SOCIEDADE POR QUOTAS
LUCROS DOS SÓCIOS
DIREITO AO LUCRO
CRITÉRIOS DE REPARTIÇÃO DOS LUCROS
Sumário


I- Os lucros dos sócios justificam-se como contrapartida das suas entradas ou do valor que hajam pago pelas suas participações, como contrapartida do risco envolvido e como contrapartida do esforço e das obrigações que cumpram, no quadro social.

II- O direito aos lucros, sendo um direito abstracto, traduz uma expectativa a concretizar com a apresentação das contas, das quais resulte um lucro distribuível, com a aprovação dessas contas e com a aprovação de uma proposta de distribuição de resultados.

III- Nas sociedades por quotas, “Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos da lei, seja distribuível:”

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Dr.ª Isabel, residente em Famalicão, instaurou, em 27.7.2016, acção com processo comum contra a sociedade Recuperados Têxteis, L.da, com sede em Famalicão, pedindo se declare a nulidade ou a anulação das deliberações sociais tomadas com o voto favorável dos outros dois sócios (que são os únicos gerentes) e com o voto contra da A., na Assembleia Geral da Ré que teve lugar na sede social em 30 de Junho de 2016.
Alegou para tanto – muito em síntese – que as deliberações tomadas - de aprovação do relatório de gestão e contas de exercício, de não distribuição de lucros e de recusa de pagamento dos suprimentos - são abusivas por visarem vedar à A. o acesso a qualquer benefício inerente à participação social de que é titular, perpetuação dos gerentes – os outros dois sócios, sua tia e irmão – no controlo e fruição exclusivos de todos os activos e fluxos financeiros da Sociedade, retirando à participação social da A. todo o valor financeiro e societário.
Juntou, com interesse, cópia da certidão da acta da assembleia e da certidão permanente do registo comercial.
Contestou a Ré, impugnando toda a factualidade alegada não documentada e concluindo pela improcedência dos pedidos.

Os autos prosseguiram e foi proferida a seguinte sentença:
Termos em que, vistos aqueles factos e as normas legais citadas, analisadas à luz da doutrina e jurisprudência estudadas, especialmente a parte final da al. b) do n.º 1 do art.º 58 CSC, na parcial procedência da acção (art.º 609,1,CPC), anulo o ponto dois da deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré, em 30.6.2016, na medida em que, decidindo constituir reserva especial para lucros retidos e reinvestidos no montante de 60.000,00 €uros e constituir reservas livres no montante de 41.676,71 €uros, negou à A. o direito à quarta parte destes lucros, no valor de 25.419,17 €uros.


Inconformada a ré interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal recorrido anulou o ponto dois da deliberação tomada na assembleia geral da Ré ora recorrente, em 30.06.2016, na medida em que decidindo constituir reserva especial para lucros retidos e reinvestidos, no montante de 60.000,00 euros e constituir reservas livres no montante de 41476,71 euros, nos termos da decisão recorrida e segundo o entendimento do Tribunal, negou à A. o direito à quarta parte destes lucros no valor de 25.419,17, considerando tal deliberação abusiva.
2. Não é verdade que não tenha sido impugnada a afirmação da A de que a) que a Autora passou a ser marginalizada, (b) que a A desde 2010 não recebe lucros; (c) que os lucros são suficientes para que haja distribuição [“são mais do suficientes para permitir a distribuição de lucros”] e que (d) não foi justificada ou a invocada a necessidade de não distribuição de lucros ou a constituição de reservas para fazer face a necessidades de financiamento da Ré e que a A deixou de ter reflexo económico da sua participação social.
3. Esta posição da A. está contraditada na posição dos sócios assumida em assembleia-geral e documentada na acta respectiva, bem como na contestação, por impugnação especificada no art.º 2.º e pela defesa no seu conjunto (artºs 176, 177, 188, 189, 193, 196 a 223, 234 a 250, todos da contestação.
4. Como tal, o Tribunal não podia ter baseado a declaração que a deliberação em discussão era abusiva na afirmação que reputa não contraditada melhor descrita na conclusão 2.
5. Os factos dados como provados não permitem concluir pelo cariz abusivo da deliberação anulada.
6. Não há quaisquer outros factos alegados na petição inicial suficientes para poder fundamentar, nos presentes autos, qualquer decisão de anulação de deliberações da Ré;
7. Para além dos factos provados com as ressalvas que feitas, a petição inicial não contém factos, mas fundamentalmente imputações e juízos de valor;
8. Há outros factos relevantes na contestação e nos documentos juntos com esta, que o Tribunal não valorou, devendo tê-lo feito, o que nunca permitiria a prolação da decisão recorrida.
9. O facto 6, dá por reproduzido o teor da acta;
10. Relativamente a prova factual dela constante, apenas dela se extrai a prova das deliberações postas em crise pela A.
11. O demais são meras afirmações ou juízos de valor e não factos, controvertidas ou contraditadas pelos sócios que participaram naquela assembleia-geral.
12. Considerando-se que se desse como provado que as partes declararam o que vem exarado na referida acta, não podem deixar de ser havidas como contraditórias ou contraditadas – e como tal impugnadas, as afirmações de uns e de outros, que vêm exaradas.
13. Atento quer o teor contraditório das intervenções documentadas, quer ainda os factos alegados na contestação, mormente 2, 63 a 267 da contestação, quer por último teor do relatório de gestão de 2015 junto com a contestação, não podia o Tribunal dar como assente o teor da acta como facto, servindo-se depois de uma declaração unilateral da A. para fundamentar a declaração de nulidade da deliberação.
14. O facto 14 não foi alegado pelas partes e os documentos juntos (decisões judiciais) serviram apenas para ilustrar interpretação do Tribunal quanto à (in)suficiência dos factos alegados pela A noutra acção, que foram exarados nos exactos termos dos que resultam da p.i agora oferecida a juízo;
15. Desses arestos não é possível concluir pelo carácter abusivo de anteriores deliberações de não distribuição de lucros pelo que o Tribunal recorrido não podia socorrer-se deste facto para dele extrair qualquer cariz abusivo decorrente da não distribuição de lucros;
16. O facto de a A. ter sido impedida de participar na assembleia de 2015 está cabalmente explicada nas decisões judiciais juntas aos autos;
17. O Tribunal entendeu em 1ª instância – decisão depois confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães – que a falta de registo da aquisição das quotas pela A. não era oponível á sociedade, atento o regime decorrente das disposições conjugadas dos art.ºs 242-A do Código das Sociedades Comerciais, 3.º n.º 1 al. c), 13.º e 14.º do Código do Registo Comercial,
18. Nenhuma censura há pois, a apontar, à actuação dos demais sócios presentes em Assembleia-Geral, e, portanto, à deliberação resultante da votação por eles expressa a propósito dos pontos em discussão e votação.
19. Os factos dados como provados sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13; não permitem, concluir pelo carácter abusivo da deliberação anulada.
20. O Tribunal recorrido não devia ter desconsiderado (a) a actividade de impugnação da Ré; (b) o facto de as declarações vazadas em acta corresponderem a posições controvertidas e, assim sendo, não estava o Tribunal em posição de ter concluído como concluiu;
21. O Tribunal recorrido não valorou outros factos, jurídica e processualmente relevantes, tais como os que vêm alegados, em matéria de impugnação, no art.2., 55, 63 a 267 da contestação e, ainda, o teor Relatório de Gestão referente ao exercício de 2015, de que extrai, no seu conjunto, as necessidades de financiamento da ré recorrente e, bem ainda, o histórico do seu endividamento.
22. A afirmação de que a A. passou a ser marginalizada consta da parte final da folha inicial da acta em apreço;
23. Trata-se de uma afirmação da A. que incide sobre a falta de distribuição de lucros desde 2010, acusando ainda a sociedade de não pagar determinadas rendas
– que afirma serem devidas e que, reitera-se, foi impugnada;
24. Logo aqui se pode ver que no que respeita à sociedade Ré, a A. não está preocupada em acautelar o interesse da sociedade mas outrossim interessada e empenhada em que esta pague rendas sem que no entanto dê nota da justificação da obrigação de um pagamento que reclama ver ser feito;
25. Não é mais, tal afirmação - do que a declaração da existência de uma intenção, cuja demonstração não é possível extrair da actividade processual produzida nos autos.
26. Do facto de haver resultados positivos, tendo em conta até a posição assumida pela ré na contestação, não se pode extrair a conclusão de que não está justificada a sua não distribuição.
27. Essa justificação decorre (a) do relatório de gestão 2015 – cuja cópia foi junta aos autos, (b) do teor da intervenção dos sócios Maria e João e (c) dos citados artigos da contestação a propósito do endividamento da sociedade e da necessidade de aquisição de equipamentos.
28. Não podia, pois, o Tribunal, ter concluído pela suficiência dos lucros de exercício para que os mesmos pudessem ser distribuídos nem tinha condições para concluir que a não distribuição de lucros nos exercícios anteriores ou no exercício em questão não fosse justificada.
29. A decisão recorrida carece de fundamentação, está ancorada numa mera opinião do julgador que não se pode extrair dos factos provados, não resulta da demonstração de que não eram lícitas as deliberações de não distribuição de lucros, não resulta da demonstração de que a sociedade está em posição de distribuir lucros, ou que o seu desempenho económico e financeiro permite essa distribuição,
30. E, assim sendo, é juridicamente insuficiente a afirmação não demonstrada e, pelo contrário, contraditada, de que a A. foi marginalizada, e a simples afirmação de que não tem reflexo económico na sua participação social em virtude de não receber lucros de exercício, pois, conforme referido, não é incontroverso que os devesse receber.
Normas jurídicas violadas: art.º 58.º n.º 1 al b) do Código das Sociedades Comerciais
art.º 217.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais
art.º 154.º n.º 1 do Código de Processo Civil

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1 – A Ré é uma sociedade comercial por quotas, matriculada pela Apresentação 02/196805MN, tendo por objecto a indústria, comércio, transformação, preparação e fiação de fibras têxteis.
2 – A Sociedade tem o capital social de 1.000.000,00 de €uros, inicialmente distribuído por quatro quotas, duas de 375.000,00 e outras duas de 125.000,00 €uros, cabendo uma quota de 375.000,00 € e outra de 125.000,00 € a cada um dos sócios constituintes Manuel e Maria.
3 – Falecido aquele Manuel, ficaram as suas quotas a pertencer em comum aos seus filhos, João e ora A. Isabel a quem as legou em testamento.
4 – Por sentença proferida em acção de divisão de coisa comum, foram as quotas legadas divididas em partes iguais por ambos os filhos do falecido,
5 – estando, assim, registadas a favor de João as quotas de 187.500,00 e 62.500,00 desde 22.5.2015 e a favor da A. D. Isabel duas quotas nos valores de 187.500,00 e 62.500,00 desde 17.6.2015 – tudo ut certidão permanente copiada de fs. 11 v.º a 14.
6 – Conforme Ata n° 80 do livro de Actas da Ré,
“No dia trinta de junho de dois mil e dezasseis, pelas dezasseis horas e quinze minutos, na sede da sociedade comercial denominada RECUPERADOS TÊXTEIS, LIMITADA, sita na Avenida D., concelho de Vila Nova de Famalicão, sociedade comercial por quotas titular do número único de identificação fiscal e de matrícula 500228ERA, reuniu a Assembleia Geral da sociedade com a presença dos sócios Maria titular de duas quotas, uma no valor nominal de trezentos e setenta e cinco mil euros e outra do valor nominal de cento e vinte e cinco mil euros, e o sócio João, titular de duas quotas, uma do valor nominal de cento e oitenta e sete mil e quinhentos euros e outra do valor nominal de sessenta e dois mil e quinhentos euros e a Dr.ª Isabel, titular de duas quotas, uma do valor nominal de cento e oitenta e sete mil e quinhentos euros e outra do valor nominal de sessenta e dois mil e quinhentos euros.
A assembleia foi regularmente convocada para deliberar sobre a seguinte:
ORDEM DO DIA
Primeiro: Deliberar sobre o Relatório de Gestão, e contas de exercício referentes ao ano de 2015;
Segundo: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015;
Terceiro: Solicitação do reembolso do saldo de suprimentos.
Presidiu a sócia Maria.
Está representada a totalidade do capital social.
Antes da ordem do dia, a sócia Isabel, a pedido da sócia Maria, esclareceu que para efeito de envio de correspondência indica como endereço postal Rua V. em Vila Nova de Famalicão.
Entrando no primeiro ponto da ordem do dia foi lido o relatório e foram analisados o relatório de gestão, o balanço e contas referentes ao exercício de dois mil e catorze. Não havendo inscrições, passou-se à votação tendo os mesmos sido aprovados com os votos favoráveis dos sócios Maria e João e contra, da sócia Isabel.
Seguidamente, pela sócia Isabel foi declarado pretender exarar declaração voto, o que fez, nos seguintes termos: mais uma vez se comprova que o objectivo da gerência não é prosseguir o fim societário enquanto projecto comum a todos os sócios, mas apenas e só continuar a perpetuar a utilização dos meios e activos societários em beneficio dos sócios-gerentes e em claro prejuízo da sócia que não é gerente, que tem sido continuamente colocada à margem da sociedade e a quem tem sido sucessivamente vedado o acesso a qualquer resultado, lucro ou dividendo emergentes da actividade da sociedade, sem qualquer justificação ou sustentação verdadeira. Recorde-se que a sociedade existe e foi fundada para prosseguir os interesses de todos os sócios e, mais recentemente até 2010, prosseguiu os interesses de todos os sócios, sem qualquer excepção ou exclusão. Lamentavelmente, desde 2010, a sociedade deixou de ter em consideração todos os sócios e passou a marginalizar a sócia não gerente, em especial e no que aqui interessa em termos de não ter qualquer reflexo efectivo, económico e financeiro dos resultados positivos que a gerência tem apresentado e que são mais do que suficientes para permitir a distribuição de lucros. Aliás, a este respeito, importa relembrar que a sociedade (conjuntamente com a F…) deixou unilateral e injustificadamente de pagar a renda inicialmente acordada - de 10 000 euros mensais (que tinha sido acordada com o antecessor dos actuais sócios) - aproveitando-se nomeadamente da parcial coincidência entre a estrutura societária e os órgãos de administração de todas as sociedades envolvidas, o que fez com que passasse a dispor de tal numerário, mas que não se reflectiu inexplicavelmente na distribuição de resultados.
Seguidamente, pela sócia Maria, foi dito o seguinte:
1) naturalmente que um projecto social de uma sociedade comercial tem a ver com o interesse, quer da sociedade, quer dos sócios que a compõem. No que toca à distribuição de dividendos, a própria lei admite que uma maioria de 75% de capital possa impedir a distribuição de dividendos, exactamente no reconhecimento de que o interesse social se sobrepõe, par ser mais importante, do que o interesse de qualquer dos sócios. De resto, não se vê como possa a sócia Dr.ª Isabel afirmar a discriminação relativamente aos sócios em sede de distribuição de dividendos, quando a não distribuição dos mesmos é feita relativamente a todos e, portanto, todos os sócios estão, nessa matéria, em rigorosa posição de igualdade.
2) Reconhecendo a justeza da fundamentação da proposta da gerência é que a sócia Maria votou a favor dessa proposta, exactamente tendo em conta o interesse social, que é, no fundo o atravessar de uma situação transitória que permita á sociedade fortalecer-se financeiramente para fazer face aos factores da crise de todos conhecida e para proporcionar, isso sim, no futuro, condições de distribuição de dividendos, no reconhecimento de que o interesse dessa distribuição não colide com o interesse da sociedade, da sua provisória não distribuição, com fins de recapitalização própria. Explicado o sentido e a razoabilidade do voto da sócia declarante, importa realçar, por último, embora esta questão se não prenda directamente com o objecto desta assembleia, que desconhece a questão aventada da renda de dez mil euros e, portanto, não aceita que tenha havido, por parte da gerência, uma decisão unilateral de pagar tal renda, seja quem fosse o seu beneficiário ou beneficiária.
Seguidamente, pelo sócio João foi dito o seguinte: que subscreve no essencial, as afirmações da sócia gerente Maria, vincando em nome pessoal, o seu repúdio pelas afirmações da sócia Isabel, que são dirigidas à gerência e que são difamatórias, falsas e infundadas. O relatório acabado de apresentar à assembleia espelha uma gestão esforçada e criteriosa pelo respeito dos interesses societários, em preterição de interesses de ordem pessoal ou e outras entidades. Relativamente à questão levantada da renda, ou falta de pagamento de renda, é um assunto novo, mas o sócio João não tem conhecimento de qualquer incumprimento de cláusula contratual de contratos de arrendamento da sociedade. A proposta de não distribuição de lucros está sobejamente justificada no relatório de gerência e essa opção visa precisamente privilegiar os interesses societários. De resto, a sócia Isabel, presta-se a exigir distribuição de lucros mas nunca responde cabalmente às obrigações de pagar compromissos que lhe competem nas sociedades onde participa, atitude que diverge dos demais sócios, que tem respondido às solicitações que essas sociedades exigem. De resto, o estado equilibrado e sustentável desta sociedade, deve-se precisamente ao grande esforço que se tem verificado em todos os mandatos anteriores, capitalizando precisamente os proveitos da sua actividade económica e, desse modo, evitando o recurso a financiamento externo, que sempre seria mais oneroso.
Seguidamente entrou-se no segundo ponto da ordem do dia, submetendo-se à votação a proposta de aplicação de resultados, a qual, submetida a votação, foi aprovada com os votos favoráveis dos sócios Maria e João e contra, da sócia Isabel, e, consequentemente, relativamente aos resultados líquidos apurados no exercício de dois mil e quinze, nomontante global de Eur 107.028,12, foi deliberado constituir reservas legais no montante de Eur 5.351,41, constituir reserva especial para lucros retidos e reinvestidos no montante de Eur 60.000,00 e constituir reservas livres no montante de Eur 41,676,71
Declararam ainda todos os sócios, reiterar as considerações já produzidas a título de declaração de voto, na votação do ponto anterior.
Seguidamente entrou-se no terceiro ponto da ordem do dia, tendo a sócia Isabel pedido a palavra no uso da qual disse o seguinte: Uma vez que a sociedade tem apresentado, ao longo dos anos, resultados positivos de várias dezenas de milhares de euros, considera que devem ser restituídos aos sócios os montantes resultantes do saldo da conta de suprimentos, tanto mais que, mesmo que não seja necessário, se impõe referir que a situação líquida da sociedade não fica inferior à soma do capital e da reserva legal e trata-se de quota totalmente liberada. Também a este propósito se dá por reproduzido o que se referiu nos pontos antecedentes a respeito da disponibilidade financeira acrescida da sociedade fruto da redução unilateral e injustificada do pagamento da renda inicialmente acordada, o que não pode deixar de conferir à sociedade margem financeira adicional que, além do mais, lhe permite reembolsar o saldo da conta de suprimentos. Assim, propõe o reembolso imediato da totalidade do valor do saldo da conta de suprimentos.
Pela sócia Maria foi então dito que, em síntese, mantém as afirmações anteriormente feitas e, no que releva à questão agora suscitada, sublinha, ao contrário do que é dito pela proponente sócia Isabel, que a não distribuição dos dividendos obedeceu ao objectivo essencial das necessidades do giro comercial da sociedade de criar condições para o seu fortalecimento económico-financeiro a fim de fazer face à crise e de a preparar para melhores tempos em que tal distribuição será possível. No que se refere à solicitação da mesma proponente, Dr.ª Isabel, quanto ao reembolso dos suprimentos, repete-se também aqui que tais suprimentos foram feitos pelo falecido Manuel, em cujo inventário que corre termos pela instância local cível J3 (processo 4226/10.0TJVNF) no qual os suprimentos foram e bem relacionados como créditos da herança e que, naturalmente, a sua cobrança caberá aos herdeiros em cujos quinhões tal crédito venha a caber. Acrescenta-se que a proponente Dr.ª Isabel tem perfeito conhecimento desta situação, uma vez que é co-interessada no inventário e não reclamou sequer desse relacionamento. Sendo certo, também que a mesma situação foi explicada á cabeça-de-casal, D. Iveta em carta que esta sociedade lhe dirigiu e cuja cópia foi também enviada à mesma proponente. Nestas circunstâncias, como é evidente, a sócia declarante votará contra esse reembolso. Acrescente-se ainda, por poder ter interesse, que a sócia Maria, obedecendo à lógica exposta, não solicitou o pagamento dos suprimentos que também lhe são devidos.
Logo após, pelo sócio João pediu a palavra e declarou estranhar a atitude da sócia Isabel em solicita o reembolso do saldo de suprimentos, pois é do seu conhecimento que o titular dos suprimentos registados nas contas da sociedade é a herança do falecido Manuel. Como referido pela sócia Maria, essa questão está sobejamente esclarecida no inventário pendente e supra identificado, em que se encontra arrolado na respectiva relação de bens, como crédito da herança estes mesmos direitos. Aliás vem a cabeça-de-casal da referida herança reivindicando também esse reembolso, o que lhe foi negado, pelas razões que constam desses autos e de que foi dado conhecimento á sócia Isabel. A questão resume-se a que não é a sócia Isabel titular de tais suprimentos. Acresce que para ceder á sua pretensão, além de outras considerações que se possam fazer, significaria expor a sociedade ao risco sério de pagar duas vezes. Assim, o sócio João manifesta o seu sentido de voto que é de rejeição do reembolso do saldo de suprimentos solicitado a que a sócia Isabel não tem direito. Seguidamente passou-se à votação, tendo a proposta apresentada pela sócia Isabel sido rejeitada com os votos contra dos sócios Maria e João e favorável da sócia Isabel.
Nada mais havendo a tratar foram encerrados os trabalhos pelas dezassete horas e trinta minutos, deles se lavrando a presente acta que vai ser assinada pelos sócios presentes.”
7 – Os três pontos da ordem do dia foram aprovados com os votos favoráveis dos gerentes D. Maria e João, correspondentes a 75% do capital social, tendo votado contra a ora A. Dr.ª Isabel, titular de quotas correspondentes a 25% do capital social, sócios que subscreveram a acta aqui transcrita – fs. 19.
8 – O pretendido reembolso de suprimentos refere-se a suprimentos que pertencem à herança do sócio-gerente e fundador Manuel, entretanto falecido, pai dos sócios João e Isabel, ante possuidor das quotas de que estes são actualmente titulares e que adquiriram por legado em testamento – fs. 129 v.º/130 v.º.
9 - O reembolso destes suprimentos foi também e previamente reclamado pela cabeça de casal da herança, nos termos da carta copiada a fs. 74 v.º.
10 – A sociedade recusou prestar tais suprimentos, nos termos que fez constar em carta que remeteu à cabeça de casal, invocando, designadamente que a cabeça de casal não tem competência para cobrar dívidas activas, salvo quando a cobrança possa perigar com a demora – fs. 75.
11 – Com data de 21 de Junho de 2015, a A. remeteu à Ré a carta copiada a fs. 76/77, solicitando lhe fossem prestadas por escrito as seguintes informações e respectiva documentação, … nos termos do disposto nomeadamente nos artigos 214.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais – cópia de fs. 76/77.
12 – A Sociedade respondeu pela forma constante da carta de 10.7.2015, a fs. 77 v.º/81.
13 – O relatório de gestão, demonstração de resultados e proposta de aplicação de resultados, balanço e certificação legal das contas aprovadas na assembleia de 30 de Junho de 2016 constam dos documentos copiados a fs. 131 v.º/136.
14 – Por deliberação tomada em Assembleia Geral da , em 26.5.2015, em que a A. não foi admitida a votar mas em que votaram os dois outros sócios, perfazendo o total de 75% do capital social, foi aprovado o relatório de gestão e contas referentes ao ano de 2014 e relativamente aos resultados líquidos apurados no exercício de 2014, no montante de € 105843,43, foi decidido constituir reservas legais no montante de € 5292,17, constituir reserva especial para lucros retidos e reinvestidos no montante de € 44.000,00 e constituir reservas livres no montante de € 56.551,26. – sentença a fs. 52 v.º/56 e Acórdão de fs. 57 a 72.

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O que está em causa nos presentes autos é a decisão que anulou o ponto dois da deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré em 30/6/2016.
Alega a recorrente que o tribunal baseia a sua decisão numa descrição não incluída nos factos provados.
Alega ainda que os factos dados como provados não permitem concluir como se concluiu nem existem factos alegados na petição inicial suficientes para poder fundamentar qualquer decisão de anulação da deliberação da ré.
Por outro lado, o tribunal desconsiderou factos que impediriam sem produção de prova pudesse ter sido anulada a deliberação.
Como resulta da sentença recorrida a acção foi julgada improcedente no que respeita ao pedido de nulidade ou anulação das deliberações sociais da referida Assembleia à excepção da deliberação que respeita à não distribuição dos lucros.
E só em relação a esta deliberação importa averiguar se os factos provados são suficientes, uma vez que a recorrente alega falta de fundamentação da sentença.
Nessa matéria decidiu-se que a deliberação foi tomada por três quartos dos votos e nessa medida a deliberação respeitou o disposto n.º 1 do artigo 217º do código das sociedades comerciais .
Vejamos então se na decisão foram violados o disposto nos artigos 58 n.º 1 b) do Código das Sociedades Comerciais e 154º do Código de Processo Civil, e se a matéria de facto permitiria concluir como se concluiu e bem assim, se não foram considerados factos que o deveriam ser.
Como resulta da matéria de facto após o falecimento em 2010 do pai da autora, que foi um dos fundadores da sociedade, a autora nunca teve qualquer proveito da participação social que herdou.
Provou-se também que quer no ano de 2015, quer no ano de 2016 foi deliberada a não distribuição de lucros.
A sentença que decreta a anulação de deliberação social deve ser fundamentada de acordo com os artigos 154º n.º 1 e 607º do Código de Processo Civil.
No caso, a sentença recorrida descreve os factos em que se baseou para a decisão, descreveu o modo como o tribunal se baseou para considerar provada a matéria de facto e posteriormente analisou o pedido formulado na petição inicial para julgar improcedente parte do mesmo e apenas parcialmente procedente o referido pedido, tendo baseado a sua decisão nomeadamente nos artigos os artigos 56º, 58º, 69º, 217º 294º do Código das Sociedades Comerciais, não se verificando assim que a sentença tenha violado o disposto no artigo 154º do citado Código de Processo Civil.
No que respeita ao facto n.º 14 da sentença, carece de razão a recorrente, pois o referido facto decorre da cópia da sentença que consta dos autos e no seguimento da alegação da autora no que respeita à não distribuição de lucros desde o ano de 2010, constante do artigo 15º da pi e segs.
No que respeita ao ponto n.º 6 o que aí consta é a descrição da acta n.º 80, pelo que o mesmo deve manter-se, sendo que o facto aí referido é o conteúdo da acta e da deliberação aí realizada.
Na noção de sociedade constante do artigo 980º do Código Civil é referida a repartição de lucros como sendo a sua finalidade.
O quinhoar nos lucros é um direito dos sócios das sociedades comerciais – artigo 21º, 1, a), do CSC.
Segundo Menezes Cordeiro (Código das Sociedades Comerciais Anotado, v. 1º) os lucros dos sócios justificam-se como contrapartida das suas entradas ou do valor que hajam pago pelas suas participações, como contrapartida do risco envolvido e como contrapartida do esforço e das obrigações que cumpram, no quadro social.
Segundo o mesmo Professor, o direito aos lucros, sendo um direito abstracto, traduz uma expectativa a concretizar com a apresentação das contas, das quais resulte um lucro distribuível, com a aprovação dessas contas e com a aprovação de uma proposta de distribuição de resultados.
O artigo 22º do Código das Sociedades Comerciais estipula o critério de repartição dos dividendos.
A sociedade em causa é uma sociedade por quotas, pelo que lhe é aplicável o disposto no artigo 217º do CSC.
E o n.º 1 deste artigo dispõe: “Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos da lei, seja distribuível:”
Como já se referiu, o fim lucrativo e a repartição de lucros da actividade social é elemento fundamental do conceito de sociedade.
E a decisão de não distribuição dos lucros foi tomada por ¾ dos votos, pelo que, a mesma não é ilegal.
No entanto, a autora alegou que esta deliberação é abusiva.
O artigo 56º, 1, d), do CSC determina a nulidade das deliberações sociais cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
Os bons costumes referidos são os referidos no artigo 280º, 2, do CC: regras de conduta sexual ou familiar e regras deontológicas próprias de cada profissão.
O artigo 58º, 1, b), do CSC, por sua vez, determina que são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos. São votos que visam prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Como se refere na sentença recorrida não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 56º, n.º 1 alínea d) do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a deliberação não é ofensiva dos bons costumes, nem ofende qualquer preceito legal imperativo, que não possa ser derrogado, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
No caso em apreço provou-se que a partir de 2010 deixou de ser distribuído qualquer lucro ou dividendo, sendo que a autora nunca teve qualquer benefício que decorre da sua participação social
E quanto à não distribuição dos lucros foi alegado pela ré que resistiu a sucessivas conjunturas de crise porque reinvestiu os lucros de exercício para bens e equipamentos e gestão do passivo e pela qualidade dos seus produtos, conforme consta dos artigos 176, 177 188, 189, 193 bem assim 196 a 223.
E efectivamente a deliberação da sociedade comercial, criando reservas livres, nos termos legalmente permitidos, impeditivas até da distribuição de lucros pelos seus sócios representa uma medida cautelar do interesse de todos, incluindo, logicamente, dos próprios sócios.
Mas, no caso concreto tal não foi definido desde o início e apenas se verifica desde 2010 e sistematicamente, quer em 2015, quer em 2016.
Como consta das actas cujo conteúdo foi dado como provado nos factos sob os n.ºs 6 e 14 não foi invocado qualquer necessidade de capitalização, nem de cobertura de prejuízos, nem justificada a constituição de reservas legais ou contratuais, nem aí demonstrada (e o que foi referido é em termos genéricos).
Alega a recorrente que quer do teor da intervenção dos sócios gerentes que constam das respectivas actas quer pelo que consta da contestação está justificada a necessidade de não distribuição de lucos.
Ora, analisando as referidas declarações quer a contestação o que se constata é que foram efectuadas afirmações conclusivas e generalistas como seja o que consta dos artigos 188 e segs mas que não estão demonstradas, ou justificadas nem muito menos concretizadas. E por isso, tem que se concluir como na sentença recorrida que não foi justificada a não distribuição de lucros, razão pela qual se conclui que a referida deliberação é abusiva.
Com efeito, como se refere no Ac. do STJ de 19/5/15, que passamos a citar ”a deliberação social abusiva exprime um acto disfuncional, porquanto não visa acautelar os direitos da sociedade mas, ao invés, é estranha a essa finalidade, do ponto em que apenas almeja satisfazer o propósito do sócio ou sócios que assim, através do voto, colhem para si, ou para terceiros, vantagens que prejudicam a sociedade ou outros sócios”.
E a possibilidade de suprimir a distribuição de pelo menos, metade dos lucros mediante a maioria qualificada de ¾ não pode deixar de ser excepcional e justificado pelo interesse social.
Improcede deste modo, o recurso.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgara a apelação improcedente e, em consequência confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 29 de Junho de 2017.

Maria Conceição Correia Ribeiro Cruz Bucho
Maria Luísa Duarte
António Júlio Costa Sobrinho