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COMPRA E VENDA
DEFEITO DA COISA
Sumário
Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa. Há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida (art.914.º); frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço e indemnização (art.911.º); mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato. (sumário da relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I.Relatório
I.A. Antecedentes processuais
A apelada intentou contra a apelante, providência de injunção (DL n.º 269/98, de 1 de Setembro), pretendendo o pagamento da quantia de € 37.119,05 [trinta e sete mil, cento e noventa e nove euros e, cinco cêntimos],sendo o montante € 36.300,00 [trinta e seis mil euros ]correspondente ao capital, e o restante correspondente a juros de mora.
Alegou, em síntese, que:
i) Fornece equipamento de diagnóstico médico ;
ii) A requerida encomendou-lhe vários artigos ; ortopantomógrafo; cabine; CPU Intel e; monitor LG;
iii) Emitiu a factura, no valor do capital peticionado, em 04/10/2010;
iv) O equipamento e a factura foram entregues à requerida em 05/10/2010;
v) A factura devia ter sido paga a pronto mas, até à data ,nada foi pago, apesar das suas insistências junto da requerida.
A apelante deduziu oposição dizendo, em síntese, que:
i) O equipamento foi encomendado, em estado de novo, em …/…/… e, a cabine foi oferecida;
ii) Quando foi entregue, o ortopantomógrafo estava riscado em diversos locais e foi pintado pela requerente nas instalações da requerida, apresentado várias tonalidades e tipos de tinta;
iii) Os fios eléctricos aparentavam ser usados:;
iv) A cabine, cujas medições foram efectuadas pela requerente, não correspondia ao acordado e, não era adequada ao espaço ;
v) A requerida alertou a requerente para a desconformidade do artigo em questão ,mas esta exigiu o pagamento de 2.000,00 € para proceder à rectificação das medidas ,o que a primeira recusou pois havia sido acordado que a mesma era oferecida;
vi) A requerida teve que efectuar obras, não previstas, no valor de 4.000,00 € para suprir as necessidades de funcionamento do serviço de ortopantomografia;
vii) Contrariamente ao acordado ,a requerente não prestou qualquer formação para o correcto uso do equipamento;
viii) A requerida informou a requerente que não aceitava o equipamento e, que pretendia que o mesmo fosse substituído por outro em estado de novo, o que esta recusou;
ix) Em …/…/… enviou carta à requerente dizendo que não aceitava o equipamento ,porque o mesmo não correspondia ao encomendado, que não tinha sido prestada formação para o seu correcto uso ,que tinha perdido a confiança nos serviços e, que resolvia o contrato, devendo a requerente proceder a remoção do equipamento no prazo de 8 dias;.
x) Em …/…/… a requerente propôs à requerida a substituição do equipamento por outro o que a requerida recusou por ter perdido a confiança na primeira ;
xi) O equipamento nunca foi usado e ,porque a requerente nunca o removeu ,ocupa espaço nas instalações da requerida causando-lhe prejuízo, pois impede-a de ali instalar outro equipamento da mesma natureza, de que necessita.
Os autos foram distribuídos como de acção ordinária .
A requerente respondeu à oposição, prosseguindo os autos com selecção da matéria de facto e julgamento.
A final foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenou a requerida a pagar à requerente a quantia de 36.300,00 €(trinta e seis mil e trezentos euros),acrescida de juros de mora desde 18/02/2011 e até integral pagamento.
I.B. Conclusões
I.B.1.Apelante
a) O tribunal a quo faz, até certo ponto, uma correcta interpretação das normas aplicáveis ao caso sub judice.
b) Nos termos do art. 914.º do Código Civil, “O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela;(…)”
c) O Tribunal a quo refere que, verificados os vícios da coisa, assistia à Recorrente o direito de não cumprimento do contrato.
d) Todavia a Recorrente, antes de resolver o contrato, não interpelou a Recorrida para que procedesse a uma nova montagem da tomada ou efectuasse limpeza dos salpicos de tinta ou substituição ainda das diferentes peças com tons diferentes de coloração e sinais de oxidação.
e) Que a Recorrente limitou-se sempre a exigir um equipamento novo, um outro equipamento, direito que só lhe poderia assistir se se provasse a impossibilidade de supressão dos vícios subsistentes ou a recusa da sua supressão por parte da Recorrida. O que no entender do Tribunal a quo, não sucedeu.
f) O Tribunal a quo considera infundada a resolução do contrato comunicada pela Recorrente.
g) O Tribunal a quo na fundamentação da decisão afirma que a Recorrente “…comunicou desde logo que pretendia a sua substituição porque a coisa não era nova.” E conclui “Evidentemente se a coisa não fosse nova a única forma de suprir os apontados vícios seria a substituição do ortopantomografo por outro que fosse novo, mas a Ré não provou tal vício da coisa, não provou, como também já dissemos, que a coisa fosse usada. Pelo que não lhe assistia o direito à substituição ab initio.”
h) Tal não corresponde à verdade. Pelo que não se pode concordar com tal decisão.
i) No momento da instalação do aparelho a Recorrente informa a Recorrida que não aceita o aparelho nas condições em que o mesmo se encontra por ter aspecto de usado, por se verificarem desde logo diferenças de tonalidade nos plásticos do mesmo, a oxidação da cremalheira da corrente, a ficha da tomada estar ligada com fita isoladora e estar riscado.
j) A Autora/Recorrida só reconheceu a existência de riscos no aparelho e tentou suprir a existência dos mesmos.
k) Ao contrário do que é afirmado na fundamentação da douta sentença a Recorrente notificou/verbalmente a Recorrida dos vícios da coisa e deu-lhe oportunidade para os reparar/eliminar.
l) A Recorrente não exigiu, desde logo, a substituição da coisa/aparelho por outro.
m) Se assim fosse não teria deixado a Recorrida regressar às suas instalações e permitido a pintura da coisa/aparelho por aquela. n) A reparação dos riscos/vícios invocados por parte da Recorrida não foi feita no próprio dia mas, sim uns dias mais tarde, tendo aquando desta intervenção sido provocados pela Recorrida mais danos na coisa/aparelho.
o) Apesar da intervenção da Recorrida os vícios iniciais continuaram a manter-se e foram criados outros que a Recorrida também não reconheceu, nomeadamente: diferença de tonalidade dos plásticos em relação ao resto do aparelho, oxidação na cremalheira do mesmo e a ficha da tomada, bem como provocou outros danos na pintura do aparelho.
p) Se a Recorrida não aceita a existência de vícios/defeitos (existentes antes da tentativa de eliminação dos riscos na tinta) também não irá proceder à sua reparação.
q) A Recorrida nunca se recusou a reparar qualquer vício, pelo simples facto de nunca os ter reconhecido, apesar dos pedidos da Recorrente nesse sentido.
r) A Recorrida após ser interpelada verbalmente pela Recorrente para suprir os vícios que a coisa apresentava, e que a levavam a dizer que a mesma não era nova ou que era usada, tentou suprir, apenas, os vícios que reconheceu.
s) Contudo, mesmo os vícios que a Recorrente tentou eliminar, fê-lo de tal forma incorrecta tendo provocado outros.
t) Não corresponde à verdade que a Recorrente tenha ab initio pretendido, desde logo, a substituição da coisa, nem que não tenha dado prazo para a Recorrida eliminar os defeitos da mesma.
u) A Recorrente permitiu que a Recorrida efectuasse diligências no sentido de eliminar os vícios detectados ab initio.
v) A Recorrida só efectuou a reparação, apenas, de parte dos vícios, ou seja, dos que reconheceu.
w) Permanecendo os vícios iniciais não reconhecidos pela Recorrida e que, por serem evidentes, prestavam à coisa um aspecto de coisa não nova.
x) A Recorrida nunca reconheceu, nem aceitou que a coisa/aparelho padecia de qualquer vício/defeito (para além dos riscos que tentou reparar). Após a intervenção que efectuou a coisa para além dos vícios anteriores ficou com mais (os quais também não reconheceu), conforme consta da decisão do Tribunal a quo.
y) Perante a falta de reconhecimento dos vícios da coisa e consequente recusa da reparação a Recorrente exigiu a substituição da mesma.
z) A Recorrida apesar de não ter suprido os vícios da coisa (por não os reconhecer) também se recusou a substituir a mesma.
aa) Não se poderá afirmar que a Recorrente resolveu o contrato sem ter dado à Recorrida, previamente, a possibilidade de suprir os vícios da coisa e, depois, de a substituir por outra idêntica.
bb) Ao ter decidido como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no art. 914.º do Código Civil.
cc) Perante a inflexibilidade e clara falta de vontade em reconhecer e resolver os vícios da coisa ou em substitui-la por outra idêntica, não restou alternativa à Recorrente que não fosse resolver o contrato, invocando a excepção de não cumprimento e perda do interesse na manutenção do mesmo.
dd) A resolução efectuada pela Recorrente consubstancia uma declaração receptícia que produz efeitos com a sua recepção.
ee) Desde o momento em que, a Recorrida recebeu a carta de resolução o contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi resolvido.
ff) Não obstante, a resolução do contrato por parte da Recorrente, a Recorrida continuou a não reconhecer a existência de qualquer vício ou defeito na coisa, insistindo, num primeiro momento, através de carta, pelo pagamento da factura, isto é pelo cumprimento do contrato.
gg) E num segundo momento, decorrido cerca de um mês, após a resolução do contrato pela Recorrente, a Recorrida propôs a substituição da coisa/aparelho.
hh) O Tribunal “a quo” na fundamentação da decisão refere que a Recorrida não aceitou a resolução do contrato e pouco tempo depois (cerca de um mês) propôs à Ré a substituição do aparelho por outro.
ii) Ao contrário do que erradamente faz o Tribunal “a quo” à Recorrida não é conferido o direito para aceitar ou não a resolução do contrato efectuada pela Recorrente.
jj) O Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei ao entender que a Recorrente abusou do seu direito ao recusar a substituição da coisa/aparelho, cerca de um mês após ter resolvido o contrato.
kk) Como ficou provado a Recorrida reconheceu, apenas, a existência de alguns defeitos.
ll) A Recorrida tentou reparar, apenas, os vícios que reconheceu.
mm) A Recorrida para além de não reparar os vícios que reconheceu, ainda, os agravou.
nn) Os vícios iniciais mantiveram-se, acrescidos dos provocados pela Recorrida na tentativa de os eliminar.
oo) A Recorrida não reconheceu qualquer outro vício, para além dos que tentou reparar exigindo
sempre o pagamento da factura.
pp) Não restou alternativa à Recorrente que não pedir a substituição da coisa/aparelho à Recorrida.
qq) A Recorrida sempre se recusou a fazê-lo.
rr) O que motivou a resolução do contrato, com justa causa, pela Recorrente.
ss) A Recorrente num primeiro momento pediu a eliminação dos vícios da coisa/aparelho, num segundo momento a sua substituição e por fim, tendo-lhe sido aquela recusada resolveu o contrato.
tt) Em momento algum e previamente à resolução do contrato, a Recorrida aceitou substituir a coisa/aparelho, só o tendo feito após a resolução do mesmo.
uu) Mal andou o Tribunal a quo ao entender que a Recorrente abusou do seu direito ao não aceitar, após resolver o contrato, a substituição da coisa/aparelho.
vv) O que configuraria o cumprimento de um contrato que já se encontrava resolvido e, como tal, insusceptível de produzir qualquer efeito jurídico.
ww) O Tribunal a quo ao entender que a Recorrente deveria ter aceite a proposta apresentada pela Recorrida após aquela ter resolvido o contrato, violou os arts. 437.º e 224.º do Código Civil.
xx) A Recorrente podia e deveria ter evitado a resolução do contrato, por parte da Recorrente, se tivesse agido como lhe era exigível, não só em termos comerciais, como também, legais.
yy) O comportamento da Recorrida, no reiterado, não reconhecimento dos manifestos e evidentes vícios na coisa (que foram dados como provados pelo Tribunal a quo como não despiciendos e que afectam o valor da coisa) foi aos poucos criando na Requerente um crescente descontentamento e perda de confiança quanto aos serviços prestados por aquela.
zz) Face ao descontentamento generalizado e perda da confiança na capacidade de reconhecer e resolver problemas com a coisa manifestada pela Recorrida a manutenção do contrato implicaria a continuidade de um relacionamento comercial com uma sociedade que já não lhe merecia confiança.
aaa) A confiança constitui um dos pilares mais importantes de qualquer relacionamento contratual que, a deixar, como deixou, de existir, inviabiliza a sua continuidade.
bbb) Assim, ao contrário do que diz o Tribunal “a quo” a Recorrente mais não fez que exercer um direito que lhe assiste. Não se verificando assim qualquer abuso de direito.
ccc) Pelo exposto, verifica-se ter o tribunal a quo laborado em manifesto erro na aplicação e interpretação da lei aos factos, acabando por criar uma situação de clara oposição entre os fundamentos e a decisão que acabaria por proferir, situação que consubstancia uma nulidade da sentença, conforme previsto no art. 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC, violando o disposto no arts.659.º, n.º 3, in fine do CPC, e o disposto nos arts. 437.º; 224.º e 914º todos do Código Civil.
I.B.2.Apelada
a. Não corresponde à verdade que o Ortopantomógrafo não fosse novo, conforme provado por documentos idóneos já juntos ao processo e analisados em audiência;
b. Ao contrário do que é afirmado nunca a R. notificou verbalmente ou por qualquer outro meio a Recorrida de outros vícios que não os prontamente rectificados e reparados pela R.;
c. Bem como em 19 de Novembro de 2010 a A., propôs à R. a substituição do Ortopantomógrafo, anteriormente instalado, por outro da mesma marca e modelo que chegaria da fábrica, o que a R. sempre recusou;
I.C.Objecto do recurso
1) Nulidade da sentença;
2)Viabilidade da resolução do contrato efectuada pela recorrente.
II.Fundamentação
II.A.Facto
A) A R. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de medicina dentária. Alínea A) dos Factos Assentes
B) A A. é uma sociedade que se dedica ao fornecimento de artigos médicos,nomeadamente de equipamentos de diagnóstico médico e assistência técnica. AlíneaB) dos Factos Assentes
C) Em 13 de Novembro de 2009, a R. encomendou à A. um ortopantomógrafo B. e respectiva cabine. Alínea C) dos Factos Assentes
D) A cabine era para ser oferta da A.. Alínea D) dos Factos Assentes
E) Os equipamentos encomendados pela R. à A. eram para ser entregues no estado de novo. Alínea E) dos Factos Assentes
F) Ao tempo da negociação para o fornecimento do equipamento pela Autora à Ré, foi esta informada da possibilidade de encomendar a cabine de Ortopantomafo que não tivesse as medidas standard existentes em catálogo e, bem assim ,das medidas que foram tiradas pela Autora como referido em H). Resposta ao quesito 36º
G) A R. foi informada pela A. de todas as especificações técnicas relativas à cabine de Ortopantomografo que a R. concretamente escolheu. Resposta ao quesito 38º
H) As medições da cabine foram efectuadas pela Autora, conforme solicitações da Ré, por forma a que a mesma se adequasse ao espaço onde seria instalada. Resposta ao quesito 11º
I) A cabine que havia sido encomendada era adequada ao fim da mesma, a saber: proceder ao necessário isolamento do espaço onde funciona equipamento que emite radiação como o é o ortopantomógrafo referido em B). Resposta ao quesito 18º
J) Fazem parte integrante do equipamento do Ortopantomógrafo B., não podendo este funcionar sem os mesmos, um … e um monitor …”, tendo sido acordado entre Autora e Ré um preço global de tal equipamento de €30.000, acrescido de IVA. Resposta aos quesitos 1º, 2ºe 3º da Base Instrutória
K) No dia 14 de Junho de 2010 foi solicitado à A. pela R. a alteração de medidas e reconfiguração da cabine. Resposta ao quesito 39º
L) (…) Tendo, no dia 15 de Junho de 2010, a A. entregue um orçamento relativo à alteração solicitada. Resposta ao quesito 40º
M) O qual foi recusado pela R. no dia 16 de Junho de 2010 telefonicamente. Resposta ao quesito 41º
N) Nesse mesmo dia a R. solicitou a desmontagem da cabine. Resposta ao quesito 42º
O) Solicitação à qual a A. deu execução em 17 de Junho de 2010. Resposta ao quesito 43º
P) A Ré optou por efectuar o isolamento do espaço destinado ao funcionamento do ortopantomógrafo utilizando placas de chumbo colocadas nas paredes da divisão em questão, disfarçadas com placas de pladur. Resposta ao quesito 19º
Q) Da estrutura da cabine entregue pela Autora nas instalações da Ré e por aquela ulteriormente desmontada, a Ré aproveitou a porta para o isolamento que efectuou como referido em P) da divisão destinada ao serviço de ortopantomografia. Resposta ao Quesito 44º
R) A A. emitiu à R., em 04/10/2010, a factura nº …, no valor total de €36.300 (IVA incluído). Alínea F) dos Factos Assentes
S) A atribuição, na factura, de um valor à cabine deve-se a questões de gestão interna da contabilidade da Autora, tendo esta distribuído o valor global acordado do Ortopantomógrafo pelos vários items que discriminou da mercadoria, conforme teor da factura nº … a fls. 43. Resposta aos quesitos 50º e 51º
T)[ Em 04 de Outubro de 2010 ] a A. procedeu à entrega e montagem do ortopantomógrafo B. e respectiva cabine nas instalações da R. em M.. Alínea G) dos Factos Assentes-ver infra
U) O ortopantomógrafo pesa cerca de 270 Kg. Alínea H) dos Factos Assentes V) Durante as operações de desembalagem e montagem do ortopantomógrafo no local indicado pela Ré, os técnicos da Autora provocaram riscos na coluna vertical do referido Ortopantomógrafo com extensão vertical de cerca de 20 cms, lascando a respectiva pintura. Resposta ao quesito 32º
W) O equipamento não tinha qualquer anomalia no que respeita ao seu funcionamento, estando totalmente operacional, sem prejuízo dos factos provados em Z), Y), AA) e V). Resposta ao quesito 34º
X) São realizados testes de bom funcionamento por parte do fabricante. Resposta ao quesito 35º
Y) Após a sua montagem nas instalações da Ré e com vista a suprir o referido em V), a coluna metálica do equipamento foi pintada, embora não no topo da mesma em extensão vertical correspondente à altura do próprio cabeçote que corre nessa coluna, sendo ainda que com tal pintura foram deixadas pequenos pontos de tinta branca nas cremalheiras de inox onde corre o cabeçote existentes nas laterais da dita coluna. Resposta aos quesitos 6º e 32º
Z) A pintura do equipamento não é uniforme, variando os tons de tinta entre as partes plásticas e metálicas, mesmo após o facto referido em Y), existindo pontos de oxidação no equipamento. Resposta ao quesito 5º da Base Instrutória
AA) A ficha eléctrica de ligação a tomadas do equipamento foi instalada pelos técnicos da Autora, sendo efectuado o respectivo isolamento com recurso a fita isoladora preta, sendo a ficha de cor branca e o fio eléctrico proveniente do próprio equipamento e ligado a tal ficha de cor cinzenta, conforme fotografia nº 18 a fls. 146.Resposta ao quesito 7º
BB) Tendo constatado os riscos referidos em V), a não uniformidade de tons do equipamento e a situação referida em M), a Ré comunicou à Autora não queria aquele equipamento por o mesmo não ser novo e que pretendia um novo, posição que manteve mesmo após a pintura da coluna efectuada pela Autora. Resposta aos quesitos 8º e 21º
CC) A Autora deixou o ortopantomógrafo instalado nas instalações da Ré. Resposta ao quesito 20º
DD) A A. recusou-se a substituir o equipamento alegando que ele era novo e que tinha apenas alguns riscos a cuja reparação e pintura tinham procedido no local. Resposta ao quesito 22º
EE) Estava acordado que a A. prestaria formação ao legal representante da R. e aos seus colaboradores, quanto ao modo de funcionamento do Ortopantomógrafo. Alínea I) dos Factos Assentes
FF) A e R. acordaram na data de 15 de Outubro de 2010 para aquela ministrar a formação acerca do modo de funcionamento do equipamento. Resposta ao quesito 45º
GG) No dia 15 de Outubro de 2010 os técnicos da A. compareceram nas instalações da R. para dar a formação adequada e necessária. Resposta ao quesito 46º
HH) E o gerente da R. não se encontrava nas instalações. Resposta ao quesito 47º
II) Os técnicos da Autora deram à funcionária da Ré que iria operar o ortopantomógrafo, segundo indicação da própria Ré, formação sobre o modo de funcionamento e de operar do referido equipamento e software instalado, disponibilizando-se para qualquer ulterior esclarecimento mesmo por via telefónica,caso surgisse qualquer dúvida; não tendo na ocasião sido por esta funcionária suscitada qualquer dúvida ou reserva que não lhe tenha sido esclarecida. Resposta aos quesitos 48º e 49º
JJ) Em … de … de …, a R. remeteu carta à A. sob o Assunto “Devolução do equipamento – Ortopantomógrafo B.” com o seguinte teor: “(…) Ao contrário do que referem na, supra aludida, carta o equipamento, supra identificado, não sofreu, apenas, alguns riscos na pintura./ Como, desde logo, tivemos oportunidade de vos informar o equipamento não corresponde ao pretendido e negociado com V. Exas, porquanto, não se trata de um equipamento novo e sem qualquer uso./ Na verdade, os “riscos” na pintura do equipamento, são, “apenas” o indício mais visível de que o equipamento não é novo. Mais, ainda que fosse, não somos obrigados a ficar com um equipamento que custa milhares de euros, que não manifestamente novo, além de apresentar retoques na pintura que não foram causados por nós. (…)/ Ademais, não obstante nos terem remetido a factura de Itália e do transportador estes nada nos dizem quanto ao equipamento ser novo ou não. Pelo contrário, dizem-nos que o equipamento esteve em trânsito desde Abril de 2010,chegou a Portugal em Junho de 2010 e foi-nos entregue em Outubro de 2010./Acresce que, ao contrário do que havia sido acordado V. Exas. “largaram” o equipamento nas nossas instalações, sem que tenha sido ministrada qualquer formação sobre o mesmo, além de terem, ainda, deixado uma cabine que não é a correcta./ Pelo que, como desde logo vos dissemos verbalmente, entendemos que as condições negociais referentes à compra do equipamento Ortopantomógrafo B., não foram cumpridas por culpa única e exclusiva da vossa parte ao que acresce o facto de termos perdido a, necessária, confiança nos vossos serviços./ Nessa conformidade, devolvemos a V. Exas. A V/factura nº …, com data de 04 de Outubro de 2010, no montante de 36.300,00€./ Pelo exposto deverão, ainda, V. Exas. Proceder à remoção do, supra identificado, equipamento da nossa clínica no prazo máximo de 08 dias a contar da recepção da presente carta. Caso tal não suceda, procederemos à remoção e armazenamento do equipamento, custos que iremos imputar a V. Exas.”, conforme teor da respectiva cópia a fls. 106 e 107, que no mais se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. Resposta aos quesitos 24º e 25º
KK) A Autora recebeu esta carta da Ré, à qual respondeu por carta de …/…/…, conforme respectivo teor a fls. 108 a 111, na qual reiterou que o equipamento entregue era novo e que se encontrava a trabalhar na plenitude desde a data da emissão da factura, insistindo pelo pagamento da factura, e não efectuou a remoção do equipamento. Resposta ao quesito 26º
LL) Em 19 de Novembro de 2010 a Autora propôs à Ré acordo no sentido de ser substituído o ortopantomógrafo anteriormente instalado por outro da mesma marca e modelo que chegaria da fábrica, contra o seu pagamento por parte da Ré no dia da instalação. Resposta aos quesitos 27º e 28º
MM) A R. recusou essa proposta. Resposta ao quesito 29º
NN) Desde que a A. deixou o equipamento nas instalações da R. esta, apesar de necessitar de um ortopantomógrafo, nunca o utilizou. Resposta ao quesito 30º.
II.B.Direito
II.B.1.Contradição entre factos provados.
Analisada a material de facto considerada provada constata-se o seguinte.
Nos pontos K,L),N) e O) da sentença está assente o seguinte:
K) No dia 14 de Junho de 2010 foi solicitado à A. pela R. a alteração de medidas e reconfiguração da cabine. Resposta ao quesito 39º
L) (…) Tendo, no dia 15 de Junho de 2010, a A. entregue um orçamento relativo à alteração solicitada. Resposta ao quesito 40º
M) O qual foi recusado pela R. no dia 16 de Junho de 2010 telefonicamente. Resposta ao quesito 41º
N) Nesse mesmo dia a R. solicitou a desmontagem da cabine. Resposta ao quesito 42º
O) Solicitação à qual a A. deu execução em 17 de Junho de 2010. Resposta ao quesito 43º
E no ponto T) consta o seguinte:
T) Em 04 de Outubro de 2010, a A. procedeu à entrega e montagem do ortopantomógrafo B. e respectiva cabine nas instalações da R. em M.. Alínea G) dos Factos Assentes
Como resulta da simples leitura destes pontos, não podia a recorrida desmontar a cabine a pedido da recorrente em 17/06/2010[o que evidentemente pressupõe que a mesma já tinha sido entregue] e, por outro lado, entregar e montar a mesma em 04/10/2010.
Verifica-se assim uma contradição entre os pontos O) e T) da matéria de facto da sentença impugnada.
O ponto T foi inserido na matéria de facto assente com base no art.7º da oposição da recorrente, que diz o seguinte” Na verdade, o que sucedeu foi que, em 04 de Outubro de 20102, a Requerente procedeu à entrega e montagem de um equipamento, nas suas instalações de M.“.
O ponto O) resulta a resposta dada ao art.43º da base instrutória que reproduz o art.41º da réplica da recorrida.
Esta contradição, geradora de nulidade de julgamento (cfr. art.712º,n.º4, CPC ) pode no entanto ser ultrapassada como se passa a expor.
Com efeito o n.º1alªa) do art.712º supra referido prevê que a Relação altere a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto desde que do processo constem todos os elementos que serviram de base àquela decisão.
Como explica Abrantes Geraldes[1]”A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada, por exemplo, a certo elemento contante do processo dotado de força probatória plena (vg. documento autêntico, acordo das partes, confissão) ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se tenha baseado. Verificado algum dos vícios referidos na decisão da matéria de facto, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los imediatamente, desde que constem todos os elementos em que o tribunal a quo se fundou.”
É inegável que a recorrida entregou e montou o equipamento nas instalações da recorrente. E como tal elimina-se “Em 04/10/2010” do ponto T.
II.B.2.Nulidade da sentença
Alega a recorrente a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Estipulava o art.668º,n.º1, al.ªc) do CPC revogado [actual art.615º] que a sentença era nula quando os fundamentos estivessem em oposição com a decisão.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
Como escreve Amâncio Ferreira[2] «A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento». A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
No caso em apreço, a Mmª Juiz , depois de qualificar o contrato, decidiu que a recorrente procedeu indevidamente à resolução do mesmo e, condenou-a no pagamento do preço.
Não se verifica assim o apontado vício de contradição. Improcedem pois as conclusões da recorrente nesta parte.
II.B.3.Viabilidade da resolução o contrato.
O contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda referido no artigo 874.º do CCiv, segundo o qual: “ compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
Os efeitos essenciais deste contrato estão consagrados no art.879.º e são: a) a transmissão da propriedade da coisa..; b) a obrigação de entregar a coisa; c) a obrigação de pagar o preço. [3] Suscitam-se neste tipo de contrato dois tipos de efeitos: um de natureza real, traduzido na transferência da titularidade de uma coisa ou direito para outrem – cfr. art. 879.º, alínea a); e um outro de natureza puramente obrigacional, que se desdobra em duas vertentes: 1) do lado do vendedor a obrigação de entrega da coisa vendida – cfr. artigo 879.º, alínea b); e 2) para o comprador o dever de proceder ao pagamento do correlativo preço (obrigação pecuniária) – cfr. art. 879.º, alínea c) e 550.º CCiv.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (art. 406.º, n.º 1 C Civ), o que significa, que «o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito».[4],pois“Surgindo da obrigação um dever de conduta específico, uma prestação de conteúdo (dar, entregar, fazer, não fazer) e significado (dever principal, secundário e lateral) multiformes., esse(s) dever(es) pode(m) não ser cumprido(s), em regra, por vontade do devedor e, por vezes sem culpa do obrigado, num circunstancialismo que pode estar relacionado com a fala de cooperação de credor ou com um comportamento creditório ainda mais gravoso.” [5]
O incumprimento é tratado, essencialmente, em quatro segmentos do C Civ: art. 790.º a 797.º e 813.º a 816.º - impossibilidade de cumprimento e mora não imputáveis ao devedor – art. 798.º a 808.º - falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor – art. 809.º a 812.º - fixação contratual dos direitos do credor - e art.817.º a 836.º - realização coactiva da prestação.
A figura do cumprimento defeituoso constitui categoria heterogénea entre a mora e o incumprimento definitivo[6].
A doutrina tem procurado definir ou desenhar os seus contornos, afirmando que “na execução defeituosa o devedor realiza a totalidade da prestação (ou parte dela) mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas,” valorando a sua autonomia para os “danos que o credor não teria sofrido se o devedor de todo não tivesse cumprido a obrigação” ou exigindo certos pressupostos, a saber:” realização da prestação contra a pontualidade, aceitação da prestação pelo credor, não conhecendo este o vicio ou, em caso de conhecimento, emitindo reservas, relevância do vício e verificação de danos específicos.”[7]
Em sentido amplo, o cumprimento defeituoso corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, e depende do preenchimento de quatro condições: i) ter o devedor realizado a prestação violando o princípio da pontualidade; ii) ter o credor procedido à sua aceitação por desconhecer a desconformidade, ou conhecendo-a, apontando reserva; iii) mostrar-se o defeito relevante; iv) sobrevirem danos típicos.[8]
A doutrina estabelece a diferença entre cumprimento defeituoso de uma obrigação e venda defeituosa.[9]
O Professor Antunes Varela em parecer publicado [10]( a propósito de rações para animais)distingue assim as duas figuras jurídicas que, afirma o mesmo, até podem coexistir:“ Há assim venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou qualidades abrangidas no art.913º do C Civ, quer a coisa entregue corresponda , quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.”… “O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação de entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte.”
Como se diz no Ac STJ de 24-0-2012“Uma coisa está eivada de defeito, no apontado sentido, quando não se consegue obter dela o efeito ou a utilidade finalística que lhe são atribuídas pelo sentido experiencial em que a utilidade genérica da coisa se inere. A obtenção do efeito prático normal e pretendido, pode não ser total, mas tem de assumir uma relevância que torne a coisa inapta ou inábil para o fim que lhe está destinado. Esta aptidão da coisa deve ser aferida de forma objectiva e de acordo com padrões de normalidade, apreciada na perspectiva que o utilizador lhe pretendia conferir, segundo os padrões de normalidade e experiência comuns. O cumprimento defeituoso pode, no entanto, resultar de específicas e concretas condições apostas no contrato celebrado entre as partes. Assim tendo as partes contraentes estipulado as características que devem estar reunidas na coisa a transmitir ou a fazer, o desvio, no cumprimento, das especificas e concretas qualidades convencionadas, pode constituir, pela sua relevância na economia e equilíbrio da relação contratual, um cumprimento defeituoso. Incluem-se nesta categoria as condições, características e qualidades que foram anunciadas e que se hajam revelado idóneas e determinantes para a realização do contrato, nos termos em que as partes o quiseram celebrar, v. g. declarações negociais tácitas e que não devam estar estado ausentes do texto contratual. “[11]
A regulamentação do regime de cumprimento e incumprimento das obrigações não contempla, especificamente, a figura do cumprimento defeituoso de uma obrigação – cfr. artigos 762.º a 816.º do Código Civil.
No entanto, esta figura da violação do dever de prestar de forma pontual e em conformidade com o núcleo essencial do contratualizado, encontra-se disciplinada especificamente a propósito da violação da prestação inadequada e incorrecta de determinados contratos, designadamente nos contratos típicos ou nominados de compra e venda e de empreitada – cfr. art. 913.º e1218.º CCiv .
E, desta patologia de cumprimento de um contrato, resultam determinadas consequências: o direito conferido ao credor de exigir a reparação ou substituição da coisa - cfr. artigos 914.º e 1221.º CCiv; o direito a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos – cfr. artigos 909.º e 1223.º CCiv e o direito à redução da contraprestação ou à resolução do contrato – cfr. artigos 911.º e 1222.º CCiv.[12]
O art.913º do C Civ(único que interessa para o caso em apreço) estipula que “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
Do disposto na parte final do n.º 1, do art.º 913.º(transcrito supra), resulta que ao comprador de coisa defeituosa assiste o direito a diversos meios jurídicos, nomeadamente, os previstos na secção relativa à venda de bens onerados, a serem aplicados com as devidas adaptações, e os que resultam das disposições próprias da venda defeituosa.
Deste preceito resulta também que devem aplicar-se em primeira mão as disposições próprias da venda defeituosa e só depois, com as devidas adaptações, o prescrito para a venda de bens onerados.
Significa isto que os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa. Há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida (art.914.º); frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço e indemnização (art.911.º); mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato. [13]
A resolução do contrato, ali referido em último lugar, assenta no facto de se tratar de um contrato bilateral incumprido pela contraparte, sendo os efeitos equiparados aos da anulabilidade (art.º432.º e segts.,do CCiv), logo, importando a destruição do negócio e a consequente restituição do que as partes houverem recebido (art.285.º do CC).
Para além daqueles direitos, de aplicação com as necessárias adaptações do disposto no art.º 905.º, conforme manda o n.º1 do art. 913.º, o comprador de coisa defeituosa pode anular o contrato de compra e venda, por erro ou dolo, mas desde que verificados os respectivos requisitos de relevância exigidos pelo art. 251.º (erro sobre o objecto do negócio) e pelo art.254 (dolo)[14] .
Embora a anulação tenha eficácia rectroactiva (art.289.º do CC), o negócio anulável é válido enquanto não for judicialmente anulado. Para declarar a anulabilidade é necessário recorrer a uma acção, não bastando a simples declaração dirigida à parte contrária
Porém, se for exigido judicialmente o cumprimento do contrato, a anulabilidade pode ser oposta a todo o tempo por via de excepção, nos termos gerais do direito processual[15]
Anulado o contrato, e desde que o fundamento seja o dolo do vendedor, ao comprador assiste ainda o direito a indemnização pelo interesse contratual negativo (art.908.º).
Expostas estas linhas gerais analisa-se o caso dos autos.
A única questão que se coloca resume-se a saber se assistia à apelante o direito a resolver o contrato de compra e venda.
A recorrente apontava três defeitos ao equipamento:
i) A desconformidade da cabine no que respeita ao tamanho-“ não era adequada ao espaço e não correspondia ao acordado”[conclusão que nunca deveria ter sido levada à base instrutória ;
ii) Riscos e posterior alteração na pintura do ortopantomógrafo- “o ortopantomógrafo estava completamente riscado em diverso locais …..pintura ..apresentando vários tipos de tons de tinta”;
iii) Fios eléctricos “usados”[ conclusão que nunca deveria ter sido levada á base instrutória]
E alegava incumprimento da obrigação de ministrar formação “…ao contrário do acordado, a Requerente não prestou qualquer formação ao legal representante da Requerida, nem aos seus colaboradores, do modo de funcionamento do Ortopantomógrafo “ A matéria de facto subsequentemente provada reduziu as alegações da recorrente à irregularidade da pintura e, ainda, à diferença de cor entre a ficha eléctrica de ligação à corrente, os fios do equipamento e a fita isoladora
Como se refere na sentença impugnada “Desde logo, importa notar que se não apurou que o ortopantomógrafo entregue à Ré fosse usado, ou seja, que não fosse novo, como contratado. Tão pouco se apurou que a cabine entregue não fosse adequada ao espaço e não correspondesse ao que foi acordado entre Autora e Ré e ainda que a Autora fora alertada aquando da montagem da cabine que esta não era a encomendada e que ainda assim e contra vontade da Ré montou a aludida cabine. …..Apurou-se que o equipamento não tinha qualquer anomalia no que respeita ao seu funcionamento, estando totalmente operacional… …quanto à cabine apurou-se que as medições da cabine foram efectuadas pela Autora, conforme solicitações da Ré, por forma a que a mesma se adequasse ao espaço onde seria instalada e que a cabine que havia sido encomendada era adequada ao fim da mesma, a saber: proceder ao necessário isolamento do espaço onde funciona equipamento que emite radiação como o é o ortopantomógrafo; que a Ré optou por efectuar o isolamento do espaço destinado ao funcionamento do ortopantomógrafo utilizando placas de chumbo colocadas nas paredes da divisão em questão, disfarçadas com placas de pladur, tendo aproveitado para efectuar esse isolamento a porta da estrutura da cabine entregue pela Autora.”
Assim há que considerar que: i) Durante o desempacotamento e montagem os técnicos da recorrida riscaram a coluna metálica do ortopantomógrafo, lascando a sua pintura sendo que os riscos e a posterior pintura irregular não impedem o seu regular funcionamento -pontos V,W e Z; ii)Posteriormente aquela coluna foi parcialmente pintada e o aparelho apresenta tons diferentes nas partes metálica e plásticas, pontos de tinta branca junto à cremalheira e, pontos de oxidação-ponto Y; iii);iv) A ficha eléctrica de ligação a tomadas do equipamento foi instalada pelos técnicos da Autora, sendo efectuado o respectivo isolamento com recurso a fita isoladora preta, sendo a ficha de cor branca e o fio eléctrico proveniente do próprio equipamento e ligado a tal ficha de cor cinzenta-ponto AA
Um equipamento riscado, ainda que novo, sobre uma evidente desvalorização- o seu aspecto contraria o seu estado.
Ora a recorrida, por sua iniciativa, procedeu à pintura das zonas riscadas, mas a pintura ficou irregular, com tonalidade diferentes e com pontos brancos e de oxidação, sendo este assim o defeito do equipamento.
No entanto a recorrente não interpelou a recorrida para proceder à pintura total do equipamento (assim eliminando as diferentes tonalidades da tinta), com eliminação dos pontos de oxidação, pedindo apenas a substituição do equipamento, o que a recorrida, numa primeira fase , recusou.- pontos BB) e DD)
E também não pediu à recorrida a redução do preço do ortopantomógrafo-nada foi alegada neste aspecto.
Ora, como já se referiu supra, ao comprador de coisa defeituosa assiste o direito a pedir a reparação/eliminação do defeito, a substituição do bem (caso a reparação não cumpra o seu objectivo),a redução do preço e, a resolução do contrato, podendo ainda pedir, cumulativamente, uma indemnização pelos prejuízos sofridos.
A recorrente começou por pedir em primeiro(a substituição)o que devia pedir se o primeiro(a pintura global) não resultasse.
Estes direitos, que lhe assistem devem ser exercidos na sequência dos outros direitos, como já se referiu supra.
E só na impossibilidade de obtenção de qualquer deles, pode o comprador proceder à resolução do contrato.[16]
O que se acaba de expor é válido para a falta de uniformidade da cor dos fios eléctricos e fita de isolamento do ortopantomógrafo.
A recorrida não aceitou a resolução, e propôs-se substituir o equipamento, o que foi recusado pela recorrente.
De tudo o que acaba de expor resulta que a resolução efectuada pela recorrente foi intempestiva.
As conclusões da recorrente improcedem pois.
Em síntese diz-se o seguinte .
Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa. Há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida (art.914.º); frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço e indemnização (art.911.º); mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato.
III.Decisão
Considerando o que se acaba de expor, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa 18/03/2014
Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques
Isabel Maria Brás da Fonseca
Maria Adelaide Domingos
[1] Recursos em Processo Civil/Novo Regime, Almedina 2008,282 [2] Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina,9ª edição, pg. 56 [3] Cfr. quanto à caracterização do contrato de compra e venda, Baptista Lopes, Manuel, “Do Contrato de Compra e Venda no direito
civil, comercial e fiscal”, Almedina, 1971; págs. 12 a 122; Romano Martinez, Pedro, in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos – Compra e venda, Locação, Empreitada”, Almedina, 2000, l, págs. 21 a 54; Menezes Cordeiro, António. Albuquerque, Pedro e Carneiro da Frada, Manuel, in “Direito das Obrigações – Contratos em Especial”, III Vol., AAFDL, 1990, págs. 9 a 85 [4] Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, II Vol., Almedina, 5.ª edição, 1992, pág. 14-15. Quanto ao princípio da pontualidade e as variáveis em que se desdobra (modo distinto do estabelecido no acordo; tempo distinto do acordado - inexactidão; ser de quantidade distinta da devida; não ser realizada no local devido; entrega de coisa diferente da acordada; a prestação seja de qualidade diversa da devida; quando, para realização da prestação principal, foram violados deveres acessórios; outros que estejam especialmente previsto na lei, no caso de contratos especiais) veja-se Romano Martinez, Pedro, in Cumprimento Defeituoso. Em especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Colecção Teses, Almedina, 2001, págs. 130 a 134. [5] Brandão Proença, José Carlos, in “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pág. 133. [6] Cfr. Romano Martinez, Pedro in “Cumprimento Defeituoso. Em especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Colecção Teses, Almedina, 2001, págs. 129-157. “[O] cumprimento defeituoso constitui um tipo de responsabilidade contratual ao lado do não cumprimento definitivo e da mora, totais ou parciais, podendo abranger uma multiplicidade de situações.” [7] Cfr. Brandão Proença, José Carlos, in op. loc. cit. págs. 137-138, e ainda Pessoa Jorge, F. “Lições de Direito das obrigações”, e Pereira Coelho, “Obrigações” (Sumários das Lições ao curso de 1966-1967), citados na obra referida [8] Romano Martinez, ob cit/129 e 130 [9] Antunes Varela, Parecer na CJ de 1987 [10] CJ de 1987, T4 , pg. 23 a 35 [11]Proc.n.º904/06.7TBSSB.L1S1(Gabriel Catarino),in www.dgsi.pt [12] Antunes Varela, das Obrigações em Geral, Almedina,3ª,II,124 [13]Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 2001,480 e seg; Ac do TRC de 25/06/2013,proc n.º92/11.7T2SVV.C1 (Jaime Carlos Ferreira); do TRC de 20/06/2012,proc n.º2384/07.0TBCBR.C1(Henrique Antunes)(do STJ, de 15-03-05, proc.º04B4400 ( Lucas Coelho); de 24-01-2008, processo n.º 07B4302( Pereira da Silva); de 02-02-2010, Proc.º 1658/03.4TBETR.P1.S1( Garcia Calejo), in www.dgsi.pt [14] Acórdãos do STJ de 13-11-2003, proc.º n.º03B3596( Salvador da Costa); e, de 06-11-2007, proc.º 07A3440( Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt [15] Pires de Lima e Antunes Varela, CCiv Anot, Coimbra Ed.II,. 263/264. [16] Vide jurisprudência referida na nota n.º13