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SERVIDÃO DE VISTAS
JANELAS
Sumário
I – Nos termos do nº 2 do art. 1362 do CC, constituída a servidão de vistas, ao proprietário do prédio serviente só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as janelas, portas, varandas, etc., do prédio dominante (às quais seja reportada a servidão) o espaço mínimo de um metro e meio correspondente à extensão das referidas janelas, portas, varandas, etc.. II - Aquilo que é pretendido evitar com o preceituado no nº 2 do art. 1362 é que no prédio serviente seja levantada construção susceptível de impedir ou dificultar a obtenção de luz e ar pelo prédio dominante através da abertura ali existente – daí a estipulação de uma distância considerada mínima para o efeito. III – No caso dos autos, tendo sido a obra levada a cabo pela R. a colocação de uma porta metálica no seu prédio – a aplicação de uma estrutura metálica e não a abertura de um vão - tal integrar-se-á na previsão da norma, desde que verificados os restantes requisitos por ela exigidos. IV - Provando-se que a porta metálica é «fronteira à aludida janela» daí decorre que a porta se situa na correspondente extensão da janela. (Sumário da Relatora)
Texto Parcial
Acórdão na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - “A” e “B” intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra “C”.
Alegaram os AA., em resumo:
Os AA. são donos de um prédio urbano, constituído por um edifício com três pavimentos sito na Rua ..., nº ..., ..., o qual confronta de Sul e Nascente com a R., proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., nº ….
A nível do r/c do prédio dos A. a parede sul tem uma janela com as dimensões de 69 cm de largura por 82 cm de altura e que proporciona ao quarto que serve ar, luz e vistas, sendo que essa janela existe há cerca de 100 anos.
A R. entaipou a janela do prédio dos AA. com tábuas e no início de Agosto de 2009 emparedou a mesma com tijolo e dois tijolos de vidro translúcido, violando o direito de serventia de vistas, ar e luz que o prédio dos AA. detém.
A R. passou a utilizar o saguão em frente ao prédio dos AA. como depósito de bilhas de gás que encostou à parede com que entaipou a janela, o que constitui um perigo potencial para a segurança daquele prédio.
Pediram os AA. que a R. seja condenada:
a) a reconhecer que o seu prédio está onerado por uma servidão de vistas, ar e luz constituída por usucapião a favor do prédio dos AAA. Através de uma janela aberta na parede sul do prédio dos AA., com 69 centímetros de largura por 82 centímetros de altura;
b) a demolir a parede com que entaipou a referida janela;
c) a retirar de junto do prédio dos AA. as botijas de gás propano que ali tem depositadas.
A R. contestou, dizendo essencialmente:
O prédio, por si adquirido em 2004, estava abandonado e, tirando partido desse abandono, os AA. abriram recentemente a janela referida nos autos a qual deita directamente para o quintal da R.. A R. não usa o espaço em frente à parede como depósito de bilhas de gás, o que, aliás, não constitui qualquer ameaça para a segurança do prédio dos AA..
Concluiu pela improcedência da acção.
Os AA. deduziram articulado superveniente alegando que a R., na sequência do procedimento cautelar por eles intentado, procedeu à reabertura da janela que havia entaipado, mas que colocou no local da abertura da janela um gradeamento metálico implantado numa parede que fez construir junto à parede dos AA.. Além de que fez construir uma porta metálica fronteira à aludida janela e dela distanciando 1,33 metros.
Pediu a condenação da R. a retirar o gradeamento e a porta e a não construir ou implantar qualquer obra ou artefacto frente à janela dos AA. e a menos de 1,5 metros da mesma.
A R. respondeu impugnando matéria alegada. No que concerne à mencionada porta disse que a distância alegada não corresponde à verdade e que não abriu uma porta antes fechou uma abertura já existente.
O processo prosseguiu. A final foi proferida sentença que decidiu: «… julgo parcialmente procedente a presente acção, e consequentemente:
a) declaro constituída a favor prédio urbano composto de casa de habitação de r/c, 1.º andar, águas furtadas e quintal, com superfície coberta de 64,5 m2, e área descoberta de 6,5 m2, sito na Rua ..., ... e ...-A, freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da titularidade dos AA., uma servidão de vistas sobre o prédio urbano composto por casa de três pisos para habitação, anexo e pátio, com superfície coberta de 96,75 m2, e área descoberta de 60,25 m2, sito na Rua ..., 10, freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da propriedade da aqui R., constituída por uma janela aberta na parede sul do prédio em primeiro lugar identificado, com 69 centímetros de largura por 82 centímetros e altura;
b) condeno a R. a demolir a parede que tapou a janela atrás identificada e bem assim a retirar da parede encostada à do prédio dos AA., o gradeamento que ali colocou em frente à janela em apreço;
c) condeno a R. a retirar da construção fronteira à mesma janela a porta que ali colocou.
Absolvo a R. do pedido referente à retirada das botijas de gás propano».
Desta sentença apelou a R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
(…)
Os AA. contra alegaram nos termos de fls. 181 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Pela Ap. 26 de 2004/07/14, encontra-se registada a aquisição a favor dos AA., por partilha de herança de “D”, do prédio urbano composto de casa de habitação de r/c, 1.º andar, águas furtadas e quintal, com superfície coberta de 64,5 m2, e área descoberta de 6,5 m2, sito na Rua ..., ... e ...-A, freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
2. Pela Ap. 28 de 2004/02/20, encontra-se registada a aquisição a favor da R., por compra, do prédio urbano composto por casa de três pisos para habitação, anexo e pátio, com superfície coberta de 96,75 m2, e área descoberta de 60,25 m2, sito na Rua ..., 10, freguesia da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
3. O prédio dos AA. descrito em 1. confina a sul e a nascente com o prédio da R. descrito em 2.;
4. Encontra-se, à presente data, aberta uma janela na parede sul do prédio dos AA. que confina com um saguão existente no prédio da R.;
5. A janela foi aberta num quarto de dormir e tem 69 centímetro de largura por 82 centímetro de altura, com uma espessura de cerca de 63 centímetro da parede em que está inserida;
6. A referida janela foi aberta aquando da construção do r/c da edificação existente no prédio dos AA, o que aconteceu há cerca de cem anos;
7. E foi-o à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém;
8. Tendo os AA., bem como os anteriores proprietários e possuidores do prédio melhor descrito em 1., utilizado a janela aqui em causa de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente dos anteriores proprietários do prédio descrito em 2.;
9. Utilização essa que faziam na convicção de exercerem um direito próprio de aproveitamento das utilidades proporcionadas pela referida janela;
10. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida a partir do ano de 2004, a R. entaipou a janela melhor identificada em 3. com tábuas;
11. No Verão de 2009, a R. emparedou a janela referida em 3. com tijolo, tendo colocado em parte do vão da mesma dois tijolos de vidro translúcido;
12. A R., na sequência da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar apensos, procedeu à reabertura da janela do prédio dos AA. que anteriormente havia entaipado e, acto contínuo, colocou um gradeamento metálico em frente ao local de abertura da janela, constituído por barras verticais dispostas com um afastamento de 85 milímetros umas das outras, praticamente encostada à estrema do prédio dos AA., implantado numa parede que a R. ergueu encostada à parede deste;
13. Colocou ainda a A. uma porta metálica no seu prédio, fronteira à aludida janela, distando aquela desta 1,44 metro entre caixilharias, e a 1,27 metro entre paredes.
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III – 1 - Serão as conclusões da alegação do recorrente que definirão o objecto do recurso, conforme decorre do art. 684, nº 3, do CPC.
Tendo em consideração as conclusões apresentadas pela R./apelante, as questões que se colocam são, fundamentalmente, duas: se a colocação da porta metálica a que se reportam os autos não infringe o determinado no artigo 1362.º, n.º 2, do CC, porque não foi levantado edifício ou outra construção no prédio da R.; e porque não foram demonstrados factos que permitam concluir pelo requisito «correspondente à extensão destas obras» aludido naquela disposição legal.
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IV – 1 - No que respeita à janela referida nos autos foi entendido na sentença recorrida que se havia constituído por usucapião sobre o prédio da R. e a favor do prédio dos AA. uma servidão de vistas; e que, assim, face ao disposto no art. 1360, nº 1, ex-vi o art. 1362, nº 2, ambos do CC, a R. estava obrigada a não edificar, abrir janelas ou portas que deitassem sobre o prédio dos AA. sem deixar o intervalo de 1,5 metros, bem como a obstar a que as utilidades proporcionadas pela janela fossem eliminadas ou diminuídas por sua acção.
No recurso interposto a R. não põe em causa a existência da referida servidão de vistas a favor do prédio dos AA., nem a sua condenação a demolir a parede que tapou a janela e a retirar da parede encostada à do prédio dos AA. o gradeamento que ali colocou em frente à janela.
A sua divergência é sobre o entendimento do Tribunal de 1ª instância de que a porta aberta pela R. o foi em contravenção ao disposto no nº 2 do art. 1362 do CC. Por duas razões: porque a “abertura” de uma porta não estaria incluída na previsão daquele preceito legal; por não resultar dos factos provados que a porta esteja sita na correspondente extensão da janela.
Vejamos.
A servidão de vistas é uma servidão predial, incluída, pois, nas previsões dos arts. 1543 e seguintes do CC - dispondo aquele artigo que servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
Segundo nos diz Carvalho Fernandes ([1]) o «direito de servidão predial é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades do prédio alheio em benefício do aproveitamento das utilidades do primeiro».
Como vimos, não é posta em causa na apelação a constituição por usucapião de uma servidão de vistas sobre o prédio da R. e a favor do prédio dos AA., considerando uma janela com 69 centímetros de largura por 82 centímetros de altura existente na parede sul do prédio dos AA. que confina com um saguão existente no prédio da R..
Sublinham Pires de Lima e Antunes Varela ([2]) que a designação servidão de vistas não é impecável, correspondendo o objecto da restrição não propriamente «à vista» sobre o prédio vizinho, mas à existência de porta, janela, etc., que deite sobre o prédio nas condições previstas no art. 1360. Não se exerce a servidão com o facto de se desfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho.
Ora, dispõe o nº 2 do art. 1362 do CC que, constituída a servidão de vistas (e, repete-se, não se discute no caso que a servidão de vistas sobre o prédio da R./apelante se haja constituído), ao proprietário do prédio serviente só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as janelas, portas, varandas, etc., do prédio dominante (às quais seja reportada a servidão) o espaço mínimo de um metro e meio correspondente à extensão das referidas janelas, portas, varandas, etc..
Devido ao estabelecimento da servidão de vistas, o prédio serviente fica sujeito a que nele não seja levantada construção susceptível de impedir ou dificultar a obtenção de luz e ar pelo prédio dominante; para esse efeito deve respeitar a distância mínima supra referida.
Referem, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela ([3]) que as condições em que o proprietário serviente pode construir no seu prédio estão expressas na parte final deste número, tendo de guardar a distância de metro e meio correspondente à extensão das obras. Explicando que apenas se terá de guardar a distância na extensão da janela ou, nas palavras de Cunha Gonçalves «deixar o interstício de 1m,50, mas somente defronte da janela, porta, varanda ou outra obra».
E José Alberto González ([4]) entende que por força do estabelecimento da servidão fica o prédio serviente «adstrito a não levantar construção ou plantação susceptível de impossibilitar ou estorvar a obtenção de luz e ar pelo prédio dominante; para o efeito deve observar uma distância mínima de metro e meio entre a mencionada construção ou plantação e a janela, porta, varanda, terraço, eirado ou obra semelhante que beneficie da servidão».
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IV – 2 - No caso dos autos provou-se que a R. ([5]) colocou «uma porta metálica no seu prédio, fronteira à aludida janela [aquela janela com 69 centímetros de largura por 82 centímetros de altura existente na parede sul do prédio dos AA.], distando aquela desta 1,44 metro entre caixilharias, e a 1,27 metro entre paredes».
Discorre a apelante sobre se aquela obra por si realizada – a colocação de uma porta metálica no seu prédio – cabe na previsão do nº 2 do art. 1362 do CC, entendendo que assim não é e baseando-se, fundamentalmente, na análise dos textos do art. 1362 e do art. 1360.
Não temos dúvidas de que aquilo que é pretendido evitar com o preceituado no nº 2 do art. 1362 é que no prédio serviente seja levantada construção susceptível de impedir ou dificultar a obtenção de luz e ar pelo prédio dominante através da abertura ali existente – daí a estipulação de uma distância considerada mínima para o efeito.
Não pode, pois, ser levantada construção sem que seja observado o espaço mínimo de um metro e meio. “Construção” tem aqui um sentido de “obra” – a lei refere «edifício ou outra construção». Poderá ser um muro de pedra, uma saliência de sustentação de floreiras em tijolo, uma capoeira em madeira e metal … Como vimos, alguns autores admitem, até, ao lado da construção a plantação.
No caso, a obra levada a cabo pela R. foi a colocação de uma porta metálica no seu prédio, o que, em nosso entender, se integra sem dificuldade na previsão da norma, desde que verificados os restantes requisitos por ela exigidos.
Afigura-se que a questão não é, aqui a da abertura de uma porta, de um vão na parede do prédio da R. ([6]). É sim, a de colocação, de aplicação de uma estrutura metálica no prédio da R.; trata-se de um elemento que a ele foi aditado, a dita porta metálica ([7]).
Assim, no caso dos autos, a colocação da referida porta metálica corresponderá a uma construção, para efeitos do nº 2 do art. 1362.
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IV – 3 - Do que acima mencionámos resulta que haveria que deixar o intervalo de um metro e meio somente defronte da janela da casa dos AA., na extensão correspondente à mesma. Dito de outro modo, é no espaço fronteiro à janela que tem de ficar o intervalo de 1,5 m.
Provou-se que a porta metálica é «fronteira à aludida janela» distando aquela desta 1,44 metro entre caixilharias, e a 1,27 metro entre paredes.
Não querendo brincar com as palavras, se é “fronteira” fica “em frente”, correspondendo, no prédio da R. a construção em referência à extensão da janela dos AA..
Deste modo, não tem razão a R. quando diz que não ficou provado que a porta esteja sita na correspondente extensão da janela.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, conformando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014
Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] «Lições de Direitos Reais», Quid Juris, 4ª edição, pag. 433. [2] «Código Civil Anotado», Coimbra, 2ª edição, vol. III, pag. 219. [3] Obra citada, pag. 221. [4] «Código Civil Anotado», Vol. IV, «Direito das Coisas», Quid Juris, pag. 234. [5] Quando na matéria de facto provada se diz “A.” e não “R.” trata-se de um simples lapso, como se extrai do contexto e resulta claramente da alínea H) dos Factos Assentes, do artigo 10) da Base Instrutória e da sua resposta – respectivamente, fls. 87, 142 e 158 – sendo despiciendas quaisquer outras considerações sobre tal. [6] A abertura do vão de uma porta na parede já nos conduziria à previsão do nº 1 do art. 1360 do CC. [7] Não no sentido de abertura, mas de peça destinada a fechar essa abertura.