CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
BOA-FÉ
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Sumário

1. - O princípio da boa fé revela determinadas exigências objectivas de comportamento – de correcção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objectivos, postulando certos modos de actuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do programa contratual, podendo gerar, entre outros, deveres de informação.
2. - O surgimento de tais deveres de informação pode ocorrer em situações de acentuada desigualdade entre as partes, quando uma delas esteja sujeita a deficit de conhecimento, visando-se a salvaguarda do fim contratual tido em vista pela parte inferiorizada, concedendo-se-lhe uma particular protecção informativa, que compense, em termos substanciais, a sua desi­gualdade inicial, no escopo da obtenção de patamares aceitáveis de justiça contratual.
3. - É possível a existência de declaração inexacta (desconforme com a realidade) apesar de todos os factos relatados serem verdadeiros, se tal declaração for globalmente enganadora por falta de referência a outros que, assim omitidos, afectam o peso do factualismo declarado – hipótese em que o quadro comunicado pode ser literalmente verdadeiro, mas enganador por criar uma impressão contrária à verdade.
4. - Em tais casos, a parte declarante, mesmo que inicialmente não obrigada ao dever de informação, se opta por prestar informações, terá então de ser especialmente cuidadosa em assegurar que a outra parte não é enganada pelo que lhe é comunicado, justificando-se então um dever de verdade.
5. - Se, em contrato promessa de compra e venda de imóvel, o promitente comprador pretende a aquisição de prédio para habitação, nisso baseando a sua decisão de contratar, e a contraparte lhe induz, pela informação parcelar prestada, a convicção de que se trata de imóvel afecto à habitação – com o consequente investimento de confiança do promitente adquirente –, omitindo, porém, a existência de licença de utilização tão-só para estabelecimento comercial de restauração, ocorre violação do dever de verdade a que se sujeitou o promitente alienante, que, como proprietário do bem, dispunha do conhecimento privilegiado da situação do mesmo.
6. - Se, recusada pelo notário a realização da escritura de compra e venda, com fundamento em desconformidade de afectação do imóvel, as partes estabeleceram negociações para novo clausulado contratual, a resolução, pelo promitente vendedor, do contrato promessa no decurso dessas negociações é prematura e ilícita, impedindo a responsabilização da contraparte por incumprimento da promessa.(sumário do Relator)

Texto Integral

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


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I – Relatório

C…, residente na Rua …,intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra“B…, S. A.”, com sede na Rua …, pedindo a condenação do R. a restituir ao A. a quantia que recebeu de sinal em dobro, no valor de € 52.600,00, acrescido de juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- celebrou com o banco R. contrato promessa de compra e venda, referente a prédio misto, descrito em catálogo de imóveis em venda em leilão como quinta com duas moradias (tipologias V4 e V2), resultando ainda da certidão do registo predial e da caderneta predial que se tratava de um prédio misto, com a parte urbana afecta a habitação;

- tendo esse imóvel sido adjudicado ao A. em leilão pelo valor de € 263.000,00, foi logo celebrado aquele contrato promessa, com entrega imediata do montante de € 26.300,00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente montante do preço ser pago aquando da celebração do contrato prometido, o que devia ocorrer no prazo seguinte de 06 meses;

- porém, tendo diligenciado pela marcação da escritura, foi o A. informado pelo cartório notarial que, em virtude de desconformidades documentais quanto à área do imóvel e à respectiva afectação (a habitação ou a estabelecimento comercial de restauração), não podia ser realizada a escritura de compra e venda;

- comunicada tal recusa ao R., solicitando-lhe o A. que regularizasse estas desconformidades, aquele nada fez, apenas propondo a celebração de outro contrato promessa nos termos do qual o A. realizaria todas as obras necessárias à emissão de licença de utilização para habitação, o que o demandante aceitou mediante proposta de alterações ao novo projecto de contrato, a que o R. nunca deu resposta;

- até que, em 25/10/2010, o R. interpelou o A. para realização da escritura em prazo fixado, sob cominação de resolução do contrato, tendo, por sua vez, o A., perante isso, comunicado que não aceitava tal resolução e que considerava o contrato promessa incumprido pelo R. e, como tal, resolvido, ocorrendo perda definitiva do interesse em adquirir o imóvel.

O R., citado, contestou, impugnando diversa factualidade invocada na petição inicial (p. i.) e alegando, no sentido da improcedência da acção:

- ser o catálogo do leilão explícito quanto à necessidade de o comprador se certificar da correspondência do bem àquilo que vai comprar, bem como de que a informação que consta do site corresponde aos documentos oficiais do imóvel;

- ter o A. pretendido a anulação do negócio e a restituição do sinal, o que não podia ser aceite pelo R., sendo que do contrato promessa consta cláusula no sentido de o comprador declarar estar ciente de que o imóvel pode padecer de deficiências ou divergências nas áreas, assumindo todas as consequências daí resultantes.

E deduziu reconvenção contra o A., com fundamento em incumprimento contratual deste, decorrente resolução e perda do sinal prestado, pretendendo o Reconvinte o reconhecimento do direito de fazer seu o sinal entregue.

O A. deduziu réplica, concluindo pela improcedência da reconvenção e, bem assim, como na p. i..

Na audiência preliminar, efectuado o saneamento do processo – julgando-se inexistirem nulidades, excepções ou questões prévias que impedissem o conhecimento de meritis –, procedeu-se à respectiva condensação, com selecção dos factos considerados relevantes para a decisão (factualidade assente e base instrutória), sem reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com prolação das respostas à base instrutória, sem reclamações, foi depois proferida sentença – datada de 10/07/2013 –, na qual, julgando-se a acção procedente e improcedente a reconvenção, foi o R. condenado no pagamento à A. da quantia de € 52.600,00 (sinal em dobro), acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, enquanto o A./Reconvindo foi, por seu lado, absolvido do pedido reconvencional.

Da sentença veio o R., inconformado, interpor o presente recurso (fls. 392 e segs.), apresentando as seguintes;

Conclusões

«a) A sentença recorrida pronuncia-se pelo incumprimento contratual definitivo do Banco-R., sob argumentação, por um lado, de não estarem sanadas as desconformidades impeditivas da escritura de venda para habitação; por outro, porque as partes estavam “ainda em conversações com vista a ultrapassar esta questão”;

b) Esta segunda asserção tem por reporte a resposta conferida ao artigo 5º da Base Instrutória em que o tribunal dá como “provado” que “O Banco …, S.A., propôs ao autor a celebração de um novo contrato promessa de compra e venda” tendo em vista a utilização para habitação;

c) Tal resposta deve ser alterada, já que dos elementos documentais e da prova testemunhal, máxime, no que toca à testemunha, J…, resulta claro e inequívoco que nunca houve por parte do Banco qualquer proposta de celebração de um novo contrato;

d) A sentença recorrida incorreu pois em erro de julgamento sobre esta matéria de facto – artigo 5º da BI – porquanto a prova produzida impõe a resposta de: “Não provado” ou, quando menos, de: provado apenas que o A. e o R. fizeram várias tentativas de resolução da situação em ordem a manterem os compromissos de compra e venda do imóvel conforme contrato promessa celebrado;

e) Posto o que as denotadas, na sentença, conversações entre as partes inculcando a ideia de que existiu uma projectada substituição do contrato originário, por outro, é considerando contrário à verdade dos factos, uma vez que a Mma. Juiz a quo não apreciou com objectividade os factos materiais em causa, em que postulou a razão da sua convicção/decisão, designadamente sobre a prova testemunhal, documental e bem assim, pelo senso comum que a natureza das coisas dita;

f) Em todo o decurso negocial sempre se mantiveram inalterados entre as partes os direitos e obrigações a que se vincularam em função do contrato promessa celebrado;

g) Pelo que tal erro de julgamento deverá ser sanado neste recurso o que, por ser relevante, conduzirá também à improcedência da acção;

h) No que concerne às invocadas desconformidades impeditivas da escritura de venda para habitação, discrepâncias a que a sentença apela sucessiva e recorrentemente para fundar o sustentado incumprimento do contrato, pelo Banco-R. perde de vista que não foi feita qualquer prova de que o Banco-R., prometeu vender o bem para habitação;

i) Pelo contrário, provou-se que o Banco-R., desconhecia, sem qualquer obrigação de conhecer, as intenções do Autor ao pretender adquirir o prédio no estado e situação em que se encontrava;

j) Ora não sendo essa intenção finalística (o pretendido destino para habitação) um elemento atendível dos laços contratuais estabelecidos entre promitente vendedor e promitente comprador não pode a sentença responsabilizá-lo na base desse pressuposto contratual que, repete-se, não existiu;

l) Mais, resulta claro dos autos que o Autor conhecia a realidade física e documental do prédio e estava largamente advertido para confirmar as características e situação do imóvel;

m) E, o prédio não foi anunciado, como venda para habitação, nem isso está previsto no contrato promessa de compra e venda;

n) A sentença desconsidera o relevo que tem de ser reconhecido aos direitos e obrigações e às estipulações contratuais que o A. leu, compreendeu e subscreveu, tendo-o feito conscientemente; com vontade esclarecida e livre;

o) A Sentença postula, uma visão distorcida daquilo que é a liberdade contratual; visão paternalista;

p) As informações que no caso o Banco prestou sobre os elementos essenciais do imóvel eram fidedignas e verdadeiras;

q) A resolução contratual operada pelo Banco, após negociações tendentes a permitir a celebração do contrato definitivo, foi totalmente lícita.

r) Toda a conduta do Banco-R., se conteve adentro dos deveres impostos pela boa fé e cumpriu escrupulosamente com o que se obrigara (artigo 227 C. Civil), sendo a resolução contratual em causa, conforme ao disposto nos artigos 432 e seguintes do C. Civil bem como aos artigos 801º e 808;

s) A sentença não podia ter dado acolhimento ao Autor quando este invoca o desconhecimento da situação do imóvel que prometeu comprar, já que assumiu tal compromisso livre e conscientemente, como decorre clara, literal e textualmente do contrato promessa firmado e de todo o contexto;

t) O incumprimento do contrato é exclusivamente imputável ao Autor, situação que fundou a resolução do contrato com a consequente perda do sinal, que o Banco-R lhe comunicou nos precisos termos das cartas de 25 de Outubro e de 10 de Dezembro de 2010, posto o que, tinha o Banco-R o direito de resolver validamente, o contrato e de fazer seu o sinal entregue como decorre do estatuído no artigo 442º do C. Civil;

u) Nestes termos e nos doutamente supridos deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a acção improcedente e não provada e a reconvenção procedente, com as demais consequências legais».


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O A./Apelado contra-alegou, concluindo pela total improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.

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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 438), tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados. 

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2, 661.º, 672.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Civil revogado (doravante CPCiv.), o decorrente da Reforma de 2007, aqui aplicável na fase recursória ([1]) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre a decisão da matéria de facto e de direito, consiste em saber:

1. - Se ocorreu erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão (art.º 5.º da base instrutória);

2. - Se ocorreu incumprimento definitivo do contrato promessa e respectivas consequências.


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III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada ([2]):

1.º - Uma empresa especializada na organização de leilões, a E…, L.da, a mandato do Banco …, S.A., ora R., anunciou a realização de um leilão imobiliário que teria lugar no dia 31 (trinta e um) de Outubro de 2009, pelas 15 (quinze) horas, numa unidade hoteleira sita em Lisboa, concretamente no «… Hotel», conforme emana do documento, em anexo, que junta sob o n.º 1 e cujo teor dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

2.º - No catálogo dos imóveis em venda no anunciado leilão figurava, identificado como «Lote …», um prédio misto, sito na Quinta da …, Lote …, Freguesia e Concelho de …, Distrito de …, conforme resulta do documento, em anexo, que junta sob o n.º 1 e cujo teor dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3.º - O referido prédio foi anunciado, no catálogo dos imóveis em venda, nos termos seguintes:

— CONCELHO: … (…)

— FREGUESIA: …

— MORADA: Quinta …, Lote …

— TIPOLOGIA: V4 e V2

— TIPO DE UTILIZAÇÃO: Prédio Misto

— ÁREA BRUTA: 530 m2 + 2.862 m2 Log

— LICENÇA DE UTILIZAÇÃO: 1994

— DISTRITO: …

— DESCRIÇÃO DA ENVOLVENTE: Situada perto de …, de zonas comerciais, escolas e praias.

— DESCRIÇÃO DO IMÓVEL: Quinta de 2 moradias e terreno com vários tipos de árvores. A moradia principal é composta por: 4 quartos, sala, 2 arrecadações e 3 wc’s; sótão aproveitado com 2 quartos e cave com 2 quartos. A outra moradia é composta por: 2 quartos, sala e cozinha; no logradouro junto a esta moradia existe uma churrasqueira, conforme o atesta o documento, em anexo, que junta sob o n.º 1 e cujo teor dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

4.º - Além da informação supra, que constava do catálogo dos imóveis em venda no leilão em apreço, ao ora A. foi facultado, antes da realização do leilão, o acesso à certidão do registo predial e à caderneta predial referentes ao prédio misto que constituía o «Lote …»;

5.º - A parte urbana do prédio misto em questão, segundo a informação resultante da caderneta predial respectiva, estava afecta à habitação;

6.º - O leilão imobiliário referido em 1.º- supra realizou-se na data e no local previamente anunciados;

7.º - O A., pretendendo adquirir um imóvel no …, participou no aludido leilão imobiliário e licitou o lote identificado sob o n.º … pelo valor de 263.000,00 EUR (duzentos e sessenta e três mil euros), o que, por ser a oferta mais elevada, determinou que o referido lote lhe fosse adjudicado;

8.º - Nessa sequência, nos termos do regulamento do leilão e após a assinatura do competente termo de adjudicação, o A. e o R. celebraram, nessa mesma data, um contrato que denominaram de «Contrato Promessa de Compra e Venda», que consta de fls. 110 a 112, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

9.º - Tal como convencionado no âmbito do referido contrato promessa de compra e venda, nomeadamente na respectiva Cláusula Primeira, o A. prometeu comprar ao R., e este prometeu vender àquele, o prédio urbano no regime da propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, correspondente ao lote identificado pelo n.º …, sito na Quinta da …, Freguesia de …, Concelho de …(…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/220589 da Freguesia de …;

10.º - O preço convencionado foi de 263.000,00 €;

11.º - Mais consta da cláusula segunda do referido contrato promessa que:

“Pelo presente Contrato, o Primeiro Outorgante promete vender livre de ónus e encargos, ao Segundo Outorgante, e este promete comprar, nos demais termos e condições do presente Contrato, o prédio urbano identificado na Cláusula Primeira, no estado de uso e condições em que se encontra, que são do perfeito conhecimento do Segundo Outorgante…”;

E da cláusula terceira:

“O Segundo Outorgante declara que, anteriormente à assinatura do presente Contrato, a entidade mediadora:

i) lhe facultou toda a informação disponível referente ao prédio objecto do presente Contrato;

ii) lhe proporcionou a visita e inspecção, por si e pelos técnicos que entendeu adequados, do prédio objecto do presente Contrato, pelo que, e em consequência, aceita as características e o estado de uso em que presentemente se encontra, e irá ser vendido, bem como eventuais limitações ao seu uso ou aproveitamento, e inteirou-se do estado de conservação do prédio.”

E da cláusula quarta:

“Em complemento do que fica expresso na Cláusula anterior, quando ali se diz que o Bem é prometido vender e comprar no estado de uso em que se encontra, fica claro que o Segundo Outorgante:

i) está ciente, considerando-se devidamente informado, que tal Bem, já anteriormente utilizado por terceiros, poderá padecer de deficiências/vícios cuja existência, neste momento, as Partes desconhecem, mas cuja eventualidade foi tida em consideração na determinação do preço da Compra e Venda prometida;

ii) tomou conhecimento da situação registral e fiscal do prédio objecto do presente Contrato, assumindo todas as consequências decorrentes de eventuais divergências que, não sendo causadas pelo Primeiro Outorgante, subsistam ou possam vir a revelar-se entre a área e a composição efectiva do prédio e a área e a composição constantes do registo na respectiva Conservatória e/ou Matriz”;

12.º - Na data da celebração do aludido contrato, o A. entregou ao R., a título de sinal e princípio de pagamento, o montante de 26.300,00 € conforme resulta convencionado na alínea i) da Cláusula Segunda do documento anexo identificado sob o n.º 2;

13.º - Entre os promitentes comprador e vendedor foi convencionado, concretamente na alínea ii) da Cláusula Segunda do documento anexo sob o n.º 2, que a restante parte do preço, no valor de 236.700,00 €, seria entregue no dia da outorga da escritura pública de compra e venda;

14.º - Foi ainda convencionado que a escritura pública de compra e venda deveria realizar-se no prazo de 06 (seis) meses a contar da data da assinatura do contrato promessa de compra e venda referido supra, salvo se, até ao termo do prazo atrás referido, o Banco …, S.A., como acautelou no número 1 da Cláusula Sexta do documento anexo identificado sob o n.º 2, não lograsse reunir a documentação necessária para a realização da escritura pública de compra e venda nos termos em que se propunha fazê-lo ou não conseguisse notificar os eventuais preferentes;

15.º - Convencionaram os promitentes contraentes que seria incumbência do promitente-comprador e ora A. a marcação da escritura pública de compra e venda e a comunicação ao R., após este lhe comunicar a reunião das condições referidas em 14.º supra, da hora, dia e local da realização da mesma;

16.º - Solicitou ao Banco E…, S.A. a concessão de um empréstimo bancário para financiar a aquisição do prédio que havia prometido comprar, o qual foi aprovado;

17.º - O A. estava em condições de outorgar a escritura pública de compra e venda, pagando o remanescente do preço que lhe competia;

18.º - Em cumprimento do convencionado no n.º 2 da Cláusula Sexta, o A. contactou com o Banco …, S.A. no sentido de lograr o acordo do ora R. para agendar a escritura pública de compra e venda para o dia 10 (dez) de Maio de 2010;

19.º - O Banco …, S.A., pela mesma forma, manifestou a respectiva concordância com a data proposta pelo A., conforme resulta da mensagem de correio electrónico que junta como documento anexo identificado sob o n.º 5;

20.º - O A. encetou contactos com o Cartório Notarial de …, a cargo do Notário L…, tendo em vista o agendamento da outorga da escritura pública de compra e venda;

21.º - Nesse sentido, enviou uma mensagem de correio electrónico, ao referido Cartório Notarial de …, nos termos da qual solicitou o agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel que lhe havia sido adjudicado no âmbito do leilão referenciado acima, conforme resulta da mensagem de correio electrónico que junta como documento anexo identificado sob o n.º 6;

22.º - Nessa sequência, recebeu do Cartório Notarial de … a indicação de que a outorga da pretendida escritura pública de compra e venda fora agendada para o dia 10 (dez) de Maio de 2010, pelas 14 (catorze) horas, conforme resulta da mensagem de correio electrónico que junta como documento anexo identificado sob o n.º 7;

23.º - O Notário responsável pelo referido Cartório comunicou ao A., em virtude de desconformidades que detectou, a sua recusa a levar a efeito a outorga da escritura pública de compra e venda sem que, previamente, aquelas desconformidades fossem regularizadas;

24.º - A referida recusa do Cartório Notarial de … foi comunicada ao R. em data anterior a 10/07/09 (resposta ao quesito 3.º) – [haverá lapso na indicação ano, pois que se trata de 2010 e não 2009];

25.º - Houve troca de correspondência entre o A. e o R., em 26 de Julho de 2010 conforme documento de fls. 171, que aqui se dá por reproduzido;

26.º - O Banco …, S.A. propôs ao A. a celebração de um novo contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual autorizava este último a realizar todas as obras necessárias com vista à emissão, pela Câmara Municipal de …, da licença de utilização para habitação para o imóvel em apreço, conforme a minuta de contrato promessa de compra e venda cuja cópia consta de fls. 127 a 132 (resposta ao quesito 5.º);

27.º - Ainda assim o A. propôs ao R. a introdução de alterações na redacção do novo contrato promessa de compra e venda, designadamente no que respeitava ao prazo previsto para a emissão de licença de utilização para habitação e às consequências de um possível indeferimento do pedido de emissão da mesma por parte da Entidade Administrativa competente, nomeadamente o direito a ser indemnizado pelas benfeitorias que iria realizar, conforme mensagem de correio electrónico junta a fls. 134 e minuta de contrato promessa de compra e venda, conforme cópia de fls. 136 a 142 (resposta ao quesito 7.º);

28.º - O A. veio até, em 13.08.2010, informar o Banco de que teria encontrado um terceiro, interessado em assumir a sua posição no contrato promessa sendo que o mesmo pedia apenas a “rectificação de áreas” (resposta ao quesito 8.º);

29.º - Em ordem a possibilitar essa transmissão de posição e face à urgência solicitada pelo A. a 20 de Agosto de 2010, o Banco-R. diligenciou de imediato (25 de Agosto de 2010) o pedido de documentação para efeito dessa rectificação de áreas, junto da “Junta Autónoma de Estradas” (resposta ao quesito 9.º);

30.º - Disso mantendo o A. informado (resposta ao quesito 10.º);

31.º - A 08 de Setembro de 2010 o Banco pediu ao A. o agendamento de uma reunião com o mencionado interessado, no …, a 14 de Setembro (resposta ao quesito 11.º);

32.º - O A. respondeu estar ausente, em férias, facultando todavia os contactos do mediador envolvido na operação de venda do imóvel, sob contratação do A. (resposta ao quesito 12.º);

33.º - Em 25 de Outubro de 2010, o R. interpelou o A., por correio registado com aviso de recepção, para a realização da escritura pública de compra e venda cuja outorga havia sido prometida no âmbito do contrato promessa referido em 8.º- supra,concedendo para o efeito um prazo de 15 (quinze) dias, conforme o documento de fls. 144 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

34.º - Mais, o R., no âmbito da mesma interpelação, comunicou ao A. que, caso a escritura não fosse outorgada no prazo concedido, resolveria o contrato promessa com as consequências legais;

35.º - O imóvel prometido vender, apesar do teor da caderneta predial respectiva, não beneficiava de licença de utilização para a habitação;

36.º - O objecto da licença de utilização do prédio em questão é um estabelecimento comercial de restauração;

37.º - O A., por comunicação datada de 11 de Novembro de 2010, cuja cópia consta de fls. 148 a 150, além de manifestar estranheza pela interpelação recebida, comunicou ao Banco …, S.A. que não aceitava a resolução do contrato promessa de compra e venda e acrescentou que, caso o negócio não fosse viabilizado, considerava o contrato resolvido;

38.º - O R. respondeu à comunicação do A., referida no número anterior, através da carta de fls. 181 a 183;

39.º - O A., por comunicação datada de 16 de Março de 2011, comunicou a resolução do contrato promessa de compra e venda e exigiu a devolução do sinal prestado, conforme o documento de fls. 153 e 154 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

40.º - O R. não devolveu o sinal prestado pelo A. no montante de 26.300,00 €;

41.º - O A. licitou este imóvel e outorgou o respectivo contrato promessa de compra e venda, na premissa de que este se destinava a habitação e possuía licença para habitação emitida pela Câmara Municipal de … (resposta ao quesito 1.º);

42.º - As desconformidades referidas em 23.º- supra reportavam-se à discrepância entre a afectação dada ao imóvel nas Finanças (habitação) e a natureza da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de … (estabelecimento comercial de restauração) e o pretendido destino dado ao imóvel na escritura – para habitação (resposta ao quesito 2.º);

43.º - O R. não diligenciou pela alteração da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de … (estabelecimento comercial de restauração) para habitação (resposta ao quesito 4.º);

44.º - Por escritura pública de 23/11/2011, pelo R. [foi] declarado vender a O… e mulher o imóvel id. no ponto 9, pelo preço de € 150.000,00, com destino a habitação, dele constando que foi exibida “Fotocópia emitida pela Câmara Municipal de … (…) em 15 de janeiro de 2008 do Alvará de Licença n.º …/91 emitida em 11/01/91, pela referida Câmara para o prédio ora transmitido (assente ao abrigo do disposto no art.º 659.º, n.º 3, do CPCiv.).


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B) Da impugnação da decisão de facto

Como resulta das conclusões b) a g) do Apelante, insurge-se este contra a resposta positiva dada ao art.º 5.º da base instrutória, pretendendo que, em reapreciação desse segmento da decisão de facto, se julgue a respectiva matéria como “não provado” ou, ao menos, como “provado apenas que o A. e o R. fizeram várias tentativas de resolução da situação em ordem a manterem os compromissos de compra e venda do imóvel conforme contrato promessa celebrado”.

Defende que dos elementos documentais – os quais não precisa em sede conclusiva – e da prova testemunhal – aludindo, para o efeito, ao depoimento da testemunha J… – resulta claro e inequívoco que nunca houve por parte do R./Apelante qualquer proposta de celebração de um novo contrato.

Vejamos.

No dito art.º 5.º da base instrutória perguntava-se:

“O Banco …, S. A. propôs ao autor a celebração de um novo contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual autorizava este último a realizar todas as obras necessárias com vista à emissão, pela Câmara Municipal de …, da licença de utilização para habitação para o imóvel em apreço, conforme a minuta de contrato promessa de compra e venda cuja cópia consta de fls. 127 a 132?”.

Ao que o Tribunal a quo respondeu afirmativamente (“Quesito quinto: provado”).

Fundamentou aquele Tribunal a sua convicção, em concreto, salientando que “relativamente ao teor dos art.ºs 5, 6 e 7 resulta efectivamente do teor dos docs. nele referidos e das comunicações que os acompanham, que efectivamente foram sendo feitas tentativas de resolução da situação, nomeadamente mediante as propostas constantes das minutas juntas aos autos e aí referidas, não conseguidas, o que foi confirmado pelo depoimento da testemunha H…, assim se dando resposta negativa ao quesito 6” (cfr. fls. 357 e seg.).

Ora, a testemunha a que aludem Apelante e Tribunal recorrido é a mesma, de nome completo (cfr. acta de audiência de julgamento de fls. 343), que, aos costumes, referiu “… ser Bancário trabalhando como técnico da área de património da Ré. Mais disse que não conheceu nem conhece o Autor, informando ter tido intervenção no processo de aquisição do imóvel para o Autor” (vide fls. 343).

Quanto aos documentos invocados pelo Apelante, percorrida a sua alegação de recurso, na parte referente à motivação da impugnação de facto, também ali se não descortina qualquer referência em concreto a específicos elementos de prova documental, termos em que só pode concluir-se que os documentos em que baseia a impugnação serão os aludidos no próprio art.º 5.º da base instrutória, isto é, a dita “minuta de contrato promessa de compra e venda cuja cópia consta de fls. 127 a 132”.

Donde que seja perante este elemento documental e perante o depoimento da aludida testemunha, H…, e não mais, que haverá de verificar-se do invocado erro de julgamento em sede fáctica.

A fls. 127 a 132 consta, efectivamente, uma minuta de “contrato promessa de compra e venda”, com quatro “considerandos” que não constam do contrato promessa celebrado, este datado de 31/10/2009 (cfr. fls. 127 e 128 por comparação a fls. 110 e segs.).

No “considerando” 3.º pode ler-se:

“A Segunda Contraente conhece perfeitamente o referido prédio e o estado físico e formal em que o mesmo actualmente se encontra, nomeadamente a destinado a habitação quer nas Finanças, quer na Conservatória do registo Predial e com licença de utilização para restaurante, emitida pela Câmara Municipal de …, em …”.

E do “considerando” 4.º consta:

“A Segunda Contraente pretende levar a cabo obras de remodelação e alteração do uso do imóvel, para habitação, prevendo que a sua conclusão, e a emissão da licença de utilização, se dê no prazo de 6 (seis) meses a contar da presente promessa”.

Ora, cabe dizer, desde logo e salvo o devido respeito por diverso entendimento, que a minuta de fls. 127 a 132 não é obviamente uma minuta ou projecto de aditamento, um acrescento a um contrato já formalizado e, no caso, celebrado, um simples alongamento, alteração ou correcção de um texto anterior, de que devesse ficar a fazer parte.

Se o fosse – se constituísse um simples aditamento –, teria de assumir, naturalmente, uma formulação consentânea, compatível com o texto anterior, de que não poderia prescindir, já que no mesmo se iria, em termos de sentido, integrar, para dele ficar a fazer parte.

Não seria um texto substitutivo, que arredasse o primitivo, mas meramente complementar, com vocação, pois, para se apresentar e conformar como parte integrante do texto inicial/anterior.

Porém, o projecto/minuta de fls. 127 a 132 parece assumir manifesta vocação substitutiva, como logo se afigura resultar, à cabeça, da sua parte inicial, onde pode ler-se que “é celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato Promessa de Compra e Venda, cujo clausulado, atentos os considerandos que o antecedem, passa doravante a vigorar entre as partes.” (cfr. fls. 127, com itálico aditado).

Quer dizer, nesse instrumento/minuta propunha-se um novo clausulado (o do “presente Contrato …”), encimado por “considerandos” inexistentes no anterior contrato promessa – “considerandos” esses adequados às vicissitudes, de cariz superveniente à subscrição do contrato de fls. 110 e segs., atinentes à matéria de afectação/destinação do imóvel prometido vender e ao modo de ultrapassar os obstáculos surgidos nesse particular (realização de “obras de remodelação e alteração do uso para habitação”), prevendo-se para tanto um prazo de seis meses –, tudo no sentido de reajustar as pretensões contratuais das partes, mantendo-se o interesse comum na projectada compra e venda, para o que passaria a vigorar uma nova disciplina contratual, em substituição, pois, do anterior contrato.

Vejamos agora o depoimento testemunhal invocado.

Se a testemunha H…, técnico ao serviço do R., na área de património, com intervenção no processo interno tendente à aquisição do imóvel para o A., aludiu – como invoca o Apelante – a uma alteração do primitivo contrato, através de mero aditamento ao mesmo, com simples introdução de novas cláusulas a serem integradas no texto anterior, sem substituir aquele, com o envio, assim, ao A., a pedido deste, de uma minuta de aditamento, tal minuta não poderia ser a que consta de fls. fls. 127 a 132, dada a sua dita manifesta vocação substitutiva, em vez de complementar.

Teria de ser, naturalmente, uma minuta alusiva simplesmente ao aditamento de clausulado, e não uma minuta de novo contrato, com novos contornos e conteúdo, não obstante, como é obvio, com reporte à mesma pretendida compra e venda de imóvel, pois que continuava a ser o mesmo o projectado contrato definitivo, estando em causa sempre o imóvel anteriormente já prometido comprar e vender.

Não é crível, pois, que o R./Apelante – banco de topo, como é por demais consabido, no panorama das entidades do sistema financeiro em Portugal, com os inerentes profissionalismo, especialização e competência, decorrentes, designadamente, da existência de uma estrutura técnica de apoio, também no campo contratual e jurídico –, se pretendia minutar e enviar um mero aditamento a contrato já celebrado, apresentasse a minuta em discussão.

Se queria manter um contrato anterior, aditando-o, não iria, obviamente, em contradição consigo próprio, enviar uma minuta com conteúdo/natureza substitutivo. E se, por lapso, o fizesse, não iria deixar de notar depois esse lapso, por forma a logo o corrigir, o que não resulta tenha ocorrido.

Donde que não resulte credível o depoimento daquela testemunha, a qual, enquanto funcionário do R., ademais com intervenção no processo negocial, também não mostrou/garantiu, por isso, a distância e isenção necessárias para permitir alicerçar uma convicção probatória negativa, em vez da positiva a que chegou o julgador.

É que do teor do documento/minuta em discussão – que foi reconhecidamente enviado ao A. –, entregue, de forma consequente, à parte contrária, logo resulta que se tratava de uma proposta negocial, substitutiva, como dito, do anterior contrato – logo, um novo contrato, para vigorar no lugar do primitivo –, alusiva, como decorre do seu texto, à realização das ditas obras, pelo aqui A./Apelado, e sua autorização, pelo R./Apelante (cfr. considerando 4.º e cláusula terceira da minuta), com a finalidade de obtenção da almejada licença de utilização para habitação.

Resta dizer que, contrariamente à perspectiva veiculada pelo Apelante, não se vê que ocorra qualquer contradição – e, se a houvesse, deveria a parte ter dela reclamado aquando da prolação das respostas à base instrutória e não o fez (cfr. art.º 653.º, n.º 4, do CPCiv. e acta de fls. 355 e segs.) – entre as proferidas resposta positiva ao art.º 5.º e negativa ao art.º 6.º, ambos da base instrutória.

Na verdade, não é contraditório dar como provado, por um lado, que foi proposta ao A., através da entrega da aludida minuta, a celebração de um novo contrato promessa substitutivo do anteriormente celebrado (resposta ao art.º 5.º), e, por outro lado, dar como não provado que tenha tal A. aceite a solução assim proposta (resposta negativa ao art.º 6.º), tanto mais quando, seguidamente, se respondeu afirmativamente ao art.º 7.º da mesma base instrutória, no sentido de ter o A. contraproposto alterações à minuta/proposta que lhe havia sido apresentada (se replicou, propondo alterações, então não aceitou, ao menos na parte visada, a solução integral veiculada na proposta recebida).

Donde que, tudo ponderado, não se surpreenda o erro de julgamento, em sede de decisão de facto, por que pugna o Apelante, antes se chegando à conclusão contrária.

Improcedem, por isso, nesta parte a conclusões do Apelante, sendo de manter integralmente a decisão de facto da 1.ª instância.  


 ***

C) Da impugnação de direito

1. - Se ocorreu incumprimento definitivo do contrato promessa e por quem

1.1. - Da (in)subsistência de negociações contratuais

Como visto, pretende a parte apelante, em contraposição à sentença recorrida, que em todo o decurso negocial sempre se mantiveram inalterados entre as partes os direitos e obrigações a que se vincularam em função do contrato promessa celebrado, donde que houvesse de ser alterada a decisão de facto em conformidade, conduzindo à improcedência da acção.

Com efeito, na decisão em crise foi entendido – com o inconformismo do Apelante – que decorriam negociações/conversações ao tempo da declaração de resolução do contrato pelo aqui Recorrente.

Lembrando o disposto no art.º 410.º, n.º 3, do CCiv. – obrigatoriedade, em sede de contrato promessa, de certificação, pelo notário, da existência de licença de utilização ou de construção –, bem como, quanto à celebração do contrato prometido, a disciplina do n.º 1 do art.º 1.º do DLei n.º 281/99, de 26-07 ([3]), concluiu-se na 1.ª instância que, tratando o contrato promessa celebrado da projectada transmissão da propriedade de imóvel já construído, era essencial que o mesmo dispusesse da respectiva licença de utilização.

E vem salientado, a dada altura, na decisão recorrida:

“Resultou igualmente assente que pelo A. em cumprimento desta clausula 7.ª foi designado o dia 10/05/10 para realização da escritura pública, data aceite pela R., sendo que no entanto pelo Notário do referido Cartório, onde tinha ocorrido a marcação da escritura foi comunicado ao Autor que, em virtude de desconformidades que detectou, se recusava a levar a efeito a outorga da escritura pública de compra e venda sem que, previamente, aquelas desconformidades fossem regularizadas. Estas desconformidades reportavam-se à discrepância entre a afectação dada ao imóvel nas Finanças (habitação) e a natureza da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de … (estabelecimento comercial de restauração) e o pretendido destino dado ao imóvel na escritura – também para habitação.

É este o ponto crucial nesta acção.

Ou seja, (…) o imóvel pese embora o teor da caderneta predial respectiva, não beneficiava de licença de utilização para habitação, mas antes para estabelecimento comercial de restauração.

(…)

Mais resultou dos factos assentes que, não tendo a R. requerido a alteração da licença de utilização para habitação, tendo apenas e já em Agosto de 2010, requerido a rectificação das áreas deste imóvel, e após vária correspondência trocada entre A. e R., e efectuada uma proposta para celebração de outro contrato promessa contendo a autorização para realização das obras necessárias à obtenção de licença de utilização, a R. vem interpelar em Outubro desse ano o A. para marcação da escritura em 15 dias, sob pena de considerar o contrato resolvido” (itálico aditado).

Visto o circunstancialismo apurado dos autos, é patente que o A./Apelado visava a aquisição do imóvel para habitação (é o que logo resulta da resposta dada ao art.º/quesito 1.º da base instrutória, com que se conformaram ambas as partes), por aí passando, pois, necessariamente, o seu interesse contratual.

Por isso, ao proceder à marcação da data para a realização da projectada escritura pública de compra e venda (contrato prometido), bem se compreende que tenha o A./Apelado (promitente adquirente) sublinhado que o prédio a adquirir se destinava a habitação, destinação esta, aliás, bem clara na caderneta predial do imóvel, no concernente à respetiva parte urbana, posto que se trata de prédio misto.

Assim, reunidas pelo A./Apelado as condições financeiras para a aquisição do imóvel e marcada data para a respectiva escritura, veio aquele a receber do notário responsável a comunicação de recusa de realização da escritura de compra e venda na data já designada.

Tal recusa fundou-se, como resulta explícito, na existência de desconformidades detectadas – valendo a recusa enquanto estas se não mostrassem regularizadas/ultrapassadas –, traduzidas, quanto ao que essencialmente importa, em discrepância entre a afectação do imóvel nas Finanças (caderneta predial), onde figurava destino à habitação, e a constante da licença camarária de utilização, onde figurava, diversamente, afectação a estabelecimento comercial de restauração, quando o promitente adquirente pretendia que da escritura pública constasse exclusivamente a destinação a habitação.

Bem se compreende também que, perante esta recusa, tenha o A./Apelado dela dado conhecimento à contraparte, o aqui Apelante (promitente vendedor), o que aconteceu anteriormente à data aprazada para a escritura.

Tal como se compreende que tenha sido intentada pelas partes a solução/ultrapassagem da dificuldade surgida, posto que subsistia o interesse comum no cumprimento da promessa.

É aqui que o Apelante entende que não foi aberta uma nova fase de negociações contratuais entre as partes, por ter sido mantido integralmente o clausulado do contrato anteriormente celebrado.

Ora, como já se viu, pretendia o Apelante, em tal perspectiva, a alteração da factualidade julgada provada pela 1.ª instância nesta matéria (resposta ao art.º/quesito 5.º), no que não logrou êxito.

Por isso, subsiste como factualidade provada – contrariamente à pretensão do Apelante – que o promitente vendedor (R.) apresentou à contraparte proposta para a celebração de um novo contrato promessa, nos termos do qual autorizava o promitente comprador a realizar todas as obras necessárias com vista à emissão camarária da licença de utilização para habitação e, assim, ultrapassar o problema surgido quanto à destinação do imóvel, que teria de constar da escritura de aquisição, no sentido da satisfação do interesse contratual do promitente adquirente.

Certo é ainda – por também provado – que, perante isso, o A./Apelado propôs ao R. a introdução de alterações na redacção do novo contrato promessa de compra e venda suscitado, designadamente no que respeitava ao prazo previsto para a emissão de licença de utilização para habitação e às consequências de um possível indeferimento do pedido de emissão da mesma, nomeadamente o direito a indemnização por benfeitorias a realizar.

Por outro lado, apurou-se que o A./Apelado veio também, em 13/08/2010, informar o promitente vendedor de que teria encontrado um terceiro, interessado em assumir a sua posição no contrato promessa, sendo pedida rectificação de áreas.

Perante o que o R./Apelante, em ordem a possibilitar essa transmissão de posição contratual, diligenciou de imediato (25 de Agosto de 2010) pelo pedido de documentação para efeito dessa rectificação de áreas, disso mantendo o A. informado, pedindo a este, em 08/09/2010, o agendamento de reunião com o mencionado interessado para 14 de Setembro seguinte.

Decorriam, pois, negociações tendentes até à celebração de um novo eventual contrato promessa substitutivo do anteriormente celebrado.

Foi então que o A./Apelado respondeu encontrar-se ausente, em férias, na data pretendida para a reunião, facultando, todavia, os contactos do mediador envolvido na operação de venda do imóvel, sob contratação de tal A..

Continuava, assim, esse processo negocial subsequente à celebração do anterior contrato promessa e tendente à substituição dele (ou, ao menos, à respectiva alteração), o que não viria, todavia, a inibir o promitente vendedor de, sem mais, em 25/10/2010, interpelar – como interpelou – o A./Apelado para a realização da escritura pública de compra e venda no prazo de 15 (quinze) dias, bem como a comunicar que, caso não fosse outorgada nesse prazo, resolveria o contrato promessa.

Ora, perante este quadro fáctico e circunstancial, só pode concluir-se que, estabelecido um novo processo negocial, subsequente ao contrato celebrado, tendente à outorga de um novo contrato promessa, por molde a ultrapassar os obstáculos surgidos à celebração da compra e venda pretendida, cabia às partes, em conduta de boa fé, levar essas negociações a bom termo, concluindo-as, fosse no sentido da outorga de uma nova promessa (substitutiva da anterior) ou da alteração ao contrato já celebrado (mero aditamento ao mesmo), ou fosse até em termos de simples manutenção do contrato anterior, caso não se lograsse consenso na sua substituição ou alteração.

O que não poderia era, sem mostrar ter concluído essas negociações contratuais supervenientes à celebração da promessa, o promitente vendedor optar/avançar, pura e simplesmente, para a resolução do contrato inicial, invocando o não cumprimento de promessa que estava sujeita a subsequentes negociações ainda em curso.

Assim, se a resolução poderia ver vista, no limite, como traduzindo o rompimento dessas negociações, não deixa ela de ser prematura e não devidamente motivada, posto que a não celebração da escritura tempestivamente marcada se deveu a obstáculo sério que, face à interrupção das supervenientes negociações, se não demostrou ter sido removido.

Quer dizer, ao precipitar-se para a resolução, quando decorriam aquelas negociações, a parte Apelante procedeu de molde a não garantir a possibilidade de realização das negociadas diligências tendentes a remover o obstáculo surgido à outorga da escritura.

Ora, tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos e, bem assim, no exercício de direitos correspondentes (designadamente, o direito de resolução do contrato), devem as partes conformar-se com o princípio da boa fé (cfr. art.ºs 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do CCiv., respectivamente), aliás, aludido na sentença recorrida, adoptando, nesse âmbito, conduta honesta, correcta e leal, e, a mais disso, comprometida, não só com a confiança gerada na contraparte (com correspondente investimento desta última), mas em geral com o interesse contratual de ambas as partes (aquele que visam atingir/satisfazer com o cumprimento do negócio), de molde a que não resulte desnecessariamente prejudicado/comprometido o interesse contratual de qualquer delas.

Cabia, pois, ao R./Apelante, neste contexto negocial/contratual, não frustrar a confiança da contraparte na conclusão de uma negociação tendente a ultrapassar o obstáculo surgido, apresentando-se a resolução do contrato, encetada pelo promitente vendedor, ante o condicionalismo aludido, como abusiva ou, ao menos, excessiva face à não conclusão dessas supervenientes negociações.

Donde que só possa concluir-se, com o Tribunal a quo, que as partes estavam ainda em negociações com vista a ultrapassar a questão surgida da destinação da parte urbana do imóvel a vender, no tocante à respectiva utilização para habitação, a ter de constar da escritura de compra e venda, motivo que impediu a sua realização na data aprazada, sendo que era essencial, para a satisfação do interesse do promitente comprador, a destinação a habitação.

Improcedem, pois, as conclusões do Apelante em contrário.

1.2. - Da (in)existência de desconformidades impeditivas da outorga do contrato prometido

Como também visto, pretende ainda o Apelante, em oposição à sentença, que inexistiu qualquer prova de promessa de venda para habitação, acrescentando que o R./Recorrente desconhecia, sem obrigação de conhecer, a intenção do promitente adquirente quanto à destinação a habitação, matéria que não foi levada ao conteúdo contratual convencionado entre as partes, o que impede que se possa responsabilizar por isso o promitente alienante.

Em complemento, refere ainda que o A./Apelado conhecia a realidade física e documental do imóvel, estando advertido para confirmar as características e situação do mesmo, o qual não foi anunciado como venda para habitação.

Na decisão recorrida fez-se notar, seguindo o factualismo provado, que do anúncio do leilão consta expressa identificação do imóvel como “MORADA: Quinta …, Lote …”, “TIPOLOGIA: V4 e V2”, “TIPO DE UTILIZAÇÃO: Prédio Misto”, “LICENÇA DE UTILIZAÇÃO: 1994”, “DESCRIÇÃO DO IMÓVEL: Quinta de 2 moradias e terreno com vários tipos de árvores. A moradia principal é composta por: 4 quartos, sala, 2 arrecadações e 3 wc’s; sótão aproveitado com 2 quartos e cave com 2 quartos. A outra moradia é composta por: 2 quartos, sala e cozinha; no logradouro junto a esta moradia existe uma churrasqueira”.

Mais pode ler-se nessa decisão que “… ao A. foi logo facultado o acesso à certidão do registo predial e à caderneta predial referentes ao prédio misto que constituía o «Lote 29», do qual constava o destino do imóvel como afecto à habitação”.

E acrescentou o Tribunal a quo:

«Com base no teor destas cláusulas entende a R. proprietária do imóvel e sua vendedora que o A. tomou conhecimento e assumiu que as consequências de todas as eventuais desconformidades, quer quanto ao uso, áreas ou destinação, seriam a seu cargo, desvinculando-se a própria R., proprietária, de toda e qualquer responsabilidade por estas eventuais desconformidades.(…)

Com base neste princípio da boa fé, não pode a R. pretender, com base quer no que constava deste anúncio, quer na redacção dada às clausulas 3ª e 4ª que todas e quaisquer divergências entre aquilo que foi anunciado vender e aquilo que efectivamente existia, que a ausência de licença de utilização para habitação, destinação dada ao imóvel e que a divergência de áreas, de que forçosamente como proprietária tem ou deve ter conhecimento, lhe são completamente alheias, sendo imputáveis ao promitente comprador as consequências daí advenientes.

Aliás do próprio anúncio do imóvel menciona-se a existência de uma licença de utilização como datando de 1994, sendo neste anúncio este imóvel identificado como quinta de duas moradias. Informação que aliás coincide com a que constava dos documentos exibidos ao A. Ou seja, a R. sabia ou devia saber (sendo certo que a licença junta é de 1991) que aquilo que anuncia não corresponde à realidade.

Mais, quer da clausula 3ª, quer da clausula 4ª, não consta qualquer limitação ao destino do imóvel, sendo as divergências aí mencionadas respeitantes a áreas.

Por outro lado, organizando a R. um leilão de imóveis incumbe-lhe munir-se de toda a documentação necessária e prestar uma informação fidedigna e verdadeira sobre elementos essenciais, como são os referentes ao registo, à descrição do imovel nas Finanças e sua afectação, que podem condicionar a posterior celebração do contrato prometido e seu registo, e não socorrer-se de cláusulas genéricas que visam isentá-la de toda e qualquer responsabilidade, imputando ao incauto comprador as consequências da sua (R.) desinformação.

E não incumbe ao A., promitente comprador a obtenção de licença de utilização para o fim visado, sendo que nos termos da clausula 6ª, só após a obtenção de toda a documentação necessária à realização da escritura em apreço, pelo banco R., seria esta designada pelo A.».

Que dizer?

Dir-se-á, desde logo, que é certo não constar expresso no contrato promessa que o R./Apelante se vinculava à venda de imóvel para habitação.

Porém, é também claro que se tratou de contrato promessa celebrado na sequência de licitação e adjudicação em leilão, anunciado e organizado este por empresa especializada, sob mandato do R./Apelante (um dos principais bancos a operar em Portugal), tendo sido elaborado e publicitado o correspondente catálogo de imóveis para venda, com identificação e descrição dos mesmos.

Ora, é patente que a identificação e descrição do imóvel em causa, tal como consta do catálogo publicitado, inculca, de imediato, a ideia de que se trata de prédio misto, a ser utilizado como tal, configurado como “lote”/“morada”, com tipologia “V4” e “V2”, com licença de utilização (sem qualquer outra discriminação), tratando-se de quinta de 2 moradias, com moradia principal (com quartos, sala, arrecadações, wc’s, sótão com quartos e cave com quartos) e outra moradia (com quartos, sala e cozinha), existindo churrasqueira no logradouro, junto a esta moradia.

Tal publicitação, com identificação e descrição deste imóvel, logo inculca, a um qualquer receptor/destinatário normal, a ideia de que se trata de imóvel destinado à habitação, integrado até, para além do mais, por duas moradias/vivendas (uma “V4” e outra “V2”), ambas fazendo parte de uma quinta.

Bem se compreende que tenha o aqui A./Apelado ficado convencido de se tratar de imóvel destinado a habitação, como o são normalmente as moradias/vivendas deste País.

Não se estranha, pois, que tenha ficado provado que o A./Apelado só licitou o imóvel e outorgou o contrato promessa aqui em discussão por se ter firmado na premissa e convicção de destinação à habitação e não a qualquer outro fim, designadamente de exploração comercial.

E o que nos diz o contrato promessa?

Prova-se que a promessa (cláusula 1.ª do contrato celebrado) se reporta a prédio, correspondente a lote, com inscrição matricial urbana sob o art.º …, da freguesia e concelho de …, e com descrição na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, sendo certo que a parte urbana do imóvel estava, segundo informação resultante da caderneta predial, afecta a habitação.

E também se apurou que foi facultado ao A./Apelado, anteriormente à realização do leilão, o acesso, não só à certidão registal, como à caderneta predial do imóvel, com a dita menção fiscal/matricial/cadastral de destinação a habitação.

O A./Apelado foi, assim, convencido da dita destinação à habitação, por aí passando, incontornavelmente, o seu interesse contratual aquisitivo, sendo que a contraparte lhe omitiu a diversa destinação, segundo a licença de utilização vigente, a estabelecimento comercial de restauração.

Com efeito, prova-se que, apesar do que constava da caderneta predial – esta em poder da contraparte, enquanto proprietária do imóvel, a qual, por isso, bem conhecia, ou, ao menos, devia conhecer, toda a respectiva documentação, da qual resultava a utilização administrativamente licenciada – e do que foi informado ao A./Apelado, através da concessão de acesso a este documento, em termos de lhe firmar a convicção da destinação desejada a habitação, o imóvel não beneficiava, na verdade, de licença de utilização para habitação, mas antes para aquele fim comercial.

Assim, se é líquido que foi omitida no contrato promessa a destinação do imóvel, seguro é também que o comportamento adoptado pelo promitente vendedor, desde o modo como foi organizado o leilão e publicitado o prédio – por escolha sua, através de entidade por si mandatada – até à imediata assinatura/formalização do contrato promessa, passando pela escolha da documentação facultada (salientando-se a que aludia a afectação à habitação), se dirigiu a convencer – como convenceu (veja-se a dita premissa em que o promitente comprador fundou a sua vontade de contratar) – de que se tratava de imóvel com vivendas para habitação.

Ora, como é consabido, do princípio da boa fé – convocado na decisão recorrida – decorrem diversos deveres para as partes, não só de prestação, como também, por vezes, de informação ou, mais amplamente, deveres acessórios de conduta ligados ao dever geral de agir de boa fé ([4]).

É que o princípio da boa fé revela determinadas exigências objectivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objectivos, indicando um certo modo de actuação dos sujeitos, considerado conforme à boa fé ([5]), a qual deve estar presente no âmbito das tarefas valorativas e aplicativas aos casos concretos, tendo em conta a natureza e função económico-social do contrato ([6]) a que se visa aplicar ([7]) e da relação jurídica estabelecidas entre as partes.

Assim, é hoje patente o papel relevante do princípio da boa fé, fundando, por vezes, mormente em situações de desigualdade entre as partes ([8]), designadamente quando uma delas esteja sujeita a deficit informativo, a imposição legal de deveres de informação, mas ainda de lealdade e protec­ção, de uma parte à outra, por forma a salvaguardar o fim contratual tido em vista por esta última – aqui o princípio da boa fé “constitui o fundamento jurídico”, enquanto o “fundamento material” se encontra “na desigualdade ou desnível da informação” (esta de carácter técnico e complexo), em situação de “particular necessidade de protecção” de um dos interlocutores ([9]), no escopo de, na medida do possível, deixar, afinal, compensada, em termos substanciais, aquela desi­gualdade anterior.

Bem se compreende, assim, que, no contexto das relações civis e, mais ainda, das de índole comercial, onde predomina, de certo modo, o individualismo, abrindo horizontes, através da influência conformadora do princípio da liberdade contratual, a que cada uma das partes nos contratos aja por forma a obter para si, dentro dos limites da lei, o máximo possível de vantagens ou utilidades, sem se preocupar com os interesses da outra parte, que podem, por isso, ficar subalternizados ou até inviabilizados, podendo levar, por essa via, a um saldo da execução da relação contratual, vista a finalidade do contrato, manifestamente desequilibrado, surja já por vezes uma outra atmosfera relacional, em que o campo contratual se abre como espaço de novas inter-penetrações de interesses, com inovadoras perspectivas dos direitos e deveres a cargo de cada parte, onde postulados ético-jurídicos de lealdade, correcção e honestidade, e até solidariedade, co-responsabilizam todos os contraentes no levar da relação duradoura estabelecida, até ao seu final, por caminhos de razoabilidade, equilíbrio e máximo proveito comum possível.

Neste âmbito já não haverá lugar para o estrito egoísmo individualista, em que cada parte se preocupa apenas consigo própria, na obtenção e consolidação de todos os seus interesses motivadores da contratação, se necessário à custa do total sacrifício do escopo contratual da outra parte, mas, em vez disso, para um novo paradigma de todo o caminho da execução do pacto contratual, sujeito já a exigências de indeclinável eticização, em que o fim global da relação contratual pretendida só se atinge quando ambas as partes dela logram retirar, uma vez plenamente executada, as utilidades mínimas expectadas e recíproca e comummente aceites como intencionadoras do programa contratual, pelo que as partes, que se juntaram na celebração em comum do contrato, em vez de se oporem uma à outra na pretensão de satisfação exclusiva por essa via de interesses egoísticos próprios, são chamadas antes a concorrer, co-responsabilizando-se, no imprimir de uma direcção de execução contratual duradoura que, de forma equilibrada, possa dar os frutos contratuais expectados típicos para ambas, numa liquidação materialmente justa do cumprimento da relação negocial.

Ora, nesta perspectiva de eticização no âmbito do Direito dos contratos – como vem ocorrendo, aliás, de forma insuspeita, no campo dos contratos considerados de consumo –, é patente a importância do princípio da boa fé, como veículo essencial concretizador insubstituível dos postulados ético-jurídicos do sistema, impressores de tal dimensão ética, dominantes na nossa ordem jurídica.

Os mecanismos que actualmente podem ser usados neste âmbito, tendentes a projectar sobre as diversas dimensões e fases da relação contratual as necessárias valorações ético-jurídicas, através da mediação concretizadora da boa fé objectiva, são vários.

Entre eles conta-se a tutela da confiança, que esta tem pressupostos bem definidos na doutrina ([10]), por marcada influência germânica, e acolhidos na jurisprudência. Com efeito, é pacífico que a protecção jurídica da confiança sempre implica: a) uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva ([11]) e ética, característica da pessoa que, não violando os deveres de cuidado que se lhe imponham ante as circunstâncias do caso, ignore estar a lesar direitos de outrem ou quaisquer posições alheias; b) uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível, segundo o padrão do homem normal, c) um investimento de confiança, consistente em ter havido, da parte do sujeito que confia, um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; d) a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção conferida ao confiante – tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante ou ao factor objectivo que a tal conduziu (assim Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil…,cit., I,t. I, ps. 186 e seg.) ([12]).

Por sua vez, outro daqueles mecanismos, o chamado princípio da primazia da materialidade subjacente – focado na finalidade contratual projectada –, parte da ideia de que o Direito tem como escopo a obtenção de soluções efectivas, não se bastando, pois, com aparências, como a mera adopção de condutas apenas formalmente conformes aos objectivos jurídicos, antes exigindo uma conformidade no plano material, substancial. Os exercícios jurídicos devem ser avaliados, segundo a boa fé, em termos materiais, de acordo com as suas efectivas consequências. Daí a primazia ou prioridade para soluções jurídicas de materialidade ou substância – a justiça material – em vez de soluções meramente formais, de justiça apenas formal ([13]).

Já sobre a prestação de informações à contraparte em processo negocial, esclarece Sinde Monteiro que pode ocorrer “… declaração falsa apesar de todos os factos relatados serem verdadeiros, se a declaração é globalmente enganadora por falta de referência a outros que afectam o peso daqueles a que foi feita expressa alusão, ou seja, na hipótese de ser literalmente verdadeira, mas enganadora por criar uma impressão contrária à verdade”, casos em que a parte declarante, mesmo que não inicialmente obrigada por um dever de informação, se opta por prestar informações, terá então de ser “particularmente cuidadosa em assegurar que a outra parte não é enganada pelo que diz” ([14]), justificando-se então um dever de “proceder de acordo com  a verdade” ([15]).

A protecção informativa da parte débil, à luz do princípio da boa fé, fora do âmbito das cláusulas contratuais gerais, impõe que os interesses desta parte, carecidos de informação, sejam “conhecidos, ou em todo o caso cognoscíveis. E, a propósito desta cognoscibilidade, não parece de exigir mais do que o pôr em perigo do fim contratual se apresente de uma forma típica ou se torne patente com base nas circunstâncias concretas” ([16]).

Das circunstâncias do caso aqui em apreciação decorre, como visto, que o R./Apelante, por si ou através de entidade perita em leilões/vendas de imóveis, mandatada para o efeito pela parte promitente vendedora, veiculou para a parte contrária informações referentes ao imóvel em questão, seja quanto à sua identificação e descrição, seja quanto a diversas características do mesmo, inclusive disponibilizando-lhe documentação alusiva a afectação para habitação, assim induzindo o promitente adquirente na convicção, que para este foi determinante da sua vontade de contratar, de que iria adquirir imóvel destinado a habitação.

Surge, pois, a questão: em vez de induzir, em desconformidade com a realidade, a convicção de que se tratava de imóvel afecto/licenciado para habitação, não deveria o promitente alienante ter informado da existência de licença de utilização para comércio (estabelecimento comercial de restauração)?

Pensamos que estava o R./Apelante obrigado a esta informação específica.

Com efeito, se da informação parcelar prestada e da documentação facultada resultava, como resultou, a indução da contraparte em errónea convicção quanto à destinação/utilização do imóvel, em matéria que era essencial para a satisfação do interesse contratual dessa contraparte, cabia à parte que prestava informação – tendo optado por a prestar – apresentar um quadro informativo fiel à realidade, sem lacunas quanto a aspectos essenciais, de molde a não transmitir uma perspectiva inexacta/errónea quanto à base do negócio.

Por isso, cabia necessariamente ao R./Apelante, ou à entidade por si mandatada, informar, de acordo com o princípio da boa fé, o promitente comprador da situação real do prédio em matéria de licença de utilização, de modo a que este ficasse a saber da destinação/licenciamento, não para habitação, mas apenas para actividade comercial.

Não o tendo feito, prevaleceu aquela indução em erro, que é imputável, assim, ao promitente vendedor, obviamente elevado a posição negocial forte perante a contraparte, esta claramente débil na negociação (seja em termos de poder económico ou técnico, seja de conhecimento do imóvel e seus condicionalismos, perspectivando-se relação entre uma parte profissional e com grande e especializada estrutura e uma parte colocada na comum posição de qualquer consumidor/leigo), como logo se depreende do próprio pendor do clausulado do contrato promessa celebrado, todo ele direccionado/inclinado para a imputação em globo do risco de desconformidades do imóvel para a esfera do promitente adquirente, quando era a parte contrária que, como proprietária (na posse de todos os elementos, documentais e outros), naturalmente conhecia a situação e as características desse imóvel.

E não se diga que o R./Apelante desconhecia, sem obrigação de conhecer, a essencialidade para a contraparte da destinação a habitação.

Com efeito, não só é patente que assentou aí premissa em que o promitente comprador fundou a sua decisão de contratar, como tal decorreu da documentação que lhe foi apresentada (caderneta predial), conjugada com as características publicitadas do imóvel (catálogo de imóveis para leilão), pelo que, de uma assentada, a parte promitente vendedora revelou a afectação a habitação e ocultou a existência, desconforme, de licença de utilização para estabelecimento comercial.

Assim, tendo optado pela prestação de informações quanto ao imóvel, não poderia a parte promitente alienante deixar de prestar informação completa, em vez de ocultar parte essencial dessa informação, fazendo com isso incorrer a contraparte em errónea convicção, na qual fundou a sua vontade de contratar.

Com o que também foi frustrada a confiança infundida na contraparte, a qual, investindo, confiou, como seria normal em tal situação, que o quadro informativo prestado era idóneo, correcto e completo, confiança essa que, por isso, merece protecção.

A esta luz logo surgiria, por outro lado, manifestamente desequilibrado, em termos de justiça contratual, o clausulado contratual aludido tendente à exclusiva transferência do risco por todas as desconformidades do imóvel para a esfera jurídica da parte débil.

Sendo ainda, nesta parte, que o clausulado do contrato alude a deficiências/vícios do bem e a divergências quanto a área e composição do imóvel, aqui não se incluindo, por isso, a destinação do prédio e a licença de utilização existente.

Conclui-se, pois, que, como entendido na sentença recorrida, a conduta do ora R./Apelante não correspondeu, seja na fase negocial, quanto à prestação de informação relevante e subsequente conclusão de negociações em curso, seja, por consequência, na fase ulterior de declaração resolutiva, às exigências do princípio da boa fé, não incorrendo, nesse quadro fáctico e circunstancial, o promitente comprador ([17]), por seu lado, “em mora e muito menos em incumprimento definitivo do contrato”, pelo que a não realização da escritura não lhe é imputável.

E, como também vem referido na decisão recorrida, ao enviar a comunicação ao A. em Outubro de 2010 para marcação da escritura, bem sabia o R. “que esta se não poderia realizar, porque não sanadas as desconformidades que já tinham conduzido à sua recusa, estando aliás as partes ainda em conversações com vista a ultrapassar esta questão”, pelo que, “sendo esta resolução ilícita e decorrendo da mesma a destruição da obrigação contratual, sem culpa do A.”, dela resulta “o incumprimento definitivo da R., que aliás alienou este imóvel a um terceiro”, como também resulta comprovado, tendo “o A. direito à restituição do sinal em dobro” ([18]).

Com efeito, indemonstrado incumprimento contratual do promitente adquirente e comprovada a subsequente venda a terceiro pelo promitente alienante, na sequência da sua declaração resolutiva, daí logo resultaria a firme/definitiva vontade/decisão deste de não cumprir a promessa, traduzindo incumprimento definitivo da sua parte.

2. - Consequências do incumprimento

Demonstrado o incumprimento definitivo exclusivo da promessa pelo promitente vendedor, as consequências deste desfecho da relação contratual só podem ser, como são, as definidas na sentença, traduzidas na obrigação de devolução do sinal em dobro, assim tendo de proceder a acção e improceder a reconvenção, como decidido na 1.ª instância.

Donde que tenham de improceder as conclusões em contrário do Apelante, devendo manter-se o julgado naquela instância.

                                               *

IV – Sumário (nos termos do disposto no art.º 713.º, n.º 7, do CPCiv. aplicável):

1. - O princípio da boa fé revela determinadas exigências objectivas de comportamento – de correcção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objectivos, postulando certos modos de actuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do programa contratual, podendo gerar, entre outros, deveres de informação.

2. - O surgimento de tais deveres de informação pode ocorrer em situações de acentuada desigualdade entre as partes, quando uma delas esteja sujeita a deficit de conhecimento, visando-se a salvaguarda do fim contratual tido em vista pela parte inferiorizada, concedendo-se-lhe uma particular protecção informativa, que compense, em termos substanciais, a sua desi­gualdade inicial, no escopo da obtenção de patamares aceitáveis de justiça contratual.

3. - É possível a existência de declaração inexacta (desconforme com a realidade) apesar de todos os factos relatados serem verdadeiros, se tal declaração for globalmente enganadora por falta de referência a outros que, assim omitidos, afectam o peso do factualismo declarado – hipótese em que o quadro comunicado pode ser literalmente verdadeiro, mas enganador por criar uma impressão contrária à verdade.

4. - Em tais casos, a parte declarante, mesmo que inicialmente não obrigada ao dever de informação, se opta por prestar informações, terá então de ser especialmente cuidadosa em assegurar que a outra parte não é enganada pelo que lhe é comunicado, justificando-se então um dever de verdade.

5. - Se, em contrato promessa de compra e venda de imóvel, o promitente comprador pretende a aquisição de prédio para habitação, nisso baseando a sua decisão de contratar, e a contraparte lhe induz, pela informação parcelar prestada, a convicção de que se trata de imóvel afecto à habitação – com o consequente investimento de confiança do promitente adquirente –, omitindo, porém, a existência de licença de utilização tão-só para estabelecimento comercial de restauração, ocorre violação do dever de verdade a que se sujeitou o promitente alienante, que, como proprietário do bem, dispunha do conhecimento privilegiado da situação do mesmo.

6. - Se, recusada pelo notário a realização da escritura de compra e venda, com fundamento em desconformidade de afectação do imóvel, as partes estabeleceram negociações para novo clausulado contratual, a resolução, pelo promitente vendedor, do contrato promessa no decurso dessas negociações é prematura e ilícita, impedindo a responsabilização da contraparte por incumprimento da promessa.

                                               ***

V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo R./Apelante.

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Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Versos em branco.

Lisboa, 13/03/2014

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José Vítor dos Santos Amaral (relator)

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Fernanda Isabel Pereira                                     

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Maria Manuela Gomes


([1]) Autos instaurados após 01/01/2008 e decisão recorrida anterior a 01/09/2013 (cfr. fls. 359 e segs., DLei n.º 303/2007, de 24-08, e respectivo art.º 12.º, n.º 1, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 35 e segs., bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16).
([2]) Factualidade essa agora lógica e cronologicamente ordenada.

([3]) Segundo o qual “Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos (…) sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respectiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura” (itálico aditado).
 
([4]) Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 125 e segs..

([5]) Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 180.
([6]) O contrato é visto na sua função instrumental de realização de interesses, falando­‑se a este propósito em “economia do contrato” – cfr. Sousa Ribeiro, “Economia do Contrato”, Autonomia Privada e Boa Fé. BFD, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, ps. 969 e ss.. Como refere este Autor, a boa fé pode ser perspectivada como “fonte normativa dos comportamentos devidos para o atingimento dos fins contratuais”, aparecendo os seus ditames como instrumento apontado à conformidade da execução contratual aos objectivos negociais das partes (cfr., op. cit., p. 974).
([7]) Cfr. Judith Martins-Costa, Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três perspectivas do Direito privado brasileiro, em Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, n.º 6, 2004, p. 105.
([8]) Cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, p. 165.
([9]) Cfr. Sinde Monteiro, op. cit., ps. 360 e ss..
([10]) Salientando-se nesta sede – no entendimento tradicional da tutela da confiança no âmbito da boa fé – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português cit., t. I, ps. 175 e segs., mormente 184 e segs., e Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª reimp., 2007, ps. 1248 e seg.. Já com uma outra construção da teoria da confiança, autonomizando a responsabilidade específica pela confiança da responsabilidade pela violação de deveres de conduta segundo a boa fé, cfr. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, ps. 431 e segs..
([11]) A boa fé subjectiva contrapõe-se à boa fé em sentido objectivo. Assim, a boa fé objectiva reporta-se a princípios, regras, ditames ou limites por ela transmitidos ou para um modo de actuação dito “de boa fé”, enquanto regra ou padrão de conduta dos sujeitos. A boa fé actua, pois, nesta sua dimensão, como uma regra de conduta imposta do exterior e que os sujeitos devem observar. Ela pode actuar como correctivo de normas passíveis de comportar aplicação concreta contrária ao sistema ou, diversamente, como a única norma atendível no caso; mas concretiza-se sempre em regras objectivas de actuação (assim Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 180). Já a boa fé subjectiva, por sua vez, reporta-se a um estado interior/subjectivo da pessoa (diz-se em relação àquele sujeito que actua “de boa fé”, contrapondo-se, assim, à actuação “de má fé”), comportando dois sentidos possíveis: um sentido psicológico e um sentido ético. No nosso ordenamento jurídico, porém, a boa fé subjectiva é sempre ética, só a podendo invocar, e dela beneficiar, quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência. Não basta, pois, aqui, um mero desconhecimento, sendo necessário, ainda, que o mesmo não seja culposo ou censurável – cfr. Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 182.

([12]) Assim, se aquele primeiro pressuposto (al. a)) se reporta à boa fé subjectiva, o segundo (al. b)) prende-se com a ideia de razoabilidade, o terceiro (al. c)) com a de desenvolvimento de actividades baseadas na confiança, as quais não podem ser desfeitas sem prejuízos, e o último (al. d)) com a de responsabilidade, pela situação criada, da pessoa que vai ser onerada.

([13]) Menezes Cordeiro, Autor que, nesta parte, vimos seguindo, alude a três vias de realização deste princípio: a) a conformidade material de condutas, exigindo que, no exercício de posições jurídicas, sejam realizados, de forma efectiva (e não meramente formal), os valores visados pelo sistema jurídico; b) a idoneidade valorativa, reportada à harmonia do sistema, não admitindo que alguém beneficie, contra outrem, com as suas próprias infracções (se um sujeito incorre numa violação de uma norma, não poderá tirar partido contra outrem da situação ilícita assim criada); c) o equilíbrio no exercício de posições jurídicas, postulando a necessidade de sindicar condutas, mesmo se permitidas, à luz do sistema, vedando as actuações gratuitamente danosas para outrem ou as gravemente desequilibradas (condutas que, em vista de uma vantagem mínima para o próprio, provocam um dano máximo para outrem) – cfr., Tratado …, cit., t. I, ps. 189 e seg.).
([14]) Cfr. op. cit., p. 156.  
([15]) Op. cit., p. 358. 
([16]) Cita-se ainda Sinde Monteiro, op. cit., p. 361, Autor que acrescenta: “O desnível de informação pode prender-se com a especial competência técnica do devedor (relações perito-leigo), como também com circunstâncias pessoais do credor (evidente inexperiência ou falta de preparação, ou outros factores pessoais”, sendo relevante “o grau da necessidade de protecção social ou individual, bem como em que medida pode ser posto em perigo o fim contratual e o risco para a esfera de bens jurídicos do parceiro aquando da execução do contrato; quanto mais fortemente pesarem estes factores, mais forte razão existe para a prestação espontânea de informação, mesmo que a contraparte estivesse eventualmente em situação de poder fazer as correspondentes perguntas” (op. cit., ps. 361 e segs.). 
([17]) Que viu acentuado o seu deficit de informação pela conduta da contraparte, desnível ou desigualdade de conhecimento esse nunca efectivamente compensado (já que foram unilateral e inopinadamente interrompidas as conversações subsequentes, que se destinavam a superar o inerente obstáculo), antes levado até à declaração de resolução do contrato.

([18]) Veja-se também o Ac. STJ, de 10/01/2012, Proc. 25/09TBVCT.G1.S1 (Cons. Martins de Sousa), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: “Chegada ao conhecimento do devedor declaração resolutiva do contrato, esta opera os seus efeitos, independentemente, de ser lícita ou ilícita, pelo que esse mesmo devedor já não pode cumprir e o próprio credor deixa de poder exigir o cumprimento”.