CONTRATO DE FORNECIMENTO
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO
EFEITOS
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Sumário

1. O contrato de fornecimento de café celebrado entre a autora e o réu, traduz-se num contrato complexo de natureza comercial, que envolve elementos próprios do contrato promessa, do contrato de prestação de serviços, e, finalmente do contrato de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao réu comprador (artºs 2º, 13º e 463º nº 1 do Cód. Comercial, 410º nº 1, 874º, 1129º e 1154º do C. Civil).
2. A contrapartida entregue pela autora no início do contrato (15.000.000$00, acrescida de IVA) foi atribuída em função das aquisições a que o réu se obrigou, até perfazer 4000kgs, existindo uma manifesta conexão entre o valor atribuído e os consumos a verificar no futuro.
3. A resolução do contrato de fornecimento por incumprimento pelo réu daquela obrigação, implica a restituição do prestado – arts. 433º e 289º do C. Civil.
4. Assim, o réu tem de restituir à autora parte da contrapartida monetária entregue por esta no início do contrato, na parte proporcional à quantidade de café não adquirida.
5. Esse valor corresponde, de resto, ao prejuízo sofrido pela autora pelo interesse contratual negativo, pois que a mesma não teria desembolsado essa quantia se o contrato não tivesse sido celebrado.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. MR, LDA, propôs acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, contra LB, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de € 7.683,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial, em ... de 2000, a Autora e o Réu celebraram um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca D., tendo a Autora, como contrapartida da exclusividade e publicidade da marca D., entregue ao Réu a quantia de 7.481,97 Euros (1.500.000$00), acrescida de IVA à taxa em vigor, no total de 8.379,80 Euros (1.680.000$00), e o Réu se obrigado a, durante a vigência do contrato, adquirir para os seus estabelecimentos comerciais exclusivamente café marca D., Lote ..., nas quantidades mínimas mensais de 60 quilos, pelo prazo necessário ao consumo ininterrupto e exclusivo de 4000 quilos, com início no dia ... de 2000, não tendo o Réu cumprido tais consumos e deixado de comprar à Autora café D. no início do ano de 2006; que por esse facto a autora resolveu o contrato em apreço, o que fez através de carta registada com aviso de recepção enviada ao Réu em ... de 2009 e por este recebida em .../2009; que o Réu apenas comprou 396 kg de café, pelo que se verificou na sua esfera patrimonial um enriquecimento ilegítimo, correspondente ao investimento feito pela A. por cada quilo de café (i.e. € 1,87+IVA), que não veio a ser adquirido pelo Réu, investimento este que foi feito na expectativa do cumprimento integral do contrato, estando o Réu obrigado a indemnizar a Autora no montante total de 7.683,00 Euros, correspondentes à multiplicação de 3604 quilos de café não adquiridos por 1,87 Euros, acrescidos de IVA à taxa em vigor.
O Réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por impugnação arguiu a nulidade da cláusula contratual 11.ª prevista no contrato outorgado com fundamento na impossibilidade real e objectiva de comprar mensalmente à autora 60 quilos de café e, caso assim se não entenda, solicitou a redução equitativa da mencionada cláusula penal por consubstanciar um autêntico pacto leonino.
Por impugnação negou alguns dos factos articulados na p.i. e alegou que foi a sua máquina de café que avariou e a autora, contrariamente ao que lhe competia, não procedeu à sua reparação; e que foi a Autora quem deixou de fornecer café ao Réu após este lhe ter solicitado a reparação daquela máquina.
Requereu ainda a condenação da A. como litigante de má fé.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
A) Considero o contrato referido em 3) dos factos provados resolvido em .../2009;
B) Condeno o Réu LB no pagamento à Autora “MR, Lda” da quantia de € 6.732,00 (seis mil setecentos e trinta e dois euros), acrescida do IVA à taxa em vigor, e de juros moratórios, calculados desde ... de 2009, às taxas de 9,50%, de .../2009 até .../2009, 8% de .../2009 até .../2011, 8,25% de .../.2011 até .../2011 e 8% de .../2012 até ao presente, sem prejuízo de outras que sobrevenham para os juros comerciais até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado;
C) Condeno a Autora e o Réu, no pagamento das custas do processo e das custas de parte, na proporção do decaimento, as quais compreendem (art. 26.º, do Regulamento das Custas Processuais):
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela Autora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela Autora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da Autora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo 25.º;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.
D) Absolvo a Autora do pedido de condenação como litigante de má fé.
E) Condeno o Réu nas custas do incidente de litigância de má fé que fixo em 1,5UC”.
Inconformado, veio o réu interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1 - Foram incorrectamente julgados os pontos de facto – Da petição inicial – de 3, 4, 5, 6 e 8; - Da contestação – I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX, que referem o seguinte
“3. Em ... de 2000, a A. e o Réu acordaram entre si que este obrigava-se a consumir em exclusivo, nos estabelecimentos comerciais identificados em 2), os cafés da marca D. e a comprar, durante a vigência do acordo, café marca D., lote ... , nas quantidades mínimas mensais de 60 quilos, pelo prazo necessário ao consumo exclusivo e ininterrupto de 4.000 quilos, com início em ... de 2000.
4. A Autora e o Réu acordaram como contrapartida da exclusividade da marca D., a Autora entregaria ao Réu, como entregou, a quantia de 7.481,97 Euros (1.500.000$00), acrescida de IVA à taxa em vigor, no total de 8.379,80 Euros (1.680.000$00).
5. Da quantia referida em 6), o Réu emitiu a correspondente factura / recibo nº 433 datada de ... de 2000, no total de 8.379,80 Euros (1.680.000$00).
6. O Réu não comprou as quantidades mínimas mensais de café a que se tinha obrigado, tendo deixado de comprar café D. a partir de Fevereiro do ano de 2006.
8. Ao abrigo do acordo referido em 3), a Autora fez um investimento de 7.481,97 Euros, correspondente a um investimento de 1,87 Euros por quilo de café.
I. A quantia referida em 4) era também contrapartida da publicidade da marca D..
II. O Réu disse ao representante da Autora que era impossível vender 60 quilos de café por mês pois, nos anos anteriores, tinha vendido, no máximo e em média, 10 quilos de café por mês.
III. O representante da A. retorquiu que sabia que o Réu não venderia aquela quantidade, mas que depois via-se.
V. Foi no contexto referido em II e III que o Réu aceitou o valor referido em 4).
V. Na circunstância referida em 18), o representante da Autora disse ao Réu assinasse o contrato que haviam falado e que isto não passava duma mera formalidade, pois era o que a Autora fazia com todos os seus clientes e que o Réu não se preocupasse com o facto de lhe ser impossível vender 60 quilos de café por mês.
VI. Face ao referido em V. o Réu assinou o acordo referido em 3).
VII. O representante da Autora comprometeu-se, aquando do acordo, a reparar as máquinas de café existentes nos já identificados estabelecimentos comerciais.
VIII. O representante da Autora nunca reparou as ditas máquinas de café e jamais compareceu nos estabelecimentos do Réu a fornecer café.
IX. A avaria referida em 20) ocorreu em ... de 2006.”
2 – Na verdade a resposta dada pelo Tribunal a tais pontos não teve em conta a globalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como não a analisou de forma critica e com recurso a regras da experiência comum, conjugada com os depoimentos das testemunhas conjugada com os depoimentos das testemunhas da A. MF e as do R. RB, NB, FS e DC.
3 - Acresce que dos autos constam documentos, designadamente o documento 3 junto aos autos com a petição inicial, que foi totalmente desconhecido na douta decisão.
4 - De facto o dito documento, factura nº ..., datada de ... de 2000 e passado pelo Réu à Autora diz expressamente “ designação – Para Publicidade e PP D. “ , “ Importância – 1.680.000$00”.
5 - Por sua vez, o documento 2 junto aos autos pela A. na p.i., datado de ... de 2000, trata-se de ofício da A. dirigido ao Réu a enviar o cheque nº ... do B.. da quantia de 1.680.000$00 para pagamento da referida factura nº ... de ... de 2000”, que, repete-se, era para publicidade e promoção dos produtos D..
6 - Sucede que a A., no artigo 3º da douta p.i., alega que “ Em ... de 2000, a A. e o Réu celebraram um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca D.”.
7 - Conjugados os documentos 3 e 2, bem como o artigo 3º da p.i. jamais se poderia dar como provados os artigos 3º, 4º, 5º e 8º da p.i. Antes pelo contrário que a quantia adiantada pela A. foi para publicidade e promoção dos produtos D. e que o contrato junto aos autos como documento 1 não foi um contrato de fornecimento, mas sim um contrato de adesão, devendo dar ainda como provado o facto I. “A quantia referida em 4) era também contrapartida da publicidade da marca D.” dos factos dados como não provados.
8 - De resto o ponto 8º dado como provado jamais o poderia ser, porquanto foi alegado pela A., mas não aceite pelo Réu, que o impugnou, sendo certo que nenhuma prova foi feita em tal sentido, havendo mesmo prova em contrário, bastando para o efeito verificar o preço de quilo de café fornecido ao Réu, constituindo apenas um número encontrado para dar o pedido que a A. pretendeu fazer e para fugir a accionar a cláusula contratual, que era nula e cuja conduta da A. consiste em reconhecer tal nulidade.
9 - Tais respostas estão em total contradição com os referidos documentos e depoimentos.
10 - De resto a primeira parte do depoimento da testemunha do A. está em total contradição com a segunda parte.
11 - Desde logo o R. nunca teve nenhum estabelecimento no aeroporto, teve sim um Snack-bar no P.... Aquando da primeira conversa o restaurante RR não estava em funcionamento. Quem negociou não foi apenas o R., mas também o pai, sendo que este é que era o dono do restaurante RR, sendo certo que o apoio foi dado para adquirir o mobiliário deste estabelecimento.
12 – Quem negociou o acordo com o R. e seu pai foi o Sr. RG, cuja testemunha da A. acaba por reconhecer expressamente que ele sabia que era impossível vender 60 quilos de café por mês.
13 - Aquele Sr. RG referiu expressamente ao R. quando lhe apresentou o contrato, após insistência do R., que jamais seria possível vender aquela quantidade de café, que não se preocupasse, pois tratava-se duma mera formalidade.
14 - Acresce que também resulta provado dos depoimentos das testemunhas do R. que o representante da A. comprometeu-se, aquando do acordo, a reparar as máquinas de café e que este, após solicitação da mãe do R., não reparou a máquina de café e jamais compareceu nos estabelecimentos daquele a fornecer café. Igualmente teria de se dar como provado que a avaria ocorreu em Março/Abril de 2006.
15 - Não tendo, a Meritíssima Juiz a quo, tido em conta os documentos e
depoimentos referidos, cometeu erro grave, que determina necessariamente decisão diversa da tomada, e que implica a reforma da douta sentença. Erro que
inquinou algumas das respostas à matéria de facto constante da base instrutória.
16 - Tudo determinaria pura e simplesmente a absolvição do Réu, sendo
que em última das hipóteses, que só se admite por mera hipótese académica, ter-se-ia de fazer a conta, além dos 400 quilos de café vendidos, à publicidade e
promoção dos produtos D. feitos pelo Réu, tendo sempre em conta que a quantia recebida por este da A. foi a contrapartida daquelas.
17 - Acresce que o incumprimento do contrato ocorreu por parte da Autora e não do Réu, como supra ficou demonstrado, o que determinaria sempre a absolvição do Réu.
18 - Igualmente o enquadramento legal dado na douta decisão não é o adequado.
19 - Na verdade a situação concreta dos autos configura uma situação de contrato de adesão.
20 - De facto o contrato constante dos autos que foi apresentado ao Réu, volvidos dois meses sobre o acordo verbal entre Autora e Réu, conforme consta
do documento 3 junto aos autos por aquela, era “ para publicidade e promoção dos produtos D.”, não passa de um contrato de comércio, que não pode eixar
de se considerar como contrato de adesão.
21 - Não foi comunicado previamente, como impõe o artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro, e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato, bem como não lhe foi dado a conhecer o seu conteúdo. Foi sim entregue o contrato para assinar e o cheque de contrapartida “ para publicidade e promoção dos produtos D.”. Trata-se de contrato de adesão que violou o disposto nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º do citado Decreto-Lei Nº 446/85, de 25 de Outubro.
22 - Caso não se entenda estarmos perante um contrato de adesão, estar-se-ia perante um contrato de publicidade.
23 - Acresce a tudo isto que foi a Autora que faltou ao contrato celebrado com o Réu e não este.
24 - Acresce ainda que a Autora não alegou, certamente por inexistirem,
quaisquer prejuízos da resolução do contrato.
25 - Tinha assim o Réu de ser absolvido.
26 - Julgando-se como se julgou, violou-se o disposto nos artigos 5º, 6º 7º e 8º do Decreto-lei Nº 446/85, de 25 de Outubro, 280º, nº 2 do CC, 19º do Código de Publicidade, aprovado pelo artigo 1º do DL 330/90, de 23.10, na redacção dada DL 51/2001, de 15.02 e 653º, nº 2, 659º, nºs 2 e 3 e 669, nº 2, alínea b), estes do CPC.
27 – Deve assim julgar-se procedente o recurso e consequentemente improcedente a acção, absolvendo-se o Réu.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-B, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões d0 recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se a saber:
- se é caso de alterar a matéria de facto considerada provada em 1ª instância;
- se nos encontramos em presença de um contrato de adesão, a que seja aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais;
- se é caso de revogar a sentença recorrida.
*
III. Da impugnação da matéria de facto:
Nas conclusões de recurso o ré impugnou a resposta do tribunal “a quo” à matéria de facto sustentando terem sido incorrectamente considerados provados os factos descritos nos pontos 3., 4., 5., 6. e 8. da p.i. e que deveriam ter sido considerado provados os factos dados como não provados sob os n.ºs I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX, a saber:
“3. Em ... de 2000, a A. e o Réu acordaram entre si que este obrigava-se a consumir em exclusivo, nos estabelecimentos comerciais identificados em 2), os cafés da marca D. e a comprar, durante a vigência do acordo, café marca D., lote ... , nas quantidades mínimas mensais de 60 quilos, pelo prazo necessário ao consumo exclusivo e ininterrupto de 4.000 quilos, com início em ... de 2000.
4. A Autora e o Réu acordaram como contrapartida da exclusividade da marca D., a Autora entregaria ao Réu, como entregou, a quantia de 7.481,97 Euros (1.500.000$00), acrescida de IVA à taxa em vigor, no total de 8.379,80 Euros (1.680.000$00).
5. Da quantia referida em 6), o Réu emitiu a correspondente factura / recibo nº datada de ... de 2000, no total de 8.379,80 Euros (1.680.000$00).
6. O Réu não comprou as quantidades mínimas mensais de café a que se tinha obrigado, tendo deixado de comprar café D. a partir de Fevereiro do ano de 2006.
8. Ao abrigo do acordo referido em 3), a Autora fez um investimento de 7.481,97 Euros, correspondente a um investimento de 1,87 Euros por quilo de café.
I. A quantia referida em 4) era também contrapartida da publicidade da marca D..
II. O Réu disse ao representante da Autora que era impossível vender 60 quilos de café por mês pois, nos anos anteriores, tinha vendido, no máximo e em média, 10 quilos de café por mês.
III. O representante da A. retorquiu que sabia que o Réu não venderia aquela quantidade, mas que depois via-se.
V. Foi no contexto referido em II e III que o Réu aceitou o valor referido em 4).
V. Na circunstância referida em 18), o representante da Autora disse ao Réu assinasse o contrato que haviam falado e que isto não passava duma mera formalidade, pois era o que a Autora fazia com todos os seus clientes e que o Réu não se preocupasse com o facto de lhe ser impossível vender 60 quilos de café por mês.
VI. Face ao referido em V. o Réu assinou o acordo referido em 3).
VII. O representante da Autora comprometeu-se, aquando do acordo, a reparar as máquinas de café existentes nos já identificados estabelecimentos comerciais.
VIII. O representante da Autora nunca reparou as ditas máquinas de café e jamais compareceu nos estabelecimentos do Réu a fornecer café.
IX. A avaria referida em 20) ocorreu em ... de 2006.
O apelante baseia a sua discordância nos seguintes elementos de prova:
- na factura nº ..., datada de ... de 2000 (doc. n.º 3), e passado pelo Réu à Autora, na qual constam os seguintes dizeres “ designação – Para Publicidade e PP D. “ , “ Importância – 1.680.000$00”;
- no documento 2, datado de ... de 2000: trata-se de ofício da A. dirigido ao Réu a enviar o cheque nº ... do B.. da quantia de 1.680.000$00 para pagamento da referida factura nº ... de ... de 2000;
- na circunstância da A., no artigo 3º da p.i., ter alegado que “ Em ... de 2000, a A. e o Réu celebraram um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca D.”.
Com base nestes elementos sustenta que jamais se poderiam dar como provados os artigos 3º, 4º, 5º e 8º da p.i., e dever-se-ia dar como provado o facto I. “A quantia referida em 4) era também contrapartida da publicidade da marca D.” dos factos dados como não provados.
Por último refere que a primeira parte do depoimento da testemunha do A. está em total contradição com a segunda parte e que resulta provado dos depoimentos das testemunhas do R. que o representante da A. comprometeu-se, aquando do acordo, a reparar as máquinas de café e que este, após solicitação da mãe do R., não reparou a máquina de café e jamais compareceu nos estabelecimentos daquele a fornecer café. Igualmente teria de se dar como provado que a avaria ocorreu em Março/Abril de 2006.
Vejamos.
Ouvida toda a prova gravada, não assiste, no essencial, razão ao apelante.
Diz este que da factura por si elaborada, que constitui o doc. n.º 3 junto com a p.i., deriva que a quantia paga pela autora, no montante de 1.680.000$00 (vide doc. n.º 2) se destinava ao pagamento do facturado, ou seja, de publicidade e promoção de produtos D., e que a própria autora alegou no artigo 3º da douta p.i., que “ Em ... de 2000, a A. e o Réu celebraram um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca D., contrato que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido (doc. 1)”.
Todavia, da análise do contrato em causa, ao abrigo do qual foi feito tal pagamento, não resulta que o réu se tivesse obrigado a publicitar a marca de café D. nos seus estabelecimentos comerciais, tendo-se tão só obrigado a consumir e a comprar, em exclusivo, café dessa marca.
Acresce que nenhuma das partes alegou ter sido celebrado um qualquer outro acordo paralelo ao corporizado no doc. 1, atinente a publicidade, nem em que se corporizava essa publicidade (afixação de painel ou outros meios publicitários), sendo que nenhuma das testemunhas inquiridas revelou conhecimento pessoal e/ou directo de tal, nem fez menção à existência de qualquer publicidade à D. nos estabelecimentos.
Consequentemente, nos termos contratuais, aquela quantia não se destinou ao pagamento de publicidade, constituindo, isso sim, na contrapartida da exclusividade do consumo da marca D. (vide cláusula 6ª).
Improcede, pois, a pretensão do apelante quanto ao ponto I. dos factos considerados não provados.
Por outra via, a factualidade considerada provada sob os pontos 3º e 4º é o que consta exarado nas cláusulas 1ºª, 2ª e 5ª do contrato que constitui o doc. n.º 1.
Certo é que derivou, com toda a clareza, dos depoimentos das testemunhas MF (distribuidor de café D. e outros produtos; exerce funções por conta da Soc. J.L.,Lda), RB (mãe do réu) e NB (irmã do réu) e do documento de fls. 11 (doc. 3 – factura emitida pelo réu, datada de ... de 2000) que as conversações para a celebração do contrato de fornecimento ao réu de café da marca D., em regime de exclusividade, se iniciaram e concluíram em ... de 2000, recebendo este em contrapartida, para um consumo de 4000 kgs de café, a quantia de 1.680.000$00 (IVA incluído), tendo então o réu emitido a factura acima referida.
E que o contrato junto a fls. 6 a 9 foi redigido pela autora, que o assinou, sendo posteriormente apresentado ao réu e ao terceiro outorgante, JS, que igualmente o assinaram.
Relativamente às quantidades mínimas mensais de café D. a que o réu se obrigou a comprar, consta na cláusula 2ª do contrato (doc. 1) serem as mesmas de 60Kgs.
E deriva da fundamentação exarada nesta matéria pela Sra. Juíza que a convicção desta se formou a partir da prova documental junta com a petição inicial, e do depoimento da testemunha MF, que declarou que os valores dos consumos foram indicados perlo réu.
Esta testemunha começou o seu depoimento a declarar ter acompanhado o Sr. RG - à data funcionário da autora (e anteriormente da marca T.) - quando este propôs ao réu que passasse a consumir café D. no seu estabelecimento, nos termos que vieram a ser exarados no contrato, e que o réu declarou então gastar cerca de 60 Kgs de café por mês.
Porém, numa fase mais adiantada do seu depoimento, ainda que com alguma espontaneidade, acabou por declarar que afinal a proposta não foi apresentada ao réu, mas sim ao progenitor deste, no Restaurante RR, não se encontrando aquele presente e que nunca falou com o réu sobre os termos do contrato.
As declarações desta testemunha deixaram-nos alguma dúvidas no que toca a esta temática. Desde logo relativamente aos consumos de café mensais do réu, por este ser anteriormente cliente da marca T., sendo vendedor dessa marca de café o Sr. RG, o qual tinha, naturalmente, conhecimento dos consumos médios do réu no estabelecimento de “snack-bar –Restaurante BB”, desconhecendo tão-só aquilo que o réu iria também passar a consumir no estabelecimento “Restaurante RR”, que, à data das negociações, estava prestes a entrar em funcionamento.
Seja como for, em sede de experiência comum, não é descabido admitir que a declaração de consumos na ordem dos 60 kgs. por mês pode ter visado o recebimento da contrapartida que veio a ser exarada no contrato, pois que se neste fosse expresso um consumo mensal de 5,6 ou 7 Kgs. tal determinaria, por certo, que o valor global dos consumos não fosse os 4000Kgs constantes do contrato, mas sim uma quantidade bastante inferior, o que implicaria que o valor da contrapartida fosse bem mais modesto e tal não era do interesse do réu.
Por outro lado, as testemunhas RB e NB declararam que no momento da assinatura do contrato, após o réu ter dito que não conseguiria vender 60 Kgs de café por mês, o Sr. RG terá dito que tal não tinha importância, que era uma mera formalidade e que não era obrigatório cumprir aquele ponto do contrato.
A circunstância daquelas testemunhas serem, respectivamente, a mãe e a irmã do réu, impõe, desde logo, um especial cuidado na valoração a conferir a tais declarações.
Acresce que do teor das declarações destas testemunhas, não nos ficou a convicção que o conhecimento pelas mesmas revelado quanto ao ocorrido no momento da assinatura do contrato pelo réu tivesse sido por elas presenciado.
De resto, a testemunha NB acabou por reconhecer que apenas esteve presente numa alegada conversa ocorrida antes da assinatura do contrato, entre o Sr. RG e os seus pais e irmão.
Deste modo, face à insuficiência da prova produzida no que toca à versão dos factos apresentada pelo apelante, mantém-se a resposta ao art. 6 e as respostas negativas à matéria dos pontos II, III, IV, V e VI.
E, no que toca aos factos descritos nos pontos 3 e 4, alteram-se os mesmos, dando-se como provado que em ... de 2000 um representante da autora acordou verbalmente com o réu em que este passaria a consumir nos seus dois estabelecimentos comerciais café da marca D., em regime de exclusividade, recebendo, para um consumo de 4000Kgs de café, uma contrapartida no valor de 1.680.000$00 (IVA incluído) e que posteriormente a autora redigiu o contrato que constitui fls. 6 a 9 dos autos, datado de .../2000, cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi primeiramente assinado pela autora e após pelo réu e pelo 3º outorgante, JS.
Quanto ao teor do facto descrito sob o ponto n.º 5, haverá que corrigir um lapso de escrita que o mesmo contém, na parte onde dele consta que “Da quantia referida em 6), o réu emitiu…”.
Efectivamente, o ponto 6) não se refere a qualquer quantia, mas sim o ponto 4.
Por outro lado, o ponto 5 mais não reproduz do que o teor da factura n.º 0433 (doc. n.º 3).
Deste modo, altera-se a resposta do tribunal a quo, relativa ao facto n.º 5, dando-se por assente que o réu emitiu a factura n.º 0433, datada de ... de 2000, no montante de 1.680.000$00 (IVA incluído), na qual exarou que era “para publicidade e promoção de produtos D.”.
Quanto ao ponto 8º:
Trata-se claramente de um facto conclusivo, que apenas se pode extrair da restante factualidade provada.
Considera-se por isso não escrita esta resposta – art. 646, n.º 4, do CPC.
Quanto aos factos considerados não provados sob os n.ºs VII, VIII e IX.
Na sua fundamentação a Sra. Juíza exarou que:
Desde logo, a questão suscitada quanto à reparação da máquina de café avariada é uma falsa questão porquanto não resulta do contrato outorgado, constante de fls. 6 a 9, que as partes tenham convencionado a entrega de quaisquer equipamentos, nem que tenham convencionado que a reparação da máquina de café ficava a cargo da Autora ou da sua representante. Tal premissa também não resulta dos depoimentos das testemunhas que estiveram presentes no(s) momento(s) em que as negociações tiveram lugar – i.e. MF, testemunha da Autora, e NB, irmã do Réu -, referindo MF que apenas foi ao local na sequência da comunicação da avaria.
Ainda assim, cumpre apreciar a prova testemunhal produzida pela Ré nos termos e para os efeitos referidos supra.
RB, mãe do Réu, não obstante auxiliar no serviço do restaurante, não esteve presente aquando das negociações subjacentes ao contrato outorgado nos autos, nem no dia em que a máquina de café foi reparada, não obstante afirmar que esta avariou, que a avaria foi comunicada mas que ninguém apareceu para reparar e que deixaram de aparecer a vender café. Consequentemente, nada sabe, que possa ser valorado, para a decisão a proferir.
(…)
No que concerne à reparação da máquina de café, a testemunha (NB, irmã do Réu) apenas afirmou que a mesma foi efectuada pelo Sr. F, não sabendo esclarecer quem seja o mesmo.
FS, comerciante, era cliente do restaurante “RR” tendo afirmado que o estabelecimento esteve encerrado, um longo período, devido à avaria da máquina do café, em Março/Abril de 2006.
Não obstante a testemunha afirmar que a D. nunca apareceu no local para reparar a máquina não se vislumbra como pode a testemunha, na qualidade de simples cliente do estabelecimento, saber tal informação, pelo que, tal conhecimento – a ser verdadeiro – só poderá ter-lhe sido transmitido por outrem.
(…)
Ora, face à prova produzida pela Ré, enunciada nos termos supra, facilmente se conclui pela ausência de prova cabal, susceptível de refutar de forma convincente as declarações exaradas no documento assinado por ambas as partes (“Contrato” de fls. 6 a 9), quanto à responsabilidade da Autora ou do distribuidor pela reparação da aludida máquina do café (…)
Por fim, sempre se dirá que é contrário às regras da experiência e usos que a Autora tenha deixado de fornecer café ao Réu sem invocar motivo justificado e que fosse do conhecimento do Réu e/ou do distribuidor, ou que o distribuidor, na qualidade de Terceiro Contraente do acordo objecto dos autos, também o tivesse feito, ainda mais atenta a responsabilidade contratual que sobre este impendia (vide cláusulas 4.ª, 7.ª, 8.ª e 11.ª).
Consequentemente, os depoimentos das testemunhas do Réu – RB e FS -, quando afirmam que ninguém apareceu para reparar a máquina e que nunca mais lhes venderam café”.
Como salienta a Sra. Juíza, do contrato junto aos autos não decorre ter sido convencionada a prestação de assistência às máquinas de café do réu.
Porém, no seu depoimento, a testemunha MF - à data da outorga do contrato, era empregado da empresa de distribuição do café D., denominada “Agência BR”, de JS (terceiro outorgante naquele contrato) – reconheceu que era ele quem fazia a assistência técnica àquelas máquinas de café, facto que, de resto, foi confirmado pela testemunha NB.
A prestação dessa assistência pressupõe, naturalmente, um acordo nesse sentido.
Deste modo, em relação ao facto descrito no ponto VII, dá-se como provado que aquando da celebração do acordo de .../2000, o terceiro outorgante comprometeu-se com o réu a reparar as máquinas de café existentes nos estabelecimentos referenciados no contrato.
Quanto aos pontos VIIII e IX:
A testemunha RB declarou, em síntese, que no ano de 2006 a máquina de café avariou e telefonou para a virem arranjar, tendo o Sr. dito que vinha nesse dia à tarde ou no dia seguinte: que nos referidos dias ninguém apareceu para reparar a máquina; e que deixaram de aparecer a vender café.
Referiu ainda que não esteve presente no dia em que a máquina de café foi reparada.
A testemunha NB, irmã do Réu, declarou que em ... de 2006 a máquina avariou e que demoraram tempo a reparar a mesma, sendo que quem reparou foi o Sr. F.
Referiu ainda que se vieram no dia em que o restaurante estava fechado deveriam vir no dia seguinte.
A testemunha FS, cliente do restaurante “RR”, declarou que o estabelecimento esteve encerrado, um longo período, devido à avaria da máquina do café, em Março/Abril de 2006.
Como se refere na motivação exarada em 1ª instância, não obstante a testemunha afirmar que a D. nunca apareceu no local para reparar a máquina não se vislumbra como pode a testemunha, na qualidade de simples cliente do estabelecimento, ter conhecimento directo e/ou pessoal de tal facto.
Acresce que a testemunha MF declarou que lhe telefonaram por causa de um problema da máquina de café; que disse que não podia ir ver a máquina por estar a fazer uma distribuição e que iria no dia seguinte; que disse à Sra. que o problema que a máquina tinha era apenas num dos bicos, pelo que poderia continuar a funcionar com o outro bico; que no dia seguinte deslocou-se ao local para arranjar a máquina, mas o restaurante estava fechado e foi-lhe dito por uma pessoa que se encontrava nas imediações que tinham ido à praia; que voltou no dia seguinte e encontrou um técnico da T. a reparar a máquina, tendo o réu deixado de comprar café.
No que toca a esta parte das declarações, as mesmas apresentam-se como plausíveis, tanto mais que carece de sentido ter a autora deixado de vender café ao réu, sem qualquer motivo, sendo tal contrário às regras de experiência comum.
A prova assim produzida é manifestamente insuficiente para se dar por provado que o representante da autora nunca reparou as máquinas de café e jamais compareceu nos estabelecimentos do réu a fornecer café.
A análise crítica dos apontados meios de prova permitem todavia considerar provado que a avaria ocorreu em ...de 2006 (facto IX).
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IV. Em face destas alterações à matéria de facto, consideram-se assentes os seguintes factos:
1. A A. dedica-se à comercialização dos cafés e sucedâneos da marca D..
2. Entre ... de 2000 e ... de 2006, o Réu explorava dois estabelecimentos comerciais, um denominado “Snack-bar – Restaurante BB”, o outro denominado “Restaurante RR”, ambos sitos no P..., em ....
3. Em ... de 2000 um representante da autora acordou verbalmente com o réu em que este passaria a consumir nos seus dois estabelecimentos comerciais café da marca D., em regime de exclusividade, recebendo, para um consumo de 4000Kgs de café, uma contrapartida no valor de 1.680.000$00 (IVA incluído) e que posteriormente a autora redigiu o contrato que constitui fls. 6 a 9 dos autos, datado de .../2000, cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi primeiramente assinado pela autora e após pelo réu e pelo 3º outorgante, JS.
4. O réu emitiu a factura n.º..., datada de ... de 2000, no montante de 1.680.000$00 (IVA incluído), na qual exarou que era “para publicidade e promoção de produtos D.”.
5.Aquando da celebração do acordo de .../2000, o terceiro outorgante comprometeu-se com o réu a reparar as máquinas de café existentes nos estabelecimentos referenciados no contrato.
6. O Réu não comprou as quantidades mínimas mensais de café a que se tinha obrigado, tendo deixado de comprar café D. a partir de ... do ano de 2006.
7. A Autora enviou ao Réu, em ... de 2009, carta registada com aviso de recepção, por este recebida em .../2009, com a declaração de resolução do acordo referido em 3) e o pedido de devolução da quantia de e 8.087,38, reportando-se 6.739,48 ao valor investido pela Autora, proporcionalmente à quantidade de café não adquirido, e € 1.347,90 referente ao IVA em vigor.
8. Ao abrigo do acordo referido em 3), o Réu comprou 400 quilos de café marca D., lote ....
9. O Réu no ano de 2000 adquiriu e vendeu 40 quilos de café.
10. Em 2001, o Réu adquiriu e vendeu 110 quilos de café.
11. Em 2002, o Réu adquiriu e vendeu 70 quilos de café.
12. Em 2003, o Réu adquiriu e vendeu 60 quilos de café.
13. Em 2004, o Réu adquiriu e vendeu 60 quilos de café.
14. Em 2005, o Réu adquiriu e vendeu 50 quilos de café.
15. Em ... de 2006, o Réu adquiriu e vendeu 10 quilos de café.
16. As partes convencionaram que “a resolução do presente contrato com base em incumprimento do segundo e/ou terceiro contraente, obriga estes a indemnizar a primeira no montante de 1000$00 por cada quilo de café que faltar para o cumprimento integral do contrato” (cláusula 11.ª).
17. Quando o Réu já estava a vender café nos seus dois estabelecimentos, adquirido à Autora, para assinatura do acordo referido em 3), que já haviam falado.
18. O Réu não respondeu à missiva referida em 7).
19. A máquina de café do Réu avariou, o que este comunicou de imediato ao representante da Autora.
20. Essa avaria referida ocorreu em ... de 2006.
***
V. Da questão de direito:
Assente a factualidade provada, vejamos agora a sua subsunção no direito aplicável.
Não suscita dúvida a qualificação do contrato celebrado entre a A. e o R., como um contrato de fornecimento de café, que se traduz num contrato complexo de natureza comercial, que envolve elementos próprios do contrato promessa, do contrato de prestação de serviços, e, finalmente do contrato de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador (artºs 2º, 13º e 463º nº 1 do Cód. Comercial, 410º nº 1, 874º, 1129º e 1154º do C. Civil) – cfr. Acs. do STJ de 4/04/2009 e de 15/01/2013, in www.dgsi.pt).
Assim:
Nos termos do referido contrato, celebrado em .../2000, o réu (segundo outorgante) comprometeu-se a comprar, em exclusivo, e para consumir nos seus dois estabelecimentos comerciais, café da marca D., Lote ..., nas quantidades mínimas mensais de 60 Kg, até perfazer 4000 Kgs, sendo esse café fornecido pelo terceiro outorgante, JS, ou em alternativa directamente pela autora (1ª outorgante) - cláusulas 1ª, 2ª, 3ª e 5ª.
Como contrapartida da exclusividade da marca D., a autora obrigou-se a entregar ao réu, como efectivamente entregou, a quantia de 1.500.000$00, acrescida de IVA à taxa em vigor.
Sendo do seguinte teor as cláusulas 9ª e 11ª do contrato acima referido:
“9ª O presente contrato poderá ser resolvido por qualquer dos contraentes nos termos gerais de direito e, ainda e designadamente pela Primeira Contraente, nos seguintes casos:
a) Violação das obrigações fixadas nas cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 8ª
b) Encerramento do estabelecimento comercial acima identificado por parte do Segundo Contraente.
11ª
1. A resolução do presente contrato com base em incumprimento do Segundo e/ou Terceiro Contraentes, obriga estes a indemnizar a Primeira no montante de 1.000$00 por cada quilo de café que faltar para o cumprimento integral do contrato.
2. A responsabilidade do Segundo e Terceiro Contraentes pelo pagamento da indemnização é solidária”.
No recurso sustenta o réu/apelante que o contrato que celebrou com a Autora/recorrida é um contrato de adesão, estando sujeito ao regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
Contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, pag. 262.
Nesta matéria, o réu alegou na contestação que:
1. O contrato em causa é usado pela autora para efectuar aquele tipo de negócio com diversos comerciantes, com vista a levá-los a vender nos seus estabelecimentos café da A. e, na prática, em termos de exclusividade;
2. Fá-lo aliciando os seus destinatários com o adiantamento de descontos/bonificações a que estes têm direito no decurso do contrato;
3. Ao réu foi proposto verbalmente pelo representante da autora que passasse a vender nos seus dois estabelecimentos café da marca D., e em contrapartida atribuía-lhe um bónus de 1.680.000$00, com IVA;
4. Só depois comunicou ao réu que necessitava de vender 60Kgs por mês, tendo então referido que no máximo consumia 10 kg por mês, ao que aquele referiu que sabia disso, mas que depois se via;
5. Quando já estava a vender café D. surgiu o representante da autora para ele assinar o contrato e que isso não passava de uma mera formalidade, pois era o que a autora fazia com todos os clientes e que não se preocupasse com o facto de ser impossível vender os 60kg de café por mês;
6. Foi neste contexto que aceitou aquele bónus e assinou o contrato;
7. Pese embora tudo isso, a A. introduziu no contrato junto aos autos a cláusula 11ª.
Porém, realizado o julgamento o réu não logrou provar o alegado e descrito nos pontos 4º, 5º e 6º.
E, quanto ao alegado no ponto 1 - que o contrato de fls. 6 a 9 é usado pela autora para efectuar o mesmo tipo de negócio com diversos comerciantes, com vista a levá-los a vender nos seus estabelecimentos café da A., em termos de exclusividade - o tribunal a quo não respondeu a esta factualidade, em termos de a considerar provada ou não provada.
Seja como for o réu não alegou que não pode influenciar o conteúdo da globalidade das cláusulas inseridas no contrato, tendo-se limitado a questionar o teor de duas cláusulas:
- a 2ª, onde se estabelece a obrigação do réu comprar mensalmente pelo menos 60 kgs de café D.; e
- a 11ª, onde, para o caso do contrato ser resolvido pela autora com base no incumprimento das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 8ª, se estabelece uma cláusula penal, tendo, deste modo, as partes fixado por acordo o montante da indemnização exigível – art. 810º nº 1 do C. Civ.
Acontece que o regime instituído pelo referido DL DL 446/85, de 25/10 (regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), não se circunscreve apenas aos contratos de adesão, estendendo-se, ainda, aos contratos individualizados cujo conteúdo se encontre previamente elaborado e que o destinatário não possa influenciar – nº 2 do art. 1º.
Assim, estatui o art.1.º do citado DL., na redacção do DL. 249/99, de 7.7, que:
“1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”.
E deriva do provado que em ... de 2000 um representante da autora acordou verbalmente com o réu em que este passaria a consumir nos seus dois estabelecimentos comerciais café da marca D., em regime de exclusividade, recebendo, para um consumo de 4000Kgs de café, uma contrapartida no valor de 1.680.000$00 (IVA incluído), e que posteriormente a autora redigiu o contrato que constitui fls. 6 a 9 dos autos, datado de .../2000, cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi primeiramente assinado pela autora e após pelo réu e pelo 3º outorgante, JS.
Esta factualidade aponta no sentido de que a cláusula 11ª foi inserida no contrato pela autora.
Sendo assim, competia a esta, se estivesse interessada na aplicação do seu regime, provar que essa cláusula tinha sido previamente negociada entre as partes, o que a mesma não fez – vide art. 1º n.º 3.
Certo é que a autora não pretende fazer valer-se dessa cláusula, pois que não fundou na mesma o seu direito indemnizatório.
Efectivamente:
A autora resolveu o contrato, por incumprimento pelo réu da obrigação de aquisição dos 4000kgs de café D., tendo-se limitado a pedir a devolução de parte da contrapartida monetária por si entregue no início do contrato, na parte proporcional à quantidade de café não adquirida pelo réu, que na p.i. se indicou ser de 3604 kgs., mas que, segundo se apurou, foi de 3600Kgs, no valor de €7.481,97, acrescida de IVA (e não pelo incumprimento da obrigação de consumir 60 kgs por mês)
Não foi pois a indemnização prevista na cláusula 11ª que a autora peticionou nos autos (esta apontava para um valor de €17.956,72).
Ora, é indubitável que o réu não cumpriu a obrigação de adquirir café da marca D. até à quantidade de 4000kgs, incumprimento esse que se presume culposo (art. 799º, n.º 1, do C.C.), sendo que aquele não demonstrou ter a autora incumprido o contrato em apreço, por falta de assistência técnica, desde logo por tal não se ter provado e ainda por não resultar dos autos ser essa assistência da responsabilidade da autora, mas sim do terceiro outorgante.
Assistia por isso à autora o direito à resolução contratual, com aquele fundamento (vide cláusula 9ª).
Por outro lado, a contrapartida entregue pela autora no início do contrato (15.000.000$00, acrescida de IVA) foi atribuída em função das aquisições a que o réu se obrigou, até perfazer 4000kgs, existindo uma manifesta conexão entre o valor atribuído e os consumos a verificar no futuro, o que aponta para um valor na ordem dos €1,87 por quilo de café (7.481,97:4000Kgs = €1,87), acrescido de IVA.
Ora, a resolução implica a restituição do prestado – arts. 433º e 289º do C. Civil.
Assim, no caso em apreciação o réu tem de restituir à autora parte da contrapartida monetária entregue por esta no início do contrato, na parte proporcional à quantidade de café não adquirida, ou seja a quantia fixada na sentença (no valor de € 6.732,00), acrescido do I.V.A.,), não contrariando tal a vontade presumida das partes ou a finalidade da resolução (art. 434º, do C.C.).
É ainda responsável pelo pagamento dos juros de mora, desde o dia .../2009, às taxas fixadas na sentença.
De resto, não se tendo provado ter sido celebrado um contrato de publicidade, esse valor corresponde ao prejuízo sofrido pela autora pelo interesse contratual negativo, pois que a mesma não teria desembolsado essa quantia se o contrato não tivesse sido celebrado.
Improcede, assim, a apelação.
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V. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
2. Custas pelo apelante;
2. Notifique.
Lisboa, 12 de Novembro de 2013
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(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
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(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
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(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)