CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
ERRO NOTÓRIO
ERRO SOBRE A FORÇA PROBATÓRIA DE CERTO MEIO DE PROVA
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Sumário

I-Feita uma confissão que se diz integral e sem reservas, o Tribunal, se a aceita, tem de aceitar a veracidade dos factos constantes da acusação sem lhe ser lícito discutir a prova, e aplicar a lei aos mesmos.
II-Se na apreciação que o Tribunal fez da prova excluiu a confissão, dando como como não provado facto que havia sido confessado por confissão integral e sem reservas, esse desaproveitamento de meio de prova, por si só, vicia o resultado do processo probatório, configurando erro notório na apreciação da prova, pois, analisando a sentença é manifesto que o Tribunal não valorou devidamente a prova.
III-Uma decisão penal condenatória não pode ser exequível se não tiver determinado e aplicado a correspondente pena. Assim, alterada a matéria de facto e feito o respectivo enquadramento jurídico relativamente a crime pelo qual o arguido havia sido absolvido na 1ª instância, impõe-se a determinação da pena pelo Tribunal da Relação que, para além de ser um imperativo jurídico-processual, em nada contende com as garantias de defesa do arguido.(sumário elaborado por Conceição Gonçalves)

Texto Integral

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

     Relatório

     No 3º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, no âmbito do Processo nº329/06.4TACLD, foi a arguida FS... submetida a julgamento em Processo Comum, com intervenção de Tribunal Singular.

    Após realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu:

     a) julgar improcedente a acusação, absolvendo a arguida FS... da prática do crime de descaminho, p. e p. nos termos do art. 355º do Código Penal.


*

    Inconformado com tal decisão, recorre o Ministério Público extraindo da

 respectiva motivação as seguintes conclusões:

1- Em sede de audiência de julgamento, a arguida confirmou que os factos ocorreram como descrito na acusação e em momento algum referiu desconhecer que os mesmos fossem criminalmente proibidos e puníveis.

2- Não há dúvidas de ter agido de forma deliberada, livre e conscientemente e que fez o que queria fazer e sabia que era crime.

3- Esclareceu a arguida ter pensado que não iria ter problemas com a sua conduta, quanto muito por ter considerado que a questão não se levantaria perante o alegado “estado degradado” dos bens penhorados.

4- Constata-se, assim, que a arguida confessou de forma integral e sem reservas os factos de que era acusada, tanto assim é que tal consta expressamente na acta da audiência de julgamento, junta a fls.267 e 268 dos autos, com a menção “Perguntado pela Mmª Juiz, disse ser tal confissão de livre vontade, fora de qualquer coacção, integral e sem reservas”.

 5- A decisão do Tribunal a quo ao ter dado como não provado facto constante da acusação (“ a arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”), quando houve confissão integral e sem reservas por parte da arguida, padece de vício de erro notório na apreciação da prova pois que tratando-se de prova vinculada está excluída a sua apreciação no âmbito princípio da livre apreciação da prova, e viola o normativo previsto nos arts.127º, 344º e 410º nº2 alínea c) todos do Código de Processo Penal.

6- Propugnamos, assim, que se verifica um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.410º nº2 alínea c) do Código de Processo Penal e, por conseguinte, ser modificada a decisão absolutória do Tribunal a quo e substituída por decisão condenatória.

7- Sem prejuízo do acima exposto, e no caso de não se considerar, como mera hipótese, a verificação do vício invocado no presente recurso, consideramos que a matéria de facto dada como não provada na sentença recorrida foi incorrectamente julgada na medida em que na audiência de discussão e julgamento foi produzida prova que impunha decisão diversa da recorrida.

8- A verificação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de descaminho não está dependente da intenção apropriativa do agente, integrando neste ilícito criminal as acções do tipo “fazer desaparecer a coisa”, “escondê-la”, “aliená-la” ou “entregá-la a terceiro”.

9- A arguida sabia da existência da dívida, por si contraída junto do credor exequente, da pendência do processo executivo contra si instaurado e da penhora realizada, como ainda que por força desta não podia dispor dos objectos penhorados.

10- A arguida não procurou diligenciar junto do processo executivo a comunicar o alegado “estado de degradação” dos bens penhorados nem procedeu à sua entrega.

11- Ao invés, resolveu por sua iniciativa e de uma só vez dar-lhes o destino, que a seu livre arbítrio decidiu, com base num juízo de valor, igualmente por si definido, sobre o eventual desinteresse que aqueles tinham para o credor.

12- Resulta também que a arguida foi notificada no âmbito do processo executivo para entregar os bens penhorados ao Encarregado da Venda. Porém, como referiu em sede de julgamento, nessa data já se tinha desfeito da maioria dos bens penhorados e decidiu não prestar qualquer informação ao processo sobre o sucedido.

13- As dificuldades económicas da arguida dadas como provadas porque se reportam à data da realização do julgamento e não da prática dos factos, afigura-se-nos que não poderão ser relevadas para afastar o dolo a arguida.

14- Toda a prova produzida conjuntamente com as regras de experiência comum (cfr.art.127º do Código de Processo Penal), permite sustentar integralmente a factualidade relatada na acusação, designadamente concluir e considerar provado que “a arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

15- Deve, por isso, ser modificada a douta sentença na parte impugnada, no sentido de ser alterada a matéria de facto especificada, por forma a considerar que “a arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, condenando-se a arguida pela prática do crime de descaminho, p. e p. pelo art.355º do Código Penal, que lhe vinha imputado na acusação.

           Vossas Excelências, porém, melhor decidirão conforme for de JUSTIÇA!    


*

       Não houve resposta ao recurso.      

*

    Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

*

      No Tribunal da Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer nos seguintes termos:

(…) importa manifestar inteira concordância com o entendimento expresso pelo Ministério Público em 1ª Instância, no segmento considerado, quando afirma ter o Tribunal “a quo” incorrido em erro notório, por violação das regras sobre o valor da prova vinculada, sendo certo que, não tendo sido questionada a validade da confissão da arguida, decorreu daí ter sido dispensada a produção de qualquer prova.

(…) E a verdade é que, como se viu, a prova resultante das declarações da arguida tem que considerar-se, na presente situação, como válida no sentido de lhe poder ser reconhecida (como indevidamente não foi na sentença impugnada) a força e plenitude consagradas no citado art.344º do CPP, justamente por deter integralidade e incondicionalidade que são seus pressupostos.   

 (…) Pelo exposto, aderindo, nesta parte, ao entendimento do Ministério Público em 1ª Instância, expresso na bem elaborada motivação do interposto recurso, cuja correcção rigor jurídico sublinhamos – ficando precludida a apreciação da 2ª questão ali invocada – acolhemos a pretensão ali expressa no sentido de ser a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” merecedora de reparo, devendo, consequentemente, a mesma ser revogada, nos termos ali apontados, ou seja, devendo a mesma ser substituída por outra condenatória da arguida, pela prática do crime de descaminho, p. e p. no art.355º do CP, determinando-se, porém, que os autos sejam remetidos ao Tribunal de 1ª Instância para fixação da pena a aplicar à arguida.

      Na verdade, não deverá, a nosso ver, a determinação da sanção penal ser efectuada neste Tribunal da Relação sob pena de ficar inviabilizado um grau de recurso, pelo que o pedido formulado pelo MP em 1ª Instância deverá ser considerado parcialmente procedente, nos termos acabados de mencionar.

      Impõe-se, assim, que, tendo presentes os fundamentos de facto e de direito que constam mencionados na motivação – nºs 1 a 6 das Conclusões -, em Conferência (…), seja, nos termos pretendidos, revogada a decisão proferida em 1ª Instância, pronunciando-nos pela parcial procedência do recurso.


*

      Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP não houve resposta ao Parecer.

*

      Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

*

       Fundamentação

       Delimitação do objecto do recurso

       Nos termos do disposto no art.412º, nº1, do C.P.P., e conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no art.410º, nº2, do C.P.P., mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, págs.74; Ac.STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, págs.96, e Ac. do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995, publicado no DR I-A Série de 28.12.1995.

      São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

        No caso sub judice o recorrente limita o recurso às seguintes questões:

              - erro notório na apreciação da prova;

              - incorrecto julgamento da matéria de facto.


*

       É do seguinte teor a sentença recorrida:

            (…)”

A. Factos provados

Resultam provados, nos autos, os seguintes factos (excluindo conceitos jurídicos e factos conclusivos):

1. No dia 3 de Fevereiro de 2000, cerca das 13.45 Horas, na Rua ..., n° ..., Caldas da Rainha, a arguida foi nomeada fiel depositária dos bens constantes do auto de penhora, junto aos autos, bens esses avaliados em 150.000$00.

2. Os aludidos bens foram objecto de penhora nos Autos de Carta Precatória nº ..., que correu termos por este Tribunal de Caldas da Rainha, extraída dos autos de Execução Ordinária n° ..., ... Secção, do ... Juízo Cível do Porto.

3. A arguida foi notificada que, na qualidade de fiel depositária dos referidos bens, os mesmos ficariam à sua guarda, devendo apresentá-los sempre que lhe fosse exigido, tudo conforme consta do auto de penhora que a arguida leu e assinou, ficando ciente das obrigações que sobre si impendiam.

4. Todavia, a arguida não cuidou dos referidos bens como lhe era exigido, tendo deitado ao lixo parte deles e desfeito de outros dando-lhes destino não concretamente apurado.

5. A arguida, ao actuar da forma descrita, procurou e conseguiu subtrair os referidos bens ao poder público a que, como bem sabia, estavam sujeitos, desse modo frustrando a finalidade prosseguida com a apreensão dos mesmos.

Mais se provou que:

6. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta.

7. A arguida encontra-se desempregada há cerca de 6 meses, sem auferir subsídio.

8. Vive com o marido e a filha com 19 anos de idade, também desempregada e sem subsídio.

9. O marido da arguida é reformado recebendo quantia não inferior a 400,00€ de pensão de reforma.

10. Vive em casa arrendada, pagando 285,00€.

11. A arguida faz algumas horas como empregada doméstica, retirando mensalmente quantia não inferior a 30,00€.

12. Tem o 3.º ano de escolaridade.

13. Muitas vezes a arguida deixa a renda de casa por pagar para poder ter dinheiro para comer e pagar água e luz.

B. Factos não provados:

Não se provou que:

a. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Inexistem outros factos relevantes para a decisão que não tenham resultado provados em audiência de julgamento.

C. Motivação

O tribunal fundou a sua convicção com base no conjunto dos documentos juntos aos autos, concretamente a fls. 3 a 116 dos autos, complementada com as declarações prestadas pela arguida em audiência de discussão e julgamento.

Assim, a arguida declarou pretender prestar declarações, o que fez de forma espontânea e aparentemente sincera. Confirmou a realização da penhora, mas declarou que não sabia que não podia deitar para o lixo os objectos penhorados, o que apenas fez porque já havia passado muito tempo da efectivação da penhora e os mesmos encontravam-se em muito mau estado, pensando a arguida que, por tal, os mesmos não teriam qualquer interesse. Admitiu que deitou para o lixo todos os objectos com excepção de um rádio gravador, o qual deu a um sobrinho, uma vez que o mesmo estava avariado e ainda o camiseiro, o qual ainda tem consigo.

Confirmou ter assinado o auto de penhora, mas disse não ter lido o que lá estava escrito.

Referiu que foi o Sr. JA... que fez a penhora, tendo-lhe telefonado duas vezes e tentou contactá-lo no tribunal, acabando por conseguir chegar à fala com ele, mas ele disse que estava com muita pressa e não podia resolver a questão que ela lhe suscitava, tendo-lhe a arguida pedido que removesse os bens e questionado se os podia deitar fora dado o seu estado de degradação. Mais referiu que, atenta a forma como foi recebida pelo referido JA..., não mais contactou ninguém sobre este assunto, sendo certo que também não teve contactos com mais ninguém, apenas voltando a ouvir falar desta questão quando foi contactada pelos serviços do MP, já no âmbito deste processo.

Referiu que, então, recebeu uma carta do MP propondo-lhe o pagamento da quantia de 100,00€ ao banco alimentar, o que não conseguiu cumprir por falta de condições económicas, as quais são de tal modo precárias que nem dinheiro para a sua alimentação tem.

Descreveu que os sofás estavam rotos e com os pés partidos e em mau estado. A televisão não trabalhava, o rádio deu ao sobrinho, a mesa estava com caruncho, a mesa e as cadeiras estavam com caruncho e deitou fora, o camiseiro ainda tem consigo.

Mais referiu que deitou os bens fora cerca de um ano depois da penhora e só após contactar o JA..., que a “despachou”.

Relatou ainda que achava que passado tanto tempo o exequente tinha perdido o interesse nestes bens e que, com a venda daqueles bens, pelo menos parte da dívida seria paga.

Reafirmou que nunca pensou que não podia deitar fora aqueles objectos, mais esclarecendo que nunca contactou o tribunal para saber o que fazer aos bens, porque achou que não podia contactar directamente o tribunal.

A convicção relativa às condições pessoais da arguida foi formada com base nas suas declarações e a relativa aos seus antecedentes criminais, com base no exame do teor objectivo do seu certificado de registo criminal junto a fls. 252.

D. Enquadramento jurídico-criminal

Refere o art. 355º do Código Penal "Quem, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente ou por qualquer forma subtrair ao poder público a que está sujeito documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até cinco anos, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal".

Como refere Maia Gonçalves[i], prevê-se aqui uma incriminação qualificada em razão da especial situação dos objectos móveis subtraídos ao poder público a que estavam sujeitos, bem como de coisa que tiver sido apreendida.

São elementos objectivos do tipo de crime de descaminho a destruição, danificação, inutilização ou subtracção ao poder público de documento ou outro objecto móvel ou coisa que tiver sido arrestada, apreendida (como sucede no caso sub judice) ou objecto de providência cautelar [ii].

Como elemento subjectivo do tipo de crime, a lei exige o dolo em qualquer das suas modalidades.

Ora, resulta da matéria de facto provada, a qual ressalta da confissão efectuada pela arguida em audiência de discussão e julgamento, que a arguida não obstante devidamente notificado para o efeito, não entregou os bens penhorados e de que era fiel depositária, ao encarregado de venda e que, ao fazê-lo, subtraiu tais bens ao domínio público.

Porém, não se provou que a arguida tenha actuado voluntária e conscientemente.

O crime em exame é necessariamente doloso, ou seja, é essencial, para a punição do agente, que o mesmo pretenda, com a sua conduta, subtrair os bens ao poder público a que estavam sujeitos, agindo com intencionalidade de prejudicar os interesses do Estado.

Ora, há a considerar que a arguida não vendeu os bens, nem lhes deu qualquer destino que lhe permitisse recolher proventos económicos: a arguida deitou fora os bens porque os mesmos estavam velhos, estragados e obsoletos e fê-lo após contactar o encarregado da venda que conhecia, o qual não se preocupou em esclarecê-la ou ajudá-la.

A arguida tem apenas o 3.º ano de escolaridade e é patente que não é uma pessoa letrada ou com um grau de cultura e conhecimento que lhe permitisse avaliar a gravidade desta conduta.

Acresce que a arguida se debate diariamente com dificuldades económicas, as quais chegam ao ponto da miséria, não recebendo a arguida e o seu agregado quantia monetária mensal suficiente para se poderem alimentar e pagar a renda de casa em simultâneo, tendo de fazer sistematicamente a gestão destas despesas, optando por suportar apenas uma delas, pelo que não é razoável pensar-se que a arguida se quis “livrar dos bens” apenas porque sim, tanto mais que mantém a dívida em execução e a venda destes bens permitiria, pelo menos, abater no valor da mesma o que seria uma ajuda para a arguida que a mesma, caso tivesse um grau de cultura superior, teria considerado.

Assim sendo, afigura-se-nos que a arguida não agiu com qualquer intencionalidade de colocar em causa o domínio público estadual, pelo que entendo que inexistiu dolo, em qualquer das suas modalidades, na conduta empreendida pela arguida.

Nestes termos, atenta a ausência de preenchimento do elemento subjectivo do ilícito, impõe-se a absolvição da arguida.


**

III. DECISÃO

Em face do exposto, julgo parcialmente procedente por provada e parcialmente improcedente por não provada a acusação e, consequentemente,

a) Absolvo a arguida FS... da prática, em autoria material, de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 335º do Cód. Penal.

b) Sem custas criminais.

  (…)

                                               *

            Apreciando

O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida FS... imputando-lhe a prática, como autora material, de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo art.º 355.º, do Código Penal, alegando, nomeadamente, que “. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”.

Na acta de audiência e julgamento inserta a fls.267 a 268 ficou a constar, além do mais, o seguinte:

“Pela arguida foi dito que desejava prestar declarações, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com a duração de 37 minutos e 09 segundos e 02 minutos e 34 segundos.

                                                         *

  Perguntado pela Mmª Juiz, disse ser tal confissão de livre vontade, fora de qualquer coacção, integral e sem reservas.

                                                          *

     Dada a palavra à Digna Procuradora Adjunta pela mesma foi dito prescindir do depoimento da testemunha FR...” (…).

     Vejamos, então, se se verifica o erro notório alegado pelo recorrente.

     O invocado vício - erro notório na apreciação da prova -  terá de resultar do texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que vale dizer que para o reconhecimento da sua existência não é possível o recurso a elementos estranhos àquela decisão, ainda que constantes do processo.

     Existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.

    Para ser notório, tal vício tem de consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias ou das “legis artis”, ou ainda das regras da experiência comum, ou que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

     O erro é notório quando for ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.341).

     Verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada - que comprimem o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P., contando-se entre elas o estabelecido no art. 344º do mesmo diploma relativamente à confissão integral e sem reservas - ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5ª edição, pgs..61 e seguintes). .

   A notoriedade do erro (sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional

    Existe assim tal vício quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., pág.341).

    Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).

    Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

    Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

    Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).

    Ora, no caso, o recorrente faz radicar a verificação deste vício na indevida valoração da confissão feita pela recorrida relativamente aos factos que lhe vinham imputados na acusação contra ela deduzida, havendo, pois, que conferir os termos em que a lei regula os efeitos deste meio de prova no que concerne à matéria criminal, chamando à colação o disposto no art. 344º do C.P.P., que dispõe:

    “1. No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.

      2. A confissão integral e sem reservas implica:

      a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;

      b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, a determinação da sanção aplicável; e

      c) Redução do imposto de justiça em metade.

      3. Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que:

      a) - Houver co-arguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles;

      b) - O tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; ou

      c) - o crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos.

     4 - Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova".

        Como referido no Ac. STJ 20/10/94, C.J. STJ, ano II, t. 3, pág. 217,  prevêem- se, assim, neste artigo dois regimes distintos: um deles contempla a confissão integral e sem reservas – que abrange todos os factos relevantes para a imputação criminal, pelo menos todos aqueles que estejam ao alcance cognitivo do confitente - quanto a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos, associando-lhe os efeitos os indicados no seu nº 2; o outro, respeita à confissão integral e sem reservas quer quando existam co-arguidos e nem todos hajam confessado de forma integral, sem reservas e coerente, quer quando os crimes imputados forem puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, quer quando se suscitem dúvidas, nomeadamente sobre a integridade mental do confitente ou a veracidade dos factos confessados, que levem o tribunal a suspeitar do carácter livre da confissão, e à confissão não integral ou com reservas, casos em que o tribunal terá de decidir, em sua livre convicção, se, e em que medida, deve ser produzida prova sobre os factos confessados.

     Mas, “feita uma confissão que se diz integral e sem reservas, o Tribunal, se a aceita, tem de (…) aceitar a veracidade dos factos constantes da acusação sem lhe ser lícito discutir a prova, e aplicar a lei aos mesmos.

     Se, porém, a não aceita, quer por não ter a natureza de integral e sem reservas, quer porque não feita de forma convincente de que é verdadeira, o Tribunal tem de, pelo menos, deliberar, de seguida, sobre a necessidade ou não de serem produzidas mais provas, sendo certo que, se se lhe configurar que essa confissão não é verdadeira, não pode arbitrariamente excluir a produção das restantes provas oferecidas para o julgamento, sob pena de omitir diligências indispensáveis para o apuramento da verdade. E muito menos pode reservar para a decisão final a discussão toda sobre a validade e alcance da mesma confissão.”

    Em qualquer dos casos, se existirem dúvidas de uma ou de outra natureza em relação a alguma parte da confissão, o tribunal não a deve, nem pode, aceitar como integral e sem reservas, nem tão-pouco, até sob pena de inobservância do princípio da investigação (cfr. nº 1 do art. 340º do C.P.P.), dispensar a prova que haja sido apresentada para sustentar a acusação quando algum ou alguns dos factos vertidos nesta e com relevância criminal ainda estejam por apurar e possam vir a ser provados.

     Ainda assim, como referido no Ac.do STJ de 18.12.1996, in CJ, Acs. do STJ, 4, 3, 212) “o tribunal não pode considerar os factos confessados como provados no despacho em que se pronuncia sobre a natureza jurídica da confissão na audiência de julgamento. Este juízo definitivo sobre os factos provados faz-se noutro lugar: na sentença ou no acórdão. E isto não só pela razão óbvia de que é esse lugar onde a lei prevê que se realize tal tarefa (artigo 374, n.º 2) e qualquer antecipação indevida desse juízo magno do tribunal pode bulir com a imparcialidade do tribunal e a presunção de inocência do arguido, dando o flanco a uma eventual recusa do juiz e a um evitável problema de caso julgado formal.”

    Ora, no caso, feita uma confissão que se diz integral e sem reservas, e se o Tribunal a aceitou, como resulta da acta de julgamento, tem de aceitar a veracidade dos factos constantes da acusação sem lhe ser lícito discutir a prova, e aplicar a lei aos mesmos.

     É legítima a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal que assente na violação de qualquer dos passos que conduzem a essa convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos.

     Ora, como vimos, na apreciação que fez da prova, o tribunal a quo excluiu indevidamente meio de prova: a confissão da arguida na parte em que dá como não provado que :”A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”.

    Esse desaproveitamento de meio de prova, por si só, faz com que o resultado do processo probatório esteja, necessariamente, viciado.

     Decidindo-se que existem meios de prova que foram excluídos do processo probatório, mas erradamente, pois deviam ter sido valorados, o tribunal terá de proceder a uma nova apreciação da prova na sua globalidade.

   Verifica-se, assim, ter havido erro notório na apreciação da prova, porquanto,  analisando a sentença é manifesto que o Tribunal não valorou devidamente a prova.

    Afigura-se-nos que ao recorrente assiste razão e que se impunha a condenação da arguida pela prática do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art.355º do C.P., estando-se perante a situação a que se reporta o artigo 412º, nº 3, do mesmo Código, pois a prova produzida impõe decisão diversa da que foi tomada.

    Assim, impõe-se a alteração da matéria de facto provada, passando a inexistir factos não provados e a constar como facto provado, para além dos que constam da decisão recorrida, o seguinte:

- A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    Consequentemente, deverá ser dado provimento ao recurso, alterando-se a matéria de facto nos termos supra referidos, com base na prova dos factos por que a arguida vinha acusado e os factos naquela considerados provados e relativos à situação económica e ausência de antecedentes criminais da arguida, condenando-se esta pela prática de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art.355º do C.P.

                                                                       *

     Face à imputação à arguida do crime que lhe era imputado na acusação, impõe-se a aplicação da respectiva sanção.

   Coloca-se, porém, a questão de saber se a determinação da pena relativa a crime pelo qual a arguida havia sido absolvida na 1ª instância deverá ser proferida por este Tribunal de recurso ou antes pela 1ª instância.

    Uma decisão penal condenatória não pode ser exequível se não tiver determinado e aplicado a correspondente pena.

   Como decidiu o Ac. do STJ de 16.05.2012, Cons. Pires da Graça, disponível em www,dgsi.pt “A Relação conhece de facto e de direito (art. 428º do CPP) devendo por isso subsumir o direito aos factos. O recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão (art. 402.º n.º 1 do CPP). Mesmo que houvesse limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.° n.° 3 do CPP). Se a Relação como tribunal de recurso, ao arrepio dos seus poderes de cognição, não decidir de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, incorre em omissão de pronúncia geradora de nulidade nos termos do art. 379º n.° 2 do CPP.

            Com efeito, se houver apenas recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no artº 410º nºs 2 e 3 do CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto (nº 8 do artº 414º do CPP), ou seja: a função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é, a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito.

     Se o tribunal superior não decidisse de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, devolvendo a parte incompleta para a 1ª instância decidir, frustraria o caso julgado, porque conduziria à eternização da instância, de forma tautológica, pois a cada decisão da 1ª instância poderia seguir-se recurso, que, (re)apreciado, pelo tribunal superior, poderia de novo decidir em parte, e remeter a outra parte decorrente dessa apreciação à 1ª instância para decisão subsequente, à qual poderia seguir-se novo recurso, e assim sucessivamente”.

   Entendemos, pois, que a aplicação da pena por este Tribunal, para além de imperativo jurídico-processual, em nada contende com o direito de defesa e de recurso do arguido.

   Com efeito, o artº 32º nº 1 da CRP, ao assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, incluindo o recurso, impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efetivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e sobre a medida da pena. Os fundamentos do direito ao recurso, que entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição, são: a redução do risco de erro judiciário, a apreciação da decisão recorrida por um tribunal superior e a possibilidade de, perante este, a defesa apresentar de novo a sua visão sobre os factos ou sobre o direito.

     No caso de recurso interposto pelo Mº Público de decisão final absolutória, como o caso sub judice,  a arguida pôde intervir como recorrida no recurso contraditando a argumentação do recorrente, respondendo ao parecer em cumprimento do artº 417º nº 2 do CPP, influenciando de forma ativa a decisão a proferir. Por isso, o acórdão proferido em 2ª instância consubstancia o duplo grau de jurisdição consagrado no citado artº 32º nº 1 da CRP.

    E sendo a Relação um tribunal de apelação que conhece de facto e de direito, e não um tribunal de revista como sucede com o STJ (que visa apenas o reexame de direito), ao poder de revogação da decisão recorrida pela Relação, acresce o poder rescisório, de substituição da decisão revogada, significando isto que a Relação, enquanto instância de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição, não pode limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão, devendo antes proferir uma nova decisão, que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis, porquanto o expediente de reenvio tem sempre um cariz excecional (artº 426º do C.P.P.)

     No caso sub judice, inexistindo carência factual indispensável à decisão no seu todo, já que nos autos foram colhidos os elementos suficientes para se fazer a determinação da medida da pena, impõe-se que seja este Tribunal da Relação a proceder à determinação da pena adequada aos factos resultantes da alteração da matéria de facto supra referida.

    Assim sendo, a decisão proferida pela Relação terá de observar os requisitos previstos no artº 374º do C.P.P., designadamente no seu nº 3, entre os quais, “as disposições legais aplicáveis (al. a) e a decisão condenatória ou absolutória (al. b), cujo incumprimento gera a nulidade da decisão – artº 379º nº 1 do C.P.P.).

      Cumpre assim proceder à determinação da pena a aplicar à arguida, posto que o crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

       A pena, meio de tutela gravoso, implica a privação de um bem e uma reprovação da conduta do infractor.

     Neste sentido, como defende Max Weber, o direito surge como ordem de coacção que inflige um castigo ao infractor, obrigando-o a prestar contas pela violação da ordem estabelecida.

      Ora, como pondera Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, a unidade Direito-Justiça só existe enquanto a força legitimadora está limitada ao próprio direito; a ruptura desse limite, quer por excesso quer por defeito, denega-o, destruindo a garantia de validade da ordem socialmente estabelecida e, consequentemente, aquela mesma unidade.

     É, essencialmente, o grau de culpa que determina o "quantum" da pena que, contudo, contém uma margem de variação onde estão incluídos os fins de prevenção geral e especial como estabelece o art.71º - cfr. Eduardo Correia in Direito Criminal.

    Sendo a pena essencialmente a consequência da culpa ética, impõe-se atender ao primado ético-retributivo na fixação da pena.

     E, como resulta do preâmbulo respectivo, o Código Penal traça um sistema punitivo que parte do pensamento fundamental de que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador. 

         Para efeitos da determinação da medida concreta das pena a aplicar ao arguido, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele - arts.71º nºs.1 e 2 do C.P.                        

    Dos vários factores erigidos por este preceito destaca-se a culpa do agente, pedra angular de todo o direito punitivo e sobre a qual foi dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/01/85 - C.L.J. Tomo 1, pág.86 - "num direito penal como o vigente, que procura adequar todas as providências penais à personalidade do agente não pode ser descurada a consideração dos motivos. São eles que dão relevo à culpabilidade e, por conseguinte, entram no juízo complexivo relativo à personalidade moral do delinquente que deve ter-se presente para a determinação concreta da pena, a qual, para ser verdadeiramente retributiva, deve estar numa relação de proporção com a gravidade da culpa".

   Segundo critérios adequados de ponderação, não existem circunstâncias de valor especial e ou extraordinário que justifiquem a atenuação especial da medida da pena a aplicar ao arguido, pois que nenhum elemento de relevo se apurou no sentido de que alguma circunstância no seu comportamento diminua por forma acentuada a ilicitude dos factos, a sua culpa ou as necessidades punitivas.

   Assim, no doseamento da pena, há que ponderar o modo de execução dos factos, que revela que o dolo presente na conduta do arguida foi directo.

    Atenta a natureza do ilícito em causa, as exigências de prevenção geral não são muito elevadas, assim como as exigências de prevenção especial também o não são, porquanto a arguida não tem antecedentes criminais, confessou a prática dos factos, integralmente e sem reservas, sendo ainda de considerar o lapso de tempo já decorrido desde a data da prática dos factos.

    Assim, tudo ponderado - a culpa da arguida e as necessidades de prevenção do crime - à luz do principio de que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade, e, ainda, no principio de que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p.227), considera-se  ajustada e proporcional às necessidades de prevenção geral e especial a pena de quarenta dias de prisão, pena que, nos termos do disposto no art.43º, nº1, do C.P. se substitui por pena de quarenta dias de multa.

   Na determinação do montante diário da multa e tendo em consideração que o mesmo deve ser fixado entre € 5,00 e €500,00 em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artº 47º nº 2 do Cód. Penal), atendendo a que, como consta na sentença: “A arguida encontra-se desempregada há cerca de 6 meses, sem auferir subsídio.

          8. Vive com o marido e a filha com 19 anos de idade, também desempregada e sem subsídio.

        9. O marido da arguida é reformado recebendo quantia não inferior a 400,00€ de pensão de reforma.

        10. Vive em casa arrendada, pagando 285,00€.

       11. A arguida faz algumas horas com empregada doméstica, retirando mensalmente quantia não inferior a 30,00€.

       12. Tem o 3.º ano de escolaridade.

       13. Muitas vezes a arguida deixa a renda de casa por pagar para poder ter dinheiro para comer e pagar água e luz.”,

entende-se como adequado fixar a taxa diária da multa em € 5,00.           

                                                  *

               Decisão

            - Pelo exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:

    - Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a sentença recorrida e, em consequência da alteração da matéria de facto nos termos supra referidos, pelos quais vinha acusada, condenam a arguida FS... pela prática de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art.355º do C.P.,  na pena de quarenta dias de prisão, pena que, nos termos do disposto no art.43º, nº1, do C.P. se substitui por pena de quarenta dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco Euros).

        - Sem custas.

                                                                          *

                              Elaborado e revisto pela primeira signatária

                                      Lisboa, 15 de Janeiro de 2014

                                      Laura Goulart Maurício

                                      Jorge Langweg

[i] In "Código Penal Português - Anotado e Comentado e Legislação Complementar", 13ª ed., 1999, pág. 938.

[ii] cfr. Ac. do STJ de 30/06/99, in CJ, Tomo II, pág. 238, onde se refere que este tipo legal de crime "tem como elemento típico essencial que o agente destrua, danifique, inutilize ou subtraia o objecto.