CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
ASSINATURA
NULIDADE DO CONTRATO
DEVER DE INFORMAR
Sumário

I - Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir: a exigência do art 6º do DL 359/91 de 21/9 é para ser observada em todos os contratos que se subsumam ao âmbito material e temporal de aplicação desse diploma, quer tenham lugar entre presentes ou entre ausentes.
II – É no acto da subscrição de um contrato que o seu subscritor está mais alerta para o conteúdo concreto do mesmo, pelo que a sua entrega imediata- ao contrário da entrega deferida- gera no consumidor a vontade de visualização, acrescendo que a simultaneidade pretendida opera a outros níveis, em especial, no tocante à informação adequada.
III - De facto, a entrega ao consumidor do exemplar do contrato no acto da respectiva assinatura, para além de ser obrigatória em todos os contratos de crédito ao consumo, deverá - especialmente nos contratos entre ausentes - assumir-se como o ponto de chegada de uma informação completa e verdadeira susceptível de ter contribuído para uma correcta formação de vontade de contratar.
IV- Na situação dos autos, perante o vicio exclusivamente imputável à financiadora de que o contrato ab origine padece e as circunstâncias concretas da formação do contrato relatadas em pormenor pela própria A. no articulado de resposta às excepções, é de se entender que a invocação da nulidade que está em causa, por parte do R., não obstante este ter cumprido o contrato o período de tempo correspondente ao pagamento das primeiras 45 prestações – das 120 convencionadas - não é comportamento que, só por si, fosse apto a criar na financiadora a confiança de que a nulidade não seria suscitada, e que torne inaceitável «em termos de  clamorosa e chocante violação das regras da boa-fé» que  aquele a tivesse vindo a invocar.
V- O entendimento de que seria a vendedora quem teria que devolver ao mutuante o valor mutuado, implicaria que o mutuário fosse detendo e utilizando o veículo, tendo pago, porventura, até então, importância pouco significativa do crédito, sendo certo que, como é sabido, os veículos são bens que perdem facilmente valor, pelo que a vendedora não se ressarciria facilmente, com a apreensão do veículo do valor entregue à mutuante.
VI - Se fosse para se concluir que nestas circunstâncias o mutuante apenas se poderia ver restituído do capital mutuado pela vendedora, não seria razoável entender que a invocação da nulidade pelo mutuário não constituíria abuso de direito.
VII – Em situações como as dos autos – subsumíveis à disciplina do nº 1 do art 12º do DL 359/91- e em que ao mutuário foi entregue pela entidade vendedora o veículo, a nulidade do mútuo implicará que o mutuário restitua à mutuante o capital mutuado.
VIII – Se o veículo não foi entregue ao mutuário, já não se lhe pode impor a restituição do capital mutuado, pois desse modo acabaria por ser duas vezes castigado: não recebeu o bem e ainda assim tem de o pagar. Nessas situações, quem tem de restituir ao mutuante o capital mutuado é a vendedora que não cumpriu adequadamente a “designação finalística” implicada no mútuo, radicando, em última análise, neste seu incumprimento a razão para essa restituição.
IX- Também se a situação factica implicar a respectiva subsunção ao nº 2 do art 12º DL 359/91, o incumprimento por parte da entidade vendedora implica que seja ela quem tem de restituir ao mutuante o capital mutuado.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – A, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário contra B e C, pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente entre si, a pagar-lhe as quantias de 15.641,20 € e de 1.018,45 €, acrescidas de 387,22 € (312,13 euros + 75,09  euros), de juros vencidos até 15.03.2011 e de 15,49 € (12,49 euros + 3,00 euros), a título de imposto de selo sobre tais juros e, ainda, os vincendos sobre aquelas quantias,  às taxas anuais de 14,77% e de 39%, respectivamente, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair, até integral pagamento.
Alegou, em síntese e com relevo que, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com o R. marido um contrato de mútuo com vista à aquisição, por este, do veículo automóvel identificado nos autos, sendo que este deixou de cumprir com o pagamento das prestações acordadas. Mais alegou que o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR., atento o veículo se destinar ao património comum do casal. Alegou, também, que emitiu um cartão de crédito a favor do R. marido, não tendo este procedido ao pagamento das despesas efectuadas com a utilização do mencionado cartão. Alegou, igualmente, que as despesas feitas, cujo pagamento o A. suportou ao abrigo do referido cartão de crédito, foram feitas no interesse e em proveito da R. mulher.
O Réu B contestou, defendendo-se por excepção e impugnando, no essencial, a factualidade vertida na petição inicial. Terminou pedindo que a acção seja julgada improcedente, declarado nulo o contrato de mútuo por violação do disposto nos artigos 6º do DL 359/91, de 21 de Setembro e 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, declarado nulo o contrato de crédito e nula a compra e venda, nos termos do disposto no artigo 12º do DL 359/91, de 21 de Setembro e, em consequência, ser o R. absolvido do pedido.
A R. C contestou, defendendo-se por excepção e impugnando, no essencial, a factualidade vertida na petição inicial. Terminou pedindo que a acção seja julgada improcedente, declarado nulo o contrato de mútuo por violação do disposto nos artigos 6º do DL 359/91, de 21 de Setembro e 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, declarado nulo o contrato de crédito, reconhecer-se que a R. mulher não teve qualquer intervenção nos contratos celebrados, não podendo pelos mesmos ser condenada e, em consequência, ser absolvida do pedido.
O A. respondeu às contestações, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos RR..

Procedeu-se à realização de audiência preliminar, à elaboração de despacho saneador e à selecção da matéria de facto assente e à fixação da base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença, julgando   a) procedente a excepção peremptória deduzida pelo R., declararando nulo o contrato de crédito e seu aditamento, cujas cópias constam de fls. 13 e 15 dos autos e, consequentemente, julgar improcedente, nesta parte, a presente acção, absolvendo o R. do pedido; b) Julgar procedente a acção, na parte relativa ao contrato de emissão de cartão de crédito, cuja cópia consta de fls. 20 dos autos e, em consequência, condenar o R. a pagar ao A. a quantia de 1.018,45 euros, acrescida dos juros de mora, vencidos desde 05.01.2011, bem como dos juros vincendos sobre aquela quantia, à taxa anual de 39% e, ainda, o imposto de selo que sobre os juros recair, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento; c) Julgar improcedente a acção, quanto à R. absolvendo-a dos pedidos formulados pelo A.

II – Do assim decidido apelou a A. que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:
1- A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, não sendo nulo o contrato referido na al A) da matéria de facto dada como provada e respectivo aditamento, por pretensa violação do disposto no art 6º e no art 5º do DL 446/85, preceitos estes que assim a sentença recorrida violou, sendo igualmente certo que a posição assumida pela ora recorrido nos autos constitui manifesto abuso de direito “venire contra factum proprium” nos termos e de harmonia com o art 334º CC, abuso de direito sempre do conhecimento oficioso do tribunal, pelo que por violação dos citados preceitos deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente e provado e em consequência a sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso, ser substituída por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada contra o R, ora recorrido.
2 - Em alternativa, como hipótese que por absurdo e mero dever de patrocínio se admite, a considerar-se nulo o contrato referido na al A) da matéria de facto e respectivo aditamento, impunha-se sempre ordenar a condenação do ora recorrido a pagar ao A. a importância referida na al H) da matéria de facto dada como provada nos autos – para além daquela em que já foi condenado a pagar na parte da sentença recorrida que não foi objecto do recurso – face ao disposto no art 289º/1 CC, preceito este igualmente violado  pela sentença recorrida.
3 – Deve, pois, por violação dos referidos preceitos julgar-se procedente e provado o presente recurso e substituir-se a sentença recorrida por acórdão que julgue a acção de conformidade com o referido nas conclusões do presente recurso.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III - O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A) No exercício da sua actividade comercial, o Autor A e o Réu B, este na qualidade de «Mutuário», subscreveram o escrito particular denominado por «Contrato de Mútuo», datado de 10/04/2006, cuja cópia consta de fls. 13 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (alínea A) dos Factos Assentes)
B) No escrito particular referido em A), está consignado que, entre Autor e Réu «é celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes...». (alínea B) dos Factos Assentes)
C) No escrito particular referido em A), está consignado «CONDIÇÕES ESPECÍFICAS – Objecto Financiado e Identificação do Fornecedor Identificação do Veículo – Marca: Mercedes; Modelo: Sprinter; Matrícula: 88-15-VA;… Montante Financiamento Automóvel: 21.500,00…Seguro Protecção Total: (alínea b) da Cláusula 15.ª) € 0,00… Montante do Empréstimo: € 21.600,00... Data de Vencimento da 1ª Prestação - 20/05/06; Data de Vencimento da Última Prestação - 20/04/11; Número de Prestações: 60; Montante de Cada Prestação: € 480,00… Total das Prestações: € 28.800,00; Taxa de Juro: 10,77% TAEG: 12,86%;… Feito em duplicado, ficando um exemplar em poder do mutuário, que declara que o recebeu, e outro em poder do Banco Mais… Condições Gerais… 3.Utilização do Empréstimo: O empréstimo considera-se utilizado com a emissão pelo A, de uma ordem de pagamento, a favor do Mutuário ou do Fornecedor do Veículo Financiado de valor igual ao “Montante do Empréstimo” referido nas Condições Específicas… 5.Reembolsos e Pagamentos: a) O empréstimo será reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento, se encontram estabelecidas nas Condições Específicas… c) No valor das prestações, além do capital, estão incluídos os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios de seguro a que se refere a cláusula 15 destas Condições Gerais. 6. Juros: a) O empréstimo vence juros à taxa fixada nas Condições Específicas, não variando ao longo do prazo do contrato... 9. Mora e Cláusula Penal: a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação. b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes. c) Em caso de mora e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.... 15. Protecção a) Por efeito deste contrato e durante a sua vigência o Mutuário e desde que à data da sua celebração não exceda os 70 anos, goze de boa saúde, não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e os 75 anos, beneficia de uma apólice de Seguro de Vida, subscrita pelo A, pela qual, em caso de Morte, até aos 75 anos, 01,1 Invalidez Absoluta e Definitiva, até aos 65 anos, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência, ficarão integralmente saldados. b) Poderão ser subscritos mediante adesão a Apólices de Grupo, seguros os riscos de Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho, por Acidente ou Doença e Desemprego Involuntário, desde que a Pessoa segura satisfaça as condições de adesão, facultadas em documento autónomo. c) O A figurará nas respectivas apólices como único beneficiário…». (alínea C) dos Factos Assentes)
D) O Réu solicitou ao Autor um reforço do empréstimo no valor de € 1.664,40. (alínea D) dos Factos Assentes)
E) Tendo Autor e Réu subscrito o escrito particular denominado «ADITAMENTO AO CONTRATO DE MÚTUO Nº756655», cuja cópia consta de fls. 15 dos autos e cujo teor e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (alínea E) dos Factos Assentes)
F) No escrito particular referido em E), está consignado que «FOI ACORDADO PELO PRESENTE E É REDUZIDO A ESCRITO O SEGUINTE: O número de prestações do contrato passa a ser de 120 meses… no montante de 1.664,40 euros, sendo a importância deste aumento entregue pelo A ao Mutuário, de que este dá quitação. O Valor da Prestação mensal é alterado de 480,00 euros para 265,73 euros. A 1ª prestação a ser cobrada na nova data e com o novo valor é a Nº 24, cuja data de vencimento é alterada de 20-04-2008 para 05-05-2008, e as restantes prestações vencer-se-ão no mesmo dia dos meses imediatamente subsequentes…». (alínea F) dos Factos Assentes)
G) Das referidas em F), o Réu não pagou ao Autor as 46ª a 58ª prestações, vencidas aos dias 5 dos meses de Março de 2010 a Março de 2011. (alínea G) dos Factos Assentes)
H) Nas prestações 59ª a 120ª referidas em F) está incluído capital do valor total de € 12.186,71. (alínea H) dos Factos Assentes)
I) Em 06/10/2006, o Autor e o Réu, este na qualidade de «Primeiro Titular», subscreveram o escrito particular denominado por «Contrato de Adesão Cartão de Crédito … Nº …», cuja cópia consta de fls. 20 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (alínea I) dos Factos Assentes)
J) No escrito particular referido em I) (a referência a E) trata-se de um manifesto lapso de escrita, que se rectifica - artigo 667.º do CPC), está consignado que «… 1. Forma de Pagamento O cliente poderá optar por uma forma de pagamento de % sobre o saldo em divida ou por um valor fixo. Opção em % do saldo mensal acumulado em dívida: 5% X… Opção em valor mensal fixo: 25 euros X… Em caso de ausência ou de duplicação na escolha o Banco considerará uma opção de pagamento de 10% do saldo em dívida…4. Cálculo dos juros e Taxas de juros a. Serão calculados e debitados mensalmente juros desde a data de cada transacção até à data de pagamento. Para os cartões Classic ou Gold e caso o Titular opte e efectue o pagamento a 100% dos valores utilizados beneficiará de isenção de juros mas apenas desde que efectue o pagamento respectivo não depois da data de vencimento definida nos termos da cláusula 9 das Condições Gerais. Excluem-se desta Isenção os levantamentos efectuados junto de máquinas ATM (cash advance), que estarão sempre sujeitos a juros, Independentemente da opção de  pagamento escolhida. b. Taxas de juro a aplicar por tipo de cartão, excluindo operações de levantamento em máquinas ATM: Taxa de Juro mensal… 1,75% 1,75% 1,5%... 9 – Pagamentos a) O pagamento dos valores em divida resultantes da utilização do Cartão será efectuado pelo Titular, mediante transferência bancária para conta do Banco aberta em Lisboa, através de debito (débito directo) em conta indicada pelo Titular, aberta em instituição de crédito em Portugal, pelo valor acordado entre as partes cujos termos se encontrem definidos nos termos constantes das alíneas seguintes. b) O pagamento a que se refere a alínea anterior será efectuado até 20 (vinte) dias após a data de emissão do extracto da Conta- Cartão. c) O pagamento variará entre 5% e 100% do saldo do extracto, de acordo com a opção de pagamento escolhida pelo Titular do cartão aquando da celebração deste contrato, ou em percentagem(ns) diversa(s) em devido tempo comunicada(s) pelo Titular do Cartão ao Banco e por este aceite(s) não podendo contudo o mesmo ser inferior a € 25,00 (vinte e cinco euros). Caso o saldo em divida na data de emissão do extracto seja inferior a € 25,00 (vinte e cinco euros), o valor a pagar será sempre o total do saldo em divida. 10 - Mora e Cláusula Penal a) A falta de pagamento das quantias acordadas nos termos da cláusula anterior constituirá o Titular em mora; b) A constituição do Titular em mora implica o vencimento imediato de todo o saldo em divida, que a partir de então fica também todo ele em mora. c) Em caso de mora incidirão sobre a totalidade do montante em débito e durante todo o tempo da l1Y,lI'a, juros à taxa constante das Condições Particulares, bem como outras despesas decorrentes do  incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada pagamento mensal não regularizado. d) Em caso de mora o Titular do Cartão e, ou, os Titulares Adicionais poderão ainda, por simples decisão do Banco, ser inibidos ou suspensos da utilização do Cartão…12· Duração, renovação e resolução do contrato… c) O presente Contrato pode, a qualquer momento, ser rescindido, por qualquer das partes, mediante comunicação escrita enviada á outra parte com, pelo menos, 15 (quinze) dias de antecedência em relação à data em que a rescisão produzirá efeitos. Em caso de rescisão do presente Contrato o(s)Titular(es) deverá(ão) restituir de imediato ao Banco o(s) Cartão(ões) ao abrigo dele emitido(s). A rescisão do presente Contrato não exonera o(s) Titular(es) da obrigação de pagar(em) ao Banco todas as importâncias e valores correspondentes a operações efectuadas e suportadas com o(s) Cartão(ões) e todos os demais encargos a ele(s) inerente(s) e ainda não pagos ao Banco…». (alínea J) dos Factos Assentes)
K) Em 21/12/2010, o Autor remeteu ao Réu o escrito particular cuja cópia consta de fls. 21 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «…vimos pela presente comunicar que o mesmo fica rescindido a partir de 05/01/2011… a rescisão do mesmo não exonera da obrigação de pagar todas as importâncias e valores correspondentes a operações efectuadas e reportadas com o cartão de crédito emitido ao abrigo do referido contrato e ainda não pagas… Total a reclamar judicialmente em 21-12-2010 1.018,45…». (alínea K) dos Factos Assentes)
L) O escrito particular referido em K) foi remetido, através de correio registado com aviso de recepção, para a morada do Réu que consta do escrito particular aludido em I), e foi devolvido com a menção de «não reclamado». (alínea L) dos Factos Assentes)
M) O Réu entregou ao Autor a quantia total de € 584,24 (por acordo).- (alínea M) dos Factos Assentes)
N) O Réu e a Ré C são casados um com o outro. (alínea N) dos Factos Assentes)
O) Nem o Autor estava presente quando o Réu apôs a sua assinatura no escrito particular referido em A), nem este estava presente quando um representante do Autor o assinou, não tendo sido entregue ao Réu o duplicado do mesmo no momento da assinatura. (alínea O) dos Factos Assentes)
P) Tendo tal duplicado sido remetido, em momento posterior, pelo Autor ao Réu para a sua residência, por correio postal. (alínea P) dos Factos Assentes)
Q) As «condições gerais» do escrito particular referido em A) já se encontravam impressas quando o Réu o assinou. (alínea Q) dos Factos Assentes)
R) E, aquando da sua subscrição, o Autor não informou nem explicou ao Réu o conteúdo dessas «condições gerais». (alínea R) dos Factos Assentes)
S) Em 29 de Janeiro de 2009, o Réu solicitou ao Autor a anulação do cartão de crédito referido em I), tendo entregue a este o escrito particular cuja cópia consta de fls. 53 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e tendo-lhe entregue o referido cartão (por acordo e por documento). (alínea S) dos Factos Assentes)
T) Tendo o Autor destruído tal cartão de crédito nessa data. (alínea T) dos Factos Assentes)
U) O Réu pagou as primeiras 45 prestações e nunca invocou desconhecer ou que não lhe tinham sido comunicadas as «condições gerais» do escrito particular aludido em A). (alínea U) dos Factos Assentes)
V) Através do cartão de crédito aludido em I), o Réu fez despesas no valor de € 1.584,24. (resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória)
W) O valor aludido em M) foi entregue após 29 de Janeiro de 2009, em quantias parcelares, e para pagamento das despesas referidas em V). (resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória)
X) Não tendo o Réu pago ao Autor qualquer outra quantia relativamente às tais despesas. (resposta ao artigo 3.º da Base Instrutória)
Y) A partir de 07-10-2009 até á data, o Réu encontrou-se numa situação de desemprego. (resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória)
Z) Sobrevivendo do rendimento social de inserção atribuído ao agregado familiar composto por um filho menor. (resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória)
AA) O cartão de crédito aludido em I) encontrava-se bloqueado desde 11 de Setembro de 2008 por se encontrar em dívida o valor das despesas referidas em V). (resposta ao artigo 11.º da Base Instrutória).

A esta matéria de facto, importa, para a decisão do presente recurso, fazer acrescer a que decorre da contestação do R. marido e que, porque não impugnada pela A. na resposta às excepções, se mostra assente:
1- O R. adquiriu o veículo referido em C) no stand de automóveis para venda propriedade da sociedade D, onde se deslocou com esse propósito,  e onde veio a solicitar à A. o financiamento de € 21.600,00 para esse efeito.
2- Após comunicação do A., ao vendedor, da aprovação da concessão de crédito, foi um funcionário deste último quem preencheu em conformidade com os elementos de identificação do R. as condições específicas do contrato, bem como os elementos da declaração de autorização de débito em conta junta, tendo-se o R. limitado, naquela ocasião, a assinar o escrito no local destinado ao mutuário, bem como a ordem de autorização de débito que ficaram na posse daquela sociedade.   

IV – São as seguintes as questões que resultam das conclusões das alegações para apreciação: saber se o contrato de mútuo a que se reportam os autos não deve ser tido por nulo por falta de entrega ao R. marido de um exemplar do mesmo quando procedeu à sua assinatura; no caso de se concluir pela sua nulidade, saber se constitui abuso de direito a invocação pelo R. dessa nulidade; e, caso se conclua pela inexistência de abuso de direito, saber se a referida nulidade tem de implicar na presente acção a condenação do R. a pagar ao A. a importância referida na al H) da matéria de facto dada como provada.  

Não está colocada em causa a qualificação do contrato de mútuo, e do respectivo aditamento, a que os autos respeitam, como um contrato de crédito, sob a forma de mútuo oneroso, regulado especificamente, atenta a data da sua celebração – 10/4/2006 - pelo DL 359/91 de 21/9 (que  transpôs para o direito interno as Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.º 87/102/CEE, de 22.12.1986 e 90/88/CEE, de 22.02.1990).

O R. arguiu na contestação a nulidade do contrato, entre o mais, em função de  não lhe ter sido entregue um exemplar do mesmo aquando da sua assinatura.
Dispunha o art 6º DL 359/91 de 21/9 que «o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura».
E o respectivo art 7º dispunha no seu nº 1 que «o contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nº 1 (...) do artigo anterior», acrescentando o  nº 4 que «a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade só pode ser invocada pelo consumidor».

Resultou efectivamente provado que, nem o A. estava presente quando o R. apôs a sua assinatura no escrito de fls 13/15 dos autos, nem este estava presente quando um representante do A. o assinou, não tendo sido entregue ao R. o duplicado do mesmo no momento da assinatura, antes tendo-lhe a A. remetido para a sua residência por correio postal tal duplicado em momento posterior.

Tanto bastaria – na literalidade do referido art 7º - para se ter como improcedente o entendimento do apelante.

Sempre se acrescentará no entanto, e pese embora a apelante não o tenha reflectido nas conclusões, que o entendimento da mesma radica na circunstância de considerar que a obrigatoriedade a que se reporta o referido art 6º - a entrega de um exemplar do contrato ao contraente consumidor no acto da respectiva assinatura – se reporta apenas aos os contratos entre presentes, não sendo aplicável aos contratos entre ausentes, como o é o do caso dos autos.
Tanto quanto se tem conhecimento será (muito) minoritária e nada recente a jurisprudência que comunga com a apelante o referido entendimento.

È certo que se está na presença de um contrato entre ausentes decorrente da circunstância - que a apelante nunca escamoteou - do assentimento das partes relativamente ao acordo implicado no escrito assinado por ambas se processar em momentos temporais – relevantemente – diferentes, correspondentes ao da respectiva assinatura.

Note-se que é perfeitamente concebível que contratos do género daquele que está em causa nos autos possam ser celebrados entre presentes e com o cumprimento da exigência do referido art 6º. Bastaria que a subscrição do contrato pelo consumidor e a correspondente entrega do documento ao mesmo fosse efectuada perante o vendedor com poderes para representar o financiador. O que apenas exigiria por parte das financiadoras, diferentes «conveniências burocráticas ou organizacionais», utilizando as palavras empregues no Ac do STJ de 14/1/99 [1].
E podem tais contratos ser celebrados entre ausentes e ser respeitada a exigência em apreciação, desde que a assinatura do consumidor seja colhida em momento posterior à do credor e que no acto daquela seja entregue ao consumidor o (então já existente) contrato.[2]       

Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir: a exigência do art 6º é para ser observada em todos os contratos que se subsumam ao âmbito material e temporal de aplicação desse diploma, quer tenham lugar entre presentes ou entre ausentes.
O que subjaz a tal exigência é manifestamente a tutela do consumidor, como resulta do respectivo preâmbulo.

È costume pôr em evidência a importância desta entrega do contrato ao consumidor no acto da sua subscrição, através da relação dessa obrigação com o termo inicial do período de reflexão consagrado no art 8º/1 desse DL 359/91.
 Com efeito, nessa norma faz-se depender a eficácia do contrato – com excepção dos casos previstos no nº 5 que se referem à renúncia ao exercício do direito de resolução em caso de entrega imediata do bem - da circunstância de o consumidor não revogar a sua declaração negocial no prazo de sete dias úteis «a contar da assinatura do contrato». Fazendo-se contar o prazo em referência da «assinatura do contrato», a circunstância deste ser entregue ao consumidor depois dessa assinatura, anularia, ou no mínimo poderia limitar a um ponto extremo o período de tempo tido como necessário para a reflexão em causa, por não ser admissível a contagem desse prazo sem que o consumidor “tenha entre mãos e à vista” o contrato sobre cujo clausulado é suposto que reflicta. È a este propósito que se refere no Ac do STJ atrás citado: «A tese da recorrente, de que a citada 2ª parte do nº 1 do art 6º não é aplicável aos “contratos de crédito” entre “ausentes”, é, na prática, incompatível com o exercício pleno daquele direito de revogação. Os interesses do “consumidor”, prevalecentes no espírito do mencionado diploma regulamentar do crédito ao consumo, não podem, no que ao âmbito do período de reflexão importa, ficar dependentes das conveniências burocráticas ou organizacionais do “credor”.
È certo que contornando esta dificuldade haverá quem entenda que o período de reflexão apenas se iniciará com o momento da efectiva entrega do contrato. [3]
Mas se esse entendimento poderá servir para não resultarem prejudicados os interesses do consumidor quando o mesmo pretenda fazer uso da prova da revogação da sua declaração contratual – e se é que é razoável descortinar um interesse autónomo do mesmo na prova de que revogara atempadamente o contrato, ao invés de invocar a sua nulidade nos termos do art 7º/4 - já não pode servir para o que agora está em questão, que é o de afastar a obrigatoriedade da simultaneidade entre a assinatura pelo consumidor e a entrega do exemplar ao mesmo.

È que, não é por acaso que o legislador exigiu essa simultaneidade: como é evidente e decorre da experiência corrente, é no acto da subscrição de um contrato que o seu subscritor está mais alerta para o conteúdo concreto do mesmo. «A entrega imediata- ao contrário da entrega deferida- gera no consumidor a vontade de visualização»
Mas, como o assinala Gravato Morais, «a simultaneidade pretendida – ( …) - opera a outros níveis, em especial, no tocante à informação adequada» [4]

Sabendo-se que os contratos de crédito ao consumo constituem contratos de adesão «já que, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada negócio, contêm cláusulas pré-determinadas destinadas à massa dos consumidores e que não são passíveis de negociação individualizada, aplicando-se-lhe o regime das cláusulas contratuais gerais (ccg)», e que, em atenção à particular vulnerabilidade do aderente, a lei das clausulas contratuais gerais impõe ao proponente a comunicação da totalidade das cláusulas e que esta seja feita «de modo adequado e pessoal e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento “completo e efectivo por quem use de comum diligência”»[5],  a exigência em apreço deverá culminar uma fase pré-negocial destinada a tornar possível o adequado cumprimento pelo proponente dessa obrigação, bem como da que lhe anda associada, da informação, obrigações essas, de comunicação e de informação, a que aludem os arts 5º e 6º do DL 446/85 de 25/10 [6].

Daqui poderá decorrer a importância, no caso de contratos de crédito ao consumo celebrados para tornarem possível um contrato de compra e venda (ou um contrato de prestação de serviços) e em que o financiador tem conhecimento dessa finalidade do crédito – ditos contrato de credito ao consumo com “designação finalista” -  das financiadoras darem poderes de representação ao vendedor  - tornando o contrato em causa, como acima se referiu, num contrato entre presentes - e, obvia e previamente, darem formação adequada a elementos deste, de modo a assegurar o real e cabal cumprimento daquelas obrigações.

De facto, a entrega ao consumidor do exemplar do contrato no acto da respectiva assinatura, para além de ser obrigatória em todos os contratos de crédito ao consumo, deverá - especialmente nos contratos entre ausentes - assumir-se como o ponto de chegada de uma informação completa e verdadeira susceptível de ter contribuído para uma correcta formação de vontade de contratar.

Note-se ainda, que é próprio legislador que indica a real importância que quis atribuir à entrega ao consumidor do contrato no acto em que o assina, quando faz corresponder a essa omissão, o valor negativo, não de uma (mera) anulabilidade, mas o de uma nulidade, que quis, adequada e propositadamente atípica, na medida em que é precisamente o consumidor, e apenas ele, quem deve ponderar e decidir a respeito da respectiva invocação[7].

Com o que – concluindo-se pela nulidade do contrato a que os autos se referem – se transita para a segunda questão, que é a de saber, se, no caso concreto, a arguição desta nulidade pelo R. marido constituirá abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
 Isto, porque, o R. pagou as primeiras 45 prestações – de um total de 120 -  demonstrando assim, com este comportamento  subsequente, no entendimento da apelante, ter aceite a validade do contrato de mútuo [8].

Há de facto jurisprudência abundante – sobretudo nesta Relação -  que faz paralisar a invocação da referida nulidade pelo mutuante em contratos de crédito ao consumo semelhantes aos dos autos, em função do referido abuso de direito [9],  invocando-se, genericamente, não lhe ser lícito assim proceder depois de ter usufruído das vantagens do contrato durante um período de tempo mais ou menos significativo.
A este respeito, refere Gravato de Morais [10]: «Parece-nos, portanto, legitima a pretensão do financiador que v g sustenta que a arguição da nulidade formal ou procedimental pelo consumidor configura um venire contra factum proprium já que o direito está a ser exercido em contradição com a sua conduta anterior (por exemplo o pagamento das prestações do mutuo durante um longo período». Acrescentando mais adiante: «Em termos gerais acolhe-se a orientação expressa no Ac R L de 2/6/2005 [11] , quando se observa que a ultrapassagem de um período temporal “ mais ou menos amplo consoante as circunstancias concretas”, não permite ao mutuário eximir-se ao pagamento das prestações do empréstimo, sob pena de abuso de direito».

Não sustenta este tribunal tal entendimento em situações como a dos autos, em que se prova que não foi entregue ao consumidor um exemplar do contrato na data da respectiva assinatura, e em que o mesmo, entrando em incumprimento em determinado momento, acaba por se defender na acção em que a financiadora lhe exige o cumprimento do contrato com a nulidade do mesmo em função daquela omissão. Sobretudo, quando igualmente se defende com o não cumprimento pela financiadora das já referidas obrigações de comunicação e informação decorrentes do arts 5º e 6º da LCG, como sucede nos presentes autos e quando se provou – al R) - que aquando da sua subscrição o A não informou nem explicou ao R a conteúdo dessas Condições Gerais
A não entrega de um exemplar do contrato ao consumidor no acto da sua subscrição, bem como as concretas circunstâncias pré-contratuais em que são gerados contratos como os dos autos, com toda a distância e ausência a que se encontra a entidade financiadora do consumidor, predispõem a entender como imperfeitamente incumpridos os deveres de comunicação e de informação a que se referem os arts 5º e 6º da LCG.
Reflecte-se a este respeito no Ac STJ 28/4/2009 [12]: «… concedendo que no caso dos autos porque três são os intervenientes no contrato, as assinaturas não sejam simultâneas, parece-nos que trai a defesa do consumidor cometer a terceiro o dever de informação; no caso teria sido a entidade vendedora do veículo cuja aquisição foi financiada pela recorrente quem procedeu à informação como que numa informal delegação de competência deferida pela ora recorrente».  
    
Refere-se ainda nesse mesmo Acórdão, e directamente a propósito do abuso de direito em circunstâncias no seu essencial semelhantes às dos autos: «Na ponderação de saber se houve abuso do direito – art. 334º do Código Civil – excepção material de conhecimento oficioso – o Tribunal deve actuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a Autora, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé.(…) Entendemos que, sopesada a gravidade do comportamento da Autora, profissional no mercado de crédito com o arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, de que dispõe, o quadro factual em que o Réu (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa-fé».
Por sua vez, no Ac STJ de 7/1/2010  [13] diz-se: «Também não é significativo, por si só, o tempo que decorreu entre a celebração dos contratos e a propositura da presente acção (ou da citação da recorrente); a nulidade pode ser invocada a todo o tempo (naturalmente com o limite, genérico, da prescrição), nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil. Se o legislador pretendesse a sanação do vício pelo decurso do tempo tê-lo-ia provavelmente sancionado com a anulabilidade, como fez para os casos previstos no nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91.
Assim sendo, haveria de ter sido alegada e provada matéria de facto que permitisse concluir que o não exercício anterior do direito de invocar a nulidade por falta de entrega oportuna de um exemplar da proposta de contrato tinha sido acompanhado de uma actuação dos consumidores apta a, objectiva e justificadamente, criar na recorrente a confiança de que a nulidade não seria suscitada, tornado claramente inaceitável que, ao arrepio dessa sua atitude, a viessem invocar, em violação da confiança que eles próprios (objectivamente, repete-se) criaram (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2006, 3 de Julho de 2008, 18 de Dezembro de 2008 ou de 31 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 06A3441, 08B2002, 08B3154 e 09A0537). Com efeito, para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil). Nada disso resultados factos provados. Improcede, pois, a alegação de abuso de direito»


Também na situação dos autos, perante o vicio exclusivamente imputável à financiadora de que o contrato ab origine padece e as circunstâncias concretas da formação do contrato relatadas em pormenor pela própria A. no articulado de resposta às excepções, [14] é de se entender que a invocação da nulidade que está em causa, por parte do R., não obstante este ter cumprido o contrato o período de tempo correspondente ao pagamento das primeiras 45 prestações – das 120 convencionadas -  não é comportamento que, só por si, fosse apto a criar na financiadora a confiança de que a nulidade não seria suscitada, e que torne inaceitável  «em termos de  clamorosa e chocante violação das regras da boa-fé» que  aquele a tivesse vindo a invocar.

Resta apreciar a terceira questão do presente recurso que se prende com os efeitos da declaração da nulidade do contrato de mútuo.

Nas Condições Gerais do contrato em referência nos autos  - p 13 verso- consta enquanto “Finalidade do Empréstimo – clausula 3ª - que «o empréstimo objecto do presente contrato destina-se à aquisição a crédito  pelo mutuário  do veículo referido nas Condições Especificas». E consta, a respeito da “Utilização do Empréstimo” – cláusula 4ª - «o empréstimo considera-se utilizado com a emissão pelo Banco Mais, de uma ordem de pagamento, a favor do Mutuário ou do Fornecedor do Veículo Financiado, de valor igual ao montante do empréstimo referido nas Condições Específicas, deduzido se for o caso dos montantes referidos na al b) da Cláusula 7ª destas Condições Gerais» (que se refere a Impostos, Taxas Encargos, Despesas e Comissões).

O conhecimento por parte da financiadora da finalidade do crédito – designação finalista constante da referida clausula 3ª – implica que o contrato de crédito e o contrato de compra e venda do veículo, um e outro tendo como sujeito passivo o aqui R. – consumidor – embora sendo contratos distintos e autónomos, estejam ab initio   geneticamente ligados, configurando-se como consequência de uma «unidade económica de negócios juridicamente distintos» [15], podendo igualmente falar-se de «união de contratos» [16],  ou de contratos com a mesma base de negócio [17]. O que é um facto é que, ab initio, se configura uma relação tripartida - em que o vértice é o consumidor – e que nasce de uma operação económica unitária, sendo in casu a compra e venda do veículo a causa do contrato de crédito e em que este se mostra instrumental em relação àquele.

Acima fez-se acrescentar à matéria de facto provada circunstâncias factuais susceptíveis de levarem à conclusão de que entre a financiadora e a sociedade vendedora existiu colaboração no que respeita à conclusão do contrato de crédito.
A verdade é que, do acervo factual constante do articulado de resposta resultam também circunstâncias que poderiam levam a concluir que essa colaboração existiu, não apenas ao nível da conclusão do contrato, como, inclusivamente, na sua preparação, como é o caso, desde logo, «da posse pelo vendedor de formulários de pedido de credito e até de contratos de credito, o auxilio no seu preenchimento, a recolha de elementos do consumidor para posterior envio ao financiador, a inexistência de um contacto directo entre o consumidor e o financiador»[18] .
Essa colaboração implica a aplicabilidade ao contrato dos autos do disposto no nº 1 do art 12º do DL 359/91.
 
É porque os negócios estão intrinsecamente conexos desde o seu início - «nenhum se pretendendo sem o outro» - que «o financiador, procurando assegurar-se da efectiva utilização do crédito, se socorre de dois caminhos: ou entrega directamente o montante mutuado ao vendedor (situação típica), ou apõe no contrato uma “cláusula de destinação” vinculando o consumidor a um específico fim». [19]
Independentemente do “caminho” que o financiador utilize – e na situação dos autos parece que lhe seriam admitidos ambos – o facto é que, ainda que a importância mutuada seja remetida directamente ao vendedor, tal não obsta a que o contrato de mútuo mantenha a sua característica de contrato real quoad constituionem, isto é, de contrato que se não tem como perfeito enquanto não ocorra a entrega efectiva da quantia mutuada.
 Como se sublinha no Ac STJ 22/6/2005 [20], mencionando-se, aliás, Gravato de Morais [21] «de harmonia com o previsto no art 770º al a) do CC, a prestação pode ser feita a terceiro quando assim estipulado. Trata-se de estipulação usual que integra um mandato para pagamento ou, eventualmente, uma delegação de pagamento (delegatio solvendi) conferida pelo consumidor ao financiador». Ponto é, obviamente, que quando assim seja, o contrato de mútuo contenha cláusula a permitir a referida prestação a terceiro, pois que, «ao aceitar esta cláusula, o mutuário consente em que a prestação a que tem direito seja feita a terceiro, assim por ele autorizado a recebe-la em nome próprio».

O que importa aqui saber é se, nesta estrutura tripartida em que desemboca a unidade económica entre o contrato de mútuo e a compra e venda que o mesmo se destinava a financiar, e perante a nulidade do mútuo, estará o mutuário obrigado a restituir à mutuante a quantia mutuada por força do disposto no art 289º do CC, como o pretende a apelante enquanto efeito da nulidade que, em todo o caso, contra o seu entendimento, o tribunal venha a declarar.

Nos termos do nº 1 do art 12º/1 do DL 359/91 que acima se convocou como de aplicação à situação dos autos, «a validade e eficácia do contrato de compra e venda  (ou de prestação de serviços – art 12º/3) depende da validade e eficácia do contrato de mútuo».
Assim, a nulidade do contrato de financiamento repercute-se no contrato de compra e venda tornando-a igualmente nula.
Trata-se de uma consequência da já assinalada união de contratos, ou do princípio de que se «um dado negócio constitui a base do outro, então as vicissitudes ocorridas neste último não podem deixar de se reflectir naquele» [22], ou, se se quiser do brocardo «accessorium sequitur principale», ou «simul stabunt, simul cadent» [23] .

Por outro lado, enquanto Vaz Serra [24] sempre sustentou que as prestações efectuadas em cumprimento de um negócio nulo ou anulável (e depois de anulado) eram prestações indevidas, e, por conseguinte, a sua restituição configurava uma restituição do indevido prevista no art 476º e regulada nos seus efeitos pelos arts 479º a 481º, e daí que, estando-se perante uma restituição em numerário, devesse proceder-se à sua actualização face à depreciação da moeda, a generalidade da doutrina [25] veio a entender, sendo hoje pacífico, que a restituição prevista no nº 1 do art 289º do CC abrange tudo o que tiver sido prestado, não havendo que atender às regras (limitativas ou redutoras) do enriquecimento.
Isto porque, a obrigação de restituir baseada na restituição sem causa, tem carácter subsidiário, como expressamente consagra o art 474º CC, e o lesado não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando tiver outro meio – que o art 289º permite – de ser restituído.
Assim, a restituição a que alude o art 289º CC, deve ter lugar mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa. Pelo que cada uma das partes é obrigada a receber tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou.
 As partes devem ser restituídas à situação anterior ao negócio, restituindo uma à outra as prestações feitas em execução dele, sendo a ideia a da reposição do statu quo ante, mediante a restituição das prestações efectuadas em cumprimento do acordado no negócio tido como nulo. Deve-se restituir o que se recebeu por causa que foi declarada nula ou anulada.

Transpostos estes princípios para a situação dos autos, dir-se-á que o aqui R, mutuário, teria que restituir à A. o capital que esta lhe mutuou – € 21.600,00 -  e a A. teria de lhe restituir as prestações que o mesmo lhe pagou por causa desse mútuo – 23 prestações no valor de € 480.00 e  22 no valor de € 265,73, o que significa em termos finais  que o R. deverá restituir à A. o montante do capital mutuado  subtraído do valor destas prestações, consequentemente, € 4.714,00.
O que não corresponde exactamente ao que o aqui apelante pretende nas alegações de recurso: a restituição pelo R. apelado da importância referida na al H) da matéria de facto dada como provada, sendo que esta corresponde ao valor do capital não pago pelo R. [26].

A conclusão antecedente parece não recolher no entanto a adesão da  generalidade da jurisprudência de que se tem conhecimento.

Na jurisprudência desta Relação, no Ac de 20/1/2009 (Graça Amaral), sustenta-se –  sem outras considerações -  que «a obrigação de restituição impenderá sobre quem o mutuante pagou, ou seja, no caso sobre a entidade vendedora», remetendo-se para Gravato de Morais, obra que se vem citando p 235 e ss.
No Acórdão também desta Relação de 24/3/2011 (Márcia Portela), estando em causa igualmente situação de facto subsumível à do art 12º/1 do DL 359/91, já não se foi tão lapidar nessa conclusão, mas é assim se conclui, citando-se o Acórdão também desta Relação de 2/6/2005 (Salazar Casanova).
 Neste acórdão referindo-se «…se existe uma solidariedade relativamente ao fim do mútuo, o pagamento do preço, expressa em todo o processo negocial, afigura-se que se impõe, em atenção a essa nulidade negocial, um desvio do regime que resultaria em matéria de restituição da quantia mutuada se este contrato fosse encarado isoladamente (…) Falar em união, assinalar as interdependências com as suas manifestações ao nível das próprias estipulações das partes, tudo isso não passaria de mero exercício académico sem nenhuma utilidade real: ainda que a interdependência fosse reconhecida face á união dos contratos, a consequência do reconhecimento da nulidade do mutuo seria sempre a mesma: impor-se ao mutuário a restituição da quantia mutuada». Conclui-se que «a obrigação de restituição da quantia mutuada em caso de nulidade do contrato de mútuo cabe ao vendedor, a quem foi entregue pelo mutuante, e não ao mutuário».
 No Ac STJ 7/7/2009 (João Camilo), ainda no âmbito do referido art 12º/1, mas perante as circunstância factual “de nada ter sido entregue ao R.”, conclui-se que «…tendo o A entregue ao vendedor do veículo o referido montante mutuado, e nada tendo sido entregue ao R., será aquele vendedor quem teria de restituir aquele montante recebido e não o R. que nada recebeu do A, e nem sequer recebeu ou teve à sua disposição o objecto vendido, ou seja, o carro em causa».
No Ac STJ de 7/1/2010 (Maria dos Prazeres Beleza) conclui-se incumbir ao fornecedor de serviço devolver o montante do financiamento ao mutuante, mantendo-se no entanto a condenação desta na restituição ao mutuário das quantias pagas no âmbito dos contratos de mútuo.
No Ac STJ de 5/12/2006 (Sousa Leite) – estando em causa, note-se, uma situação de resolução no âmbito, não do nº 1 do art 12º, mas do seu nº 2  - concluiu-se que havendo lugar a resolução, assiste ao consumidor o direito de peticionar do financiador o reembolso das prestações já pagas, mas a resolução do contrato de crédito não confere ao financiador o direito a receber do consumidor a quantia mutuada.   

Gravato de Morais, por sua vez, limita-se a referir «partilhar inteiramente» a solução do dever de restituição da soma mutuada ao vendedor  [27]
 
Este tribunal já decidiu no acórdão proferido no Proc 5167/06.1YXLSB.L1 em situação de facto subsumível à do nº 1 do referido art 12º do DL 359/91, que, sendo o contrato de mutuo nulo, o mutuário tem de ser condenado a restituir ao mutuante a quantia mutuada, não obstando a essa conclusão a circunstância desta ter saído da sua conta logo que foi nela depositada, porque o mesmo passou nesse momento a dela beneficiar em função do equivalente serviço que lhe foi disponibilizado; e que não sendo a fornecedora do serviço parte na acção, não poderia ser condenada a restituir ao mutuário o valor dos serviços de ensino de que o mesmo não usufruiu, havendo este de demanda-la em acção própria, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia em que viesse a ser condenado nos autos, embora descontando o valor das mensalidades correspondentes ao ano lectivo em que nela esteve inscrito, mas não as utilizou.

Baseou-se este tribunal para assim entender, fundamentalmente em considerações retiradas do Ac STJ de 22/5/2005 (Oliveira Barros) no qual se conclui que «é sobre o mutuário que invova a nulidade do contrato de crédito ao consumo que recai a obrigação de restituir a prestação efectuada pelo mutuante, como consequência da mesma nulidade, mesmo que aquela prestação tenha sido efectuada directamente ao terceiro vendedor em cumprimento da obrigação resultante do contrato de compra e venda coligado com o de mútuo».

E salvo melhor opinião, não se vê motivo para não se manter o entendimento em causa.
Por um lado, por não ser relevante que o capital mutuado seja directamente entregue à vendedora ou passe pela conta do mutuário para dela logo sair – ao abrigo de uma qualquer clausula contratual - e dar entrada em conta daquela, pois o relevante é que o mutuário, num caso ou noutro, beneficia desse capital em função do equivalente respectivo que lhe é disponibilizado em situações como a dos autos, pela entrega do veiculo sem que o tivesse de pagar, sendo neste contexto indiferente que o veiculo tivesse gripado ou não - o R. chegou a alegar nos autos que tal tinha sucedido – desde que a situação de facto não seja de molde a subsumir-se ao nº 2 do art 12º do DL      como o não é.  
Como é assinalado no referido Ac STJ de 22/6/2005, a obrigação de reposição imposta pelo 289º/1 CC «não pode, de harmonia com os princípios gerais, deixar de recair sobre quem efectivamente interveio como parte no acto nulo», não podendo o mesmo «eximir-se aos efeitos restitutivos ou restitutórios da nulidade do contrato de crédito que subscreveu».
Citando Galvão Teles diz-se nesse acórdão: «O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro ou outros (…) mas em tudo o mais aplicam-se a cada contrato as suas regras próprias (…) Acrescentando-se: (…) a ligação funcional dos contratos referidos situa-se num momento inicial, a que, na realidade se restringe, e que, uma vez efectuada a compra e venda, contrato final, seguem por caminhos diferentes. Tal assim com ressalva apenas da situação do acordo prévio exclusivo de financiador e fornecedor prevista nesses estritos termos – no caso não apurados – no art 12º/2 LCC. Com essa ressalva, os “contratos unidos (…)  vivem a sua vida própria e independente”. Salva a previsão mencionada, os vícios da compra e venda constituem efectivamente questão alheia ao credor no mútuo. (…) nem no caso destas autos há  a considerar  qualquer ligação entre o incumprimento do mutuo e o regime da propriedade da coisa (supostamente ) vendida (um automóvel, sobre que não consta haver reserva de propriedade a favor do mutuante). A interligação ocorrente na hipótese sub juditio não torna o mútuo dependente da compra e venda senão enquanto é esta o contrato financiado, o contrato final». Concluindo-se mais adiante «…. Não deve sobreavaliar-se a dependência apenas formal e originária ou primitiva do credito ao consumo em relação ao contrato final»,  relevando-se que a «dependência do contrato de crédito em relação ao contrato de compra e venda não se coloca ao nível da validade e eficácia do contrato» – a que respeita o nº 1 do art 12º -«mas no domínio do cumprimento» - a que respeita o nº 2 dessa norma. Donde conclui que «não se mostra instituído nenhum desvio do regime próprio dos efeitos da nulidade do mútuo, que o interprete, não pode por si, criar. Como, se bem crê, resulta claro do já exposto, a classificação doutrinal da situação ajuizada como união de contratos não constitui base suficiente para justificar solução que, para além de não encontrar apoio na lei cogente (LCC DL 359/91) se manifesta avessa aos princípios gerais  (...) na falta de acordo prévio, vinculativo, de colaboração exclusiva duma dose conection (ligação estreita) , como acontece na hipótese regulada no nº 2 do art 12º LCC, propiciadora de avaliação da fiabilidade do vendedor, não parece, inclusivamente razoável imputar ao mutuante  o risco de insolvência daquela . ainda quando , em concreto, o vendedor tenha tido, como neste caso, actuação de intermediação aproximável da agência, trata-se da simples colaboração atenuada prevista no nº 1 daquela rigo. Ao contrário do que acontece com o consumidor, não foi com o vendedor que o mutuante escolheu, e decidiu, contratar. Como assim, nada justifica que o financiador compartilhe do risco de insolvência do vendedor, que recai sempre sobre o comprador  (…) Assim, a consequência do reconhecimento da nulidade do mutuo  será, sempre, a imposição ao mutuário da restituição da quantia mutuada, não podendo o mesmo eximir-se aos efeitos restitutivos ou restitutórios da nulidade do contrato de crédito que subscreveu »

A conclusão a que estas observações - que aqui se subscrevem - conduzem, é aliás, a única justa e correcta na situação dos autos, mais ainda quando atrás se  concluiu que não haveria abuso de direito por parte do mutuário em vir arguir – porventura anos depois – a nulidade do contrato por ter sido  privado no acto da respectiva assinatura de um seu exemplar.
É que o entendimento de que seria a vendedora quem teria que devolver ao mutuante o valor mutuado, implicaria que o mutuário fosse detendo e utilizando o veículo tendo pago, porventura, até então, importância pouco significativa do crédito, sendo certo que, como é sabido, os veículos são bens que perdem facilmente valor, pelo que a vendedora não se ressarciria facilmente, com a apreensão do veículo do valor entregue à mutuante.
Evidentemente que se fosse para concluir que nestas circunstâncias o mutuante apenas se poderia ver restituído do capital mutuando pela vendedora, não seria nunca razoável entender que a invocação da nulidade pelo mutuário não constituiria abuso de direito.

O que se vem de dizer e sustentar, destina-se a situações como as dos autos – subsumíveis à disciplina do nº 1 do art 12º do DL em referência - e em que ao mutuário  foi entregue pela entidade vendedora o veículo.
Pois que, se o não foi, já não tem obviamente razão de ser o que atrás se expendeu, não podendo manifestamente impor-se-lhe a restituição do capital mutuado, pois desse modo acabaria por ser duas vezes castigado: não recebeu o bem e ainda assim tem de o pagar. Nessas situações é verdade que quem tem de restituir ao mutuante o capital mutuado é a vendedora que não cumpriu adequadamente a “designação finalística” implicada no mútuo, radicando, em última análise, neste seu incumprimento a razão para essa restituição.
Também se a situação factica implicar a respectiva subsunção ao nº 2 do art 12º,       também aí o incumprimento por parte da entidade vendedora implica que seja ela quem tem de restituir ao mutuante o capital mutuado.
 
Como se viu, a obrigação de restituição decorre directamente do disposto no art 289º/1 do CC. Mas o nº 3 desta disposição estabelece ser «aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos arts 1269º e seguintes».
A respeito desta norma refere-se no Ac STJ de  13/5/2004 [28]: «Significa isto, por conseguinte, que o nº 3 do art 289º não tem aplicação apenas nos casos ortodoxos de verdadeira posse, mas também aos restantes casos de anulação contratual onde, por analogia, se vai pressupor heterodoxamente uma situação similar de modo a permitir a aplicação das mesmas regras. Dito por outra forma, concluir-se-á que a aplicação do conjunto normativo que regula os efeitos da posse se faz genericamente quer aos casos de verdadeira posse, quer por extensão analógica dos seus princípios a casos que em rigor o não são».
Assim, por analogia, deve entender-se que os juros do dinheiro mutuado em mútuo nulo pertencem ao mutuário até ao dia em que o mesmo saiba que está a lesar com a sua posse o direito de outrém – cfr art 1270º/1 e 1260º CC, a respeito da definição de boa fé para o efeito em questão.

Na situação dos autos deverá entender-se que o R passa a saber que a não devolução do dinheiro mutuado está lesar o direito de outrém com o trânsito da decisão que, declarando nulo o mútuo, o condene nessa restituição.

V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando correlativamente a sentença recorrida, condenando o R marido a restituir à A o valor de €  € 4.714,00. e respectivos juros à taxa legal a contar desta decisão.

Custas na 1ª instância e nesta por A. e R., na proporção de 3/4 para aquela e 1/4 para este.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2014
                                              
Maria Teresa Albuquerque
                                              
Isabel Canadas
                                              
José Maria Sousa Pinto

[1]- Relatado por Quirino Soares  e a que adiante se fará melhor referência.
 O Ac STJ de 7//7/2009 (João Camilo) refere a este nível: «…a teoria dos “contratos entre ausentes” não pode sobrepor-se às finalidades da lei expressas nas normas citadas, devendo o comércio jurídico adaptar-se às prescrições legais que visando interesses que o legislador considerou relevantes e carecendo da natureza imperativa das normas que os protegem».   
[2]- Cfr Ac RL 9/572006 (Rosa Ribeiro Coelho) que refere concretamente: «Daí que a exigência constante da parte final do nº 1 do art 6º só possa ser satisfeita se o contrato for assinado por um e outro contraente no mesmo acto, ou se, sendo caso de contrato entre ausentes, nele for previamente aposta a assinatura do representante do credor para depois ser assinado pelo consumidor e a este ser entregue, de imediato, um exemplar». Pronunciando-se do mesmo modo AC RL 14/1/99 ( Narciso Machado) 
  [3] - Embora não com o propósito de contornar aquela exigência, Gravato Morais, «Contratos de Crédito ao Consumo», p 107, acentua a importância de se contar o prazo da revogação da entrega do exemplar –  p 159 e 160
[4]-  Obra indicada, p 107
[5]- Cfr ac STJ 28/472009 (Fonseca ramos)
[6] - Tem sido entendido por alguma jurisprudência que o dever de comunicação integral, adequada e atempada , acontece na fase de negociação ou pré-contratual
[7] Assim no Ac RL 24/3/2011 (Márcia Portela) diz-se: « (…) é sintomático que o legislador tenha optado pela nulidade, ainda que invocável apenas pelos consumido, e não pela anulabilidade ( art 7º/3 do citado diploma)
[8] A apelante faz apelo à matéria constante da al U) (“ nunca invocou desconhecer ou que não lhe tinham sido comunicadas as «condições gerais» do escrito particular aludido em A)), a que no entanto não se poderá atribuir o efeito por ela pretendido na medida em que tal matéria está contrariada pela totalidade da defesa do R. na presente acção. 
[9] Entre outros, Ac RL 2/5/2005 (Salazar Casanova), 22/2/2005 (Henrique Araújo), 9/5/2006 (Rosa Ribeiro Coelho), Ac RL 28/6/2007 (Ferreira Lopes), 9/5/2005 (Maria Amélia Ribeiro) 
[10] - Obra citada, p 108
[11] - Relator, Salazar Casanova
[12] Acima já referido (Fonseca Ramos)
[13] - (Maria dos Prazeres Beleza) 
[14] - Note-se que nos autos não resultou provado que “Anteriormente à subscrição do escrito particular aludido em A), tenha sido concedido (ao R. marido) o tempo necessário para ler, ou pedir a alguém que lesse, e compreender as «condições gerais» insertas na mesmo. (resposta ao artigo 8.º da Base Instrutória);e que o A. se tenha colocado à disposição do R. para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que este reputasse necessários. (resposta ao artigo 9.º da Base Instrutória)
[15]- Gravato de Morais, obra citada , p 272
[16]- Gravato Morais, obra referida, p 279; cfr também Ac STJ  7/1/2010 ( Maria dos Prazeres Beleza) acessível em www dgsi pt
[17]-«Cada um desses contratos constitui a base negocial do outro» Gravato Morais, obra referida, p 277
[18]- Gravato Morais, obra citada, p240
[19]- Gravato Morais, obra referida, p 274/275
[20]- Acórdão acima referido, publicado na CJ STJ, II, 137
[21]- «União de Contratos de Crédito e de Venda para Consumo», 2004, 359
[22] - Gravato Morais, obra referida, p 279
[23] - Gravato Morais, obra referida, p 357
[24] - Cfr RLJ 102º-104 e 363, 106º-169; 108º-62, 67 e 71; 109º-31, 313
[25] - Pires de Lima, RLJ nº 97º-37, Pires de Lima e Antunes Varela, RLJ 102º-253 e 377, Mota Pinto, Teoria Geral  3ª ed, 616; Galvão Telles, 6ª ed, 192
[26] A al H) dos factos Assentes tem o seguinte teor: “Nas prestações 59ª a 120ª referidas em F) está incluído capital do valor total de € 12.186,71)”.

[27] - Obra citada, p 247
[28] - Acessível em www dgsi pt e relatado por Noronha do Nascimento