EMBARGOS DE TERCEIRO
CASO JULGADO
REIVINDICAÇÃO
Sumário

I) A reforma processual civil de 95/96 alterou o regime do caso julgado material formado pela sentença de mérito proferida em embargos de terceiro, que passou a abranger a existência e titularidade do direito invocado nos embargos.
II) Tendo a Recorrente invocado contra a Recorrida, em embargos de terceiro, factos tendentes a demonstrar a efectiva titularidade do direito de propriedade sobre os bens que ora reivindica, verifica-se a excepção de caso julgado.
III) A razão de ser da autoridade de caso julgado que reveste as decisões transitadas encontra-se na necessidade de certeza quanto aos direitos ou interesses dignos de tutela que foram submetidos a declaração por um terceiro imparcial e equidistante.

Texto Integral

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I…, LDA., instaurou acção declarativa, com processo sumário, contra L…, Lda., e V…, LDA., pedindo

que estas sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre sete bens móveis que identifica e, consequentemente, a restitui-los.

Alegou, em síntese, que, em 1999, comprou tais bens à 1ª Ré, bens que lhe pertencem, mas que os mesmos foram penhorados no âmbito de um processo executivo em que é exequente a 2ª Ré e executada a 1ª Ré.

A Ré V... contestou. Defendeu-se por excepção dilatória de caso julgado, sendo certo que a Autora já deduziu embargos de terceiro contra as rés pelos mesmos factos no processo nº …-A/2002., os quais foram julgados improcedentes.

Mais alega que, não satisfeita, a Autora fez o mesmo pedido na acção de processo sumário nº …/08.7TBSRQ, também julgada improcedente.

Por seu turno, a Autora pugna pela improcedência de tal excepção, alegando que o processo nº …/08.7TBSRQ foi julgado improcedente por preterição de litisconsórcio passivo e que o processo nº …-A/2002, referindo-se a embargos de terceiro, não contende com a presente acção.

Foi proferido saneador que concluiu existir autoridade de caso julgado relativamente ao pedido formulado na acção, e, em consequência, absolveu as Rés da instância [artigo 494º, alínea i) e 493º, nº2 do Código de Processo Civil].


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Inconformada interpôs a A competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma:

‘’a) Entendeu-se na Douta sentença recorrida que a acção intentada pela ora Recorrente devia naufragar porquanto se verificaria a ocorrência de caso julgado formado anteriormente no processo nº …-A/2002, caso julgado esse que obstaria a apreciação da presente acção, com a necessária absolvição das Recorridas da instância, nos termos dos artigos 493º, nº 2 e 494 i), ambos dos CPC.

b) O processo nº …-A/2002 foram uns embargos de terceiro deduzidos pela aqui Recorrente contra um acto que considerou ofensivo da sua legítima posse sobre os bens que foram penhorados naqueles autos principais mas importa, no entanto, aferir dos efeitos externos da sentença proferida no processo nº …-A/2002 e se os mesmos são de molde a poder considerar-se que ocorre uma situação de caso julgado obstativa que o presente processo siga a sua regular tramitação.

c) Não podendo deixar de se abordar a natureza e essência da figura dos embargos de terceiro sendo que tal figura jurídica não tem, nem nunca teve, por finalidade averiguar ou reconhecer direitos, designadamente não visa reconhecer o direito de propriedade que é o que se encontra aqui em causa.

d) Os embargos de terceiro têm por fim exclusivo o extinguir/eliminar do acto que o embargante considera lesivo da sua posse ou que não se compatibilize com o direito de que o mesmo se arroga e por aqui se ficam os fins dos embargos de terceiro, sendo que extrapolar ou decidir para além deste limite (legal) sempre seria algo de ilegal.

e) Os embargos de terceiro não são sequer impeditivos de que se venha a interpor, como in casu ocorreu, uma acção tendente ao reconhecimento de propriedade da aqui Recorrente, pelo que, tudo visto e sopesado quanto a este aspecto, não pode um putativo caso julgado ser usado como argumento obstativo à apreciação de meritis dos presentes autos.

f) E isto, repita-se, porque aquele meio processual de embargos de terceiro não é o meio adequado para determinar direitos, ora se não o é fica, em consequência, completamente afastada a hipótese de os presentes autos virem a determinar algo – a posse e propriedade da Recorrente sobre os bens móveis – em contradição com o decidido no processo de embargos de terceiro nº ….-A/2002.

g) Por outra via na presente acção é invocada a causa de aquisição originária da usucapião e tal não foi sequer colocado nos supra referidos embargos de terceiro, revelando, assim, um menor acerto entender-se que a causa de pedir é a mesma.

h) O que obsta também a consideração da ocorrência da excepção de caso julgado.

i) Violou a sentença os artigos 493º, nº 2 e 494 i), ambos dos CPC, pelo que não se pode a mesma manter erecta antes devendo ser revogada e substituida por uma decisão que ordene a regular tramitação e prossecução dos autos para apreciação de meritis.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta sentença que assim não entendeu, mais se ordenando a regular prossecução dos autos para decisão de meritis se a tal nada mais obstar, tudo o mais com as consequências legais’’.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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A única questão decidenda consiste em saber se se verifica ou não uma questão de caso julgado e /ou uma excepção dilatória de caso julgado.

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São de considerar assentes os seguintes elementos de dados de facto:

1. V..., Construção Civil, Lda, instaurou contra L… Lda. e L… acção executiva para pagamento de quantia certa, a seguir a forma ordinária, fundada em letra de crédito, com vista ao pagamento da quantia de € 19. 453,12, acrescida de juros.

2. Por diligência levada a cabo por funcionário judicial foram penhorados a L…, Lda., uma serra de fita, uma plaina universal, uma grua de construção e uma tupia vertical, tipo plaina.

3. I… Lda e M… Lda instauraram embargos de terceiro contra V..., Construção Civil, Lda, e L…. Lda pedindo que se julgue que a penhora sobre as máquinas descritas ofendeu o seu direito de propriedade, ficando a mesma sem efeito.

4. Alegaram, em síntese, que:

-foram penhorados à executada, L.. Lda uma serra de fita, uma plaina universal, uma grua de construção civil e uma tupia vertical, tipo plaina ;

- a plaina universal e a tupia vertical tipo plaina pertencem à primeira embargante, por as ter comprado à executada;

- além disso, é a primeira embargante que, desde a data da celebração desse contrato , está na sua posse, usando-os na sua actividade, o que faz na convicção de que lhe pertenciam e que não ofendia os direitos de outrem, e nunca ninguém pôs em causa tal propriedade;

- adquiriu tais móveis por usucapião;

- a grua e a serra de fita pertencem à segunda embargante, que as adquiriu, pagando o respectivo preço.

5. Por decisão proferida em 12 de Setembro de 2006, foram julgados improcedentes os embargos de terceiro.

6. Em 12 de  Agosto de 2008, I…Lda instaurou contra L…., Lda, acção declarativa, sob a forma sumária, pedindo a condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os seguintes bens móveis:

- Máquina Universal com Garlopa GOFH, marca Mida;

- Chariot com serra de fita CQU-120, marca Mida;

- Desengrossadora 0-6, marca Mida;

- Esquilhadora serra disco inclinável , 1990, marca Mida;

- Túpia Vertical, 3 Vel. TV3, 1988, marca Mida;

- Termo Copiador T04, marca Mida;

- Torno de Marca Pinheiro, e, consequentemente a restituir-lhe os mesmos bens.

7. Alegou, em síntese, ter adquirido tais bens, por compra à ré, efectuada em 15/07/1999, bens esses que vem utilizando desde aquela data, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente, pelo que também, e por tal motivo, adquiriu  os mesmos por usucapião, tendo sido surpreendida em Dezembro de 2007, com a penhora dos mesmos, num processo em que não era parte, já que a executada é a ré.

8. V..., Construção Civil, Lda. deduziu incidente de oposição espontânea, que foi indeferido, não tendo sido admitido o requerimento de interposição de recurso daquele indeferimento.

9. De seguida foi proferida sentença com o seguinte teor:

- Declaro que a A. I…, Lda. é proprietário dos seguintes bens móveis:

- Máquina Universal com Garlopa GOFH, marca Mida;

- Chariot com serra de fita CQU-120, marca Mida;

- Desengrossadora 0-6, marca Mida;

- Esquilhadora serra disco inclinável , 1990, marca Mida;

- Túpia Vertical, 3 Vel. TV3, 1988, marca Mida;

- Termo Copiador T04, marca Mida;

- Torno de Marca Pinheiro.

Condeno a Ré L… Lda. a restituir à A. I…, Lda. os bens móveis acima identificados.

10. V... Lda. interpôs recurso da aludida sentença tendo a Relação confirmado integralmente a decisão proferida.

11. Interposto novo recurso para o terceiro grau, a revista foi concedida com absolvição da Ré L… Lda da instância.

12. Em 12 de Fevereiro de 2013, I…, LDA., instaurou acção declarativa, com processo sumário, contra L…, Lda., e V..., LDA., pedindo que estas sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre os seguintes bens:

- Desengrossadora 0-6, marca Mida;

- Esquilhadora serra disco inclinável , 1990, marca Mida;

- Termo Copiador T04, marca Mida;

- Torno de Marca Pinheiro;

E a restituirem os mesmos à Autora.

13. Em 13 de Fevereiro de 2013, antes das rés terem sido citadas , alegando que ‘’apenas após a submissão via citius reparou que existe um lapso material no artigo 1.º da Petição Inicial’’ veio a Autora apresentar nova petição corrigida, acrescentando aos bens acima indicados mais os seguintes:

- Máquina Universal com Garpola GOFH, marca MIDA;

- Chariot com serra de fita CQU-120, marca Mida;

- Túpia Vertical 3 vel. TV3, 1988, marca Mida.

 14. Alegou, em síntese, que, em 15/07/1999, comprou tais bens à 1ª Ré, bens que lhe pertencem, porquanto, se outro título não tivesse, sempre os teria adquirido por usucapião, mas que os mesmos foram penhorados no âmbito de um processo executivo em que é exequente a 2ª Ré e executada a 1ª Ré.

14. Tal acção foi julgada improcedente com fundamento na existência de autoridade de caso julgado, tendo as rés sido absolvidas da instância. instância.


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Do Mérito do Recurso.

i) Os embargos de terceiro, desde a Novíssima Reforma Judiciária de 21 de Maio de 1841 até à entrada em vigor do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, sempre constituíram (exclusivamente) um meio de tutela possessória face à ameaça ou agressão efectiva da posse exercida sobre a coisa por um terceiro.

ii) Com o Decreto –Lei n.º 329-A/95 tudo se modificou. Lê-se no preâmbulo deste diploma ‘’A principal inovação, no que ao incidente de oposição respeita, é a inclusão no seu âmbito do processo de embargos de terceiro, perspectivados como verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências.

A eliminação das acções possessórias do elenco dos processos especiais, a ampliação, que se julga perfeitamente justificada, dos pressupostos de admissibilidade dos embargos de terceiro - que deixam de estar necessariamente ligados à defesa da posse do embargante, configurando-se como meio processual idóneo para este efectivar qualquer direito incompatível com a subsistência de uma diligência de cariz executório, judicialmente ordenada  - e a criação de um meio processual específico, destinado a facultar ao executado a reacção contra uma penhora, por qualquer motivo ilegal – a oposição à penhora – obrigaram a equacionar e solucionar a questão de qual a inserção sistematicamente correcta do instituto dos embargos de terceiro.

Considerou-se que em termos estruturais, o que realmente caracteriza os ‘’embargos de terceiro’’ não é tanto o carácter ‘’especial’’ da tramitação do processo através do qual actuam  - que se molda actualmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante -, mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de algumas das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante.

Relativamente ao regime proposto para os embargos de terceiro, salienta-se a possibilidade de, através deles, o embargante poder efectivar qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido, que não apenas a posse.

Permite-se, deste modo, que os direitos ‘’substanciais’’ atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação, por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação.

(…)

A ampliação do fundamento dos embargos ditou, por outro lado, que os termos processuais subsequentes serão moldados segundo o processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor – assim se assegurando os direitos dos interessados a verem apreciado o litígio com as mesmas garantias de que beneficiariam  em acção autónoma  - e conduzindo logicamente, por esta razão, o processo de embargos à formação de caso julgado material, relativamente à existência e titularidade dos direitos que dele foram objecto’’.

iii) Ex artigo 3.º do DL 329-A 95 foram, pelas razões apontadas, revogados os artigos 1033.º a 1051.º do CPC, passando o artigo 351.º , n.º 1, que corresponde, com alterações significativas , ao anterior artigo 1037.º, a ter a seguinte redacção: ‘’Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro’’.

iv) O DL 38/2003, de 8 de Março, alterou ainda a redacção da referida formulação normativa que passou a ser: ‘’Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro’’.

v) Se com a reforma da acção executiva a penhora deixou, em regra, de carecer de despacho judicial prévio, houve que adaptar o preceito à nova realidade jurídica.

vi) Cumpre acrescentar, como mera nota, porquanto não se aplica ao caso o chamado nCPC , que o actual artigo 342.º, mantém inalterado o referido preceito.

vii) Uma das alterações profundas operada pela reforma de 95/96 foi o regime do caso julgado material consagrado no artigo 358.º: ‘’A sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.º 2 do artigo anterior’’.

vii) Esse número 2 consagra a possibilidade de, quando os embargos se fundem na invocação da posse, poder qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida.

viii) Anotando o citado artigo 358.º dizem Lebre de Freitas e outros: ‘’Não sendo as garantias das partes nem a complexidade da tramitação inferiores nos embargos de terceiros às da tramitação da acção declarativa com processo comum, o caso julgado produz-se. Delimitado, de acordo com as regras gerais, pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 498.º), há que atender, para a determinação do seu âmbito, ao fundamento dos embargos e, quando estes se baseiam na posse, ao facto de ter sido reconvencionado o direito de propriedade.

À primeira vista, dir-se-ia que o preceito limita a formação do caso julgado aos casos em que é invocado, inicialmente ou na contestação, o direito de fundo (‘’existência ou titularidade do direito). Mas a aproximação da sua letra à dos artigos 353.-1 e 354 leva a concluir que também aqui o termo direito abrange o direito e a posse, categorias que só aparecem diferenciadas no artigo 351-1. Assim:

- Se os embargos se fundarem em direito de fundo do terceiro, ficará assente a existência ou inexistência deste direito;

- Se a causa se mantiver no âmbito da posse, ficará assente que o terceiro era ou não possuidor do bem penhorado à data da apreensão;

- Se for reconvencionado o direito de propriedade (ou outro direito real de gozo) da pessoa contra quem a diligência tiver sido promovida, ficará assente que esta é ou não proprietária do bem apreendido (ou titular do direito real menor invocado);

- Se o terceiro tiver fundado os embargos na posse e, perante a reconvenção, se limitar, na réplica ou na resposta à contestação, a invocar o direito de propriedade sem pedir o seu reconhecimento, essa invocação funcionarão como impugnação do direito de propriedade do executado, não sendo abrangido pelo caso julgado o direito de propriedade assim invocado’’ (José Lebre de Freitas et alii, Código de Processo Civil, Anotado, Vol.º I, 2.ª ed., Coimbra, 2008:678/679).                                                                                                                                            

ix) No caso sujeito a recorrente invocou nos embargos, como causa de pedir, factos tendentes a demonstrar a efectiva titularidade do direito de propriedade sobre uma plaina universal e uma tupia vertical tipo plaina, bem como a posse desses bens.

x) Esses embargos foram, como vimos, julgados improcedentes.

xi) Como também se viu, se os embargos se fundarem em direito de fundo do terceiro, ficará assente a existência ou inexistência deste direito. É este o caso.

xii) A presente acção é, sem sombra de dúvidas, uma acção de reivindicação.

xiii) O que nos diz a corrente maioritária e tradicional a propósito da acção de reivindicação?

Diz-nos isto:

1.º Quanto à natureza
– Trata - se de uma acção de condenação (artigo 4.º, n. 2, al. b) ) em que o proprietário não possuidor pede que seja considerado como proprietário de uma determinada coisa, móvel ou imóvel, na posse ou detenção do réu e que esta lhe seja restituída (artigo 1311.º CC).
- As acções de condenação são também de apreciação, já que o juiz não pode condenar o réu sem primeiro apurar se a prestação é devida. «Mas a apreciação aparece aqui como meio para se chegar a um fim último: a condenação, ao passo que na acção de simples apreciação o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação» (Alberto dos Reis, Processo Ordinário e Sumário, 1907:241, nota 1).
- 2.º Quanto aos sujeitos
- Sujeito activo da reivindicação é o titular do direito de propriedade e de outros direitos reais que compreendem no seu conteúdo a posse da coisa - Sujeito passivo é aquele em poder de quem a coisa se encontra, quer seja um verdadeiro possuidor, quer um simples detentor.
3.ºQuanto ao pedido
Só processualmente existe uma acção de simples apreciação positiva, cumulada com uma acção de condenação (artigos 4.º, n.º 2, alíneas a) e b) ), sendo certo que o pedido é um só: a restituição da coisa após a averiguação de determinada qualidade jurídica. O que se harmoniza com a letra do artigo 1311.º CC onde se fala em consequente restituição.
Quando o autor pede que seja reconhecido legítimo proprietário da coisa e que o réu seja condenado a restituir–lhe essa coisa, não se está perante uma cumulação real de pedidos, tal como a caracteriza o artigo 470.º CPC , mas antes face a um caso típico de cumulação aparente de pedidos.
Na acção de reivindicação não há que pedir a condenação do réu a reconhecer que o autor é proprietário da coisa reivindicada. «...isto não tem em Direito nenhum sentido. O réu não é condenado a reconhecer, não tem de prestar facto ou declaração com este conteúdo. A única declaração que pode estar em causa é a do próprio tribunal» (José Oliveira Ascensão, «Acção de reivindicação», ROA, 57(1997):516).
4.º Quanto à causa de pedir
O artigo 498.º, n.º4 declara que nas acções reais a causa de pedir é o facto de que deriva o direito real. Aqui se consagra a teoria da substanciação segundo a qual o facto aquisitivo da propriedade tem de ser alegado, não bastando a mera invocação da propriedade;
«A causa de pedir nas acções de reivindicação ou seja o facto jurídico de que deriva o direito real só pode ser constituída pela alegação de uma das formas originárias de adquirir», Ac RL 19.3.75, BMJ, 246:177).
xiv) O que identifica uma acção é a tríplice identidade  - dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (artigo 498.º do CPC).

Se essa identidade existe, no confronto de duas acções sucessivas não estando já uma em curso, estamos perante uma excepção dilatória de caso julgado.

xv) Na origem do processo e da jurisdição encontra-se o legítimo desejo de os particulares adquirirem certeza relativamente aos seus direitos ou interesses dignos de tutela.

xvi) Perante a dúvida quanto à existência desses direitos, aberta pelo conflito de vontades e de acções práticas dos particulares, partes numa determinada relação ou situação com relevo jurídico, nasce a exigência do juízo, do recurso a um terceiro imparcial e equidistante que declare o direito.

xvii) O acertamento judicial surge como o mais importante antídoto para dissipar aquela dúvida.

xviii) Contudo, se esse acertamento pudesse ele mesmo ser posto em dúvida e discutido vezes sem conta, sem limites, até ao infinito, não constituiria remédio eficaz para superar a crise instalada nas relações jurídicas. O processo perderia qualquer utilidade e o ordenamento jurídico deixaria de ser aquilo que é, para dar lugar ao seu contrário, a desordem e a instabilidade permanentes.

xix) Para obviar a esse resultado torna-se necessário que o acertamento jurisdicional revista a característica da indiscutibilidade.

xx) O conceito de caso julgado exprime precisamente esta característica. O artigo 671.º, n.º 1, estipula que, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 497.º e 498.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771.º a 777.º.    

xxi) O benefício que o caso julgado material confere às partes é o de justamente impedir que se conheça várias vezes do mesmo objecto, no confronto entre as mesmas partes, pois se tal vantagem não fosse conferida, designadamente à parte vencedora, anulava-se a própria certeza jurídica e a possibilidade de imprimir regularidade às relações sociais.

xxii) Importa, no entanto, distinguir a excepção de caso julgado, que visa propriamente evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, da autoridade de caso julgado, que salienta a sua vertente positiva, que ‘’é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva, à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente’’.

xxiii) No caso vertente, à míngua de outros elementos que permitam configurar melhor a identidade entre os móveis reivindicados na presente acção e aqueles sobre que incidiu a decisão proferida nos embargos de terceiro, somos forçados a concluir que os mesmos se reportam aos indicados nas alíneas a) e g) do artigo 1.º da petição inicial rectificada.

Estes e só estes estão cobertos pelo caso julgado.


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Pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente apelação e, consequentemente, em revogar também parcialmente a decisão recorrida, que se substitui por outra que ordena o prosseguimento dos autos, a fim de se apurar a titularidade do direito invocado sobre os bens elencados nas alíneas b) a f) do artigo 1.º da petição inicial rectificada, disso se retirando as necessárias consequências processuais.

Custas por recorrente e recorridas na proporção do respectivo decaimento


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23.01.2014

(Luís Correia de Mendonça)

(Maria Amélia Ameixoeira)

(A. Ferreira de Almeida)