SEGURO DE VIDA
DOENÇA PRÉ-EXISTENTE
MÁ FÉ
NULIDADE
JUROS DE MORA
Sumário

I) A má fé exigida pelo § único do art.º 429º do Código Comercial (CCom) implica que, ao tempo da celebração do contrato, o contraente do seguro de vida tenha efectivo conhecimento da doença que veio a determinar a invalidez; não basta que a doença já exista ou já se tenha iniciado a manifestação segura ou indicativa dos seus sintomas.
II) A má-fé tem de revelar-se claramente por actuação consciente e voluntária do segurado ao prestar declarações inexactas ou omitir factos e circunstâncias que conhece e sabe poderem influir na decisão da seguradora de contratar, ou de o fazer em determinadas condições.
III) Aquela norma exige actuação dolosa, com vista a defraudar a seguradora e a constituir-se beneficiário de direitos a que não teria direito procedendo de boa-fé.
IV) Diferentemente, são causas de nulidade do contrato de seguro, nos termos do corpo do art.º 429º do CCom, as declarações inexactas e as omissões, por negligência; não se exige actuação dolosa, de má-fé, bastando o erro involuntário ou a "reticência", com mera negligência.
V) Não estando demonstrada a má-fé do A, em face da nulidade do contrato e das suas consequências, é de ordenar lhe sejam restituídos os prémios de seguro que pagou.
VI) Em caso de nulidade, os juros de mora contam-se do momento da sua declaração de nulidade, não da citação quando a acção for configurada pressupondo a validade do contrato.
(AAC)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
1. Os AA instauraram contra a R a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário[1] pedindo a condenação da R a: (a) reconhecer a validade do contrato de seguro celebrado entre o A e a R, titulado pela apólice n.º …; (b) reconhecer que, desde Dezembro de 2009, o A se encontra na situação de invalidez absoluta e permanente para qualquer tipo de trabalho; (c) pagar ao A. as quantias por este pagas ao B…, SA em cumprimento do contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação própria, desde Dezembro de 2009, inclusive, e até à data do trânsito da sentença que vier a ser proferida, cuja soma perfaz, em 03.01.2010, € 6.494,64, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; (d) restituir ao A. o valor dos prémios relativos ao contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré, pagos por aqueles a esta em cumprimento de tal contrato desde Dezembro de 2009, inclusive, até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento; (e) reconhecer que não lhe são devidos os pagamentos dos prémios de seguro referentes ao aludido contrato de seguro desde o mês de Dezembro de 2009 e até ao final do prazo do seguro contratado; (f) pagar directamente ao B…, SA o montante do capital em dívida decorrente do contrato de mútuo celebrado entre o Autor e esta instituição bancária, que se vencerem desde a data do trânsito em julgado da sentença, até integral liquidação do empréstimo e que em Dezembro de 2009 se contabilizava no valor de € 99.504,67 e a entregar o remanescente do capital seguro ao A. no valor de € 42.652,73, acrescidos de juros de mora até final; (g) indemnizar o A pelos danos não patrimoniais que lhe causou com a sua actuação, que computa em € 25.000,00, acrescidos de juros a contar da citação.
Alegam, em resumo e no que é relevante para a economia do presente recurso, que na sequência de um contrato de mútuo, com hipoteca, para aquisição de habitação própria, o A celebrou um contrato de seguro vida, em Julho de 2000, cobrindo além da morte também a invalidez do A e garantido o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade, tendo para tal entregue um questionário médico e realizado todos os exames médicos que a R. lhe solicitou. Em Setembro de 2001 foi diagnosticada ao A. a doença de Parkinson e, em Dezembro de 2009, na sequência de agravamento das sequelas daquela doença, participou à R a sua situação de invalidez, a qual lhe solicitou então e ao longo de quase um ano vários elementos clínicos, que o A lhe enviou. Após, em 08.11.2010, veio a R. informá-los que declinava o pagamento de qualquer importância ao abrigo do contrato de seguro em questão, o que é para os AA inaceitável, pois à data da subscrição da proposta de seguro o A. não era portador de doença cujo conhecimento relevava para a apreciação do risco objecto do seguro, nem tinha conhecimento dessa doença ou a omitiu na proposta de seguro, pelo que a invalidez permanente e absoluta do A encontra-se coberta pelas garantias do contrato.  
Conclui, além do mais, que a R se pretende eximir ao cumprimento das obrigações expressamente assumidas perante o A, em contradição com o que comunicou ao tomador e ao beneficiário do seguro, ao longo de quase um ano, bem sabendo já da sua doença.    
Contestou a R. pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Estriba a sua defesa alegando, no essencial, que nos termos das condições gerais do seguro não estava coberto o risco resultante de doença pré-existente, como foi o caso, já que o A sofre de doença neurológica do tipo parkinsonismo bilateral desde pelo menos 1998, tendo o próprio A afirmado, em entrevistas e blogues nas redes sociais, padecer dessa doença desde pelo menos 1999.
Conclui que o A faltou à verdade quando do preenchimento do questionário médico, tendo propositadamente ocultado informações essenciais, numa clara tentativa de ludibriar a R, pelo que o contrato de seguro em causa é nulo.
Os AA apresentaram réplica na qual se batem pela validade do contrato de seguro, concluindo como na p.i.
Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, assim como se concluiu pela inexistência de nulidades, outras excepções dilatórias ou peremptórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso.
         Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
3. É desta decisão que, inconformados, os AA. vêm apelar, pretendendo a condenação da R. a restituir aos Recorrentes o valor de € 8.653,14, correspondente aos valores pagos pelos AA até 08.11.2010, acrescido de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Alegando, concluem:
1. Os Autores, ora Recorrentes moveram a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a O…, S.A., pedindo a condenação desta última a restituir ao Autor o valor dos prémios relativos ao contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré, pagos por aquele a esta em cumprimento de tal contrato desde Dezembro de 2009, inclusive, até à data do trânsito em julgado da sentença acrescida de juros de mora;
2. Por sentença datada de 10/07/2013, o tribunal a quo julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré O…, S.A. de todos os pedidos contra ela formulados, decidindo quanto ao pedido aqui em causa que “Prescreve o parágrafo único do art. 429.º, do Código Comercial que «Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio.»;
3. No entanto, é manifesto que existe nos autos matéria de facto suficientemente clara que permite concluir que em momento algum os Recorrentes pretenderam enganar a Recorrida, pelo que o tribunal de que se recorre não poderia nunca ter dado como adquirido que houve má-fé dos Recorrentes na sua relação com a aqui Recorrida;
4. Como resulta da matéria provada (33) até à comunicação de 8 de Novembro de 2011, a Ré nunca havia questionado a validade do contrato de seguro;
5. Como resulta da matéria provada (34) consta no Relatório Médico datado de 23/06/2010, preenchido e assinado pelo Médico Assistente do A., Prof. Dr. J… que: “Acompanho o doente em referência em consulta de neurologia. Apresenta um quadro clínico compatível com o Diagnostico de Doença de Parkinson idiopática, desde Setembro de 2001” – destaque nosso.
6. Como resulta da matéria provada (37) só em Setembro de 2001 é que foi diagnosticada ao Autor, por um médico neurologista, a doença de Parkinson;
7. Como resulta da matéria provada (38) o diagnóstico da doença constituiu para os Autores um choque;
8. Deste modo, como se pode retirar da mera leitura da seleção de factos acima citada, não existe no processo matéria de facto que permitisse ao tribunal a quo tal julgamento;
9. É que uma coisa é admitir que Recorrente, deveria ter comunicado à seguradora que tinha sintomas de doença – o que só se admite para efeitos de alegação, sem qualquer concessão – outra coisa, muito diferente, é assumir que o Recorrente atuou consciente e dolosamente no sentido de prejudicar a seguradora, ora Recorrida;
10. Evidentemente, se os Autores, aqui Recorrentes, ficaram chocados com o diagnóstico que o Autor-marido recebeu em 2001, tal significa que, quando em Julho de 2000 assinou o contrato de seguro estava longe – longíssimo! – de imaginar que poderia padecer de tal doença.
11. Nem se venha argumentar que o relevante não é o diagnóstico mas sim a sintomatologia, e que mesmo sem estar diagnosticada a doença, o Autor já vinha sentido algumas manifestações de doença;
12. Se assim fosse – e não é – porque é que o Autor, entre 2000 e 2009 teria amortizado o empréstimo contraído, se sabia que, mais tarde ou mais cedo, a Recorrida acionaria o seguro (cfr. facto provado 56.)?
13. Acresce que, em conduta censurável, o juiz a quo só deu relevância a 2 ou 3 textos esparsos publicados na internet que não são da autoria do Recorrente, ignorando a documentação junta pelo então Autor, o que demonstra parcialidade na apreciação da prova;
14. Por outro lado, deve sublinhar-se que de acordo com os factos provados o Autor, ora Recorrente, foi desenvolvendo a sua atividade profissional na área de relações públicas, que apenas abandonou em 2009, pelo que se o Recorrente foi capaz de trabalhar em full-time durante todos estes anos, é manifesto que em 2000 não tinha qualquer sintomatologia relevante que o levasse a indicar à Recorrida que sofria de alguma doença ou que tinha havido qualquer alteração na sua saúde;
15. Todos estes factos que se vêm sublinhando são, ou resultam de, matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo;
16. Deste modo, perante todos estes dados, nomeadamente o reconhecimento de que só em 2001 lhe foi diagnosticada a doença e que tal diagnóstico foi um choque, não se compreende como pôde o juiz a quo julgar liminarmente que o Recorrente atuou de má-fé;
17. É também contraditório que se tenha julgado que o diagnóstico em Setembro de 2001 foi um choque para depois se concluir que, em 2000 “o Autor sabia, também, como pessoa informada que presumimos ser, as limitações que este tipo de doença acarreta e que a mesma, pela sua gravidade (que é do conhecimento geral) não podia ser omitida no questionário médico que preencheu”.
18. Sendo totalmente falso, mas também inverosímil, que tivesse a menor noção das limitações de tal doença, pois não é médico nem até à data tinha lidado com algum doente com esta sintomatologia;
19. Pelo que o julgamento – parco – que levou ao reconhecimento de uma situação de má-fé se apoia em factos que não estão provados; pior, que contraria factos dados como provados, como são o caso dos factos 37. e 38;
20. Para que possa existir má-fé, tem que haver direta e necessariamente uma intenção (dolo) e/ou consciência dessa conduta, o que significa que não ficando provado que o Recorrente tivesse a intenção de prejudicar a Recorrida, fica irremediavelmente afastada a questão da má-fé;
21. Nestes termos, a sentença de 11 de Julho de 2013 deve ser revogada na parte em que considera que o Autor atuou de má-fé, por erro de apreciação da matéria de facto provada;
22. Por outro lado, a solução jurídica dada pela Sentença (a não devolução dos valores pagos pelo Recorrente a título de prémio de seguro) também não é correta, interpretando erradamente o artigo 429.º do Código Comercial;
23. Como refere JOSÉ CARLOS MOITINHO DE ALMEIDA, o prémio a que se refere o § único daquela disposição “é o prémio vencido no período contratual em que a declaração falsa ou reticência é conhecida pelo segurador. Sempre assim se entendeu face a preceitos semelhantes que constituíram a base do nosso Código, sendo um absurdo conceder-se ao segurador o direito aos prémios, correspondentes a toda a duração do contrato que, entre nós, nem sequer está limitada” (destaque nosso)
24. Na verdade, conforme resulta do facto provado 33., até 8 de Novembro de 2010, a Recorrida nunca havia questionado a validade do contrato de seguro
25. Nestes termos, por não ter decidido assim, a Sentença em crise, com a interpretação que acolheu, violou o disposto no artigo 429.º do Código Comercial;
26. Pelo que todos os valores pagos pelos Recorrentes até 8 de Novembro de 2010 não podem considerar-se incluídos no âmbito de aplicação do artigo 429.º do Código Comercial, sendo pois devida aos Autores a restituição do que pagaram no valor de € 8.653,14, a que acrescem juros de mora desde a citação até integral pagamento.
4. A R. apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto      
Da factualidade assente e do despacho de fls. 502/516, que decidiu a matéria de facto e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1. Em 06/07/2000, no … Cartório Notarial de …, os AA e o Fundo…, ali representado pela sociedade “A…, SA”, outorgaram uma escritura que denominaram de «Permuta e Mútuo com Hipoteca», onde os primeiros declararam aceitar a permuta da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão…, para habitação, terraço e arrecadação na cave, e 1/41 da fracção autónoma designada pela letra “V”, situada nas caves dos blocos 28, 29 e 30, ambos do prédio urbano sito no Casal … , descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° …, da dita freguesia, afecto ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição F-10, pela fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar, lado esquerdo, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ….º da dita freguesia, conforme documento n.º 1 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. Na mesma escritura, os AA declararam ter recebido do “Banco…, SA” a quantia de Esc. 28.500.000$00, para aquisição da fracção autónoma designada pela letra “B” supra referida, tudo conforme documento n.º 1 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Os Autores e o Banco…, SA outorgaram, em 6 de Julho de 2000, no … Cartório Notarial de …, uma escritura que denominaram de «mútuo com hipoteca», mediante o qual o segundo declarou emprestar aos primeiros a quantia de Esc. 6.500.000$00, conforme documento n.º 2 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Por documento complementar anexo à escritura referida em (3) ficaram especificados os termos do contrato ali referido, conforme documento n.º 3 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Nos termos da secção II do supra referido documento complementar, os mutuários obrigaram-se a “contratar um SEGURO de VIDA, cujas condições, constantes da respectiva Apólice, serão as indicadas pelo Banco» bem como se obrigaram «a manter seguro o imóvel hipotecado contra os riscos e pelo valor que o banco indique”, tudo conforme documento n.º 3 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. O Autor-marido celebrou com a Ré um contrato do ramo “Seguro de Vida”, titulado pelo certificado n.º …. de adesão à apólice n.º …, na qual figura como beneficiário o Banco … S.A.;
7. Nos termos do contrato de seguro celebrado, a Ré ficou obrigada a garantir o pagamento do montante em dívida no empréstimo associado ao referido contrato, e até ao limite do capital seguro, no caso concreto de € 142.157,40, em caso de morte e de invalidez total e permanente;
8. O contrato de seguro supra referido foi outorgado antes da escritura pública supra mencionada;
9. Consta nas «Condições Gerais» do contrato de seguro do «ramo Vida», celebrado pelo Autor com a Ré, que:
“Condição 2.ª
1 – Pelo presente contrato a seguradora garante o pagamento de um capital ou de uma renda efectuado sobre a vida de uma ou várias Pessoas Seguras, sendo a Cobertura Principal, o risco da morte, sobrevivência ou ambas, numa das eventualidades abrangidas pelas coberturas nos termos dos números seguintes.
2- A Seguradora poderá garantir, além da Cobertura Principal, exclusiva do risco de morte e/ou sobrevivência, as Coberturas Complementares dos riscos de invalidez, morte por acidente ou outros, desde que em conformidade com a lei e demais normas aplicáveis, mediante a aplicação dos respectivos sobre prémios.”.
Condição 3.ª
Riscos Excluídos
1- Não se considera coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente, doença ou lesão provocada por (…)”, conforme documento n.º 10 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Consta das «Condições Especiais» do Seguro Complementar de Invalidez Total e Permanente que:
“Condição 3.ª
Definição de Invalidez Total e Permanente
Por Invalidez total e Permanente entende-se a incapacidade que afecta a Pessoa Segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma actividade remunerada, nomeadamente quando desta invalidez resulte paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores, em consequência de paralisia, ataxia pronunciada, retracção ou anquilose, cegueira completa ou incurável, hemiplegia e afecções crónicas como caquexia, resultantes de tabes e outros mielites em período avançado, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho.
O reconhecimento da Invalidez Total e Permanente é feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantem-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%.”;
11. Consta também nas Condições Especiais do Seguro Complementar de Invalidez Total e Permanente, que:
“Condição 4.ª – Objecto da Cobertura
1 – Por esta Cobertura Complementar a Seguradora obriga-se ao pagamento do capital igual ou menor ou ao valor actual das rendas vincendas garantindo em caso de morte para a Cobertura Principal, caso a Pessoa Segura venha a ser atingida por uma Invalidez Total e Permanente, nos termos da definição e condições previstas na anterior Condição.
a) Este pagamento será efectuado no fim do prazo de seis meses a contar da data efeito do reconhecimento da Invalidez Total e Permanente pela Seguradora, isto é a partir da data em que a Seguradora recebe todos os documentos necessários, salvo o disposto na alínea c).
(...)
c) Na invalidez total e permanente, que produza desde logo a perda dos dois membros superiores ou inferiores ou dos dois olhos, a Seguradora entregará imediatamente, a importância segura, sem se atender aos prazos estabelecidos nas alíneas a) e b) desta Condição.
(…)”;
12. Durante todo o processo de concessão do crédito, os Autores deslocaram-se por diversas vezes às instalações do B…, através do qual o Autor contratou também o Seguro de Vida com a Ré;
13. Para a outorga do contrato de seguro, o Autor entregou o “Questionário Médico” e realizou todos os exames médicos e nos termos que lhe foram solicitados pela Ré;
14. Em 3 de Julho de 2000, o Autor subscreveu a proposta de adesão de seguro vida da Ré, destinado a garantir o valor do crédito solicitado em caso de morte ou invalidez total e permanente, conforme documento n.º 1 anexo à Contestação, a qual foi aceite pela Ré;
15. No âmbito da proposta de adesão supra mencionada, o Autor-marido respondeu ao questionário médico dela constante, tendo respondido negativamente a todas as perguntas sobre o seu estado de saúde, nomeadamente se nos últimos anos sofreu de alguma doença ou alteração do seu estado de saúde, tendo ainda declarado que as respostas ao questionário médico são “completas, sinceras e conformes à verdade”, tudo conforme documento n.º 1 anexo à Contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16. O Autor expressamente contratou com a Ré a cobertura complementar de «invalidez total e permanente», pelo valor total do capital seguro de € 142.157,40, e com data de início a 06/07/2000, sendo o B…SA., o tomador do seguro;
17. Em Dezembro de 2009, o Autor participou à Ré, através do B…, SA, a sua situação de invalidez;
18. Em 25/03/2010, a Ré informou o A. que, não obstante a outorga da escritura relativa ao empréstimo associado ao crédito à habitação com o n.º …, ocorrida em 06/07/2000, “por lapso dos serviços”, não fora emitido o respectivo certificado individual de seguro de vida que lhe estava associado”, conforme documento n.º 14 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19. Em 15 de Junho de 2010, a Ré enviou aos Autores uma carta em que lhes remetia a cópia do Certificado Individual do contrato de seguro, conforme documento n.º 15 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20. A solução supra referida implicou o pagamento da totalidade dos prémios devidos desde a data-efeito da constituição do seguro, a saber, 06.07.2010, até Junho de 2010, no valor de € 8.653,14, cujo pagamento o Autor efectuou em 09.07.2010, conforme documentos n.ºs 16 e 16-A, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;
21. A Ré procedeu à emissão de um certificado individual de seguro com efeitos reportados a 06/07/2000, nas mesmas condições da proposta inicialmente contratada para garantia do capital seguro de € 142.157,40, conforme documento n.º 9 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
22. Na sequência da participação de invalidez do Autor, foi pela Ré solicitado elementos para análise do processo da doença, o que fez através do B…, S.A.
23. A Ré solicitou a apresentação de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, que o A. lhe entregou em Dezembro de 2009;
24. Em 08/07/2010, a Ré solicitou ao A. o envio do Relatório Médico onde constasse a data de diagnostico, tratamentos efectuados e evolução das patologias do foro psiquiátrico, neurológico, de pneumologia e otorrinolaringologia, sofridas pelo Autor, bem como o documento da Segurança Social ou de qualquer outra entidade oficial que comprovasse a incapacidade para exercer qualquer actividade profissional remunerada e consequente atribuição de pensão de invalidez, conforme documento n.º 18 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
25. O Autor enviou para a Ré a documentação supra referida em 19/07/2010;
26. Em 21 e 23/07/2010, a Ré voltou a solicitar o Relatório Médico ou do Médico Assistente onde constasse a data de diagnóstico das patologias do foro psiquiátrico e de otorrinolaringologia, tratamentos efectuados e evolução do quadro clínico do Autor, conforme documentos n.ºs 20 e 21 anexos à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
27. O Autor enviou à Ré a documentação referida supra em 02/09/2010 e em 12/10/2010;
28. Em 2/11/2010, o A. enviou para os serviços da Ré o documento emitido pela Segurança Social em 22/10/2010, em que lhe é atribuída a pensão por invalidez com início a 28/06/2010, conforme documento doc. n.º 24 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
29. Em Novembro de 2010 a Ré já recebera toda a documentação por si solicitada relativa à invalidez do Autor;
30. Por carta datada de 8 Novembro de 2010 a Ré informou os AA. que: " (...) Na sequência de uma análise preliminar efectuada à referida situação, foi possível recolher informações que levam a concluir que a doença que está na origem do accionamento pretendido por V. Exa. da apólice de seguro em causa, se manifestou em data anterior à da subscrição da proposta de seguro.
De acordo com o regime jurídico aplicável à contratação do seguro em causa, toda a declaração inexacta, assim como a reticência de factos ou circunstância conhecidas pelo segurado e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo, havendo direito do Segurador ao prémio do seguro se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé.”
Acresce que as doenças pré-existentes à celebração do contrato, salvo caso em que tenha havido comunicação formal ao Segurador, e aceitação por parte deste, mediante as condições que para o efeito tenham sido estabelecidas, encontram-se sempre excluídas das coberturas da apólice.
Assim, sem prejuízo de num primeiro momento a O… ter admitido poder vir a proceder ao pagamento do capital seguro, desde que fossem demonstradas as condições necessárias para efeito, nomeadamente a verificação de uma incapacidade que corresponda a um grau de desvalorização superior a 66,6% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, e que, além disso, seja susceptível de impedir total e definitivamente o exercício de uma actividade remunerada, neste momento, atentas as referidas informações, este Segurador vê-se forçado a alterar a sua posição, declinando o pagamento de qualquer importância ao abrigo do contrato de seguro em questão.”, conforme documento  n.º  25 anexo à PI;
31. Em 22/10/2012, a Segurança Social atribuiu ao Autor-marido uma pensão por invalidez, com início em 28/06/2010, tudo conforme documento n.º 24-A anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
32. Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado aos AA que a garantia desse seguro é concedida aos seus beneficiários em caso de morte ou de invalidez permanente, caso em que a Seguradora liquidaria ao Banco o capital seguro que estivesse em dívida e entregaria o remanescente ao Autor;
33. Até à comunicação de 8 de Novembro de 2011[2], a Ré nunca havia questionado a validade do contrato de seguro;
34. Consta no Relatório Médico datado de 23/06/2010, preenchido e assinado pelo Médico Assistente do A., Prof. Dr. J… que: “Acompanho o doente em referência em consulta de neurologia. Apresenta um quadro clínico compatível com o Diagnostico de Doença de Parkinson idiopática, desde Setembro de 2001.
Apresenta actualmente um síndroma parkinsónico bilateral, com predomínio de tremor.
Este quadro clínico condiciona uma incapacidade funcional para a realização de algumas actividades, havendo agravamento da incapacidade funcional relativamente a relatórios anteriores.
A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa. Apesar da melhor terapêutica médica instituída não é previsível uma reversibilidade da incapacidade funcional descrita.” (Doc. 12)
35. O contrato de seguro referido na al. F) dos Factos Assentes garantia o pagamento do montante em dívida no empréstimo a ele associado, em caso de invalidez total e permanente por acidente ou por doença do Autor:
36. Foi a Ré quem elaborou de antemão os impressos da proposta de Seguro;
37. Em Setembro de 2001 foi diagnosticada ao Autor, por um médico neurologista, a doença de Parkinson;
38. O diagnóstico da doença constituiu para os Autores um choque;
39. A doença de Parkinson é uma doença degenerativa, quadro este que é arrastado, crónico e lentamente progressivo, sendo irreversível;
40. A doença de Parkinson é uma doença degenerativa do sistema nervoso que se agudiza dia após dia, podendo contribuir de forma decisiva para o seu agravamento, as situações traumáticas, na óptica do doente, por este vividas;
41. Até meados de 2009, o Autor foi sempre fazendo a sua vida normal, sem episódios que lhe exigissem tratamentos clínicos específicos, para além da toma diária da medicamentação prescrita e do acompanhamento do seu médico neurologista;
42. A participação a que alude a al. P) dos Factos Assentes deveu-se ao agravamento das sequelas da doença do Autor;
43. Mercê da sua doença, o Autor sofre de tremores intermitentes no corpo, instabilidade postural, rigidez das articulações, havendo mesmo dias em que não consegue levantar-se da cama, ficando com partes do seu corpo paralisadas;
44. O Autor apresenta estados de ansiedade, ataques de pânico e dificuldade de concentração;
45. O Autor já não realiza as mais pequenas tarefas domésticas, como preparar as suas refeições e que tem actualmente inúmeras outras limitações no seu dia-a-dia, como dificuldade em segurar objectos, utilizar os talheres para cortar a comida e vestir-se;
46. O Autor tem dificuldades em segurar a caneta;
47. O Autor vem sendo submetido a sessões de fisioterapia 4 vezes por semana e a tratamentos;
48. A doença de Parkinson determinou para o Autor uma incapacidade permanente global de 72%, a qual se irá agravar irreversivelmente com o tempo, dada a natureza degenerativa da doença de Parkinson;
49. Em Setembro de 2001, o Autor exercia a actividade profissional de “Empresário”, na D… Lda., sendo uma figura pública reconhecida, ligada sobretudo aos eventos desportivos de corridas de automóveis, como …;
50. A actividade profissional que exercia, como “relações públicas”, impunha deslocações frequentes ao estrangeiro e apresentações públicas em empresas, actividade essa que, dados os graves sintomas e os sinais de que o A. padece, foi forçado a cessar;
51. O Autor, desde há meses, deixou de desempenhar a sua actividade, tendo cessado, por completo, o exercício da sua profissão;
52. O Autor sempre desempenhou a profissão de “relações públicas”;
53. A doença determinou a incapacidade total e definitiva do Autor para o exercício de qualquer profissão;
54. A referida doença determinou para o Autor a necessidade de auxílio permanente de terceira pessoa para os actos normais da sua vida diária;
55. O Autor teve conhecimento da situação de invalidez em Dezembro de 2009;
56. Desde 1 Dezembro de 2009 e até 3 Janeiro de 2010, os Autores procederam ao pagamento ao B… SA, de 12 prestações de juros e amortização do capital, tudo na importância de € 6.494,64, sendo € 5.126,35, referentes a amortização de capital e € 1.368,29 de pagamento de juros;
57. Foi a doença de Parkinson que determinou a incapacidade do Autor para o exercício de qualquer profissão;
58. O Autor sente-se diminuído e doente, o que lhe provoca uma enorme angústia e aflição;
59. A recusa da Ré em assumir o pagamento da indemnização pela invalidez do Autor lhe causou ansiedade e stress, os quais contribuem de forma decisiva para o agravamento da sua doença;
60. O Autor-marido sofre de patologia neurológica, do tipo parkinsonismo bilateral, desde pelo menos 1998, a qual é causa de sintomatologia compatível com crises de pânico;
61. O Autor deu entrevistas, escreveu em blogs e em redes sociais acerca da doença de que padecia;
62. O Autor marido deu uma entrevista ao Diário…, publicada em …/…/2005, na qual afirmou que a doença Parkinson lhe havia sido diagnosticada há seis anos;
63. No seu blog pessoal http//….blogspot.com, o Autor afirmou, com data de 2009.04.17, «são praticamente dez anos a carregar a doença de Parkinson»;
64. Se a Ré tivesse tido conhecimento da patologia de que o Autor padecia à data da subscrição da proposta de seguro, nunca teria aceite a mesma;
65. A Ré comunicou estar disposta a devolver a totalidade dos prémios de seguro já pagos pelos Autores;
66. À data de Setembro de 2001, o Autor era sócio-gerente da sociedade “D…, Lda.”
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos art.ºs 635º nº 4 e 639º nº 1, ambos do Código de Processo Civil[3]. Por outro lado, nos termos do nº 2 do art.º 635º citado, o recorrente pode restringir a parte dispositiva da sentença de que recorre.
Decorre daquelas conclusões e também da restrição expressa pelos recorrentes (cfr. fls 582), isto pese embora a manifestação, nas alegações, de algum inconformismo quanto ao demais decidido, que o segmento da decisão recorrida do qual recorrem é apenas o que se prende com o pedido formulado sob a al. d) (no relatório supra em itálico).
Assim, a questão que aquelas conclusões nos convocam a dilucidar e resolver pode equacionar-se da seguinte forma:
O tribunal a quo procedeu a uma incorrecta interpretação do art.º 429º do Código Comercial[4], não havendo fundamento para concluir que o A agiu de má-fé, pelo que a R não tem direito a ficar com os prémios de seguro pagos até 08.11.2010, altura em que a R invocou a invalidade do contrato de seguro, devendo o seu valor ser restituído aos AA?
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Vejamos pois, chamando-se desde já a atenção que esta é questão diversa da que foi formulada sob a al. d) do petitório.
Cumpre ainda esclarecer previamente que, pese embora alguma manifestação de discordância com a forma como o tribunal a quo terá procedido à valoração da prova (cfr. conclusão 13ª), os apelantes não procedem à impugnação da matéria de facto, dando cumprimento aos ónus previstos no art.º 640º, nem se vislumbra fundamento para qualquer actuação oficiosa, por parte deste tribunal, ao abrigo dos poderes conferidos pelo nº 2 do art.º 662º, pelo que a questão equacionada irá ser apreciada em face dos factos dados como provados na 1ª instância, supra descritos.
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   Na decisão recorrida, depois de se qualificar o contrato em causa como um contrato de seguro, do ramo vida, concluiu-se que o mesmo padecia do vício previsto no art.º 429º do CC o que implicou a improcedência dos pedidos de condenação da R a reconhecer a validade do contrato, a pagar aos AA os montantes por estes pagos ao mutuário após Dezembro de 2009 e, a este, o capital em dívida e objecto do seguro, bem como determinou, ainda, a improcedência do pedido de indemnização. Estes segmentos decisórios, por não impugnados no recurso, transitaram em julgado.
         É também pacífico entre as partes a qualificação do contrato em causa como um contrato de seguro, do ramo vida, regido pelas disposições dos art.ºs 425º e segs do CC, o que é sufragado por este tribunal.
  O que vem questionado pelos recorrentes é o segmento da sentença em que o tribunal a quo considerou que a conduta do A configurava a má-fé prevista no § único daquele art.º 429º e, nessa medida, julgou improcedente o pedido formulado sob a al. d) da petição.
       Mas, em bom rigor, como acima já se assinalou, a questão que as conclusões das alegações nos convocam a decidir é mais ampla e diversa do que esta.
Na verdade, o pedido formulado sob a al. d) tem como pressuposto a validade do contrato de seguro e, ainda, que a R tinha o dever contratual de reconhecer a situação de invalidez do A em Dezembro de 2009, pelo que, nessa altura, tinha o dever de pagar o capital em dívida objecto do seguro e, extinguindo-se então o contrato, não tinha o A o dever de pagar os prémios de seguro, após Dezembro de 2009 (nem a R o direito a eles – cfr. al. e) do pedido), reclamando assim o A. a restituição desses prémios de seguro pagos. 
     Já a questão suscitada pelas alegações dos apelantes tem como pressuposto a nulidade do contrato de seguro e, em consequência desse vício do contrato, a restituição do que foi prestado pelos AA ao longo de todo o tempo de execução do contrato, ou seja, todos os prémios pagos até à data em que a R invocou a invalidade do contrato, 08.11.2010.
   Esta diversidade entre o pedido formulado sob a al. d) e a questão colocada pelas alegações dos apelantes, pode suscitar a problemática de saber se deve conhecer-se daquela questão e se, conhecendo dela e respondendo-lhe positivamente, não haverá violação dos limites da condenação estabelecidos no art.º 609º do CPC2013.
      Temos para nós que não se configura este obstáculo porquanto o que estará em causa, a responder-se positivamente à questão das alegações, é apenas e tão só retirar todas as consequências da nulidade do contrato de seguro, ou seja, o efeito retroactivo da declaração de nulidade e a restituição de tudo o que tiver sido prestado, como determina o art.º 289º do Código Civil[5]. Invoca-se, em abono desta posição, o Assento do STJ nº 4/95[6], nos termos do qual “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº 1 do artigo 289º do Código Civil”.
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        Equacionadas e respondidas estas questões prévias, voltemos atrás, ou seja, à questão suscitada pelas alegações dos recorrentes.
         O tribunal a quo, invocando o § único do art.º 429º do CC[7], que estatui que “Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio”, concluiu que os AA não teriam direito a ser-lhes restituído os valores dos prémios que pagaram.
          Afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião, que não se fez na decisão recorrida a melhor interpretação e aplicação do preceito em causa aos factos provados. Cremos aliás que se foi longe de mais, na decisão recorrida, quando nela se considerou que o A., quando fez as declarações de seguro, tinha conhecimento da doença do foro neurológico de que sofria e das limitações que este tipo de doença acarreta e que a mesma, pela sua gravidade, não podia ser omitida no questionário que preencheu.
         Na verdade, estas são extrapolações que os factos provados, a nosso ver, não consentem, sendo as mesmas aliás incompatíveis com factos provados, nomeadamente que o diagnóstico da doença de Parkinson, em Setembro de 2001, constituiu para os AA um choque - cfr. nºs 37 e 38 da fundamentação de facto (f.f.). É, com efeito, da mais elementar lógica que se o A., em 03.07.2000, quando celebrou o seguro (cfr. nº 14 da f.f.) soubesse da doença em causa, o diagnóstico da mesma em Setembro de 2001 não poderia constituir para ele qualquer choque.
             Nem se invoque, como decorre das contra-alegações da R., que aquelas extrapolações da decisão recorrida estariam correctas em face dos factos provados sob os nºs 60 a 63 da f.f.
        Na verdade, uma coisa é o A sofrer da doença neurológica em causa, desde 1998, outra é ter conhecimento da mesma desde então, ou o seu estado de saúde já revelar sintomas seguros, ou pelo menos indicativos, de padecer da doença de Parkinson, que o levassem a saber ou suspeitar de padecer da mesma. O diagnóstico médico apenas em Setembro de 2001 é conciliável com as informações médicas de 18.09.2009 (fls 292) e 03.12.2009 (fls 293 vº) que referem “um quadro clínico de D. Parkinson com 11 anos de evolução” e “parkinsonismo bilateral, de que sofre desde há cerca de 11 anos”, respectivamente. Note-se que esses dois médicos, um neurologista e outro psiquiatra, dão conta naquelas informações de que acompanham o paciente apenas “desde 2004” e “Maio de 2004”, respectivamente, pelo que se compreende que é em função desse acompanhamento e da evolução da doença que podem “situar” o seu início naquele período. Também o iniciar da doença em 1998 é compatível com o seu não conhecimento por parte do A quando da subscrição da apólice em 03.07.2000, não estando demonstrado, como não está, que o A. revelasse então sintomas da doença seguros ou indiciadores de padecer da mesma. Atente-se que numa outra informação médica, de 07.09.2009, o médico que a subscreve, da Segurança Social, com vista a avaliar a incapacidade do A, (a qual veio a ser declarada-cfr. nº 31 da f.f.), refere: “D. Parkinson – diagnosticada há +/- 8 anos” (v. fls 292 vº-293).
        No que tange à entrevista e ao escrito no blogue pessoal do A (cfr. nºs 62 e 63 da f.f.), em função das suas datas, aquela em 11.04.2005 e este em 17.04.2009, afigura-se-nos que têm que ser devidamente lidas e contextualizadas. Ou seja, em nenhum dos locais o A afirma que soube da sua doença logo em 1998. O que se pode extrair das afirmações do A é qual era o seu conhecimento, sobre a sua doença, nas datas em que foi entrevistado e escreveu. Esse conhecimento, nessa altura, até em função daquele acompanhamento médico após 2004, permitia-lhe ter a noção de que a sua doença tinha aquele tempo e daí ter referido que a “carregava” desde então. Mas esse conhecimento, na altura da entrevista e do escrito no blogue, não está provado que fosse o mesmo em 03.07.2000, quando celebrou o contrato de seguro.
         Por outro lado, não vemos, ao contrário do que pretexta a R. nas contra-alegações, a má-fé do A espelhada no facto de o mesmo médico neurologista atestar em 23.06.2010 que o A sofre de “Doença de Parkinson idiopática, desde Setembro de 2001” (v. fls 89) e em 18.09.2009 declarar que o A apresenta “um quadro clínico de D. Parkinson com 11 anos de evolução” (v. fls 292). Pode daqui retirar-se um menor rigor científico do médico, mas daí não é possível concluir que o A., sabendo que a informação clínica de fls 292 lhe era desfavorável, solicitou um relatório clínico à medida ou em função das suas “necessidades”, o de fls 89. É ilação excessiva, que não se compagina com a presunção judicial, nos termos configurados nos art.ºs 349º e 351º.
  A má-fé, exigida pelo § único do art.º 429º do CC, não pode deixar de se revelar claramente, constituindo uma actuação consciente e voluntária do segurado, de prestar declarações inexactas e que sabe que o são, ou de não ser leal e não fornecer todos os factos ou circunstâncias suas conhecidas que sabia teriam podido influir sobre a existência do contrato ou condições do mesmo. No fundo, e em última análise, a má-fé exigida pelo preceito em causa implica provar que o segurado, ao celebrar o contrato, naquelas circunstâncias, actuou dolosamente, com vista a defraudar a seguradora e a constituir-se beneficiário de direitos a que não teria direito se tivesse procedido correctamente, ou seja, se tivesse procedido com observância dos seus deveres contratuais, nomeadamente de boa-fé.
  Deve aqui deixar-se a nota de que, em termos gerais, é obrigação dos contratantes “proceder segundo as regras da boa-fé”, quer “nos preliminares como na formação” do contrato, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte, como estabelece o art.º 227º. O mesmo princípio está estabelecido para o cumprimento da obrigação e o exercício do direito correspondente – cfr. nº 2 do art.º 762º.
         Nos termos e pelas razões expostas não cremos que se possa extrair dos factos provados tal actuação de má-fé, sendo certo que cabia à R. o ónus da prova desse facto, nos termos do art.º 342º nº 2[8].
 Deixe-se bem claro, que a conclusão antecedente não é incompatível com a improcedência das pretensões do A. à validade do contrato de seguro e ao pagamento do capital seguro (pese embora esta questão não esteja em causa neste recurso). Com efeito, causa de nulidade do contrato, nos termos do corpo do art.º 429º do CC, são desde logo as declarações inexactas e as omissões, por negligência, não se exigindo aí uma actuação dolosa, de má-fé. Como se refere no Ac. do TRLisboa de 08.02.2007[9], é «comumente aceite que a "declaração inexacta" a que se refere o artigo 429º do Código Comercial, abrange não só a declaração falsa feita com má fé ou dolo, como também aquela que é produzida por via de mero erro involuntário e ainda que a "reticência" - isto é, a omissão de factos que servem para apreciar o risco - tanto pode derivar de má fé, como de mera negligência». 
   Nesta medida, ou seja, em face dos considerandos antecedentes, não pode deixar de se concluir que, não estando demonstrada a má-fé do A, em face da anulabilidade[10] do contrato e das suas consequências, estatuídas no art.º 289º citado, é de ordenar a restituição ao A. dos prémios de seguro que pagou, no montante de € 8 653,14 (cfr. nº 20 da f.f.). Note-se que, pese embora só em 08.11.2010 a R. se tenha recusado ao cumprimento do contrato, invocando a sua nulidade, não está provado que o A tenha procedido ao pagamento de prémios de seguro além daquele montante, ou seja, entre Julho de 2010 e 08.11.2010, sendo aliás também aquele o valor indicado nas alegações.
     Num breve parêntesis não pode deixar de se salientar que esta decisão corresponde, no fundo, àquela que a própria R terá considerado que era a solução equilibrada do litígio (cfr. nº 65 da f.f.). Com efeito, não tendo a seguradora corrido riscos, dada a nulidade do contrato, será de justiça que não tenha benefícios ficando com o valor dos prémios pagos, constituindo aliás um certo paradoxo a actual atitude da R. nas contra-alegações. 
 Finalmente, cumpre justificar que não se considera existir fundamento para condenar a R em juros de mora a contar da citação, ao contrário do que invocam os AA na parte final das alegações. Com efeito, como já atrás se explicitou, o pedido formulado na al. d) do petitório e os juros aí peticionados tinham por base um contrato válido e a interpelação feita com a citação para a acção. Assim, não tendo havido interpelação, pela citação, para a restituição por nulidade do contrato, só a partir do momento em que esta é declarada e estabelecidas as suas consequências, nomeadamente a obrigação de restituir o recebido, é que poderá haver mora, o que ocorrerá se não for cumprida a obrigação de restituição – cfr. art.ºs 804º nº 1 e 806º nº 1.          
   Em conclusão, procedendo ainda que parcialmente as conclusões do recurso dos apelantes, não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal a quo, pelo que é de responder positivamente à questão supra equacionada e, assim, alterar a decisão recorrida, ordenando a restituição ao A. do valor dos prémios pagos, na sequência da anulação do contrato de seguro celebrado. 
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, alteram a decisão recorrida, na parte impugnada, condenando a R, na sequência da nulidade do contrato de seguro, a restituir ao A. o valor dos prémios pagos por este àquela em cumprimento de tal contrato, no montante de € 8 653,14 (oito mil, seiscentos e cinquenta e três euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em julgado desta decisão.
Custas do recurso a cargo da apelada e da acção por AA e RR na medida dos respectivos decaimentos - cfr. art.º 527º nºs 1 e 2.
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   Lisboa, 27 de Fevereiro de 2014


.....................................
(António Martins)


........................................
(Maria Teresa Soares)


..................................
(Ana Lucinda Cabral)

[1] Proc. nº 299/11.7TVLSB da 12ª Vara Cível de Lisboa 
[2] Ocorre aqui um evidente lapso de escrita pois do contexto dos autos decorre que se quis dizer “2010”, em vez de “2011”, lapso este que assim se corrige, ao abrigo do art.º 249º do Código Civil.  
[3] Aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26.06, aplicável aos presentes autos por força do disposto no art.º 5º nº 1 da citada lei, adiante designado abreviadamente de CPC2013.
[4] Aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, adiante designado abreviadamente de CC.
[5] Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.
[6] Publicado no DR nº 114 de 17.05.95.
[7] Normativo este entretanto revogado pelo art.º 6 nº 2 al. a) do DL 72/2008 de 16.04 (Estabelece o regime jurídico do contrato de seguro), mas ainda aplicável ao caso dos autos, atenta a data em que o seguro foi celebrado e a data do sinistro – cfr. art.º 2º nºs 1 e 2 do referido DL 72/2008.
[8] No sentido de que o ónus da prova recai sobre o segurador é uniforme, cremos, a jurisprudência. Cfr., por todos, o Ac. do STJ de 06.12.2012 (Relator: Abrantes Geraldes), acessível em www.jusnet.wolterskluver.pt sob o doc. nº Jusnet 7300/2012. 
[9] Relator: Granja da Fonseca, acessível em www.jusnet.wolterskluver.pt sob o doc. nº Jusnet 611/2007
[10] No sentido de que “não obstante a terminologia legal [nulidade], a doutrina e a jurisprudência vêm assinalando que a natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência ou a sanção ligada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado, susceptíveis de influírem na existência ou condições do contrato de seguro” se decidiu no Ac. do STJ de 04.03.2004 (Relator: Santos Bernardino), acessível em www.jusnet.wolterskluver.pt sob o doc. nº Jusnet 1225/2004 e também publicado na Col. de Jurisp., Ac. do STJ, Ano XII, tomo I, pág. 102 e segs, no qual se cita doutrina e jurisprudência no mesmo sentido.