I) É legítimo ao adquirente de um imóvel, por escritura pública, deduzir embargos de terceiro em execução onde o mesmo imóvel foi penhorado posteriormente à compra e venda do embargante, sendo a penhora registada antes de efectuado o registo da aquisição.
II) Provando-se a posse do adquirente sobre o imóvel, titulada e de boa fé, desde a data da escritura, o mesmo adquirente goza da presunção da titularidade do direito, em data anterior à do registo da penhora.
III) O exequente que nomeou o imóvel à penhora e o embargante que o adquiriu anteriormente mediante compra e venda por escritura pública não são terceiros para efeitos do art. 5º nº 4 do Código do Registo Predial. (sumário do Relator)
S… e seu marido, J…, deduziram embargos de terceiro contra a C…, SA, como exequente, e G…, Ld", JJ… e M…, como executados, pedindo o levantamento da penhora e consequente registo que incidiu sobre o imóvel identificado nos autos.
Alegaram, em resumo, que a penhora efectuada ofendeu o seu direito de propriedade sobre o referido imóvel, que adquiriram por negociação particular no âmbito duma execução movida pelo banco B…, SA, registando a aquisição em 22/12/2008, e que embargantes e embargados não são terceiros entre si para efeitos de registo predial, razão pela qual a penhora não pode prevalecer sobre a aquisição do direito de propriedade.
Apenas a C… contestou, alegando a extemporaneidade dos embargos e impugnando os factos constitutivos do direito alegado pelos embargantes, concluindo pela improcedência dos embargos.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda datada de 5/5/08 os embargantes adquiriram a fracção autónoma designada pela letra "E" correspondente ao primeiro andar direito, destinada a habitação do prédio urbano localizado nos nº … para a fachada e de tardoz, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na CRP de … sob o nº … do Livro B-57 e registada a aquisição a seu favor pela Ap. 2008/12/22.
2. Interveio na referida escritura JC…, na qualidade de encarregado judicial de venda por decisão de 7/5/07 do Tribunal da Comarca e de Família e de Menores de …, …° Juízo Cível, que declarou vender a fracção à embargante e esta declarou comprar, pelo preço de sessenta e dois mil euros.
3. Sobre a fracção objecto da venda foi constituída uma hipoteca a favor do BP…, SA, cujo património foi transmitido globalmente a favor do B…, SA.
4. A embargante pagou em 5/5/08 o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóvel, conforme declaração nº 160.208.012.990.903 emitida pela Declaração Geral de Impostos.
5. Os embargantes apresentaram a declaração modelo 1 para actualização dos prédios urbanos na matriz.
6. Averbaram a compra da fracção no Serviço de Finanças de … e na caderneta Predial.
7. À data da efectivação da penhora - 20/10/08 - a fracção autónoma designada pela letra "E" não pertencia aos executados.
8. No âmbito do processo …/2000 que correu termos pelo … Juízo Cível do tribunal de …, em que figurava como autora a ora embargada e como réus JJ…, M… e S…, no âmbito do qual a autora pedia entre outros a declaração de nulidade da venda efectuada pelos 1 ° e 2° Réus à 3a Ré da fracção autónoma identificada em 1) e a sua restituição ao património dos 1° e 2°s réus, terminou por transacção homologada por decisão transitada em julgado a 28/11/07 onde consta assinaladamente o seguinte:
1°) Uma vez que os réus são proprietários de outros imóveis e têm dividas elevadas a mais outras duas instituições bancárias ( ... ) irão procurar em conjunto uma dação em pagamento desses bens móveis aos 3 credores bancários e fixar o valor remanescente ao montante das dívidas que reverterá para os réus.
2°) Para esse efeito as partes fixam o prazo de seis meses que pode ser prorrogado por mais três meses por acordo.
3°) Caso venha a frustrar-se as tentativas de resolução constantes da cláusula 1ª no prazo indicado na cláusula 2ª confessam o pedido da autora.
4°) Caso venha a haver dação em pagamento por acordo com a autora esta desiste do pedido
9) A acção referida em 8) encontra-se registada a favor da embargada (inicialmente registada a favor do X…) pelo nº … e pela Ap. 14032001.
10) Os embargantes, em data não apurada mas posterior ao do registo da penhora, tiveram conhecimento que a Fracção "…" identificada em 1), fora penhorada em 20/10/08 e que a penhora, provisória por natureza, foi registada em 30/12/08, pela apresentação 4 de 2008/11/20.
11) No momento em que lhes foi entregue a certidão emitida pela 1ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de ….
12. Tomaram posteriormente conhecimento de que a penhora foi ordenada nos autos de execução ordinária em que é exequente a C…, SA, e executados G…, JJ… e M…..
13. A embargante mulher aceitou a venda livre de quaisquer ónus ou encargos sendo que a embargante aquando da outorga da escritura de compra e venda tinha conhecimento dos registos de hipotecas, penhoras, arrestos e de acções, que àquela data se encontravam inscritos sobre a referida fracção.
14. A partir da outorga da escritura de compra os embargantes têm as chaves do imóvel e disponibilidade sobre o mesmo, ali se deslocando e permanecendo durante alguns períodos não concretamente apurados.
15. À vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
16. Os embargantes só registaram a fracção autónoma referida em 1) pela Ap. 7 de 22/12/08 por só nessa data estarem munidos das certidões judiciais necessárias para ao cancelamento.
17. Aquando da outorga da escritura de compra e venda os embargantes foram informados que estavam registadas duas acções respeitantes ao imóvel.
18. O fiel depositário deslocou-se ao imóvel, tendo sido informado que o mesmo estava desocupado havia cerca de dois meses, não tendo visitado o seu interior.
Inconformados, recorreram os embargantes formulando as seguintes conclusões:
- Nos termos dos artigos 10°, nºs 1 e 2, do Código Civil e 56°, n° 2, do Código de Processo Civil, a penhora promovida pela recorrida, aqui em causa, não pode produzir os efeitos por ela pretendidos contra os recorrentes, porque a sua proprietária, S…, não interveio na execução em que ela foi realizada.
- A acção de impugnação pauliana, por ser pessoal e não envolver sequela ou preferência não estava então sujeita a registo predial, pelo que o seu registo infringiu o disposto no artigo 3°, alínea a), do Código do Registo Predial e não pode, face ao disposto no artigo 5°, n° 1, daquele diploma, produzir qualquer efeito no confronto dos recorrentes.
- O pedido formulado na referida acção não corresponde ao módulo legalmente prevista para a impugnação pauliana, mas sim ao de declaração de nulidade do contrato de compra e venda em causa.
- O contrato de transacção outorgado na referida acção é condicional e ignora-se vieram ou não a ocorrer os factos futuros e incertos da ocorrência das diligências entre as partes no sentido da formalização do contrato de dação em pagamento anunciado, pelo que se não pode concluir no sentido de que os réus confessaram o pedido.
- A sentença de homologação, porque se limita a julgar a transacção válida e a condenar as partes a cumpri-la, apesar de se não tratar de pedido de declaração de nulidade, sem qualquer referência à verificação da mencionada condição de diligências em prazo, assume também a referida vertente de condicionalidade, por isso sem a eficácia de validação da confissão do pedido formulado pelo antecessor da recorrida.
- Uma vez que a confissão do pedido envolve factos e direito, como o referido contrato de compra e venda, por imposição legal, foi outorgado por escritura pública, a confissão do pedido, a existir seria ilegal.
- Por tudo isso, não podia a referida sentença homologatória fundar a conversão do registo provisório em definitivo, tal como foi considerado pela entidade registal em despacho de recusa.
- A decisão proferida pelo … Juízo Cível de Almada em processo impugnação do referido acto de recusa não releva em relação aos recorrentes em termos de caso julgado, porque não intervieram naquele processo.
- Mas como o registo provisório da referida acção ainda não foi convertido em definitivo, a sentença recorrida não podia considerar a sua prevalência sobre o registo de aquisição da fracção predial em causa pela recorrente.
- Nos termos do artigo 822°, n° 2, do Código Civil, como a penhora, registada em 27 de Maio de 2005, de que derivou a aquisição da fracção predial em causa pela recorrente assentou em arresto registado em 6 de Março de 2001, a data daquele registo retroage à data deste.
- Ainda que fosse dado relevo ao registo da referida acção designada de pauliana, ele não podia prevalecer no confronto dos recorrentes, porque ocorreu no dia 14 de Março de 2001, e o do mencionado arresto no dia 6 de Março de 2001, ou seja, em quadro de anterioridade deste em relação àquele.
- O arresto da fracção predial em causa, promovido pelo antecessor da recorrida, não pode relevar contra os recorrentes, porque o seu registo provisório em 4 de Maio de 2007 não foi convertido em definitivo e caducou.
- Nos termos do artigo 5°, nºs 1º e 4° do Código do Registo Predial, recorrida, que promoveu a penhora da fracção predial em causa em indicada execução, e a recorrente que a adquiriu ao tribunal noutra execução não são terceiros para efeitos de registo
- Em consequência de tudo o exposto, não pode a referida penhora promovida pela recorrida, realizada depois de a recorrente ter adquirido o direito de propriedade sobre ela por compra ao tribunal, apesar de registada antes da desta aquisição, prevalecer sobre esta.
- Deve, por isso, proceder o recurso, revogar-se a sentença recorrida por infringir o disposto os arts. 822° nº 2, art. 824°, nº 2 C.C. e art°. 5°, nºs 1 e 4 do C R Predial, ordenar-se o levantamento da penhora promovida pela recorrida e o cancelamento do respectivo registo.
- A improcedência dos embargos fundou-se no que a sentença recorrida designa pelo direito da embargada executar a fracção por força da sentença que homologou a confissão do pedido (Proc. …./2000 …. Juízo Cível).
- Os RR nessa acção, JJ…, M… e S…, confessam um pedido de declaração de nulidade - de conhecimento oficioso e interesse público - sob condição.
- Tal confissão de nulidade foi homologada por sentença.
- Aceite a nulidade pelas partes, o juiz tem de a declarar imediatamente, por via da oficiosidade e do interesse público.
- A sentença homologou, nessa parte, direitos de objecto indisponível, deve ser considerada a nulidade, pelo menos no tocante aos recorrentes, o que se invoca por força do art°. 286° do CC.
A embargada C… sustentou a bondade da decisão recorrida.
Cumpre apreciar.
E, antes do mais, cumpre aditar aos factos dados como provados, os seguintes elementos:
19) A penhora que é objecto dos presentes autos realizou-se no âmbito da acção executiva promovida pelo Banco…SA contra os executados G…Lda, Joaquim JJ… e M…, com o nº 202-C/2000.L1, junto em apenso ao presente processo.
20) A penhora da fracção em causa nos autos, efectuada em 15/03/2005 na acção executiva nº…/03.7TBALM, … Juízo Competência Cível, do Tribunal Judicial de Almada, e no decurso da qual os ora recorrentes viriam a adquirir essa fracção nos termos constantes de 1) da factualidade provada, foi registada em 27/05/05 (ver fls. 729) e fora precedida por arresto registado em 06/03/2001.
Como se constata da acção executiva referida em 19), esta assentou em livrança subscrita pelos executados, sendo esse o título executivo. Nela foi realizada em 20/10/2008 a penhora contra a qual reagiram mediante embargos de terceiro os ora recorrentes.
A acção pauliana foi deduzida tendo como propósito tornar ineficaz a venda da fracção em causa efectuada por JJ… e M… a sua filha S…, retornando o bem ao património daqueles.
Nos termos do art. 616º nº 1 do Código Civil, “julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.
Ou seja, declarada a ineficácia da venda efectuada, a fracção regressou ao património dos aludidos devedores onde o credor requerente da acção pauliana poderá executá-los.
Contudo, a execução a que respeitam os presentes embargos, não foi proposta no seguimento de tal acção, tendo sido deduzida anteriormente à acção pauliana, tendo como título executivo uma livrança subscrita pelos executados.
Na douta sentença recorrida considerou-se que “à data da venda executiva e no âmbito da qual os embargantes adquiriram a fracção estava pendente uma acção de impugnação pauliana, visando precisamente a impugnação do acto de transmissão da fracção ali penhorada aos ali executados.”
A execução promovida pelo B…, do qual resultou penhora e posterior venda judicial aos ora embargantes foi promovida contra M… e marido JJ…, bem como a filha de ambos, S…, com base na hipoteca constituída pelo Banco sobre a fracção em causa e decorrente do não pagamento do empréstimo efectuado pelo Banco exequente aos executados M… e JJ… com vista à aquisição desse mesmo imóvel.
Assim, essa execução tem como pressuposto a existência de uma hipoteca constituída sobre a fracção e não a sua transmissão desta para o património de terceiro por efeito da compra e venda impugnada na acção pauliana. Assim não parece que essa execução possa ter sido afectada pela acção pauliana. Só o seria se a execução houvesse sido dirigida contra o terceiro, adquirente da fracção, enquanto devedor do exequente, aquisição essa posteriormente declarada ineficaz pela sentença proferida na dita acção pauliana.
Por outro lado a execução onde se inserem os presentes embargos não foi, como agora se vê pela documentação junta, deduzida na sequência da decisão na acção pauliana, sendo de resto anterior à sua propositura. Quando a penhora nesta execução foi efectuada, em 20/10/2008, já os embargantes haviam adquirido a propriedade da fracção por escritura de compra e venda de 5/5/2008.
Quando se refere na douta sentença recorrida que a “venda em acção executiva não tinha a virtualidade de expurgar o direito da embargada de vir a executar a fracção em apreço nos autos, em caso de procedência da acção pauliana” afigura-se-nos que se está a considerar que a acção executiva onde ocorreu a venda decorreu de transacção tornada ineficaz por tal acção pauliana, e que a execução embargada foi deduzida na sequência de tal acção pauliana o que, como agora se constata, não corresponde à realidade.
Por outras palavras, e para clarificar as coisas:
Em 1995 foi constituída hipoteca a favor do B… sobre a fracção em apreço, como garantia do empréstimo por este concedido a JJ… e M… para aquisição da fracção. No contrato, de resto, consta que a alienação da fracção a favor de terceiros sem autorização do Banco, tal como o não pagamento das prestações acordadas, determina a imediata exigibilidade de todas as obrigações garantidas pela hipoteca.
Face ao não pagamento pelos devedores, o B… instaurou em 9/9/2003 execução contra eles e contra a filha de ambos S…, titulada pela escritura de hipoteca, vindo a ser a fracção hipotecada alvo de penhora em 15/3/2005 e vendida aos ora embargantes por escritura pública de 5/5/2008.
Entretanto, em 1999, o JJ… e a M… haviam vendido essa fracção à sua filha S…. A C… instaurou execução contra a empresa G… Lda, e contra JJ… e M…, titulada por livrança subscrita pelos executados. Nessa execução procedeu-se à penhora da fracção em 20/10/2008. É contra tal penhora que foram deduzidos os presentes embargos de terceiro.
Posteriormente à instauração da aludida acção executiva, a C... propôs acção declarativa contra JJ..., M... e S..., visando que fosse declarada a invalidade da venda efectuada pelos primeiros à última e a fracção integrasse de novo o património de JJ... e M..., vindo a ser proferida sentença que declarou a venda ineficaz e sem efeito, revertendo o imóvel de novo para o património dos mencionados executados.
Perante este quadro, entendemos que a execução na qual foi efectuada a penhora da fracção e contra a qual se colocaram os ora embargantes, não tem na sua base a realização coerciva do direito emergente da decisão pauliana, pelo que se mostram fundados tais embargos. Atente-se no facto de, aquando da penhora efectuada na execução em que a C… é exequente, os executados já não serem proprietários da fracção penhorada, como de resto se acha plasmado na matéria de facto provada. É certo que essa penhora veio a ser registada antes do registo da aquisição da fracção pelos embargantes, embora tal aquisição em si mesma haja sido anterior.
Há que dizer, na esteira do Acórdão Unificador de Jurisprudência, nº 3/99 do Supremo Tribunal de Justiça, que entendemos que“o registo predial não tem, no estado legislativo vigente, natureza constitutiva” o que de resto resulta do art. 7º do CRP, que estabelece a presunção do registo, uma presunção legal juris tantum que pode ser ilidida mediante prova do contrário.
Ainda a este propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, II, pág. 67 - que “o exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são terceiros. Embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos actos em que se desenvolve o processo executivo, ou, mais directamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satiasfação dos fins da execução. A ineficácia apenas se reporta aos actos posteriores à penhora, pelo que os actos de disposição ou oneração de bens, com data anterior ao registo da penhora, prevalecem sobre esta”.
Ou seja, o que transfere a titularidade de um bem não é o registo, é, designadamente, o negócio de compra e venda com a sua eficácia real.
Voltando ao mencionado aresto do STJ, devem ser retidas as seguintes considerações:
“Situação diferente é a resultante do confronto do direito real de garantia resultante da penhora registada quando o imóvel penhorado já havia sido alienado, mas sem o subsequente registo. Aqui, o direito real de propriedade, obtido por efeito próprio da celebração da competente escritura pública, confronta-se com um direito de crédito (...) Nessa situação, mesmo que o credor esteja originariamente de boa fé, isto é, ignorante de que o bem já havia saído da esfera jurídica do devedor, manter a viabilidade executiva quando, por via de embargos de terceiro, se denuncia a veracidade da situação seria colocar o Estado, por via do aparelho judicial, a, deliberadamente, ratificar algo que vai necessariamente desembocar numa situação intrinsecamente ilícita (...)”.
Se a execução promovida pela C… fosse a realização do seu direito enquanto credor na sequência do retorno do imóvel ao património dos devedores por efeito da sentença que homologou a transacção na acção pauliana, e se a execução onde foi realizada a venda aos ora embargantes fosse dirigida contra o terceiro, titular do imóvel em virtude de transacção declarada ineficaz por tal decisão na acção pauliana, poderíamos concordar com a tese sustentada na sentença recorrida.
Mas não é este o caso. A execução da C… foi instaurada anteriormente à acção pauliana e a execução do B… (que originaria a venda judicial aos ora embargantes), baseou-se na hipoteca constituída a favor do exequente sobre a fracção em causa, com penhora registada em 27/05/05 sendo precedida de arresto registado em 06/03/2001.
Acresce que a procedência da acção pauliana, invalidando a transmissão do bem do devedor para terceiro, não transfere para o credor o direito de propriedade sobre tal bem. Limita-se a fazer retornar o bem ao património do devedor onde o credor, munido de título adequado, poderá satisfazer o seu crédito através da acção executiva. Não afecta, nomeadamente, o direito real de garantia, como a hipoteca, anteriormente constituída sobre o bem e a favor de credor no âmbito de um negócio jurídico celebrando entre o B… e os executados JJ... e M....
Como já referimos, a anterioridade do registo pode ter a virtualidade de estabelecer uma presunção de que o direito correspondente pertence ao respectivo tituilar inscrito, mas tal presunção pode ser ilidida como de resto o foi nos presentes autos. Não restam dúvidas de que aquando do registo da penhora pela C... os executados já não eram proprietários da fracção, estando tal direito de propriedade na esfera da ora embargante.
Numa outra vertente diremos ainda ter ficado provado que os embargantes, desde a outorga da escritura, têm a chave da fracção, ali se deslocando e ali permanecendo durante alguns períodos, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição. Ou seja, os embargantes exercem um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade, actuando como seus donos: e, nos termos do art. 1251º do CC, isso traduz a posse.
Tal posse é titulada, na medida em que se funda num modo legítimo de adquirir a propriedade – venda por negociação particular, em sede de acção executiva, concretizada em escritura pública – e é de boa fé na medida em que à data da escritura não havia ainda sido registada a penhora da C… nem se prova, por qualquer modo, que a adquirente tivesse conhecimento de estar a lesar direitos alheios. Seja como for, nos termos do art. 1260º nº 2 do CC, a posse titulada presume-se de boa fé e nada na matéria provada permite, em nosso entender, considerar ilidida tal presunção. Tal posse é pública e pacífica.
A posse iniciou-se com a outorga da escritura, antes pois do registo da penhora da C.... Assim, os embargantes gozam da presunção de titularidade.
Finalmente, refira-se que, como atrás já ficou subentendido, não é nosso entendimento que o exequente que nomeia bens à penhora e o adquirente do bem penhorado por escritura pública anterior à data do registo da penhora, mas ela própria registada posteriormente, sejam terceiros para efeitos do art. 5º nº 4 do Código do Registo Predial. Insista-se que a execução na qual foi efectuada a penhora não foi instaurada na sequência da decisão que homologou a transacção na acção pauliana.
Sem dúvida que a penhora feita pela embargada C... e a compra e venda integram direitos incompatíveis entre si, mas as partes não se podem considerar adquirentes de um mesmo transmitente comum de tais direitos incompatíveis. Ou melhor, a C... enquanto exequente que nomeou o bem à penhora, não o é na medida em que não existe modo algum de transmissão envolvendo os executados. Já quanto aos embargantes e apesar de terem comprado a fracção em venda executiva por negociação particular, pensamos que, mesmo que o tribunal se haja substituído à vontade negocial dos executados, existe uma efectiva transmissão destes para a adquirente.
Conclui-se assim que:
– É legítimo ao adquirente de um imóvel, por escritura pública, deduzir embargos de terceiro em execução onde o mesmo imóvel foi penhorado posteriormente à compra e venda do embargante, sendo a penhora registada antes de efectuado o registo da aquisição.
– Provando-se a posse do adquirente sobre o imóvel, titulada e de boa fé, desde a data da escritura, o mesmo adquirente goza da presunção da titularidade do direito, em data anterior à do registo da penhora.
– O exequente que nomeou o imóvel à penhora e o embargante que o adquiriu anteriormente mediante compra e venda por escritura pública não são terceiros para efeitos do art. 5º nº 4 do Código do Registo Predial.
Termos em que se julgam procedentes os embargos de terceiro, ordenando-se o levantamento da penhora sobre a fracção identificada nos autos.
Custas pela embargada C....
LISBOA, 6/2/2014
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais