CONTRAFACÇÃO
OBRAS
CRIATIVIDADE
AUTONOMIA
DIREITOS DE AUTOR
MARCAS
PLÁGIO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
REQUISITOS
Sumário

1. A contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do conteúdo de obra feita, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características exteriores (dimensões, formato, material utilizado, etc.) dessa obra.
2. Não existe contrafacção se, apesar das semelhanças existentes, a obra tiver uma individualidade própria, ou seja, acrescente algo novo, em termos de criatividade, à obra alheia a que se recorreu.
3. O conceito subjacente a uma obra autonomiza-se da mesma e, por si só, não é objecto de direito de autor.
4. A marca de prestígio é uma marca cuja protecção vai além do princípio da especialidade e, como tal é protegida face a marcas que sejam iguais ou semelhantes à marca de prestígio, ainda que não estejam em causa os mesmos produtos ou serviços
5. Requisitos para tal protecção são, pois, que a marca anterior seja considerada de prestígio, que a marca posterior seja igual ou semelhante e que, com o seu uso, se procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.
(Sumário da Relatora)

Texto Parcial

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            T, Lda. intentou contra L, S.A. e L Portugal, Unipessoal, Lda. procedimento cautelar para protecção da propriedade intelectual e tutela dos direitos de autor, pedindo que, sem audição prévia das requeridas, seja: a) decretada a proibição do uso e/ou exploração das expressões “HW” e “RW” ou de quaisquer outros sinais distintivos do comércio de que é titular a requerente, que possam ser considerados confundíveis com as marcas e obras protegidas desta: b) decretada a proibição do uso das expressões referidas na al. a) em quaisquer meios de comunicação, incluindo internet, revistas, jornais, e/ou quaisquer outros meios de comunicação/difusão de informação e conteúdos vários; c) cancelado o evento “HW”, a decorrer de 2 a 8 de Dezembro, e decretada a apreensão, a expensas das requeridas, de todos os produtos ou materiais promocionais susceptíveis de violar os direitos de propriedade intelectual da requerente, nos quais apareça, de qualquer forma, as suas marcas, ou quaisquer outras referências que possam com estas ser similares ou confundíveis; d) condenadas as requeridas a liquidar uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 500,00, por cada dia de atraso no cumprimento de cada um dos pedidos de condenação supra referidos, a contar da data de trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida até integral cumprimento; e) decretada a inversão do contencioso nos termos do art. 369º do CPC.
            A fundamentar a sua pretensão alega, em síntese:
            A requerente dedica-se à actividade de prestação de consultoria, concepção, montagem e execução de projectos de inovação e marketing em todas as áreas de actividade económica, social e cultural, procedendo ao registo e utilização de diversas obras e marcas nesse âmbito.
Assim, tem registado, desde ...10.2012, o projecto “RW” junto da IGAC, como direito de autor, baseando-se este projecto na democratização do acesso à restauração de qualidade, permitindo concretizar também um objectivo de responsabilidade social.
Ou seja, ao aderir a este projecto, cada restaurante apresenta um menu específico a um preço único especialmente convidativo (€ 20) que, paralelamente ao acesso à gastronomia, serviços e ambiente, proporciona também a contribuição para causas sociais, na medida em que €1 reverte a favor das entidades beneficiárias do projecto.
A requerente tem registadas, em Portugal, relacionadas com o mencionado projecto, as marcas “RW”, “RWP”, “RWL”, “RWA”, “RWP”, e “RW” marca comunitária, bem como detém vários registos de marca “RW” em E..., I... e F..., referentes às diversas cidades em que aquele evento é organizado pela requerente.
O próprio conceito de “RW” baseia-se em conceito que vem sendo explorado e detido pela requerente em diversas vertentes que não apenas a restauração, sempre tendo subjacente o conceito de que, no decorrer ou no período certo de uma semana, se procurar a democratização de acesso a determinado produto ou serviço de qualidade, a preço reduzido, concretizando um objectivo de responsabilidade social, mediante uma contribuição de € 2 por consumidor incorporado no preço a pagar.
Assim é o conceito de diversas marcas registadas pela requerente como, por exemplo, “LGW”, “LSW”, encontrando-se, ainda, submetidos a registo pela requerente, dentro daquele conceito e referente às mesmas classes, a marca “HW”.
Para além de um conjunto de outras marcas de que é titular pelo mundo fora, dentro do mesmo conceito por si criado (por exemplo HWP, PLW, LFW, BW, PFW, …).
Ora, a 15.11.2013, através de diversas publicações na internet, e nas quais surge, sem autorização, a referência a “RW”, tomou a requerente conhecimento da realização do evento “HW”, a decorrer entre 2 e 8 de Dezembro de 2013 e promovido pela marca “R”, que está registada em nome da 1ª R. e vem sendo utilizada em Portugal pela 2ª R.
De acordo com aquelas publicações (que referem a semelhança do pretendido com o conceito da marca “RW”), ao aderir ao evento “HW”, os salões de cabeleireiro aderentes apresentam aos seus clientes um menu de coloração e brushing a um preço único de € 25, dos quais € 2 reverterão a favor da Associação ...
Face ao disposto nos arts. 9º, 195º, nº 1 e 196º, nº 1 do CDADC dúvidas não restam quanto à ilegitimidade da utilização pelas requeridas, da referência à “RW”, lesando, com a sua conduta, o direito de autor da requerente, cujo exercício, a não serem decretadas as providências requeridas, ficará irremediavelmente comprometido ou mesmo impedido.
Tem, ainda, aplicação o disposto no art. 258º do CPI, bem como o art. 242º do mesmo diploma legal, uma vez que a marca “RW” deve ser considerada marca de prestígio.
A conduta das requeridas causa lesão grave à requerente (atendendo à dimensão e poder mediático que as requeridas gozam no mercado nacional) e, qualquer demora aumenta e agrava os prejuízos da requerente, além de permitir ao infractor a continuação do aproveitamento económico que retira da utilização de direito alheio.

            Conclusos os autos, foi proferida decisão que julgou a providência cautelar improcedente, e, consequentemente, dela absolveu as requeridas.

            Inconformado com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
(...)
Termina requerendo que a decisão recorrida seja anulada, substituindo-se por outra que julgue totalmente procedente o procedimento cautelar, com todas as legais consequências.
            Não se mostram juntas contra-alegações uma vez que o procedimento cautelar foi liminarmente indeferido e foi requerida a não audição das requeridas.
            O Mmo Juiz recorrido proferiu despacho no sentido de não padecer a sentença de qualquer nulidade.

QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) das nulidades da sentença;
b) do mérito da apelação.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            O tribunal recorrido teve por assentes os seguintes factos:
(...).
            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Começa a apelante por invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por padecer de oposição entre a decisão recorrida e os seus fundamentos.
Apreciemos cada uma das nulidades invocadas.
1.a. Dispõe a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
A nulidade referida vem na sequência do estipulado no art. 608º, nº 2 do mesmo diploma legal, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepcionando, porém, de tal dever a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Sustenta a apelante que as questões que se colocam são a de saber, por um lado, i) até que ponto as recorridas têm legitimidade para fazer menção, sem a devida autorização para o efeito, da obra e das marcas da recorrente, e, por outro lado, II) aferir a individualidade própria do evento das recorridas, quando confrontado com os direitos de propriedade intelectual da recorrente, sendo certo que em parte alguma da decisão recorrida se pronunciou o tribunal quanto à 1ª questão suscitada, o que consubstancia um vício de falta de pronúncia sobre questões que deveria conhecer.
E depois de fazer referência ao facto constante do ponto 11 da fundamentação de facto, ao art. 195º, nº 1 do CDADC e ao Ac. da RE de 19.03.2013, concluiu que “andou mal o tribunal a quo ao não se pronunciar sobre esta questão, já que ao fazê-lo, não aplicou devidamente o direito aos factos carreados para os autos e neles dados como provados”.
Ou seja, o que está em causa, não é, verdadeiramente, uma omissão de pronúncia, mas eventual erro de julgamento, o que não se confunde com as nulidades da sentença taxativamente previstas.
Por outro lado, no despacho em que apreciou a nulidade invocada, o Mmo Juiz recorrido esclareceu que a questão referida não foi apreciada em concreto uma vez que a sua apreciação resultou (implicitamente) prejudicada da apreciação que fez do direito da apelante.
Não se verifica, pois, a nulidade invocada.
1.b. Dispõe a al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Na elaboração da sentença, depois de identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando as questões que cumpre solucionar, o juiz fundamenta a mesma, discriminando os factos que considera provados (fundamentação de facto) e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes (fundamentação de direito) e conclui pela decisão final (art. 607º, nºs 2 e 3 do CPC), que há-de ser a conclusão lógica do que anteriormente equacionou.
A nulidade referida verifica-se quando as premissas do raciocínio (a fundamentação) apontarem num sentido e a decisão (conclusão) for noutro - o juiz analisa a questão que lhe é colocada, equaciona os seus argumentos em determinado sentido, e, a final, conclui / decide, em sentido (lógico) contrário àquele que fundamentou.
            Como escrevia o Prof. Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 141, “no caso considerado no nº 3 do art. 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Alega a apelante que a sentença recorrida padece de nulidade por se verificar contradição entre a decisão e os seus fundamentos, na medida em que, apesar de fazer referência aos arts. 224º, nº 1 e 258º do CPI (o registo da marca confere ao seu titular o exclusivo da mesma para os produtos a que esta se destina e confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, sem a sua autorização, qualquer sinal igual), depois nada decreta quanto ao uso e/ou exploração da expressão “RW”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, a sentença recorrida não padece do vício invocado.
É certo que a sentença recorrida reconheceu ser a A. titular de um direito de propriedade industrial, assistindo-lhe os direitos enunciados nos mencionados dispositivos legais que reproduziu.
Contudo, de seguida, analisou se se verificava o requisito de violação efectiva ou eminente do reconhecido direito de propriedade industrial, e concluiu que não existia semelhança susceptível de induzir em erro o consumidor não existindo como tal qualquer violação consumada ou eminente do direito da requerente.
E nessa conformidade, decidiu julgar improcedente a providência cautelar, não tendo decretado qualquer das medidas peticionadas ou outras.
Não existe, pois, qualquer contradição entre as premissas e a decisão, improcedendo, também nesta parte, a apelação.
1.c. Invoca, ainda, a apelante a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, por ter dado como provada a factualidade constante dos pontos 7 e 12 da factualidade provada e depois concluir que “não existe sequer identidade do objecto e têm também, cada um deles, uma individualidade própria”.
Salvo o devido respeito, ressalta manifesto que o que está em causa não é qualquer contradição entre a decisão (de improcedência da providência cautelar) e os fundamentos (nomeadamente o supra reproduzido), mas sim eventual erro de julgamento que não se confunde com qualquer nulidade da sentença, como já supra referido.
Não se verifica, pois, a nulidade invocada.
2. Do mérito da apelação.
A A. intentou a presente providência cautelar para protecção da propriedade intelectual e tutela dos direitos de autor, e da propriedade industrial, com base no disposto nos arts. 210º-G do CDADC e 338º-I do CPI, ambos introduzidos nos respectivos códigos pela L. 16/2008 de 1.04, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29.04.
Dispõe o nº 1 do referido art. 210º-G que “sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a: a) inibir qualquer violação iminente; ou b) proibir a continuação da violação”.
E o nº 2 esclarece que “o tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação”.
Os nºs 1 e 2 do art. 338º-I do CPI têm redacção em tudo idêntica, referindo-se, contudo, e como não podia deixar de ser, ao direito de propriedade industrial.
Depois de concluir (e bem) que dos preceitos referidos se conclui que a procedência dos procedimentos cautelares em causa exigem a verificação de 2 requisitos - a saber, a) ser o requerente titular de direito de propriedade industrial/direitos de autor ou de direito conexo, ou estar autorizado a utilizá-los, e b) existência de efectiva violação de direito de autor ou de direitos conexos/direito de propriedade industrial, ou que está iminente uma violação de tais direitos -, o tribunal recorrido concluiu que, não obstante resultarem demonstrados os direitos (de autor e de propriedade industrial/marca) da requerente, não se verifica a violação de tais direitos porquanto, quanto ao direito de autor, o seu direito não lhe confere qualquer protecção relativamente ao evento HW, porquanto estão em causa serviços completamente diferentes, o “conceito” utilizado não pode ser objecto de protecção como obra, e não existe plágio, porque não existe identidade do objecto e têm cada um deles uma individualidade própria, e quanto ao direito de propriedade industrial/marca, não se destinam aos mesmos serviços, nem a serviços afins, nem existe semelhança susceptível de induzir em erro o consumidor.
Insurge-se a apelante contra o decidido sustentando que deveriam ter sido decretadas as providência cautelares requeridas, porquanto, por um lado, as apeladas plagiaram o seu projecto, violando o seu direito de autor, e, por outro, usurparam a(s) sua(s) marca(s), uma vez que existe semelhança gráfica entre esta(s) e o sinal usado pelas apeladas para identificar o seu evento, e a marca da apelante é marca de prestígio, alegação que o tribunal recorrido ignorou, também em termos de factualidade provada, sendo a sentença recorrida nula nesta parte.
Apreciemos, começando por sublinhar que, fundamento das providências requeridas são a violação (eminente) dos direitos de autor e de propriedade industrial de que a apelante é titular por força de registo do projecto “RW” e de várias marcas, nacionais e comunitária, relacionadas com aquele projecto, pelo evento “HW” que as apeladas se propunham realizar (e realizaram).
Segundo a apelante, o referido evento assenta, por completo, no conceito do projecto da apelante, plagiando-o, procurando as apeladas tirar proveito das marcas da apelante, verificando-se evidente semelhança gráfica entre as marcas da apelante e a identificação que é feita daquele evento.
2. a) Do alegado plágio.
Dispõe o nº 1 do art. 1º do CDADC que “consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores”.
E o nº 2 concretiza que “as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código”.
Em anotação a este artigo, escreve Luiz Francisco Rebello, in CDADC Anotado, 1985, pág. 44, que no mesmo se esclarece “que as obras contempladas no Código consistem na exteriorização de uma criação intelectual tanto no domínio literário e artístico, como científico, querendo assim significar-se que a obra, para ser protegida, deve ser a expressão, por qualquer modo obtida – isto e, tanto sob a forma escrita como oral ou outra -, da personalidade do seu autor”. E mais adiante refere que “diversamente, porém, do que se verifica em relação à propriedade industrial, a “novidade” da obra literária, artística ou científica não é requisito obrigatório da protecção que a lei lhe concede. Poderá, quando muito, falar-se em “originalidade”, como por exemplo sucede em relação às divisas e lemas publicitários (art. 2º, al. m), mas apenas no sentido de que a obra protegida deve ser original na sua forma, e não necessariamente no seu conteúdo, isto é, exige-se-lhe tão só que não consista na mera cópia ou decalque de outra, o que explica que lhe sejam equiparadas obras que não são consideradas originais, em sentido corrente, como é o caso de todas aquelas a que faz referência o art. 3º …”.
E no que ao nº 2 respeita, escreve a págs. 45, que no mesmo se consigna “um princípio fundamental do direito de autor, que não se encontrava expresso no Código anterior embora pudesse considerar-se implícito: o de que o direito de autor “não incide sobre o tema ou sobre a ideia, mas sim sobre a forma dada ao tema ou à ideia” (Eugène Pouillet, …). Ou, como recentemente se escreveu num manual prático editado pela UNESCO, “são as obras em si mesmas que são protegidas – a sua forma ou o seu modo de expressão -, e não as ideias, os sistemas, os princípios, os métodos” (…)”.
Sobre esta questão, escreve José de Oliveira Ascensão, in Direito de Autor e Direitos Conexos, 1992, pág. 58, que “criações de espírito são as ideias. Mas sustenta-se categoricamente que não há propriedade ou exclusividade de ideias. As ideias, uma vez concebidas, são património comum da humanidade. É inimaginável um sistema em que as ideias de alguém fossem restritas na sua utilização”.
No mesmo sentido escreve Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito de Autor, 2011, pág. 70 que não são “objecto de Direito de Autor, ainda que correspondam a criações intelectuais, a ideias (art. 1º, nº 2). Efectivamente, as ideias, uma vez comunicadas, tornam-se património comum da humanidade, pelo que ninguém pode reclamar exclusividade no seu aproveitamento. Podem eventualmente ser objecto de aproveitamento através de patentes de invenção as aplicações industriais das ideias mas, nesse caso, estar-se-á fora do Direito de Autor. As ideias podem ainda estar subjacentes a obras intelectuais, no caso de estas exteriorizarem algo de novo, como sucede com os artigos científicos, mas as obras intelectuais não deixam de o ser, mesmo que não tenham qualquer ideia nova associada, como sucede com os compêndios escolares”.
Assentes estes princípios, dir-se-á que, in casu, a obra da apelante, que se mostra registada, é o texto literário "RW” criado pela apelante, conforme resulta, aliás, do parecer técnico de deferimento do pedido de registo constante de fls. 56 dos autos [1], consubstanciado num projecto que a apelante concretiza na realização de eventos que promove.
Defende a apelante que o evento “HW” não tem individualidade própria, resultando evidente que o mesmo é decalcado do projecto que a apelante vem explorando há vários anos, sendo plágio deste, constituindo, pois, contrafacção dos seus direitos autorais da obra.
Dispõe o art. 196º, nº 1 do CDADC que “comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria”.
Como escreve  Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, na obra citada, pág. 303 “o tipo legal de contrafacção permite abranger duas realidades: a cópia servil e o plágio. A cópia servil corresponde a uma duplicação grosseira do original, podendo referir-se quer a obras, quer a prestações. Já o plágio consiste na reprodução de uma obra, não sendo aplicável a prestações, sendo no entanto efectuada uma alteração da forma como a obra se apresenta, a qual, no entanto, não é suficiente para lhe atribuir individualidade própria. Conforme refere Oliveira Ascensão, o plágio não é cópia servil; é mais insidioso porque se apodera da essência criativa da obra sob veste ou forma diferente. A lei esclarece, no entanto que há certas situações que não se reconduzem à contrafacção,… Genericamente pode, porém, afirmar-se que não existirá contrafacção se, apesar das semelhanças existentes, a obra tiver uma individualidade própria, o que significa que acrescenta algo novo, em termos de criatividade, à obra alheia a que se recorreu. Mas já haverá contrafacção se a modificação se limitar a alterar a natureza da obra, …”.
Luís Francisco Rebello, na ob. cit., pág. 250, refere que “a contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do conteúdo de obra feita, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características exteriores (dimensões, formato, material utilizado, etc.) dessa obra. É, por exemplo, contrafacção o desenho que reproduz uma tela pintada a óleo, se esse desenho for assinado por outrem que não o autor desta, ou a adaptação à cena de um romance alheio omitindo essa circunstância”.
Afigura-se-nos inquestionável que o evento “HW” é muito semelhante ao conceito que está subjacente ao projecto “RW” da apelante, qual seja o de se procurar a democratização do acesso a um determinado produto ou serviço de qualidade, no decorrer ou no período certo de uma semana, a preço reduzido, proporcionando a praticamente todos os consumidores uma experiência excepcional por norma apenas acessível a consumidores de rendimentos mais elevados, com a vantagem adicional de concretizar um objectivo de Responsabilidade Social, mediante uma contribuição de 2.00 € por consumidor, para causas ou organizações sociais pré-definidas, incorporada no preço a pagar.
De facto, esse é o conceito que em que se baseia o projecto do "RW" - na democratização do acesso à restauração de qualidade, proporcionando uma experiência de restauração, muitas vezes também aspiracional, além de permitir concretizar um objectivo de responsabilidade social -, e que a apelante vem explorando e detendo noutras vertentes que não apenas a restauração, e que está subjacente às diversas marcas registadas de que é titular a apelante, no conceito de "W", nomeadamente as marcas nacionais “LGW", ou "LSW".
O conceito em que se baseia o evento “HW” é semelhante - ao aderir ao evento "HW", os salões de cabeleireiro aderentes apresentam aos seus clientes um menu de coloração e brushing a um preço único de 25€, dos quais 2€ reverterão a favor da Associação L..
Como se pode ler na publicação da internet junta pela apelante a fls. 167 dos autos “a iniciativa conta com cerca de 100 cabeleireiros aderentes, que durante uma semana vão possibilitar às mulheres fazerem uma coloração com produtos da marca promotora pelo valor único de 25 euros, em que 2 euros deles revertem para a Associação L. A HW pretende incentivar todas as mulheres a experimentarem uma “coloração de qualidade a um preço único e acessível”, e “pôr a mulher mais bonita e confiante mas sem esquecer a responsabilidade social”, segundo explicaram os responsáveis da iniciativa durante a apresentação à imprensa. A iniciativa tem como embaixadoras a actriz CS e as manequins FM e CM e a lista dos cabeleireiros aderentes pode ser consultado no FB da marca em Portugal”.
Desde logo se dirá que o conceito subjacente a uma obra autonomiza-se da mesma e, por si só, não é objecto de direito de autor, como referiu o tribunal recorrido (art. 1º, nº 2 do CDADC).
Por outro lado, o conceito subjacente ao projecto “RW” da apelante e ao evento “HW” das Apeladas é semelhante mas não é totalmente idêntico, tendo este individualidade própria, uma vez que lhe acrescenta características novas.
Assim, enquanto no projecto da apelante, ao aderir a este projecto, cada restaurante apresenta um menu específico (à sua escolha), a um preço único especialmente convidativo, no evento das apeladas os cabeleireiros aderentes vão possibilitar às mulheres fazerem uma coloração com produtos da marca promotora (e não quaisquer outros produtos, ainda que de idêntica ou superior qualidade), pelo valor único de 25 euros.
E o público alvo a que se dirige é mais restrito – as mulheres -, o que está, também, ligado à associação para a qual revertem os 2 euros, a Associação L que tem como objectivo “ter um impacto significativo na prevenção, diagnóstico e tratamento do cancro da mama no nosso país”, como se pode ler no respectivo site, particularmente direccionado às mulheres.
Reforçando a ligação a esse público e a um objectivo mais concreto - pôr a mulher mais bonita e confiante - [2] está, ainda, o facto do evento/iniciativa ter embaixadoras, cujas profissões estão directamente ligadas a esses objectivos – uma actriz e duas manequins.
Assim sendo, afigura-se-nos que, embora assente em conceito bastante semelhante, o evento HW tem individualidade própria, muito ligada às suas promotoras e à sua área de actuação, não se podendo falar em plágio, como pretende a apelante.
Assim sendo, nada há, pois, a censurar à sentença recorrida nesta parte.
2. b) Da semelhança gráfica das marcas. Do prestígio da marca da apelante (nulidade da sentença; factos provados).
Como supra referido, sustenta a apelante que as apeladas usurparam as suas marcas, uma vez que existe semelhança gráfica entre estas e o sinal usado pelas apeladas para identificar o seu evento.
Sendo a marca da apelante marca de prestígio, a sua protecção sai reforçada na medida em que se estende aos casos em que os produtos não são idênticos ou afins, o que o tribunal recorrido não ponderou, quer em termos de factualidade provada, quer em termos de aplicação de direito, sendo a sentença recorrida nula, nesta parte.
Apreciemos.
Dispõe o art. 224º, nº 1 do CPI que “o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”.
Por seu turno, estatui o art. 258º do mesmo diploma legal que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor” (sublinhado nosso).
O art. 245º, nº 1 do referido diploma estatui que “a marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) a marca registada tiver prioridade; b) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.
Concluiu o tribunal recorrido que, no caso, as marcas da apelante e o sinal do evento anunciado pelas apeladas não se destinam aos mesmos serviços, nem a serviços afins, uma vez que as marcas da apelante estão associadas à restauração e à hotelaria, ou com outros serviços que não de cabeleireiro [3], e o sinal do evento anunciado pelas apeladas tem como objecto serviços de cabeleireiro.
A marca serve para distinguir produtos ou serviços congéneres, através da aposição de um símbolo (que pode ser nominativo e/ou figurativo) e que os referencia como procedentes de uma determinada empresa (art. 222º do CPI).
A marca “individualiza” produtos ou serviços, servindo, na perspectiva do consumidor, como referencial, existindo o direito das marcas essencialmente para proteger o consumidor da confusão.
Nesta sequência, o âmbito da protecção concedido a cada marca é limitado aos produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca foi registada (princípio da especialidade).
In casu, sufragamos o entendimento do tribunal recorrido de que as marcas da apelante e o sinal do evento das apeladas não se destinam aos mesmos serviços, nem a serviços afins [4].
E afigura-se-nos que na apelação a apelante também não põe esta conclusão em causa, mas alega que o tribunal esqueceu que o conceito “W” e, em particular, o evento “RW” goza de excepcional prestígio no mercado e é conhecido da generalidade dos consumidores, pelo que deve ser aplicável, com as devidas adaptações, o art. 242º do CPI.
No requerimento inicial alegou a apelante que, caso se entendesse que não havia identidade ou afinidade dos produtos ou serviços para os quais as marcas da apelante foram registadas (e o sinal usado pelas apeladas para assinalar o evento), então teria o tribunal de ponderar o facto da marca da apelante ser marca de prestígio, sendo disso prova o destaque que o evento “RW” tem merecido em diversa imprensa de referência, a nível nacional, o que estende a protecção da marca aos casos em que os produtos não são idênticos ou afins.
Na sentença recorrida nenhuma referência se fez a esta questão suscitada pela A./apelante.
E teria de fazer, ou a sua apreciação ficou prejudicada pela apreciação jurídica feita na sentença ?
Dispõe o art. 242º do CPI que “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante a uma marca anterior que goze de prestígio em Portugal ou na Comunidade Europeia, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los” (sublinhado nosso).
“A marca de prestígio é uma marca cuja protecção vai além do princípio da especialidade e, como tal é protegida face a marcas que sejam iguais ou semelhantes à marca de prestígio, ainda que não estejam em causa os mesmos produtos ou serviços” [5].
Requisitos para tal protecção são, pois, que a marca anterior (no caso as marcas registadas da apelante) seja considerada de prestígio, que a marca posterior (no caso, o sinal que assinala o evento das apeladas) seja igual ou semelhante e que, com o seu uso, se procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.
Uma vez que o tribunal recorrido entendeu que, não obstante haja alguma semelhança entre as marcas da apelante e a denominação utilizada pelas apeladas para intitular o seu evento [6], “não existe semelhança susceptível de induzir em erro o consumidor”, afigura-se-nos que, com tal conclusão, ficou (implicitamente) prejudicada a apreciação da questão suscitada pela apelante.
Não se verifica, assim, a nulidade da sentença invocada.
E deveria o tribunal recorrido ter dado como provado que o conceito “W”, e em particular o evento “RW”, goza de excepcional prestígio no mercado e é conhecido da generalidade dos consumidores, tendo em conta os documentos juntos pela requerente sob os nºs 21 e 22-A a 22-D ?
Em causa está impugnação da decisão sobre a matéria de facto que cumpre apreciar, uma vez que a apelante cumpriu o estatuído no art. 640º, nº 1 do CPC.
Marca de grande prestígio é aquela que goza “de elevado grau de notoriedade junto do público, supernotória” [7], é a marca célebre ou famosa.
Luís Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, 2ª ed. rev. e act., págs. 312 e ss., após referir que “não é fácil definir uma marca de prestígio”, e de reconhecer que a sua protecção “representa uma solução anómala num sistema assente na diferenciação de bens ou serviços num pretenso mercado de livre concorrência”, defende que “a abertura do sistema à protecção de marcas célebres deve ser o mais exigente possível. Essa marca deve obedecer a dois apertados requisitos, um quantitativo e outro qualitativo: 1º gozar de excepcional notoriedade; 2º gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores. O primeiro requisito, de natureza quantitativa, significa que a marca deve ser espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande-público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços. ... O segundo requisito referido, de natureza qualitativa, significa que a marca deva contar ou com um elevado valor simbólico-evocativo junto do público consumidor, não obstante não seja de grande consumo, ou com um elevado grau de satisfação junto do grande público consumidor. ... Não se protege a marca de prestígio em virtude de se ter tornado como que independente dos produtos ou serviços para os quais originariamente foi destinada. O mérito da marca célebre não é o de ter deixado de ser marca. O seu mérito, a justificar protecção, é, na nossa opinião, o facto de se ter tornado numa marca que distingue “bem demais” e de um modo especialmente evocativo ou atractivo uma determinada classe de produtos ou serviços”.
No Ac. da RL de 8.02.01, in CJ, Tomo I, pág. 114, escreveu-se que “para se apurar o conceito de marca “famosa” há que recorrer a vários elementos da mesma, como a sua duração e a extensão do seu uso, a duração e extensão da sua publicidade, a área geográfica em que a marca está em uso, o grau do seu reconhecimento pelo público a que se dirige, os canais através dos quais os produtos da marca são distribuídos, o eventual uso da marca por terceiros e o seu registo nacional e internacional”.
A fundamentar a sua pretensão, alegou a requerente na PI, como já supra referido, que o conceito “W”, e em particular o evento “RW”, goza de excepcional prestígio no mercado e é conhecido da generalidade dos consumidores, sendo disso prova o destaque por este merecido na diversa imprensa de referência, a nível nacional, remetendo para documentação junta aos autos.
O documento junto sob o nº 21 (fls. 189) é uma notícia no website do jornal P, datada de 20.11.2013, que dá conta da chegada da edição de Outono da RW em Lisboa, referindo, para além do mais, que “é dita “a maior iniciativa gastronómica da capital” e, ao fim de dez edições em L..., a RW repete a receita: uma “semana (na verdade, desta feita, uma “semana” de 11 dias) dedicada a “restaurantes de topo” em que um chefe de cada casa propõe menus especiais completos por 20 euros, sendo um euro deste valor entregue a uma instituição de solidariedade social. Como também tem acontecido nas últimas edições, o evento organizado pela empresa SA, tem como bandeira a “promoção da dieta mediterrânea”, aproveitando ainda desta vez para celebrar o Dia Mundial da Alimentação, que se comemora a 16 de Outubro”.
Os documentos juntos sob os nºs 22-A a 22-D são reproduções digitais de noticiários da TV ... noticiando os eventos RW, LRW e PRW, dando conta destas iniciativas gastronómicas e da possibilidade de comer mais barato em restaurantes seleccionados, frisando essencialmente a parte gastronómica, com reportagens com cozinheiros/chefs e gerentes dos restaurantes, referindo, ainda, a componente solidária.
Desta documentação não resulta, salvo o devido respeito, o prestígio do conceito W, mas do evento RW, publicitado por meios audiovisuais de grande impacto, a uma escala nacional, para a generalidade da população (embora mais direccionada aos “gastrónomos”), em várias edições repetidas, tendo-se a marca RW tornado numa marca que distingue de forma determinante e de um modo especialmente evocativo e atractivo o evento em causa e, essencialmente, os serviços de gastronomia a que está associado.
E a marca em causa goza de considerável prestígio junto do público também por estar associada a restaurantes de reconhecida qualidade.
Mas tal prestígio reporta-se, apenas à marca RW e ao evento RW e não a quaisquer outras marcas da apelante.
Assim sendo, afigura-se-nos que se deverá aditar à fundamentação de facto que o evento “RW” e a marca RW têm qualidade reconhecida no mercado e são conhecidos da generalidade dos consumidores.
Aqui chegados, resta, então, apreciar se existe, ou não, a semelhança gráfica entre a marca (e evento) da apelante e o sinal usado pelas apeladas para identificar o seu evento, como sustenta aquela.
Sobre a identidade ou semelhança entre sinais, escreve Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 101 e ss. que “o actual Código segue assim a legislação europeia, para a qual é irrelevante a modalidade que a semelhança possa revestir, isto é, que seja gráfica, figurativa, fonética ou outra. Com efeito, pode haver risco de confusão ou erro entre sinais sem existir semelhança gráfica, figurativa nem fonética, como é o caso da semelhança intelectual ou ideológica, na qual o risco de confusão ou erro surge da associação de ideias por os sinais em confronto serem passíveis de suscitar a mesma imagem ou sugestão. O consumidor médio quase nunca se confronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva. Por isso a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. ... Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam. Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesses momento, apenas as semelhanças ressaltam. A imitação deve, pois, ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados e separadamente”.
Como se refere no Luís Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, pág. 233, importa ter presente um conjunto de critérios de apreciação, nomeadamente: “o primeiro é o de se dever apreciar as marcas no seu conjunto só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade (v.g. no caso de não resultar dessa visão unitária um resultado claro). A razão de ser deste critério está no facto de ser a imagem de conjunto aquela que, normalmente, sensibiliza mais o consumidor não se devendo pressupor que este tenha condições de efectuar um exame comparativo e contextual dos sinais entre si. O segundo é o da irrelevância, no conjunto da apreciação da marca, das suas componentes genéricas ou descritiva [8]. O facto de se assemelharem, unicamente, com relação aos sinais genéricos ou descritivos não é determinante. O terceiro é o de, nas marcas complexas, se dever privilegiar, sempre que possível, o elemento dominante. Note-se que não há contradição entre este e o primeiro critério. É no respeito da visão unitária e não espartilhada da marca que se retira a prevalência de um dos seus elementos”.
Estas considerações feitas, afigura-se-nos que outras devem ser feitas, agora de ordem fáctica.
A protecção “alargada” reclamada pela apelante respeita, apenas, à marca de prestígio RW e ao evento com o mesmo nome.
A marca é, unicamente, nominativa, tal como o são as outras marcas associadas a esta, como RWP, RWL, RWA e RWP, como resulta da documentação junta aos autos (fls. 61 a 110), e não têm cores reivindicadas.
O sinal utilizado para assinalar os eventos já é, segundo alegação da requerente, nominativo e figurativo, constando no “O” de Portugal e de Lisboa e no 1º “O” do Porto um prato redondo, no “A” de Portugal e de Lisboa uma colher no traço horizontal, e no “I” de Lisboa um garfo, tudo em letras pretas sobre um fundo amarelo, emolduradas por um rectângulo, as letras relativas ao país ou localidade em maiúsculas, e a palavra RW, em minúsculas, com o “R” e o “W” em maiúsculas.
O sinal que assinala o evento das apeladas é misto, integrando, simultaneamente, elementos nominativos e um elemento figurativo, uma tesoura, um pouco aberta, invertida, a fazer “as vezes” do Y de “...”.
As palavras “H” e “...” estão escritas em maiúsculas, a palavra “H” por cima e para o lado direito da palavra “...”, e, por baixo desta, mais para a direita, na linha perpendicular da palavra “H”, a palavra “w”, em minúsculas, em tamanho menor.
Por baixo destas 3 palavras está escrito “POWERED BY”, por baixo destas “R”, e por baixo desta, “...”, todas as palavras escritas em maiúsculas, de 3 diferentes tamanhos, como tentámos assinalar, sobressaindo a da palavra R.
Todas estas palavras, de cor branca, excepto a palavra “w” que está escrita a amarelo, se inserem num círculo recortado com pontas redondas, de fundo preto.
Como se escreveu no Ac. da RL de 29.04.03, P. 2149/2003-7, in www.dgsi.pt, “relativamente às marcas nominativas importa considerar sobretudo a semelhança visual e fonética. Há que ter em conta quem lê e quem ouve. Mas, nas marcas mistas, como é o caso, há que ter ainda em consideração o seu conjunto”.
Ora, analisado os sinais em confronto no seu conjunto, verifica-se que apenas existe identidade da componente descritiva (a palavra “w”), que não é o elemento predominante, antes sendo elemento individualizante (aquele que melhor desperta a atenção do consumidor médio e que este guarda na memória), no sinal das apeladas, a palavra “H", afigurando-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não existe a semelhança gráfica que a apelante sustenta.
Assim sendo, o consumidor médio não visualiza, no conjunto, semelhanças tais que o induzam, facilmente, em erro ou confusão com a marca e evento da recorrente, sendo certo que não existe risco de associação àqueles, considerando estar devidamente assinalada a identidade de proveniência empresarial (R), e de forma devidamente destacada.
Facto este que, na falta de outros, também nos leva a afastar da conclusão que as apeladas com o uso do referido sinal pretendem tirar partido indevido do prestígio da marca e evento da apelante.
Não se mostra, pois, plenamente preenchida a previsão do art. 242º do CPI, não operando, pois, para a marca e evento da apelante a protecção reforçada por esta reclamada, pelo que improcede a apelação, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

            DECISÃO.
            Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
            Custas pela recorrente.
                                                                       *

Lisboa, 2014.02.18

Cristina Coelho
Roque Nogueira
Pimentel Marcos
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, na ob. cit., pág. 80, escreve que as “obras literárias correspondem a todas as obras que utilizam como meio de comunicação a linguagem escrita, independentemente de terem conteúdo artístico, científico, filosófico ou outro”.
[2] O que ultrapassa a simples democratização do acesso a determinados produto ou serviço de qualidade.
[3] Atente-se que o pedido de registo da marca HW que a apelante fez no INPI só foi requerido após esta ter tido conhecimento da realização do evento HW pelas apeladas – factos 9 e 11 da fundamentação de facto.
[4] Como escreve Pedro Sousa e Silva in Princípio da Especialidade das Marcas. A Regra e a Excepção: As Marcas de Grande Prestígio, ROA, Ano 58, 1998, págs. 396 e 397, “.. só deverão ter-se por afins produtos ou serviços que apresentem entre si um grau de semelhança ou proximidade suficiente para permitir, ainda que parcialmente, uma procura conjunta, uma satisfação de idênticas necessidades dos consumidores. Os produtos ou serviços em causa terão de se situar, pois, no mesmo mercado relevante, permitindo dessa forma, ainda que tenuemente, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público”.
[5] Cfr. o CPI Anotado, de Gabinete de Advogados António Vilar e Associados, Sílvia Ferreira, Vida Económica, 2006, pág. 213.
[6] Que se reduz à reprodução gráfica e fonética de parte do elemento da marca da requerente: W.
[7] Ac. do STJ de 12.10.99, BMJ 490-280.
[8] Segundo este autor, in Direito de Marcas, pág. 68 e ss., o sinal genérico “é o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou ainda o sinal, bi ou tridimensional que representa, unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado” e o sinal descritivo “é, normalmente, a denominação, portuguesa ou estrangeira, que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor ou qualquer outra característica do produto ou serviço”.