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INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
NULIDADE
Sumário
I-A nulidade da insuficiência do inquérito apenas ocorre quando se posterga o único acto legalmente obrigatório, qual seja, o interrogatório do arguido se o inquérito decorrer contra pessoa determinada (art. 272º, C. P. Civ.). II-Assim sendo, a não realização das diligências requeridas ou sugeridas pela assistente, ou quaisquer outras em sede de inquérito não configuram a invocada nulidade de insuficiência do inquérito. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
I-Relatório:
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No âmbito dos autos de Instrução supra ids., que correm termos pelo ...º Juízo – A do TIC de Lisboa, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido Luís ......, id. Nos autos.
Inconformados com o teor de tal decisão interpuseram os assistentes – Serviços de Engenharia, Ldª e Francisco , o presente recurso pedindo,
Apresentaram para tal as seguintes conclusões:
O presente recurso tem por objecto a decisão instrutória de não pronúncia, proferida pelo ...° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa em 27.05.2013;
Tal decisão decidiu não pronunciar o arguido Luis ...... pela prática de um crime de difamação, p.p. nos artigos 180° e n° 2 do art.° 183° do Código Penal ou de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p.p. no artigo 187° do Código Penal, ou por qualquer outro;
O despacho de não pronuncia enferma de nulidade, porquanto o Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova produzida em sede de inquérito e não permitiu que fosse produzida prova pelos assistentes em sede de instrução, peio que existiu erro manifesto na apreciação da prova produzida;
Os aqui recorrentes apresentaram queixa crime contra o arguido, tendo mesmo deduzido acusação particular pela prática dos crimes de difamação, p.p. 180° e 183° n° 2 do C.P., e de ofensa a pessoa colectiva, p.p. 187° do C.P.. Todavia, tal acusação, não foi acompanhada pelo Ministério Público;
O Ministério Público, não cumpriu as suas obrigações de direcção do inquérito, conforme se encontra estabelecido na alínea b) do n° 2 do artigo 53° e n° 1 do artigo 263° ambos do Código de Processo Penal;
Na fase de inquérito, o Ministério Público, apenas se limitou a ordenar a inquirição do ora recorrente Francisco , na qualidade de queixoso e enquanto legal representante da — Serviços de Engenharia, Lda, e do arguido,
sendo que as restantes testemunhas foram ouvidas a requerimento dos assistentes, aqui recorrentes;
Na queixa-crime apresentada, os ora recorrentes requereram que fosse a empresa Google Portugal, com sede em Lisboa, para que esta identificasse o IP – Internet Protocol do utilizador que colocou o comentário, bem como para que este comentário fosse retirado.
O Ministério Público não atendeu o pedido feito, sendo que o referido comentário apenas foi retirado da aplicação apenas a pedido dos recorrentes;
Consta da decisão instrutória que: "no que concerne à diligência a solicitar junto da Google a fim de averiguar que teria colocado o comentário, a mesma nunca foi ordenada no inquérito porquanto o MP ignorou o pedido feito logo na queixa pelos assistentes." Trata-se de uma omissão em que o Ministério Público se eximiu da sua missão de carrear e esclarecer sobre a factualidade para os autos e de investigação e esclarecimento sobre o facto que constitui a prática de um crime.
O Ministério Público deveria ter ordenado a realização da diligência requerida junto da Google, assim como deveria ter ordenado a realização de mais diligências, de forma a apurar, sem qualquer sombra de dúvida, que foi o arguido que escreveu os comentários difamatórios na aplicação mapas do site google.pt.
Os recorrentes requereram a produção de prova suplementar no início do debate instrutório, nomeadamente, a reinquirição de Francisco , na qualidade de assistente e enquanto legal representante da também assistente – Serviços de Engenharia, Lda e de algumas testemunhas já ouvidas em sede de inquérito: Manuel ..., ...e Rute ..., assim como notificação à empresa Google, para informar qual o IP de onde fora escritos os comentários difamatórios.
O Tribunal a quo indeferiu todas as diligências, alegando para o efeito que as testemunhas já tinham prestado depoimento e, tal como consta do despacho de não pronúncia: "na instrução, decorrido mais de um ano e quatro meses sobre a publicação do comentário, os dados já não seriam passíveis de obtenção, pelo que se indeferiu tal diligência".
A informação sobre a existência ou não de dados, na presente data, que permitam aferir sobre quem escreveu e publicou o comentário tem de ser fornecida pela empresa Google Portugal e não assumida precipitadamente pelo Tribunal.
Não se entende o motivo pelo qual o Tribunal a quo, nem o Ministério Público, em sede de inquérito, não efectuaram tal diligência.
Os depoimentos das testemunhas, em sede de inquérito, não correspondem ao real conhecimento da factualidade que as mesmas possuem, e foram parcos e superficiais em termos de produção de prova, pelo que foi requerida a sua reinquirição, de forma a trazer para os autos todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos.
As reinquirições requeridas não consistiam numa verdadeira repetição de diligências, porquanto estas não versaram toda a matéria factual em causa nos presentes autos, e não foram, de modo algum, esclarecedoras e elucidativas.
Tais reinquirições eram actos previstos no n.° 3 do art.° 291° do CPP, e consequentemente obrigatórios, por indispensáveis para o apuramento da verdade, ou seja, a satisfazer as finalidades da instrução previstas no n.° 1 do art.° 286° do mesmo diploma legal, sendo que serviriam para melhor esclarecer o circunstancialismo envolvente da factualidade enleante, e, finalmente, que foi o arguido que cometeu os crimes.
Refere o despacho sub judice que nenhuma das testemunhas: "estava na posse de qualquer informação fidedigna que lhe permitisse saber quem tinha colocado tais comentários na página em questão", sendo que o Tribunal a quo não se pode permitir afirmar com certeza que as testemunhas não "tinham informações fidedignas", porquanto se recusou ouvi-las e aferir se tinham ou não conhecimentos que não constavam dos autos.
Somente por a prova ter sido mal conduzida no inquérito e face à recusa de produção de prova em sede de instrução é que foi proferido o despacho de não pronúncia, de que agora se recorre.
A douta decisão de não pronúncia também é absolutamente censurável, pois aí não se encontram narrados os factos, não foi feito um exame crítico da prova, e, por existirem nos autos indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos que lhe foram imputados na queixa apresentada e na acusação particular deduzida.
No tocante ao despacho de não pronúncia, rege o disposto no n.° 4 do artigo 97° do C.P.P., segundo o qual "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão", o que implica que, não sendo, a decisão é nula.
Mediante leitura e análise do despacho de não pronuncia, o que resulta da mesma é que não existiram diligências de investigação relativas à produção de prova que permitissem a não aplicação do
princípio in dúbio pro reo e que a explanação da mesma não se encontra devidamente sustentada.
23.O despacho sub judice não se encontra devidamente fundamentado e sustentado faticamente, apenas tecendo considerações jurídico-formais, sem no entanto concretizar e sustentar qual o motivo da aplicação do princípio in dúbio pro reo e, consequentemente, da não pronúncia do arguido.
Caso a prova tivesse sido devida e atempadamente recolhida, de forma diligente e zelosa, e se repetida em sede de julgamento, acarretaria, quase de certeza, a condenação do arguido e jamais a sua absolvição, o que justifica, impõe, a sua pronúncia e o prosseguimento dos autos.
Verifica-se que não foram realizadas todas as diligências impostas como necessárias, tendentes a averiguar a veracidade dos factos e, consequentemente, a verificação da existência indubitável de indícios que conduziriam à pronuncia do arguido e à sua condenação.
A falta de investigação pelo Ministério Público, assim como a recusa do Tribunal de Investigação Criminal em efectuar as diligências instrutórias requeridas. conduziram a uma errada ponderação dos indícios da prática dos crimes.
É indubitável que a decisão instrutória seria significativamente diferente, até mesmo oposta, caso as entidades competentes não se tivessem demitido das suas obrigações e tivessem diligenciado na investigação e produção de prova, como lhes compete.
Os indícios existem, as testemunhas têm conhecimentos cabais e fundamentados da factualidade e o arguido praticou os crimes. Trata-se de argumentos suficientes para que este despacho seja objecto de revisão e, em consequência, substituído.
A actuação do Tribunal de Instrução Criminal e a omissão do Ministério Público configuraram uma negação de direito dos assistentes/recorrentes, porquanto estes se viram impedidos de verem reposta a verdade dos factos e de a sua honra e dignidade ser ressarcida.
Os recorrentes não tiveram assim oportunidade de tomar posição, de fazer valer os seus direitos à honra e à dignidade, constitucionalmente consagrados, assim como viram negada a possibilidade de produzir as provas relevantes que tinham requerido.
31.O despacho de não pronúncia enferma de nulidade, não apenas por não se encontrar fundamentado, mas também por o Ministério Público, em sede de inquérito, não ter cumprido com as suas
obrigações de investigação e produção de prova, mas também porque o Tribunal de Instrução Criminal se escusou a efectuar diligências absolutamente necessárias para os fins da instrução.
Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao recurso aduzido pelos recorrentes, com a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a realização das diligências por si requeridas e que, consequentemente, pronuncie o arguido pela prática do crime de difamação, p.p. nos artigos 180° e n° 2 do art.° 183° do Código Penal e de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p.p. no artigo 187° do Código Penal.
Respondeu o MP, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:
Recorrem os assistente do despacho de não pronúncia do arguido Luís B... ... pelos crimes de difamação e ofensa a pessoa colectiva. Alegam em síntese que o despacho de pronúncia enferma de nulidade porque:
a)Não se encontra fundamentado;
b)O M.P. na fase de inquérito e o Tribunal de Instrução Criminal na fase de instrução não realizaram diligências necessárias à descoberta da verdade, designadamente aquelas que a assistente requereu na abertura de instrução.
Em meu entender não assiste razão aos recorrentes.
Em primeiro lugar, não se verifica qualquer nulidade porque não foi omitida qualquer diligência legalmente obrigatória, tanto pelo M.P. na fase inquérito, que realizou as diligências que entendeu necessárias e suficientes, como pelo Sr. JIC, que entendeu desnecessária, aliás por despacho irrecorrível, a realização de qualquer diligência instrutória.
Em segundo lugar, a decisão recorrida está suficientemente fundamentada, explicando porque é que não existe prova segura de que foi o arguido que fez o comentário em causa. Designadamente porque nenhuma das testemunhas tem informação fidedigna nesse sentido, o arguido não prestou declarações e apenas o assistente o afirma.
Pelo que, em conclusão, entendo que deverá ser mantida a decisão ora recorrida, rejeitando-se o recurso.
Respondeu o arguido pugnando igualmente pela improcedência do recurso:
Inconformados, recorrem os assistentes do douto despacho proferido pelo 1.0 Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que decidiu, após abertura de instrução e debate instrutório, não pronunciar o arguido pelos crimes que lhe foram imputados na acusação particular (não acompanhada pelo Ministério Publico).
É um direito que lhes assiste. Falta-lhes, porém, a razão para pôr em crise a decisão instrutória, que nenhum reparo merece.
Poderia, pois, o recorrido dizer apenas que «bem andou a M.ma Juíza de Instrução ao decidir como o fez». Mas não pode deixar de oferecer uma breve resposta às alegações dos recorrentes.
Sendo entendimento pacífico que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, é nessas proposições que se centrará a perspetiva do recorrido.
Começam os recorrentes por apontar, ao despacho de não pronúncia em crise, os vícios de nulidade - "porquanto o Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova produzida em sede de inquérito e não permitiu que fosse produzida prova pelos assistentes em sede de instrução" e "erro manifesto na apreciação da prova produzida" (conclusão 3.a dos recorrentes).
Com todo o respeito, nenhuma razão assiste aos recorrentes quanto a tais afirmações.
Por um lado, entende o recorrido que, quando reputam de nula a decisão instrutória, seguramente, não se referem à previsão do art.° 309.° do CPP.
Por outro lado, o erro na apreciação da prova, ressalvado melhor entendimento (embora sendo fundamento de recurso) não gera a nulidade da decisão.
No seguimento, os recorrentes apontam as suas críticas à actuação do Ministério Público relativamente aos atos de inquérito e ao Tribunal de Instrução Criminal quanto à instrução.
Consideram os recorrentes que (conclusão 5.a) "o Ministério Público, não cumpriu as suas obrigações de direcção do inquérito, (...)".
Quanto a este tema, apenas se fará uma pequena observação, uma vez que o recurso incide sobre a decisão instrutória e não se destina a avaliar a atuação do Ministério Público na fase de inquérito: os crimes imputados ao arguido pelos assistentes, ora recorrentes, são de natureza particular; não deve, por isso, sem pôr em causa as suas competências legais, exigir-se, no carrear de provas para o processo, o mesmo grau de participação do Ministério Público (ou dos Órgãos de Polícia Criminal) que em caso de crimes públicos ou semi-públicos.
O Ministério Público ordenou a inquirição das testemunhas que lhe foram oferecidas pelos queixosos/assistentes, ponderou os elementos probatórios levados aos autos e promoveu não acompanhar a acusação, pelos motivos que fundamentaram a sua promoção. Não lhe era exigível que sustentasse uma acusação que, no seu entendimento, carece totalmente de elementos probatórios.
Retira-se, em síntese, das conclusões 7.a a 14.a dos recorrentes, a sua indignação contra o facto de o Ministério Público, na fase de inquérito, não ter procedido ao envio de ofício à empresa Google Portugal, "para que esta identificasse o IP - Internet Protocol do utilizador que colocou o comentário" que consubstanciaria, no entender dos assistentes, prática dos crimes pelos quais acusaram o recorrido, assim como (conclusão 14.a) por ter o Tribunal de Instrução Criminal indeferido a mesma diligência quando requerida como prova suplementar no início do debate instrutório.
No que respeita à alegada omissão do Ministério Público, não cabe tratar nesta sede. 7á quanto ao indeferimento do requerido ato de instrução, cumpre salientar a correta fundamentação que o sustenta e que consta do douto despacho de não pronúncia e que se mostra desnecessário esmiuçar.
No entanto, não pode deixar de se acrescentar alguns tópicos de reflexão.
Antes de mais, considera o recorrido que, salvo melhor opinião, tal questão não pode ser objecto de recurso, atento o disposto no art.° 291.0, n.os 1 e 2, do CPP. No entanto, não deixa de se acrescentar o que segue.
Entendem os recorrentes que, conforme requereram, caso tivesse sido oficiada a empresa Google Portugal, e esta tivesse informado os autos de qual o IP (Internet Protocol) de onde foi emitido o comentário que considera difamatório, estaria demonstrado nos autos que foi o arguido o autor material do dito comentário.
Ora, na realidade, assim não aconteceria. E tanto no inquérito como na instrução, a solicitação à Google Portugal da informação em causa não passaria de um ato perfeitamente inútil.
O endereço IP é uma identificação de um dispositivo (computador, impressora, etc.) numa rede local ou pública. Cada computador na internet possui um IP (Internet Protocol ou Protocolo de internet) único. O IP é responsável pela identificação das máquinas, das redes e é também responsável pelo encaminhamento correcto das mensagens entre elas.
Quando nos referimos ao IP que estamos a usar num dado momento, quando estamos ligados à internet, estamos a falar dum endereço numérico que identifica de forma única esse computador na rede.
É, pois, um dado certo que o IP identifica um computador na Internet. Nada mais que isso. Não identifica pessoas, utilizadores do computador. O computador, por si, não pratica atos de qualquer espécie. São as pessoas que praticam os atos suscetíveis de serem considerados como crimes.
Se soubermos que o IP (e portanto o computador) de onde foi colocado um texto numa página ou num sítio da Internet, ficamos a saber quem foi o autor do texto? Obviamente que não.
Não têm, em conclusão, qualquer razão os recorrentes ao persistir neste tema da obtenção do endereço IP de onde foi colocado o comentário reputado difamatório na página Google Maps.
Nas restantes conclusões dos recorrentes (15.a a 30.a), sintetizando e pondo de parte as críticas feitas à atuação do Ministério Público, pode extrair-se a sua discordância do indeferimento, pelo Tribunal de Instrução Criminal, da (re)inquirição das testemunhas, por si arroladas nos autos e que haviam prestado depoimento no inquérito, requerida como diligência de instrução.
E também nesta parte lhe falta a razão.
Desde logo, considera o recorrido que, tal como quanto ao indeferido requerimento de pedido de informação de endereço IP à Google Portugal, salvo melhor opinião, tal questão não é passível de recurso, face ao disposto no art.° 291.0, n.os 1 e 2 do CPP., pelo que não deve o Venerando Tribunal da Relação pronunciar-se sobre o mérito das conclusões do recurso que se reportam a este tema.
Mas mesmo que assim se não entendesse, também a repetição do ato de inquérito em causa se demonstraria inútil para a descoberta da verdade e, no caso, para fundamentar um despacho de pronúncia do arguido.
Atente-se no teor da declarações das testemunhas, constantes dos autos, bem como aos fundamentos do douto despacho de não pronúncia sob recurso, cuja transcrição se entende por desnecessária nesta peça.
Fazendo reparo que não se pretende afirmar que, ao requerer a nova inquirição das testemunhas como ato de instrução (depois de conhecido o teor dos seus depoimentos e a promoção do Ministério Público de não acompanhar a acusação particular), os assistentes pretendiam que estas afirmassem ter conhecimento de factos que antes haviam dito desconhecer, não deixa de se colocar a seguinte questão objectiva: É credível que alguma testemunha (tendo em conta os seus depoimentos constantes dos autos) possa afirmar
que viu o arguido praticar os atos que lhe são imputados na acusação dos assistentes? É plausível que alguma das testemunhas tenha visto o arguido escrever, e colocar no sítio da Google Maps, o dito comentário difamatório? É óbvio que não.
16.Não merece, pois, reparo o douto despacho recorrido. Não poderia a decisão ter sido outra, já que dos autos resulta claro que não existem indícios minimamente suficientes da prática dos crimes e muito menos de quem foi o seu autor, devendo, como tal, improceder as conclusões dos recorrentes.
É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que ora releva:
Declaro encerrada a instrução.
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O Tribunal é competente.
Inexistem excepções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
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Os autos iniciaram-se com a queixa apresentada por , serviços de engenharia, lda contra Francisco, contra Luís ......, alegando, em
síntese, que o arguido teria escrito no site Google. Pt, mais concretamente na aplicação Mapas, onde se encontram os contactos da sociedade queixosa, um comentário desfavorável e
ofensivo quer da empresa quer do seu sócio gerente no dia 19.01.2012.
No final do inquérito deduziram acusação particular contra o arguido Luís ......, também melhor identificado nos autos, pela prática de crimes de difamação, p.p. nos artigos 180° 183°, n.°2
do CP e de ofensa a pessoa colectiva, p.p. no artigo 187° do CP.
O MP entendeu não acompanhar a acusação.
O arguido requereu a abertura da instrução, alegando, em síntese, que há falta de indícios suficientes da prática dos crimes por parte do mesmo.
No inquérito, foi ouvido o assistente e foi produzida prova testemunhal, além de ter sido junta prova documental, designadamente alguns emails.
No decurso da instrução, não foi produzida prova.
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Não se vislumbrando qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, nos termos dos arts. 298°, 301° e 302°, todos do Cód. Proc. Penal cumprindo agora, nos termos do art° 308°, do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.
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De acordo com o disposto no art. 286°/1 do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.
Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art° 308°/1
do Cód. de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido.
Assim, concluindo-se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.
Ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis" cfr. Tolda Pinto, "A Tramitação Processual Penal", 2a. ed., pág. 701.
Daí que no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no art. 30.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional art. 20.° da D.U.D.H. e art. 27.° da C.R. P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, Tomo N, pág. 261]. Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva em Direito P.Penal. pág. 179].
A regra "in dubio pro reo", enquanto manifestação do princípio da presunção da inocência — princípio estruturante do processo penal -, tem como momento mais relevante a apreciação da prova em julgamento, mas também se manifesta no momento do encerramento do inquérito, quando o Ministério Público, valorando as provas recolhidas, tem de tomar posição, arquivando-o ou formulando acusação. E, evidentemente, também se coloca ao juiz de instrução, após o debate instrutório, devendo, portanto, lavrar despacho de não pronúncia, imposto pela regra "in dubio pro reo", no caso de se encontrar perante uma situação de dúvida inultrapassável quanto às provas produzidas.
Tendo em conta que, também a prova indiciária deve ser sujeita a uma análise racional e objectiva, de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso. Cumpre aqui esclarecer que, no caso e na apreciação deste Tribunal, não cuidamos de eventual responsabilidade civilística, mas tão-só de factualidade com a necessária dignidade penal.
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Apreciando os factos em análise e a prova recolhida no inquérito e na instrução, bem como o respectivo enquadramento jurídico:
Nos termos do disposto no Artigo 180°, do Código Penal, quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2-A conduta não é punível quando:
A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3-Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n° 2 do artigo 31°, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4-A boa fé referida na alínea b) do n° 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Nos termos do disposto no artigo 182°, do mesmo diploma, à difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Estabelece o artigo 183° que se no caso dos crimes previstos nos artigos 180°, 181° e 182°:
A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2-Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
Por fim, nos termos do disposto no artigo 187°, quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição, corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
A difamação define-se doutrinariamente como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado.
Os modos de execução do crime de difamação poderão consistir na imputação de facto ofensivo, na formulação de juízo de desvalor e na reprodução de uma imputação ou juízo.
Dirigindo-se o agente a terceiro(s), imputando a outrem facto ofensivo da honra e consideração de alguém, preenche o tipo legal do crime de difamação. Na qual acação de uma conduta, como difamatória ou não, devem valorar-se os factos segundo critérios de normalidade, definidos em função da experiência, do senso comum da generalidade dos indivíduos que integram a
sociedade num dado momento. Para se averiguar se a imputação é ofensiva da honra e consideração da pessoa visada, há que apurar se, no caso concreto, o brio, o amor próprio e a sensibilidade pessoal foram afectados ou a reputação molestada (Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.96 relatado pelo Senhor Desembargador Henrique Eiras, acessível na Internet em www.dgsi.pt).
Quanto ao elemento subjectivo do crime de difamação, com a entrada em vigor do CP de 1982, deixou de exigir-se dolo específico, o "animus difamandi", bastando para o preenchimento do seu elemento subjectivo o dolo genérico, em qualquer das suas
formas e que se consubstanciará na consciência do agente de que a imputação do facto ou o juízo formulado são ofensivos da honra ou da consideração do visado tal como a reprodução da imputação ou do juízo - e na vontade de imputar o facto ou formular o juízo, ou de reproduzir a imputação ou juízo, sabendo que a sua conduta é proibida por lei.
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Quanto ao tipo previsto no artigo 187° do CP, o tipo objectivo de ilícito não deixa grande margem para dúvidas na exacta medida em que tem três elementos essenciais, a saber: afirmação ou propalação de factos inverídicos; que aqueles precisos factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública; deve o agente não ter fundamento para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos inverídicos;
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No caso dos autos, a única pessoa que afirma ter sido o arguido a publicar os comentários difamatórios na página da internet é o assistente.
As testemunhas ouvidas, com excepção de uma, que não sabia de nada, apenas puderam constatar, a posteriori, a existência de comentários desfavoráveis junto da aplicação mapas, no site Google.pt.
No entanto, nenhuma delas estava de posse de qualquer informação fidedigna que lhe permitisse saber quem tinha colocado tais comentários na página em questão.
O arguido não prestou declarações.
No que concerne à diligência a solicitar junto da Google a fim de averiguar quem teria colocado o comentário, a mesma nunca foi ordenada no inquérito porquanto o MP ignorou o pedido feito logo na queixa pelos assistentes.
Na instrução, decorrido mais de um ano e quatro meses sobre a publicação do comentário, os dados já não seriam passíveis de obtenção, pelo que se indeferiu tal diligência.
É certo que o assistente, aparentemente, terá razões para acreditar que possa ter sido o arguido a colocar o comentário desfavorável na internet, no entanto, essa desconfiança esbarra no princípio do in dúbio pro reo, dado que, em bom rigor, o assistente não pode afirmar com segurança que foi o arguido a colocar tal comentário no site da Google, tal como as restantes pessoas ouvidas também não o puderam confirmar.
Assim, não existindo prova segura de que foi o arguido a colocar no site da Google. Pt o comentário ofensivo que vem descrito na queixa e na acusação particular, outra coisa não resta que não seja proferir despacho de não pronúncia.
Em face do exposto, decide-se não pronunciar o arguido Luís ...... pela prática de um crime de difamação, p.p. nos artigos 180° e 183°, n.°2 do CP ou de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p.p. no artigo 187° do CP, ou por qualquer outro.
A Digna PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Responderam os assistentes no sentido antes propugnado.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é: saber se o despacho recorrido enferma de qualquer nulidade; se existe prova indiciária suficiente para fundamentar um despacho de pronúncia e posterior condenação do arguido pelos crimes imputados.
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Estatuí o artigo 287°, do Código de Processo Penal, que a abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
Pelo arguido relativamente a factos pelos quais o MP ou o assistente em caso de procedimento dependente de acusação particular tiver deduzido acusação;
Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento e tem carácter facultativo, não havendo lugar a instrução nas formas de processo especiais, sem prejuízo do disposto no artigo 391.° do Código de Processo Penal.
O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283°, n.° 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.
O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
A interpretação de tal disposição terá que ser articulada com o disposto no artigo 308°, do mesmo diploma do qual resulta que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronúncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia, sendo correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior, o disposto no artigo 283.0, nºs. 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.° 1 do artigo anterior.
Por seu turno, o artigo 283.° prevê que a acusação deverá conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
«Revertendo à definição de instrução, facultativa no domínio do CPP, temos que aquela se apresenta como uma fase intermédia, entre o inquérito e julgamento, dirigida por um juiz, pensada, como escreve Souto Moura, in «Inquérito e instrução», Jornadas de Direito Processual Penal, p. 125, no interesse do arguido e do assistente, só estes a podendo requerer, estando vedada ao Ministério Público, como ao assistente, nos crimes de natureza particular, por dever ele próprio deduzir acusação. No requerimento de abertura de instrução o assistente indica as razões de facto e de direito (artigo 287. 0,n.° 2, do CPP) da sua divergência relativamente à não acusação do Ministério Público; formalmente o assistente indica, na teorização do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, p. 139, como o Ministério Público deveria ter procedido, «que não deveria arquivar, mas acusar e em que termos o deveria fazer», invocando razões daquela dupla índole, que sustentem os elementos objectivos e subjectivos do tipo por que o arguido há-de ser pronunciado.» Acórdão supra identificado, publicado in 1" Série-A, do Diário da Républica de 4 de Novembro de 2005.
«(...) A instrução surge, no CPP, como um direito, disponível, nem por isso deixando de representar a garantia constitucional da judicialização da fase preparatória do julgamento, de controlo judicial da actuação do Ministério Público, pelo que tal garantia se esvaziaria se o direito à instrução se revestisse em condições difíceis de preencher ou valesse só para casos contados, escreve Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Criminal, p. 119. Para este autor, sendo requerida a instrução, e o assistente não delimitando o campo factual de incidência, o juiz fica sem saber sobre que factos o assistente desejaria ver acusado o arguido. A instrução é endereçada à resolução de um diferendo de indiciação factual, donde a importância na sua indicação, cuja falta leva à respectiva inexequibilidade; um requerimento sem factos libertaria o juiz da sua obrigação de sujeição à vinculação temática, é aquele o vício que lhe assinala, op. cit., nota à p. 120.
Mas sendo aplicável ao requerimento do assistente o preceituado no artigo 283. 0,n.° 3, alíneas b) e c), do CPP, por força dos artigos 287. ° n.° 2, e 308. °, n.° 2, do CPP, estará ajustado, objectar-se-á, vistos os termos da lei e consequenciar o vício da nulidade do requerimento instrutório. Neste enfoque se defende que a omissão da narrativa dos factos no requerimento de instrução, além de configurar a nulidade prevista nos pré-citados preceitos, traduziria um caso de inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do n.° 3 do artigo 287.° do CPP, como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 23 de Maio de 2001, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI (2001), t. III, p. 239. Uma instrução que peque por défice enunciativo de factos susceptíveis de conduzir à pronúncia do arguido titularia um acto inútil, que a lei não poderia admitir (artigo 137.° do CPP), e a sua inclusão naquela de uma alteração substancial dos factos, nos termos dos artigos 308. ° n.° 1, e 309. ° n.° 1, do CPP.»
Estas considerações assentam no pressuposto que em face de um requerimento de abertura de instrução, sem articulação de factos, o arguido ficaria sem saber quais os factos de que teria de se defender, e, por essa razão, ficaria o juiz impedido de realizar a instrução, carecendo a instrução de objecto.
«Os casos que ficariam a coberto da inadmissibilidade legal de instrução, e seguindo de perto o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, ed. Verbo, 2000, pp. 134 e 135, escreve Ravi Pereira, preencheriam um elenco de quefariam parte:
A inadmissibilidade de instrução nas formas de processo sumário e sumaríssimo (artigo 286. n.° 3, do CPP), A inadmissibilidade de, em caso de arquivamento pelo Ministério Público, o arguido vir requerer a abertura de instrução [artigo 287. 0,n.° 1, alínea a), do CPP]. A inadmissibilidade de o arguido requerer a abertura de instrução relativamente a factos que não alterem substancialmente a acusação do Ministério Público, isto é, nos casos em que o assistente deduz acusação (artigo 284.° do CPP); A inadmissibilidade de o assistente vir requerer a abertura de instrução relativamente a crimes particulares (artigo 285.° do CPP); A inadmissibilidade de o assistente vir requerer abertura de instrução quando, em caso de acusação pelo Ministério Público, respeite a factos circunstanciais que não impliquem alteração substancial da acusação pública (artigo 284.° do CPP). » (Ac. do STJ. de 7/2005).
(...)Os fundamentos de rejeição (...) reconduzem-se a realidades de que deriva a inutilidade da instrução; quando assim não sucede, as razões de inadmissibilidade legal hão-de apoiar-se em preceitos legais inequívocos ou, quando muito, levados à conta de uma interpretação sistemática.
A omissão das razões de facto e de direito no requerimento instrutório acarreta, por falta de objecto da instrução, o vício de inexistência jurídica, este o comentário de Maia Gonçalves ao artigo 287.°, do Código de Processo Penal Anotado, 1987.
Não existe qualquer segmento normativo «(...) proibindo ou negando o convite ao aperfeiçoamento no artigo 287. °, n.° 2, do CPP, pelo que a solução há-de buscar-se pelo recurso a elementos estranhos àquele preceito, que sustentem a interpretação mais acertada da lei, que dá nota da não sujeição a formalidades especiais do requerimento de abertura de instrução, mas é omissa quanto ao núcleo central do recurso, o pré-falado convite à correcção ou a sua proibição.
Determina o art. 286º, 1, C. P. Pen. que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Como já acima se alidiu, no caso em apreço, tratando-se de requerimento de abertura de instrução pela assistente – art. 287º, 1, b), C. P. Pen. – relativamente a factos pelos quais o MP não deduziu acusação, é aplicável ao requerimento a apresentar por aquele o disposto nas als. b) e c) do nº 3 do art. 283º, do C. P. Pen., por remissão da parte final do nº 2 do cit. art. 287º.
Assim, sublinha-se uma vez mais, que, para além do conteúdo explicitado na 1ª parte deste nº 2 do art. 287º, deve aquele requerimento conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deva ser aplicada, assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Esse requerimento tem de equivaler à acusação não deduzida, enunciando no assistente os factos concretos que considera suficientemente indiciados nos autos, integrando crimes ao(s) arguido(s).
É, na verdade, o requerimento para abertura de instrução, no caso de arquivamento pelo MP que vai estabelecer os limites do objecto do processo, circunscrevendo a intervenção do JIC – cfr. Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, pg. 254 – que funciona nesta sede como instância de controle e não de investigação. Ou seja, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente deve constituir uma verdadeira “acusação” em sentido material (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pg. 139).
Por via de tal, o juiz está substancial e formalmente limitado no despacho de pronúncia aos factos, pelos quais tenha sido deduzida acusação formal ou que tenham sido descritos no requerimento do assistente, porquanto, como se disse, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui um “acusação alternativa” ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MP.
Refira-se finalmente que, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que a nulidade da insuficiência do inquérito apenas ocorre quando se posterga o único acto legalmente obrigatório, qual seja, o interrogatório do arguido se o inquérito decorrer contra pessoa determinada (art. 272º, C. P. Civ.) – cfr. Acs. STJ, de de 6-5-2002, Acc.STJ, VIII, 3, pg. 180; e da RL, de 5-2-2004, Proc.nº 10192/2003-9; de 9-11-2005, Proc. nº 6757/2005-3; de 5-2-2009, Proc. nº 11232/2008-9; e de 15-10-2009, Proc. nº 222/08.6GARMR-A.L1, todos em www.dgsi.pt; P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed. , pg. 306.
Assim sendo, a não realização das diligências requeridas ou sugeridas pela assistente, ou quaisquer outras em sede de inquérito não configuram a invocada nulidade de insuficiência do inquérito, pelos motivos supra descritos, sobre a qual, aliás, se debruçou o douto despacho recorrido, com natureza, diga-se, irrecorrível – art. 291º, 2, C. P. Pen..
De resto, também relativamente ao inquérito só determinam a sua nulidade a sua falta quando seja obrigatório e a sua insuficiência por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios (v.g. o interrogatório do arguido – art. 272º, C. P. Pen.) – arts. 119º, d) e 120º, 2, d), C. P. Pen.
No caso em apreço, apenas está em causa o não deferimento pelo MP e pelo JIC, já em fase de instrução, do pedido de informação à Google Portugal acerca do IP de onde foi enviado o aludido comentário colocado no Google Maps. Acresce que o tribunal a quo decidiu ainda não reinquirir as testemunhas indicadas pelos assistentes – já ouvidas em inquérito – já que entendeu que tal constituída mera repetição, não sendo tal indispensável à realização das finalidades da instrução, pelo que tal, contrariamente ao alegado não constituía qualquer obrigatoriedade para o JIC, nos termos do art. 291º, 3, C. P. Pen, recaindo antes na previsão dos nºs 1, 2 e 3, primeira parte, daquele preceito.
Já no que respeita à mencionada diligência junto da Google Portugal, entendemos que a mesma a ter-se realizado, pouco ou nada adiantaria ao conteúdo da prova indiciária, dado que mesmo que aquela empresa identificasse o IP de onde partiu o comentário em apreço, sempre ficaríamos sem saber quem na situação concreta utilizou o computador correspondente, escrevendo e enviando para o Google o referido comentário, pois mais nenhuma prova foi produzida ou era susceptível de ser produzida sobre tal evento.
Relativamente ao invocada ausência do dever legal de fundamentação do despacho recorrido – art. 97º, 5, C. P. Pen. – entendemos que os assistentes carecem de razão neste particular, uma vez que o despacho recorrido discrimina suficientemente os factos em que se sustenta a decisão de não pronúncia, analisando criticamente a prova carreada e a sua insuficiência indiciária tendo em vista a decisão, abordando concretamente cada uma das provas indiciariamente obtidas, fazendo ainda referência aos dispositivos legais pertinentes, não sendo aqui necessário que aqueles, aludidos precocemente, voltem a ser mencionados a final (basta referi-los uma única vez).
Entendemos, assim, não se observarem as nulidades invocadas, sendo que a prova indiciária recolhida é insusceptível de poder vir a conduzir a uma condenação do arguido, pelo que bem andou o tribunal a quo ao proferir despacho de não pronúncia.
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Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o despacho recorrido.
Custas pelos assistentes, fixando-se em 3 UC, a taxa de justiça devida.