MARCAS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
MARCA DE GRANDE PRESTÍGIO
Sumário

No nosso direito das marcas vigora o princípio da especialidade, segundo o qual o uso exclusivo de uma marca apenas é reconhecido ao respectivo titular no que respeita àqueles produtos ou serviços que estejam numa maior ou menor relação de concorrência com os produtos ou serviços a que a marca registada se destina.
2. Enquanto a marca de prestígio merece uma protecção reforçada que vai além do princípio da especialidade ou da novidade, e, como tal, é protegida face a marcas que sejam iguais ou semelhantes à marca de prestígio, ainda que não estejam em causa os mesmos produtos ou serviços, a marca notória continua limitada ao princípio da especialidade.
3. O risco de confusão subjacente ao art. 317º, al. a) do CPI consiste em apresentar os produtos ou serviços de maneira tal que leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente.
4. No conflito entre uma firma e uma marca, sendo os sinais distintivos utilizados em actividades cuja esfera de actuação é totalmente diversa, não há risco de confusão relativamente à respectiva titularidade.
5. A proibição constante do art. 9º, nº 1, al. b) das condições para o registo de domínios “.pt” elencadas pela FCCN, em vigor até 30.06.2010, respeita, apenas, à coincidência do nome de domínio com marcas  notórias ou de grande prestígio pertencentes a outrem, não afastando, consequentemente, e em geral, o princípio da especialidade.
Sumário elaborado pela Relatora

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
      G., SA e O.D. vieram propor acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra L.C. e N., Lda., pedindo que: a) se anule o direito da R. à firma N., Lda., e, em consequência se ordene o cancelamento da referida firma junto do RNPC, da CRC e das entidades que o tribunal entenda necessárias a esse fim; b) se condene a R. a abster-se de utilizar a sua firma, ou por qualquer forma, a expressão “n.” ou qualquer outra confundível com as marcas da A.; c) se anule o registo da marca nacional da R. nº … “N.”; d) se condene a R. a abster-se de utilizar o seu domínio “n..pt”, ou por qualquer forma, a expressão “n.” ou qualquer outra confundível com as marcas da A.; e) se ordene a remoção do nome de domínio da R. junto da Fundação para a Computação Científica Nacional.
            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
 A 1ª A. é uma sociedade luxemburguesa que se dedica à comercialização de artigos de papelaria, mobiliário de escritório, artigos informáticos, etc., sendo titular das marcas nacionais “N.”, nºs …, … e …, para assinalar produtos das classes 9º, 16ª e 20ª, respectivamente, cujos despachos de concessão foram proferidos em 3.6.1993.
  A 2ª A. é uma sociedade inglesa que se dedica à comercialização dos mesmos produtos e está espalhada por mais de 23 países de todo o mundo, sendo titular da marca nacional “N. P.”, nº …, destinada a assinalar produtos da classe 9ª, cujo despacho de concessão foi proferido em 31.10.2001, e da marca comunitária “N. E..”, destinada a assinalar produtos da classe 9ª, 16ª e 20ª, concedida em 19.2.2001.
            No exercício da sua actividade souberam as AA. granjear notoriedade e prestígio pela qualidade dos produtos que comercializam e dos serviços que prestam através das referidas marcas.
   A referida notoriedade tem originado inúmeras situações em que terceiros pretendem adoptar marcas iguais ou confundíveis para beneficiarem do seu prestígio, como é o caso da R.
            Com efeito, a R., em 2000, apresentou pedido de certificado de admissibilidade de denominação no RNPC, tendo-lhe sido deferido o pedido da firma “N., Lda.”
  A adopção pela R. da referida firma viola o princípio da novidade e da exclusividade da firma sendo susceptível da causar confusão ou erro com as marcas das AA. caracterizadas pela expressão “N.”.
 O R. é titular da marca nacional “N.”, nº …, destinada a assinalar produtos da classe 35ª, concedida em 11.11.2003, que reproduz as marcas, anteriores, das AA., constituindo uma flagrante imitação destas, e destinando-se a comercializar produtos afins, existindo risco de associação com as marcas das AA., sendo o respectivo registo nulo.
Acrescendo o facto das marcas das AA. deverem ser consideradas como notórias, desfrutando de uma especial protecção.
      O registo da firma pela R. da marca que constitui contrafacção das marcas das AA. e a existência de violação de firma implica concorrência desleal.
  A R. adoptou o nome de domínio “n..pt”, que viola as regras para a composição do domínio “.pt” estabelecidas pela FCCN, quando as marcas das AA. são anteriores à existência da R. e ao registo do domínio, e são conhecidas do público interessado, não sendo claramente distintivo daquelas, existindo uma utilização ilícita pela R. na internet das marcas das AA.        
     Os RR. contestaram propugnando pela improcedência da acção.
As AA. replicaram, terminando como na PI.
 Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os RR. dos pedidos.

            Não se conformando com o teor da sentença, apelaram as AA., formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) Nos termos do Art.º 34º do C.P.I. poderá ser anulado o registo de uma marca se, nomeadamente, o direito não pertencer ao Requerente ou tiver havido, na concessão, preterição dos direitos de terceiro, fundados em prioridade ou outro título legal.
b) Dispõe ainda o art.º 266º nº 1 do C.P.I.: 1. Para além do que se dispõe no art.º 34º, o registo da marca é anulável: a) Quando, na sua concessão, tenha sido infringido o previsto no artigo nos artigos 239º a 242º;
c) O Art.º 239º, alínea m) do CPI actual, dispõe que será recusado o registo das marcas que contenham a reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
d) As Autoras são titulares das marcas nacionais nº … “N.” para produtos da classe 9ª, nº 275 058 “N.” para produtos da classe 16ª, nº …“N.” para produtos da classe 20ª e nº … “N. P...” para produtos da classe 9ª e 16ª e da marca comunitária n.º nº … caracterizada pela expressão “N. E..”, para produtos da classe 9ª, 16ª e 20ª. Os despachos de concessão das marcas nacionais foram proferidos pelo I.N.P.I. em 3/6/1993 (N.) e 31/10/2001 (N. P...); o registo da marca comunitária foi obtido em 19/02/2001.
e) O Réu é titular da marca nacional n.º …“N.”, concedida por despacho de 11/11/2003 pelo Director da Direcção de Marcas do INPI.
f) No que toca aos produtos a que os sinais se reportam, estes são afins. Com efeito, para se aferir da semelhança entre os produtos ou serviços interessa apurar se os mesmos, sendo concorrenciais, têm a mesma utilidade e fim ou são complementares. Para além deste factor há um outro a ter em conta que é o da origem do produto, ou seja, se os produtos em causa podem atribuir-se à mesma origem ou fonte produtiva.
g) Devem considerar-se ainda afins os produtos ou serviços que apresentem entre si um grau de semelhança ou proximidade tal que permita, ainda que parcialmente, uma procura conjunta, para satisfação de idênticas necessidades dos consumidores (cfr. Acórdão do STJ de 12-10-1999, alcançável via internet em www.dgsi.pt). Não restam dúvidas pois que, no caso sub judice, no que concerne à afinidade dos produtos assinalados pelas marcas em confronto já que estão em causa produtos alimentares, ou seja, produtos que podem ter a mesma finalidade, os mesmos circuitos comerciais e destinam-se ou podem destinar-se ao mesmo tipo de consumidor.
h) Os Recorridos promovem a venda, através da internet, entre outros, de artigos relacionados com computadores e fotografia, publicitando na internet os seguintes serviços: serviços de informática, hosting, webdesign, hardware, softwares e fotografia digital, câmaras fotográficas digitais e projector de vídeo (cfr. doc. 8). Ora, as Apelantes vendem os seus produtos das marcas “N.” igualmente, embora não exclusivamente, através da internet. Ou seja, Apelantes e Apelados utilizam os mesmos canais de distribuição – internet – para promoção e venda dos seus serviços e artigos.
i) E tais serviços e artigos são parcialmente comuns e afins pois quer as Apelantes quer os Recorridos comercializam artigos relacionados com computadores, designadamente hardware e software bem como artigos fotográficos. O consumidor que se depare com os serviços dos Recorridos publicitados na internet poderá relacioná-los com os produtos e marcas das Recorrentes, pois acede aos mesmos através da mesma expressão – N..
j) Assim qualquer consumidor que utilize os serviços assinalados pela marca do Recorrido e adquire os produtos “promovidos” pelo Recorrido, pensará certamente ou poderá pensar estar a contratar com a titular das marcas das Apelantes. Nada impedindo que a empresa que comercializa produtos da classe 9ª, 16ª e 20ª preste serviço de promoção desses ou de outros serviços assinalados com a marca N.. Só que no caso em questão tais serviços não serão prestados pela mesma entidade.
l) Estabelece-se assim uma manifesta afinidade uma vez que entre os serviços a prestar e os produtos protegidos pelas Apelantes há uma clara complementaridade e acessoriedade. Sendo os canais de distribuição comuns, existindo igualmente uma procura conjunta, para satisfação de idênticas necessidades dos consumidores. A coexistência das marcas em confronto no mercado pode pois induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor, podendo este ainda associar – risco de associação - as marcas das Apelantes à dos Recorridos, estando embora perante produtos e serviços de diferente origem.
k) Devia pois a sentença recorrida ter concluído pela afinidade entre os produtos em causa (Art.º 245 º do CPI).
m) Relativamente aos sinais em confronto julgam as ora Apelantes que pode considerar-se que, no caso “sub-judice”, eles são por tal forma semelhantes que podem induzir em erro ou confusão o consumidor.
n) A comparação entre os sinais em causa igualmente não levanta quaisquer dúvidas. Com efeito, se compararmos as marcas em questão: Das Apelantes do Recorrido N. / N. N. P.  N. E
o) Verifica-se que as expressões que caracterizam as marcas são iguais – N. - não existindo qualquer elemento diferenciador entre as mesmas no primeiro caso acima indicado.
p) Na verdade, as marcas em confronto são idênticas quer fonética quer graficamente.
            q) O consumidor ao deparar-se com a marca do Recorrido irá inevitavelmente associá-la às das Apelantes, havendo ainda o perigo de confusão ou erro fácil entre as marcas em questão. Na verdade não pode deixar de reconhecer-se a existência de um risco de confusão entre as marcas em confronto, quer na primeira das modalidades supra referidas quer na segunda dessas modalidades
r) Tendo em conta o que fica referido parece-nos evidente a possibilidade de confusão pois a identidade entre as marcas em causa cria no público erro ou confusão sobre a proveniência dos produtos que, por associação de ideias, os consumidores podem associar ser a mesma – Cft. Ac. do S.T.J., de 01.06.69, em B.M.J.,189, Pag. 298 a 303.
s) E, sem dúvida, que o consumidor quando confrontado com a marca do recorrido, tendo na memória as marcas da recorrente, terá a tendência para tomar uma pela outra pois não é capaz de distinguir, de memória, as duas marcas. Há pois um forte risco de associação entre as marcas em confronto podendo o público atribui-los à mesma origem. Tendo em conta o que atrás foi referido não pode deixar de considerar-se a possibilidade de confusão fácil entre as marcas em confronto.
t) Existe, assim, claramente uma situação concorrencial indutora de confusão quanto ao sinal distintivo aposto nos produtos em causa que visam satisfazer necessidades fortemente complementares, com o risco acrescido de, sendo as marcas da recorrente tidas por notoriamente conhecida, o público consumidor ser levado a associar os artigos lançados pela Recorrida ao titular daquela (recorrente), com o inerente esvaziamento do seu poder sugestivo.
u) Com efeito, as marcas registadas das recorrentes devem ser considerada notória pelo seu especial poder sugestivo e pelo conhecimento que dela tem o público consumidor, de acordo com o disposto no Art.º 241º do C.P.I..
v) Tais marcas devem disfrutar, na opinião da mais moderna doutrina, de uma especial protecção que ultrapasse o quadro dos produtos e serviços a que se destinam – Cft. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, em C.J., Ano VII, Tomo 2, Pág. 251.
w) Igualmente o Art. 6º Bis da Convenção de Paris permite a recusa ou anulação do registo e a proibição do uso de marca reproduzida, imitada ou traduzida de outra notoriamente conhecida como sendo de pessoa admitida a beneficiar da Convenção e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes.
x) Afirma o Prof. Pinto Coelho, acerca do problema da marca notoriamente conhecida, que a opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo de produtores ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; isto é, basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que na linguagem dos especialistas se usa designar por «meios interessados».
y) Ora, os produtos assinalados pelas marcas das recorrentes são muito apreciados pelo público consumidor que tem dos mesmos uma imagem de qualidade e prestígio, estando as marcas da Recorrente fortemente divulgada em diversos países, nomeadamente em Portugal.
z) Esta matéria - apreciação da notoriedade da marca – no entendimento das Autoras deveria ter sido objecto de prova, por constituir matéria de facto controvertido necessitada de prova, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, e não como fez a sentença recorrida ao decidir, sem mais, que as marcas das recorrentes não são notórias.
aa) Deveria pois o Tribunal ter realizado audiência de discussão e julgamento para apreciação desta questão. Ao não o fazer violou os arts 513º e 515º do CPC (actuais artigos 410º e 412º do CPC).
bb) Deveria ainda ter sido anulado o registo à marca do recorrido com os fundamentos acima indicados e, igualmente, com fundamento no Art. 25º, nº 1, alínea d) do C.P.I. do CPI aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5 de Março, que refere ser fundamento de recusa do registo o reconhecimento de o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que tal concorrência desleal é possível, independentemente da intenção do titular.
cc) Acresce que o registo pelo Recorrido da marca que constitui contrafacção total das marcas registadas da Recorrente implica, nos termos do Art. 317º do C.P.I., concorrência desleal pois é contrária às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica. Devia pois a sentença recorrida ter anulado o registo da marca n.º 355.753, violando, ao não o fazer, o disposto no Artigo 317º, nº 1 do CPI.
dd) Dispõe o Art.º 10º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais que a firma de sociedade constituída por denominação particular não pode ser idêntica à firma registada por outra sociedade ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.
ee) Dispõe igualmente o Art. 5º, n.º 3 do Código da Propriedade Industrial que os registos de marca, denominações de origem, nomes e insígnias de estabelecimento, constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo.
ff) Por seu lado, dispõe o Art. 33º, nº 2 do Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de Maio, no que respeita ao princípio da novidade das firmas e denominações, que os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas.
gg) Dispõe ainda o Art. 33º, n.º 5 do supra citado diploma que os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro, devem ter em conta, não só os elementos referidos no nº 2 do mesmo artigo, mas também a existência de marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
hh) Atente-se ainda que a natureza da firma-denominação não é influenciada pelos aditamentos que se lhe fizerem e, nomeadamente, as indicações genéricas referentes ao tipo de actividade exercida. - Cft. Oliveira Ascenção, Direito comercial II, Direito Industrial, Lisboa 1987, Págs. 88 e segts.
ii) O que interessa, na verdade, é o núcleo da firma, ou seja, os elementos individualizadores ou as siglas - Cft. Oliveira Ascenção, Idem, Ibidem. Deve, pois, a firma-denominação obedecer aos princípios de verdade, novidade e exclusividade.
jj) Em tal análise há que realçar o facto de o elemento preponderante, ou núcleo da referida firma e marcas ser exclusivamente a expressão “N.”. Resulta evidente, de tal análise, a existência de semelhança entre tais elementos, de tal forma e em grau que impedem que se considere a firma “N.” claramente distinta das marcas “N.”.
ll) O juízo sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro, supra referido pelo Prof. Pinto Coelho, aplica-se igualmente, por força do disposto no art. 33º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, à diferenciação entre firmas e títulos de propriedade industrial, designadamente marcas.
mm) É, pois, evidente que a adopção pela Ré da firma “N. Lda” viola o princípio da novidade e exclusividade da firma sendo susceptível de causar confusão ou erro com as marcas das Autoras caracterizadas pela expressão “N.”.
nn) Nos termos do Artº. 35º, n.º 4 do D.L. n.º 129/98, de 13 de Maio, o direito à exclusividade de firma ou denominação está sujeito à possibilidade de declaração de nulidade, anulação ou revogação por sentença judicial. O acima referido significa pois que deve ser anulado o direito da Ré à firma “N.-Sistemas de Informação Lda.” por violar o disposto no Art. 10º, n.º 3 do C.S.C., no Art.º 33º, nº1, 2 e 5 do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio e no Art.º 4º, n.º 4 do C.P.I..
oo) Os Recorridos adoptaram o nome de domínio “n..pt”. Em Portugal, à data, a Fundação para a Computação Cientifica Nacional (FCCN) estabeleceu um conjunto de regras para regulamentar o registo dos nomes de domínio em Portugal, designadamente para a composição do nome do domínio “.pt” (cfr. doc. 11).
pp) De acordo com as regras para a composição do nome do domínio “.pt” estabelecidas pela FCCN o nome do domínio não pode corresponder a nomes que induzem em erro ou confusão sobre a sua titularidade, designadamente por coincidirem com marcas notórias ou de grande prestígio pertencentes a outrém. Actualmente a FCCN é denominada de Associação DNS:PT e o Registo de Nomes de Domínio sob .PT obedece a regras jurídicas, técnicas e administrativas constantes de Regulamento próprio com Depósito legal n.º 340473/12.
qq) Importa assim, mais uma vez, apurar se a adopção pelos Recorridos do nome de domínio “n..pt” viola tais regras quando as marcas das recorrentes acima referidas são anteriores à existência da Recorrida e ao registo do domínio em causa e são muito conhecidas pelo público interessado.
rr) Ora, o consumidor que se depare com o domínio “n.” dos Recorridos e que tenha na memória as marcas das Recorrentes, pensará com certeza, dada a semelhança fonética, gráfica e ideográfica que ambos pertencem à mesma entidade ou entidade associada.
ss) Tanto mais que o acesso aos “sites” quer da Recorrida quer da Segunda Autora é ou poder ser o mesmo – introduzir no motor de busca do portal “sapo” a palavra “n.”. Acresce que a navegação na Internet dilui a questão do espaço geográfico, permitindo um acesso global e “aterritorial” da informação.
tt) Com efeito, o utilizador da Internet que quiser pesquisar a existência de alguma representação ou entidade associada da Autora ou qualquer outra informação sobre os produtos e serviços da Autora em Portugal depara-se, desde logo, com o domínio da Ré. Resulta, assim, evidente de tal análise a existência de semelhança entre as marcas e o nome de domínio dos Recorridos, de tal forma e em grau, que impedem que se considere o nome de domínio da Ré claramente distinto das marcas das Autora.
uu) Pelo que a adopção pelos recorridos do nome de domínio “n..pt” viola as regras para a composição de um domínio “pt” sendo susceptível de causar confusão ou erro com as marcas das Autora. Estamos assim perante uma utilização ilícita pela Ré na Internet das marcas das Apelantes.
vv) É evidente pois que a utilização pela Ré do nome de domínio n..pt constitui contrafacção das marcas registadas das Apelantes e a existência de violação de firma implicam, nos termos do Art. 317º, a existência de concorrência desleal.
xx) Na verdade, o que pretende a lei é uma “concorrência leal”, pelo que a conduta da Recorrida integra uma concorrência desleal (cfr. Acórdão do S.T.J. de 18/05/95 supra citado). Mostram-se, assim, violadas as regras estabelecidas pela FCCN para a composição do nome de domínio bem como os Artºs 239º, 241º e 317º do C.P.I., pelo deveria ter sido recusado o nome de domínio da Recorrida com os fundamentos acima mencionados.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e, consequentemente, a anulação do direito da Recorrida à firma “N., Lda.”, a anulação do registo da marca da Recorrida nº …e a anulação do nome de domínio “n..pt”.
            Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÃO A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões das recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a apreciar são:
a) da afinidade de produtos; da imitação da marca; da notoriedade da marca;
b) da concorrência desleal;
c) da firma recorrida – natureza distintiva;
d) do nome de domínio adoptado pelos recorridos.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
     Na 1ª instância foram dados como assentes os seguintes factos:
1) A 1.ª Autora tem registadas as seguintes marcas:
- Marca nacional n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 9ª, designadamente aparelhos eléctricos e electrónicos para utilização em escritórios; máquinas calculadoras e aritméticas; equipamentos de processamento de dados e computadores; aparelhos e máquinas de copiar; aparelhos de projecção e telas para projecção; aparelhos de telefone; teleimpressoras; aparelhos para gravação audio e/ou vídeo e gravação; aparelhos e instrumentos para utilização com os artigos acima; partes e acessórios para os mesmos; suportes de dados; incluindo discos e disquetes para programas de computador e meios para gravação ou suporte de pré-gravação e/ou vídeo; telas para fotografia (cfr. o documento de fls. 31, que se reproduz).
- Marca nacional n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 16ª, designadamente papel, cartolina e artigos feitos nestes materiais; impressos, materiais para encadernação, artigos de papelaria; adesivos para papelaria e usos domésticos; materiais para artistas; pincéis para pintar; máquinas de escrever e artigos de escritório; materiais didácticos e de ensino; materiais para embalagem; cartas de jogar; caracteres de impressão e clichés (cfr. o documento de fls. 32, que se reproduz).
- Marca nacional n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 20ª, designadamente mobiliário para escritório, partes e acessórios para os mesmos; recipientes de plástico; painéis e suportes para exposições, prateleiras (cfr. o documento de fls. 33, que se reproduz).
2) Os despachos de concessão das referidas marcas à 1ª Autora foram proferidos pelo INPI em 03/06/1993 (cfr. os mesmos documentos).
3) A 2.ª Autora é titular da marca nacional n.º … “N. P...”, destinada a assinalar os seguintes produtos:
Da classe 9ª – computadores; hardware, programas de computador; acessórios de computador; CD-ROMs; estações de trabalho; aparelhos de impressão; materiais de armazenamento de dados em forma electrónica e magnética; aparelhos de processamento de dados; aparelhos de realização de imagens; aparelhos para o registo e reprodução de vídeos; telecopiadores; aparelhos de projecção; aparelhos de televisão e vídeo; aparelhos e instrumentos fotográficos; filmes; máquinas de ditar; aparelhos telefónicos; aparelhos de segurança para computadores; alarmes; caixas adaptadas para transportar computadores ou armazenar discos; arrumação para discos; coberturas adaptadas para computadores; ratos; tapetes para ratos com descanso para pulso; filtros de ecrã; aparelhos de limpeza para computadores e periféricos de computadores; aparelhos eléctricos e electrónicos cabos; calculadoras e máquinas de calcular; máquinas e aparelhos de copiar; pilhas; lupas; termómetros; partes e acessórios para os referidos produtos;
Da classe 16ª: papelaria, fitas para impressão; folhas de plásticos transparentes; etiquetas; separadores; pasta de papel e fólios; adesivos (matérias colantes), suportes; suporte para leitura de folhas; quadros para afixar avisos, máquinas ligação, crachás feitos de papel ou de cartão; etiquetadoras para uso no escritório; livros; instrumentos de escrita; canetas; lápis; cortadores para uso no escritório; papel; papel de seda; papel de cozinha e papel higiénico, papel de carta; envelopes; postais; blocos de notas e livros de anotações; réguas, produtos de impressão e publicações impressas; calendários, diários; rótulos para prendas e etiquetas; livros de endereços; artigos de escritório, partes e guarnições para os mesmos; agrafadores e agrafes; produtos de impressão; materiais para artistas; organisers de uso pessoal; materiais para embrulho e embalagem (cfr. o documento de fls. 34 e 35, que se reproduz).
4) O despacho de concessão da referida marca nacional foi proferido pelo INPI em 31/10/2001 (cfr. o mesmo documento).
5) A 2ª Autora é ainda titular da marca comunitária n.º …, “N. Ev..”, concedida em 19/02/2001, destinada a assinalar produtos das classes 9ª, 16ª e 20ª (cfr. o documento de fls. 36 a 50, que se reproduz).
6) A Ré apresentou pedido de certificado de admissibilidade de denominação no RNPC em 2000, tendo-lhe sido deferido o pedido da firma “N., Lda.”.
7) O Réu é titular da marca nacional n.º …“N.”, destinada a assinalar serviços de promoção de vendas a terceiros através da internet, da classe 35ª (cfr. o documento de fls. 51 a 54).
8) O despacho de concessão da referida marca nacional foi proferido pelo INPI em 11/11/2003 (cfr. o mesmo documento).
9) Os Réus promovem a venda, através da internet, entre outros, de artigos relacionados com computadores e fotografia.
10) A Ré publicita na internet os seguintes serviços: serviços de informática, hosting, webdesign, hardware, softwares e fotografia digital, câmaras fotográficas digitais e projector de vídeo.
11) A Ré adoptou o nome de domínio “n..pt”.

            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
  Analisemos as várias questões de que cumpre conhecer, nem sempre pela ordem pela qual foram suscitadas.
Ao caso em apreço é aplicável o Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL. 36/2003, de 5.03, na versão anterior à introduzida pelo DL. 143/2008 de 25.07, sendo, pois, a este que nos referiremos sempre.
A. Da imitação da marca.
Da afinidade entre os produtos.
        O tribunal recorrido julgou improcedente a pretensão das AA. de anulação da marca nacional de que é titular o R., porquanto concluiu que não existe qualquer afinidade entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, pelo que inexiste risco de confusão quanto à titularidade das marcas registadas.
           Insurgem-se as apelantes contra o decidido sustentando que os produtos a que os sinais se reportam são afins, porquanto podem ter a mesma finalidade, os mesmos circuitos comerciais e destinam-se ou podem destinar-se ao mesmo tipo de consumidor, sendo os canais de distribuição idênticos, existindo uma procura conjunta para satisfação de idênticas necessidades, existindo uma forte complementaridade entre as actividades e os produtos assinalados pelas marcas das apelantes e a marca do apelado, já que visam satisfazer a mesma ordem de necessidades, pelo que a coexistência das marcas em confronto no mercado pode induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor, existindo risco de associação.
            Como refere Carlos Olavo in Propriedade Industrial, Vol. I, Sinais Distintivos do Comércio. Concorrência Desleal, 2ª ed. act., rev. e aument.,  pág. 71, “a marca é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor, e por isso se integra nos sinais distintivos do comércio. Constitui, aliás, o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, .... Marca pode assim ser definida, em termos gerais, como o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais. Ou, por outras palavras, o sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie”.
            De acordo com o art. 222º do CPI, na constituição da marca vigora o princípio da liberdade, podendo a mesma ser constituída como se entender, desde que os sinais que a constituem sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, e sejam possíveis de representação gráfica (limites intrínsecos à liberdade de composição da marca ).
      Mas existem, também, limites extrínsecos a tal liberdade “que dizem respeito aos sinais confrontados com situações anteriores, como é o caso de existência de marcas anteriormente registadas para produtos ou serviços semelhantes” [1], ou seja, que têm em vista a existência de direitos anteriores.
Assim, de acordo com o disposto no art. 239º, al. m) do CPI o registo da marca deverá ser recusado se esta contiver, em todos ou alguns dos seus elementos, “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”, aqui se consagrando, pois, o princípio da novidade da marca.
E o art. 245º do CPI dá o conceito de imitação, estatuindo que a marca registada se considera imitada ou usurpada se, cumulativamente, se verificarem os seguintes requisitos: a marca registada tiver prioridade; sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
As marcas notórias e de grande prestígio têm protecção especial nos termos dos arts. 241º e 242º do CPI, merecendo esta última uma protecção reforçada que vai além do princípio da especialidade ou da novidade, e, como tal, é protegida face a marcas que sejam iguais ou semelhantes à marca de prestígio, ainda que não estejam em causa os mesmos produtos ou serviços.
E é tendo em atenção estes dispositivos legais, bem como o disposto no art. 225º do CPI [2],  que se deve fazer a interpretação e integração dos direitos conferidos pelo registo, previstos no art. 258º do CPI que estatui que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar, um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor” [3].
Risco de associação que se traduz em o público consumidor, reconhecendo, embora, a diferente origem dos produtos ou serviços, incorrer no risco de pensar que existe uma qualquer relação de tipo jurídico, económico ou comercial entre as diferentes origens.
Como refere Luís Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, 2ª ed. revista e aumentada, pág. 280, «o risco de associação é recortado juridicamente como uma modalidade do risco de confusão. Isto implica, na nossa opinião, que o risco de associação não é uma nova figura, mas, apenas, uma perspectiva de abordagem mais ampla do mesmo e único fenómeno de imitação de marca sujeito às mesmas limitações legais incluindo o requisito da identidade ou afinidade dos produtos ou serviços. Como o próprio TJ teve oportunidade de esclarecer, no sentido que consideramos correcto, “o risco de associação não é uma alternativa ao conceito de risco de confusão mas serve para definir o alcance deste”» (sublinhado nosso).
Do que se deixa dito resulta que no nosso direito das marcas vigora o princípio da especialidade, segundo o qual a marca deverá distinguir-se das já existentes para produtos ou serviços do mesmo género e espécie, ou seja, “o exclusivo uso de uma marca apenas é reconhecido ao respectivo titular no que respeita àqueles produtos ou serviços que estejam numa maior ou menor relação de concorrência com os produtos ou serviços a que a marca registada se destina” [4].
Feitas estas considerações preliminares, aquilatemos, então se, como sustentam as apelantes, existe afinidade entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto.
A 1ª A. é titular das marcas nacionais n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 9ª (designadamente aparelhos eléctricos e electrónicos para utilização em escritórios; máquinas calculadoras e aritméticas; equipamentos de processamento de dados e computadores; aparelhos e máquinas de copiar; aparelhos de projecção e telas para projecção; aparelhos de telefone; teleimpressoras; aparelhos para gravação audio e/ou vídeo e gravação; aparelhos e instrumentos para utilização com os artigos acima; partes e acessórios para os mesmos; suportes de dados; incluindo discos e disquetes para programas de computador e meios para gravação ou suporte de pré-gravação e/ou vídeo; telas para fotografia), n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 16ª (designadamente papel, cartolina e artigos feitos nestes materiais; impressos, materiais para encadernação, artigos de papelaria; adesivos para papelaria e usos doméstico; materiais para artistas; pincéis para pintar; máquinas de escrever e artigos de escritório; materiais didácticos e de ensino; materiais para embalagem; cartas de jogar; caracteres de impressão e clichés) e n.º … “N.”, destinada a assinalar produtos da classe 20ª (designadamente mobiliário para escritório, partes e acessórios para os mesmos; recipientes de plástico; painéis e suportes para exposições, prateleiras).
A 2ª A. é titular da marca nacional n.º … “N. P...”, destinada a assinalar produtos da classe 9ª (computadores; hardware, programas de computador; acessórios de computador; CD-ROMs; estações de trabalho; aparelhos de impressão; materiais de armazenamento de dados em forma electrónica e magnética; aparelhos de processamento de dados; aparelhos de realização de imagens; aparelhos para o registo e reprodução de vídeos; telecopiadores; aparelhos de projecção; aparelhos de televisão e vídeo; aparelhos e instrumentos fotográficos; filmes; máquinas de ditar; aparelhos telefónicos; aparelhos de segurança para computadores; alarmes; caixas adaptadas para transportar computadores ou armazenar discos; arrumação para discos; coberturas adaptadas para computadores; ratos; tapetes para ratos com descanso para pulso; filtros de ecrã; aparelhos de limpeza para computadores e periféricos de computadores; aparelhos eléctricos e electrónicos cabos; calculadoras e máquinas de calcular; máquinas e aparelhos de copiar; pilhas; lupas; termómetros; partes e acessórios para os referidos produtos), e da classe 16ª (papelaria, fitas para impressão; folhas de plásticos transparentes; etiquetas; separadores; pasta de papel e fólios; adesivos (matérias colantes), suportes; suporte para leitura de folhas; quadros para afixar avisos, máquinas ligação, crachás feitos de papel ou de cartão; etiquetadoras para uso no escritório; livros; instrumentos de escrita; canetas; lápis; cortadores para uso no escritório; papel; papel de seda; papel de cozinha e papel higiénico, papel de carta; envelopes; postais; blocos de notas e livros de anotações; réguas, produtos de impressão e publicações impressas; calendários, diários; rótulos para prendas e etiquetas; livros de endereços; artigos de escritório, partes e guarnições para os mesmos; agrafadores e agrafes; produtos de impressão; materiais para artistas; organisers de uso pessoa; materiais para embrulho e embalagem), e da marca comunitária n.º …, “N. E”, destinada a assinalar produtos das classes 9ª, 16ª e 20ª.
A marca nacional n.º ...“N.” de que o R. é titular destina-se a assinalar serviços de promoção de vendas a terceiros através da internet, da classe 35ª.
As marcas das AA. destinam-se a assinalar produtos, que comercializam, a marca do R. serviços que presta.
E foi com base nesta distinção que o tribunal recorrido concluiu pela inexistência de afinidade, escrevendo que “… as marcas das Autoras destinam-se a assinalar produtos das classes 9.ª, 16.ª e 20.ª, enquanto que a marca impugnada se destina a assinalar serviços de promoção de vendas a terceiros através da internet, da classe 35ª. É certo que o simples facto dos produtos e serviços estarem inseridos em diferentes classes da classificação de Nice não é determinante para a definição da afinidade, que se refere aos próprios produtos (art. 245.º, n.º 2 do CPI). Todavia, retomando aqui as considerações já expendidas anteriormente, não se reconhece qualquer afinidade entre os produtos assinalados pelas marcas das Autoras e os serviços assinalados pela marca do Réu. As primeiras destinam-se a assinalar uma multiplicidade de produtos, nomeadamente artigos de papelaria e escritório, incluindo artigos de informática. A marca do Réu destina-se a assinalar serviços de promoção de vendas a terceiros através da internet. Por conseguinte, enquanto que o consumidor dos produtos assinalados pelas marcas das Autoras será um comprador de artigos de papelaria e escritório, incluindo produtos informáticos; o consumidor dos serviços assinalados pela marca do Réu será alguém interessado em publicitar e vender a terceiros os seus produtos. Os produtos assinalados pelas marcas das Autoras são bens de consumo. A marca do Réu destina-se a assinalar serviços de promoção de vendas a terceiros. A circunstância do Réu poder promover a venda a terceiros de produtos parcialmente idênticos não chega para estabelecer uma relação de complementaridade entre a actividade deste e das Autoras, pois, reitera-se, uma coisa é vender artigos de papelaria, escritório ou informática, outra coisa é prestar serviços de promoção de venda desses mesmos produtos, tendo os consumidores de um e outro posições diferentes no mercado. Mesmo que em ambos os casos seja utilizada a internet, isso não basta para caracterizar a afinidade de produtos e serviços, pois a internet tem uma utilização cada vez mais generalizada, não sendo definidora da afinidade de produtos, mas uma mera ferramenta de divulgação e comércio dos mais variados bens”.
Carlos Olavo, na ob. cit., págs. 96 e 97 refere que “a afinidade entre produtos ou serviços afere-se em face do próprio objecto do direito à marca, que é o de distinguir a respectiva origem empresarial. Para que haja possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos factores, nomeadamente a natureza e o tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços. Desta sorte, a doutrina tem considerado que o público atribuirá a mesma origem a produtos ou serviços de natureza e utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos”.
Luís Couto Gonçalves, na ob. cit., págs. 274 a 277, começa por sublinhar que o que está em causa é “encontrar a afinidade entre produtos e serviços marcados, isto é não desligados da finalidade essencial da marca, que é a finalidade distintiva”, para sustentar que para apreciação desta afinidade, assim entendida, concorrem uma série de factores, devendo, assim, ponderar-se o critério da finalidade e utilidade dos produtos e serviços, o critério “da natureza (estrutura e características) dos produtos e serviços e o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços”, acabando por alertar que existem casos “em que o risco de confusão aumenta. Referimo-nos aos casos em que possa mediar uma relação de substituição [5], complementaridade [6], acessoriedade [7] ou derivação [8] entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços”.
E quanto à possibilidade de afinidade entre produtos e serviços alerta, em nota de rodapé, para a ausência de unanimidade jurisprudencial quanto a tal possibilidade.
O tribunal recorrido não afastou, liminarmente, a possibilidade de existir risco de confusão entre produtos e serviços, mas concluiu pela não verificação de afinidade entre os produtos e serviços em causa por não se destinarem ao mesmo círculo de consumidores, como resulta do que acima se deixou transcrito.
Entendemos que o risco de confusão pode ocorrer não apenas no campo dos produtos ou no domínio dos serviços, mas também entre produtos, por um lado, e serviços, por outro, neste sentido se tendo pronunciado o Ac. do STJ de 30.10.2003, P. 03B2331, rel. Cons. Oliveira Barros, in www.dgsi.pt.
E perfilhamos o entendimento do tribunal recorrido de que, no caso em apreço, não existe afinidade entre os produtos que as AA. vendem sob a marca N., N. P... e N. E, e os serviços prestados pelos RR. sob a marca N..
Salvo o devido respeito por opinião contrária, os produtos assinalados pelas marcas das AA. e os serviços assinalados pela marca do R. não têm a mesma finalidade, nem os mesmos circuitos comerciais, nem se destinam ao mesmo tipo de consumidor, não existindo  complementaridade entre eles.
Ainda que os produtos e os serviços em causa possam ser comercializados e publicitados através da internet [9], tal factor não pode ser, hoje, determinante, face à crescente expansão do mundo cibernético e inequívoca relevância como meio de comunicação, venda e promoção.
As AA. dedicam-se à venda de produtos de papelaria, artigos informáticos e mobiliário de escritório, destinando-se as suas marcas a assinalar os referidos produtos.
Os RR. dedicam-se à promoção da venda, através da internet, entre outros, de artigos relacionados com computadores e fotografia, publicitando serviços de informática, hosting, webdesign, hardware, softwares e fotografia digital, câmaras fotográficas digitais e projector vídeo, destinando-se a sua marca a assinalar os referidos serviços de promoção de vendas.
As actividades das AA. e dos RR., bem como os respectivos produtos e serviços, não têm a mesma finalidade, e não se podem considerar complementares, uma vez que a utilidade dos serviços dos RR. está para além da utilidade dos produtos das AA., sendo a sua natureza distinta.
As marcas das AA. assinalam produtos, nomeadamente produtos de informática, como hardware e software, para venda.
A marca do R. assinala a promoção de vendas a terceiros através da internet de serviços informáticos, sendo que, dos anunciados, apenas os relativos a hardware, software e artigos fotográficos seriam comuns aos vendidos pelas AA. e que as respectivas marcas assinalam [10].
Contudo, acedendo ao site dos RR. como as apelantes propugnam, logo se constata que os serviços prestados são, essencialmente [11], nas áreas do domínio (na net), alojamento (hosting) e webdesign, como criação e/ou promoção dos RR., pelo que a natureza e finalidade dos serviços nada tem a ver com os produtos vendidos pelas AA., sendo os respeitantes a eventual venda e fotografia meramente residuais.
Os produtos vendidos pelas AA. e os serviços prestados pelos RR. não se situam no mesmo mercado relevante, não existindo qualquer concorrência entre AA. e RR., nem potenciando uma procura conjunta, ou mesmo alternativa [12].
Assim, o consumidor a que se destinam não é o mesmo, estando em causa um consumidor especializado, mais informado, que não fará confusão entre os produtos e serviços em causa, nem associará as empresas que estão subjacentes às referidas actividades.
Como escreveu o tribunal recorrido “o consumidor a quem as Autoras se dirigem são as pessoas e empresas interessadas em adquirir artigos de papelaria, mobiliário de escritório e artigos informáticos; já o consumidor dos serviços da Ré pretende a promoção dos seus produtos e a aquisição de produtos informáticos para esse efeito”, assim, “enquanto que o consumidor dos produtos assinalados pelas marcas das Autoras será um comprador de artigos de papelaria e escritório, incluindo produtos informáticos; o consumidor dos serviços assinalados pela marca do Réu será alguém interessado em publicitar e vender a terceiros os seus produtos”.
Daí que o circuito comercial também não seja o mesmo.
Conclui-se, assim, do que se deixa escrito, que não existe semelhança ou afinidade entre os produtos e serviços em causa, nada havendo a censurar, nesta parte, à sentença recorrida [13].
Da notoriedade das marcas das apelantes.
Sustentam as apelantes que as suas marcas devem ser consideradas marcas notórias, de acordo com o disposto no art. 241º do CPI, pelo que devem disfrutar “de uma especial protecção que ultrapasse o quadro dos produtos e serviços a que se destinam”, defendendo, ainda, que, nesta parte, deveria o tribunal recorrido ter realizado julgamento, uma vez que estava em causa matéria de facto controvertida necessitada de prova.
   Dispõe o art. 241º do CPI que “é recusado o registo da marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória” (sublinhado nosso).
Carlos Olavo, na ob. cit., pág. 97, define as marcas notórias como aquelas “que adquiriram um tal renome que se tornaram geralmente conhecidas por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto ou serviço, e como tal, reconhecidas, em termos de, por vezes, se confundirem com o próprio produto ou serviço ao qual são destinadas”.
E Luís Couto Gonçalves, na ob. cit., pág. 304, refere que “a marca notoriamente conhecida deve ser entendida como a marca conhecida de uma grande parte do público consumidor como a que distingue de uma forma imediata um determinado produto ou serviço”.
Mas marca notória não significa o mesmo que marca de grande prestígio, cujo regime se encontra, aliás, previsto no art. 242º do CPI.
Marca de grande prestígio é aquela que goza “de elevado grau de notoriedade junto do público, supernotória” [14], é a marca célebre ou famosa.
E enquanto a marca de prestígio merece uma protecção reforçada que vai além do princípio da especialidade ou da novidade, e, como tal, é protegida face a marcas que sejam iguais ou semelhantes à marca de prestígio, ainda que não estejam em causa os mesmos produtos ou serviços, como supra se referiu, a marca notória continua limitada ao princípio da especialidade, ao contrário do que parecem sustentar as apelantes.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 13.07.2010, P. 3/05.9TYLSB.P1.S1, rel. Cons. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt, “cotejando os regimes jurídicos da marca notória e da marca de prestígio avulta o facto de a marca notória estar sujeita ao princípio da especialidade, como resulta do fundamento da recusa de registo da marca ter como fundamento a “aplicação a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou, se dessa aplicação for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória”. Sendo a marca de prestígio aquele princípio não se aplica, o uso da marca é absolutamente proibido”.
Luís Couto Gonçalves, na ob. cit., págs. 303 e 304 explica que “… o conceito de marca notoriamente conhecida tem atravessado uma fase de inusitada agitação confrontando-se duas perspectivas: a perspectiva tradicional segundo a qual a marca notória deve ser protegida no quadro do princípio da especialidade; a perspectiva moderna segundo a qual a marca notória pode ser protegida, em certas condições, para além desse princípio. O CPI actual resistiu à pressão de mudança e não enveredou pela perspectiva moderna o que se saúda. A marca notória continua limitada pelo princípio da especialidade (art. 241º, nº 1)”.
Assim sendo, face à conclusão supra de que em causa não estão produtos e serviços idênticos ou afins, tanto basta para afastar a aplicação do regime da marca notória.
Sempre se dirá, contudo, que as marcas das AA. não poderiam ser consideradas notórias, porque nenhuma factualidade consta da factualidade provada que permita assim concluir, não estando em causa, in casu, facto notório (art. 514º do CPC) que não careça de ser demonstrado.
Sobre a questão do ónus da prova sobre o carácter notório da marca, cfr., entre outros, o Ac. da RL. de 29.04.2003, P. 2149/2003-3, em que foi relator o ora adjunto Desemb. Pimentel Marcos, in www.dgsi.pt.
E ao contrário do alegado pelas apelantes, não deveria o tribunal recorrido ter realizado julgamento para apurar factualidade controvertida, quer porque o alegado pelas AA. (nomeadamente nos arts. 8º, 9º e 65º do requerimento inicial e que se referem a esta questão), é manifestamente conclusivo [15], quer porque nenhuma prova foi indicada sobre esta matéria, quer documental, quer testemunhal.
            Improcede, pois, a apelação, nesta parte, também.
Análise dos sinais em confronto.
Face ao que se deixa dito [16] torna-se despiciendo analisar da similitude dos sinais em confronto, uma vez que falta um dos requisitos essenciais (semelhança ou afinidade entre produtos e serviços) para que se conclua existir imitação da marca.
Não se deixará, porém de referir, em termos sintéticos, que existe total identidade, fonética e gráfica [17], entre os sinais das apelantes (N., N. P... e N. E) e o do apelado (N.), tomando como elemento individualizador, ou marcante, a denominação “N.”, como, aliás, a sentença recorrida não deixou de reconhecer.
Da concorrência desleal.
Sobre esta questão escreveu-se na sentença recorrida que “Também não colhe a arguição de concorrência desleal, nos termos do art. 317.º do CPI, pois como já se assinalou, as marcas em confronto não se inserem numa actividade concorrencial. Na verdade, o primeiro pressuposto da concorrência desleal é a existência de uma relação de “concorrência próxima”, traduzida numa relação de identidade, substituição ou complementaridade. Como já se assinalou, não existe identidade ou sequer afinidade nos produtos assinalados pelas marcas em confronto, nem entre as actividades prosseguidas pelos seus titulares, pelo que falece também nesta parte a douta argumentação das Autoras”.
Entendem as apelantes que, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, o registo da marca do R. deveria ter sido anulado ao abrigo do art. 266º, nº 1, al. b) do CPI, porquanto o registo pelo R. da marca que constitui contrafacção total das marcas registadas das apelantes implica, nos termos do art. 317º do CPI, concorrência desleal, uma vez que o consumidor que se depara com os serviços assinalados pela marca do R., tendo na memória as marcas das apelantes, irá atribuí-los à mesma origem ou associá-los a uma mesma entidade ou associada.
Dispõe o art. 24º, nº 1 do CPI que “são fundamentos gerais de recusa: ... d) o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção”.
A concorrência implica uma competição entre os diversos agentes económicos, devendo ser regulamentada por forma a que cada agente económico interfira de modo leal nas escolhas dos consumidores, que deverão ter à sua disposição um leque variado de ofertas para, de forma livre, fazerem as suas opções.
O art. 317º do mesmo diploma legal estabelece que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue”.
Este preceito não tem carácter taxativo, como resulta claro dos seus termos, podendo configurar-se várias actuações possíveis de serem consideradas como de concorrência desleal, previstas ou não nas alíneas do referido preceito.
A doutrina tem vindo a agrupar tais actuações em diversos grupos, a saber, os actos de confusão (al. a)), os actos de descrédito (al. b)), os actos de apropriação ou falsa caracterização própria (als. c), d) e e)), os actos de subtracção ou desorganização de empresa alheia (actos que visam afectar o normal funcionamento de uma empresa concorrente), e os actos de concorrência parasitária [18].
Em causa nos autos estariam uma situação de concorrência desleal através de actos de confusão.
Como refere Carlos Olavo, na o.c., pág. 274, “na repressão da concorrência desleal está em causa a confusão entre actividades económicas, e, em especial, a confusão entre os elementos em que tais actividades se concretizam, a saber, a identidade dos empresários em causa, seus estabelecimentos, seus produtos e serviços, e não já confusão entre sinais distintivos. ... O risco de confusão consiste em apresentar os produtos ou serviços de maneira tal que leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente” (sublinhado nosso).
Como já supra se deixou escrito, no caso em apreço as AA. e os RR. dedicam-se a actividades diferentes que não são concorrentes entre si, tal como os produtos e serviços também não o são.
Basta consultar o site dos RR., através do qual exercem a sua actividade, para concluir que não assiste o mínimo de razão às apelantes quando sustentam que o consumidor que se depara com os serviços assinalados pela marca do R., tendo na memória as marcas das apelantes, irá atribuí-los à mesma origem ou associá-los a uma mesma entidade ou associada [19].
As actividades em causa são completamente distintas, e os serviços são apresentados de forma distinta  [20], não existindo qualquer risco de confusão ou associação.
Improcede, também nesta parte, a apelação.
            B. Da firma.
            O tribunal recorrido indeferiu o pedido de anulação da firma da R., porquanto não obstante tenha concluído que existia identidade na utilização da expressão “N.” [21], como supra se referiu, e ser o registo das marcas das AA. prioritário relativamente à obtenção do certificado de admissibilidade da R. [22], entendeu que, no que tocava a saber se existia risco de confusão quanto à titularidade das marcas registadas das AA., a mesma não se verificava, porquanto as sedes das AA. e da R. são em países diferentes, e as respectivas áreas de actividade são em áreas completamente distintas.
Sustentam as apelantes que a firma da apelada viola o princípio da novidade e exclusividade sendo susceptível de causar confusão ou erro com as marcas das apelantes caracterizadas pela expressão “N.”.
Embora os interessados tenham liberdade para compor a firma que pretendem adoptar, estão sujeitos às regras a que a respectiva composição deve obedecer, nomeadamente as atinentes à função individualizadora/identificadora [23] da mesma.
De entre tais regras avultam os princípios da verdade (os elementos que compõem a firma devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular – art. 32º, nº 1 do RNPC) e o da novidade ou exclusividade (a firma de um comerciante deve ser distinta da dos outros comerciantes e não susceptível de confusão ou erro – arts. 33º, nº 1 do RNPC e 10º, nºs 2 e 3 do CSC).
No que ao princípio da novidade importa, estabelece o nº 2 do art. 33º do RNPC que “os juízos sobre a distinção e não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas”.
E o nº 5 acrescenta que deve ser ainda considerada a existência, para além de outras, de marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
E em consonância, dispõe o art. 4º, nº 4 do CPI que “os registos de marcas, …, constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo”.
Sobre esta questão esclarece Carlos Olavo, na ob. cit., págs. 227 e 228 que “Para que os sinais distintivos alheios sejam relevantes no juízo sobre a admissibilidade das firmas, a lei impõe dois requisitos. Os sinais distintivos devem ser semelhantes, isto é, não serem passíveis de distinção pelo consumidor médio senão depois de exame atento ou confronto. Além disso, é também necessário que a semelhança seja tal que possa induzir o público em erro sobre a titularidade dos sinais distintivos em causa. Tratando-se de sinais distintivos utilizados em actividades cuja esfera de actuação é totalmente diversa, não há risco de confusão relativamente à respectiva titularidade. Aliás, não faria sentido que a lei fosse mais exigente no caso de conflito entre firmas e outro sinal distintivo, tal como a marca, do que no caso de conflito entre duas marcas. O direito à marca só impede que a correspondente expressão seja adoptada como marca por outrem se se destinar ao mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, isto é, quando exista afinidade entre um e outro, como decorre dos artigos 239º, alínea m) e 245º, nº 1, alínea b). Por isso, o direito à marca só impede a admissibilidade de determinada firma quando entre a actividade que a sociedade se propõe e os produtos ou serviços a que a marca se reporta haja alguma afinidade”.
Subscrevendo tal entendimento, e face a tudo quanto supra se deixou já escrito, não podemos deixar de perfilhar a posição assumida na sentença recorrida, improcedendo, consequentemente e nesta parte, a apelação.
            C. Do nome de domínio.
  Concluiu a sentença recorrida que inexistia fundamento para proibir o uso do domínio “n..pt”, face ao que anteriormente tinha concluído sobre a inexistência de afinidade entre as actividades prosseguidas pelas AA. e pela R., nem entre os produtos assinalados pelas suas marcas e pela marca do R., e sobre a insusceptibilidade de confusão, e inexistência de concorrência desleal.
         As apelantes vêm reafirmar a violação pelas RR. das regras para a composição do nome de domínio “.pt”, porquanto de acordo com a regras “estabelecidas pela FCCN o nome do domínio não pode corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, designadamente por coincidirem com marcas notórias ou de grande prestígio pertencentes a outrém” (sublinhado nosso).
Reportam-se as apelantes às condições para o registo de domínios .pt, em vigor até 30.06.2010 elencadas pela entidade reguladora (FCCN), mais concretamente a prevista no art. 9º, nº 1, al. b) daquelas, da qual ressalta que a proibição respeita, apenas, à coincidência do nome de domínio com marcas  notórias ou de grande prestígio pertencentes a outrem, não afastando, consequentemente, e em geral, o princípio da especialidade, como, aliás, defendem Manuel Lopes da Rocha e Mário Macedo, em Direito no Ciberespaço, na passagem reproduzida pelas apelantes nas suas alegações.
Ora, como já supra se referiu, a marca das apelantes não pode ser considerada marca notória, porquanto inexiste factualidade provada que permita tal conclusão, pelo que não se mostram violadas quaisquer regras de composição do domínio .pt, nem se verifica concorrência desleal, no sentido propugnado pelas apelantes e atento o que supra se deixou dito sobre esta matéria.
Improcede, assim, na totalidade a apelação.

            DECISÃO.
            Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
            Custas pelas recorrentes.
                                                                       *
Lisboa, 2014.03.18
                                                          
Cristina Coelho
                                                          
Roque Nogueira

Pimentel Marcos

[1] Carlos Olavo, o.c., pág. 80.
[2] Que reconhece o direito ao registo da marca aos industriais ou fabricantes, aos comerciantes, aos agricultores e produtores, aos criadores ou artífices e aos que prestam serviços para assinalar, respectivamente, os produtos do seu fabrico, do seu comércio, da sua actividade, da sua arte, ofício ou profissão e da respectiva actividade.
[3] Que corresponde ao art. 5º da Directiva 89/104/CEE de 21.12.88, que introduziu o conceito de risco de associação.
[4] Pedro Sousa e Silva, in O Princípio da Especialidade das Marcas. A Regra e a Excepção: As Marcas de Grande Prestígio, na ROA, Ano 58, 1998, pág. 393.
[5] “Ou seja, quando o resultado alcançado por um produto ou serviço possa ser razoavelmente substituído pelo resultado de outro produto ou serviço (v.g. sabão e sabonete; azeite e óleo alimentar)”.
[6] “Isto é, em que os produtos sejam integráveis no mesmo processo de fabrico (a denominada afinidade vertical, v.g. fiações e confecções) ou, entendida essa relação em sentido amplo, cujas utilidades possam complementar-se (v.g. máquinas de lavar e secar roupa, discos e gira-discos, isqueiro e tabaco)”.
[7] “Caracteriza-se pelo facto de os bens só em ligação a outros bens (principais) se mostrarem economicamente úteis como, por exemplo, os produtos componentes e acessórios da indústria automóvel”.
[8] “Que pode ser encontrada por exemplo nos produtos derivados do leite ou da carne de porco”.
[9] Reconhecendo as apelantes que os seus produtos não o são em exclusivo através daquele meio, ao contrário do que se passa com os serviços do R.
[10] Sendo certo, contudo, que relativamente ao software os RR. apenas o promovem para gestão de espaço Web.
[11] Hoje, exclusivamente - sendo o site já bem diferente daquele que se mostra reproduzido a fls. 76.
[12] Com interesse cfr. Pedro Sousa e Silva, ob. cit. págs. 396 e 397.
[13] Atente-se que a sentença a que as apelantes fazem referência no início das suas alegações, não decidiu em sentido contrário ao da sentença objecto dos presentes autos, pela simples razão de que a factualidade em causa não era a mesma, nomeadamente no que respeita aos serviços que a marca do R. ali em causa pretendia assinalar.
[14] Ac. do STJ de 12.10.99, BMJ 490-280.
[15] Indicando confusão com a noção de marca de prestígio, à qual se referem também.
[16] E ao que, de seguida, se irá escrever.
[17] Irrelevando serem escritas em letra maiúscula e/ou minúscula.
[18] Carlos Olavo, ob. cit., págs. 272 e 273.
[19] Afigurando-se-nos que também é importante consultar o site da 2ª A.
[20] Actualmente, sem relevo especial para a marca (n.).
[21] “Elemento individualizador ou diferenciador da firma, pois “Sistemas de Informação” é o elemento meramente explicativo da actividade social desta”.
[22] O que se verifica, pelo menos, no que respeita às marcas nacionais da 1ª A.
[23] Do comerciante.