimento, que é aquela que o trabalhador juntou com o formulário electrónico.

Ademais, o Dec. Lei 480/99 de 09 de Novembro, que aprovou o Código de Processo do Trabalho, introduziu uma importante alteração na disciplina processual laboral, que foi a introdução de uma “audiência de partes logo após a apresentação da p.i. e antes da contestação, tendente a permitir uma mais fácil conciliação mediante acordo equitativo, visto o litigio ainda não se ter verdadeiramente sedimentado nem radicalizado e, desse modo, ser previsível uma maior disponibilidade das partes para o consenso, tanto mais que tudo se desenrolará já na presença mediadora do Juiz.

Não se pense, contudo, que se trata de qualquer recuperação de experiências antigas, de resultados nefastos, designadamente da tentativa prejudicial de conciliação, ou que essa audiência tem como único objectivo a tentativa de conciliação das partes. Ao invés, ela visa também contribuir para a simplificação da tramitação e para a rápida definição do verdadeiro objecto do processo, funcionando como primeira e decisiva fase de saneamento e como factor de diminuição da trama burocrática inerente a qualquer processo, permitindo, na maioria dos casos, estabelecer praticamente ab initio o agendamento de todos os posteriores actos processuais, com conhecimento imediato de todos os intervenientes, assim se evitando a necessidade de múltiplos despachos de simples expediente do juiz e minorando a intervenção da secretaria. Só assim não acontecerá, em princípio, nos casos residuais em que, em função da complexidade da causa, o juiz venha a decidir pela efectivação de uma audiência preliminar, a realizar em termos e com objectivos idênticos aos previstos na lei processual civil.” (sic Preâmbulo desse diploma legal)

Aqui chegados, vejamos se a cominação prevista no nº1 do art. 98º -H do CPT fere alguma das normas constitucionais referidas nas alegações de recurso.

Parafraseando João Leal Amado, “É inegável que o nosso Direito do Trabalho se encontra fortemente constitucionalizado, na justa medida em que existe um conjunto de normas e princípios constitucionais estruturantes do trabalho assalariado, o chamado bloco constitucional do trabalho, que funciona como quadro ordenador de um determinado modelo de relações laborais.” (sic Contrato de Trabalho, 3º edição/reimpressão, pág. 37).

Comecemos pelo princípio da protecção da confiança.

Afirma o Autor que as partes são convocadas para uma audiência (a de partes) cuja finalidade é apenas a de tentar a sua conciliação, e estão confiantes em que, caso não haja conciliação, ou faltem injustificadamente, o processo prossiga para tramitação posterior.

Acrescenta que a norma em causa impede que possa fazer-se justiça material, na medida em que cerceia a possibilidade de o processo prosseguir por uma questão formal, o que colide com o princípio da protecção da confiança.

O art. 2º da CRP, sob a epígrafe “Estado de direito democrático” dispõe que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” (sic)

J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira esclarecem que, “O conceito de democracia económica, social e cultural é a fórmula constitucional para aquilo que em vários países se designa por “Estado social” e que se traduz essencialmente na responsabilidade pública pela promoção do desenvolvimento económico, social e cultural, na protecção dos direitos dos trabalhadores, na satisfação de níveis básicos de prestações sociais para todos, e na correcção das desigualdades sociais.



Na qualidade de princípio conformador de políticas económicas, sociais e culturais, o princípio da democracia económica, social e cultural prende-se com o processo permanente de eliminação ou compensação das desigualdades e injustiças sociais, impondo-se jurídico-constitucionalmente …. como princípio de protecção da confiança em relação a certos níveis de realização dos direitos sociais” (sic CRP anotada, 4º edição, pág. 210 e 211)

Trata-se, ainda nas palavras dos mesmos Autores, de um princípio de “natureza interpretativa e integradora” que “congloba, conjuga e dá sentido unitário a um vasto conjunto de princípios e preceitos constitucionais” que o revelam ou concretizam – cfr. ob citada, pág. 211.

Fazendo reflectir este principio particularmente ao nível processual laboral, não se vislumbra que a norma plasmada no art. 98º H nº1 do CPT colida com qualquer garantia dos trabalhadores, maxime, com a garantia de verem discutidos os seus direitos emanados de uma relação contratual dependente.

De facto, e ao contrário do que pressupõe a posição assumida pelo Autor, não é legítimo ao trabalhador ter confiança de que lhe basta o recurso ao tribunal para que, em quaisquer circunstâncias, possa ver discutido o direito a que se arroga. O Estado de Direito é também aquele onde confluem regras que estabelecem o equilíbrio entre a certeza e a segurança. Daí que o direito processual, enquanto direito instrumental, regulamenta os meios através dos quais se determina a “procedência da pretensão deduzida pelo autor e se realiza coactivamente a reintegração do direito subjectivo violado, a má condução do processo, seja por ignorância, seja por defeituosa aplicação dos seus preceitos, não pode deixar de ter reflexos negativos na decisão da causa.” (sic A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º edição, pág. 12 e 13)

As normas adjectivas tutelam o modo como se pode defender em juízo o direito substantivo, e visam alcançar a “justa resolução e efectivação da relação jurídica controvertida” (sic Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, vol. 1º, pág. 38), assumindo uma feição pública ao disciplinar a composição de interesses em litígio através de normas.

A audiência preliminar constitui um mecanismo criado pelo legislador para propiciar, numa fase embrionária do processo, a composição do litígio por via da conciliação, mas no espírito e na letra da norma está também o objectivo de possibilitar um primeiro saneamento do processo, o que, numa acção que se quer célere como a de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e tem natureza urgente, assume particular importância. De facto, esta audiência permite desde logo, através do diálogo com as partes, definir o objecto do processo (cfr. art. 98º I nº1), saneá-lo, ainda que parcialmente (cfr. art. 98º I nº3) e impor, numa fase inicial da lide, o agendamento do julgamento, após a notificação do empregador para apresentar o articulado motivador do despedimento.

Ora, ao faltar injustificadamente a este acto, que é o primeiro após a entrada do formulário electrónico, o trabalhador/autor está a demonstrar todo o seu desinteresse pelo prosseguimento da acção. Na verdade, tudo o que o autor fez até àquele momento foi apresentar aquele formulário, onde não lhe é exigido que apresente quaisquer factos ou qualquer prova. Trata-se de um mecanismo facilitado de oposição ao despedimento, em que o trabalhador informa conclusivamente, que aquele foi irregular ou ilícito. Ao ser chamado perante o juiz, o autor desinteressa-se da questão, por não comparecer, não se fazer representar, como a lei lhe permite, e/ou não justificar ou não apresentar uma justificação que permita concluir pela efectiva impossibilidade de comparência num acto que é do seu completo interesse.

A lei retira conclusões dessa postura, entendendo que não tem sentido manter o processo quando o próprio autor, com tantos mecanismos à sua disposição para demonstrar que continua interessado em prosseguir com a lide, não os usa. Opta-se por decretar a paz jurídica.

Cumpre também afirmar que não é correcto dizer que o trabalhador confia que, faltando injustificadamente à audiência de partes, o processo prossiga seus termos. E não é correcto porquanto na notificação que lhe é feita para comparência nessa audiência, é-lhe (como foi no presente caso) transmitida a informação sobre as consequências da falta de comparência. O processo desenvolve-se assim com inteira transparência, permitindo a cada uma das partes formular as suas opções, pelo que não se pode afirmar que existe uma qualquer violação da confiança. Na verdade, desde que o trabalhador manifeste a sua intenção de prosseguir com a lide, comparecendo à audiência de partes, o processo desenrolar-se-á de acordo com as normas que o regem até alcançar o desiderato final que é o da composição do litígio.

Argumenta também o autor com o princípio da proporcionalidade, referindo que a norma em causa viola tal princípio numa dimensão interna do regime – com respeito ao regime jurídico especial desta acção – e externa – com respeito ao regime comum das acções de impugnação do despedimento.

Nos termos do art. 18º nº2 da CRP, “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”

Este princípio significa, em traços gerais, que “os meios legais restritos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.

Ora, o fim prosseguido pela norma do art. 98º H nº1 do CPC é o de evitar que, tendo-se o autor desinteressado da lide, o réu tenha de apresentar o seu articulado de fundamentação do despedimento, e tenha o tribunal de praticar uma série de actos inúteis, nomeadamente de notificação de testemunhas para julgamento. Previne-se também que o autor possa ainda, em acção posterior, vir novamente requerer a discussão da legalidade do despedimento, quando a lei lhe proporcionou um meio tão célere e desburocratizado para fazer valer esse seu direito, e que não aproveitou. Ou seja, o legislador optou por colocar um ponto final na querela resultante da relação laboral.

Argumenta também o autor com a violação do princípio da igualdade, alegando existir um manifesto tratamento diferenciador entre as partes, sendo penalizado o trabalhador.

Nos termos da Constituição “1.Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções politicas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (sic art. 13º - Princípio da igualdade).

O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes da Constituição e tem que ver essencialmente com a igual posição em matéria de direitos e deveres. Mas a proibição de discriminações não implica uma exigência de igualdade absoluta e não proíbe diferenciações de tratamento, que podem ser legítimas, nomeadamente quando se baseiam numa distinção objectiva de tratamento.

Entendemos que, in casu, não ocorre qualquer violação deste principio, pois também a entidade patronal que não apresente o articulado que fundamenta o despedimento sofre consequências gravosas em termos equivalentes aos referidos no art. 98º H nº1, com a declaração judicial da ilicitude do despedimento do trabalhador (cfr. art. 98º J nº3). É certo que tal não acontece logo na audiência de partes, o que assenta a sua razão de ser no facto de o articulado de fundamentação do despedimento ser, em princípio, apresentado após a realização desta audiência, como resulta do disposto no art. 98º nº4 a) do CPT. Mas ainda no âmbito da audiência de partes, a falta injustificada do empregador gera as consequências referidas no art. 98º G, entre elas, o “empregador fica sujeito às sanções previstas no Código de Processo Civil para a litigância de má-fé” (sic), prosseguindo embora o processo os seus termos, como resulta das alíneas a) e b) do nº2 deste preceito legal, o que se justifica pelo facto de o trabalhador manter o interesse na prossecução do processo e, na ausência do empregador, não poder ser alcançado acordo nesta fase processual.

Daí a justificada diferença de regimes, que trata diferentemente aquilo que é diferente, compreendendo-se esta diferença em face da estrutura e objectivos do processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Entendemos pois que a norma não viola este princípio.

Analisemos finalmente a alegada violação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.

Este princípio considera que, em determinadas circunstâncias, vale a solução mais favorável ao trabalhador. Emanações desse princípio constam actualmente nos art. 4º e 476º do CT/2012 (Lei 69/2013 de 30-08). Trata-se de normas que pretendem resolver conflitos de normas, aplicando-se aquela que estabeleça um regime mais favorável ao trabalhador, não se podendo no entanto generalizar esta solução como um princípio geral de interpretação.

Como afirma Pedro Romano Martinez, o princípio do tratamento mais favorável tem de “ser entendido num contexto actual. Hoje, o direito do trabalho, autonomizado do direito civil, continua a privilegiar a protecção do trabalhador subordinado, mas com normas próprias. As normas de direito do trabalho foram elaboradas tendo em vista a protecção do trabalhador, e como elas constituem, em si, um sistema coerente, retomar a ideia tradicional do favor laboratoris é um contra-senso.



O favor laboratoris deve ser hoje entendido numa perspectiva histórica, sem uma aplicação prática; o direito do trabalho não foi estabelecido para defender os trabalhadores contra os empregadores, ele existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade.” (sic Direito do Trabalho, 5º edição, pág. 238 e 239)

Ou seja, o princípio do tratamento mais favorável deve ser entendido no sentido de que o legislador consagrou as soluções mais favoráveis ao trabalhador, ou, como afirma João Leal Amado “[O] Direito do Trabalho consiste num ordenamento de carácter protectivo e compensador da assimetria típica da relação laboral, desempenhando numa função tuitiva relativamente ao trabalhador assalariado.” (sic Contrato de Trabalho, 3º edição, pág. 43)

Na Constituição, a este propósito, faz-se referência expressa – art. 59º - a categorias de trabalhadores a quem se confere um tratamento diferenciador positivo, portanto mais favorável, atendendo à sua situação.

Relativamente à norma em causa – art. 98º H nº1 do CPT – e considerando a ratio da mesma e o contexto normativo em que está inserida e já supra explicado, afigura-se-nos que o legislador não consagrou um normativo violador do princípio do tratamento mais favorável tal como supra referido.

Em face do exposto, entendemos que a norma vertida no art. 98º H nº1 do Código de Processo do Trabalho não viola qualquer preceito ou princípio constitucional, pelo que bem andou a Mma Juíza a quo ao aplicar tal normativo legal.

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V – Decisão

Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto por Meier de Almeida Dias, mantendo integralmente a sentença recorrida.

                                                   ***

Custas a cargo do apelante, devendo ter-se em consideração o decidido quanto ao apoio judiciário.

Registe.

Notifique.

Lisboa, 23 de Outubro de 2013

Paula Santos

Seara Paixão

Ferreira Marques