DEFEITO DA COISA
RECONHECIMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CADUCIDADE
Sumário

I) A caducidade tem como fundamento a necessidade de estabelecer prazos curtos e determinados para que não seja posta em causa a certeza e segurança jurídicas pela indefinição dos direitos por períodos muito longos pelo que o facto impeditivo da caducidade tem de ser exato e concreto de modo a que, por ele, se possa considerar definido o direito nos mesmos termos em que o seria por uma sentença judicial que incidisse sobre o objeto de litígio.
II) É inócuo o reconhecimento da existência de defeitos após o decurso do prazo de caducidade, não permitindo reativar o direito extinto.
III) A indemnização por danos não patrimoniais constitui um corolário dos restantes direitos previstos de reação às desconformidades e de reconstituição da situação vigente caso as mesmas não se tivessem verificado e não pode dissociar-se dos restantes instrumentos colocados à disposição do consumidor.
IV) Ficando precludido o direito a reparação por caducidade, fica-o em toda a sua dimensão, nomeadamente na de indemnização por danos não patrimoniais, e não apenas naquelas que se relacionam de modo direto com os defeitos visando a sua remoção: (reparação) a obtenção de coisa não defeituosa (substituição) ou a anulação da quebra patrimonial (redução do preço ou resolução).
(AAC)

Texto Integral

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I) RELATÓRIO

I… e M…, instauraram ação declarativa com processo comum sumário contra V…, LDA, pedindo a condenação da Ré a eliminar vícios e defeitos existentes em fração de imóvel que lhes vendeu, ou a pagar o valor das obras, reconhecendo o direito de os Autores contratarem quem as faça, e, bem assim, a pagar o alojamento dos Autores enquanto as obras decorrerem e indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 2.750,00.

Os Autores fundaram as suas pretensões na existência de defeitos na fração que compraram à Ré e a ela denunciaram, e que esta se comprometeu a reparar, sem que o tenha feito.

A Ré contestou por exceção e por impugnação. Por excepção aduziu a caducidade do direito exercido, por decurso do prazo previsto no artigo 917.º, do CC, ou seja, o prazo de seis meses para a instauração da ação após denúncia, uma vez que os Autores alegam, implicitamente, que denunciaram os defeitos antes de 15 de Setembro de 2007, sendo que, efetivamente, a denúncia ocorreu antes de final de Março de 2007, motivo por que o direito à reparação caducou em finais de Setembro de 2007, sendo falso que a Ré alguma vez tenha reconhecido os defeitos ou prometido a sua reparação. Por impugnação alegou desconhecer a existência dos defeitos e nada ter sido alegado que permita considerar verificados danos de natureza não patrimonial.

Os Autores replicaram pugnando pela improcedência da exceção de caducidade.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da inicial, para concretização dos defeitos, convite que os Autores aceitaram, apresentando a indicada correção.

Foi proferido despacho de saneamento tabelar e de organização da matéria de facto assente e da base instrutória, do qual não houve reclamações.

Houve julgamento após 1 de Setembro de 2013 e foi proferida sentença, julgando de facto e de direito, a qual julgou improcedente a exceção de caducidade, condenou a Ré a reparar os defeitos, a pagar a quantia peticionada a título de indemnização e a que se liquidar ulteriormente, quanto a alojamento dos Autores durante o decurso das obras, absolvendo-a do mais.

Desta decisão interpôs recurso a Ré discorrendo o seguinte, na parte pertinente, sob a epígrafe “conclusões”[1]:
«1. A R. não efetuou em sede de audiência de julgamento o reconhecimento de defeitos e dos direitos dos AA.
2. A R. efetuou um requerimento probatório, aceitando que os factos vertidos nos quesitos 1.º a 5.º e 9.º da antiga B.I fossem considerados provados, prescindido da respetiva prova (Vide requerimento escrito da ata da audiência de julgamento, datada de 04/10/2013).
3. A ilação de que se tratou de um reconhecimento corresponde a uma incorreta interpretação da vontade real da R.
4. A ser assim, a vontade real está em desconformidade com a vontade declarada, devendo a mesma ser anulada (Art. 247.º do CC).
5. A conduta da R. deve ser entendida unicamente como uma forma de contribuir para a perda de tempo com a produção de prova sobre factos irrelevantes para a apreciação da questão essencial destes autos, a saber: verificou-se um reconhecimento tempestivo pela R. dos direitos dos autores impeditivo da caducidade?
6. Esta atitude de acordar sobre a prova de certos fatos deve ser acarinhada e estimulada e não objeto desincentivo com ilações infundadas e descabidas.
Sem prescindir,
7. Os prazos para a denúncia de defeitos e para a interposição da ação, previstos nos artigos 916.º e 917.º do CC, este último aplicável por interpretação extensiva ao prazo para a interposição da ação para a condenação na eliminação de defeitos, são prazos de caducidade, cujo regime está definido nos artigos 328.º e seguintes do CC.
8. O reconhecimento impeditivo da caducidade, conforme decorre da doutrina e jurisprudência, deve ser clara, preciso, categórico, inequívoco.
9. Dos factos provados não decorre a verificação de qualquer reconhecimento com tais requisitos.
10. Finalmente, a jurisprudência é unanime no que respeita ao entendimento de que o reconhecimento, para ser impeditivo, deve ser efetuado no decurso do prazo de caducidade.
11. Estas posições decorrem dos seguintes acórdão:
(…)
12. Está provado que a denúncia ocorreu antes de Março de 2007.
13. A ação foi interposta em Outubro de 2010 e a audiência de julgamento realizou-se em Outubro de 2013.
14. É categórico que, a existir reconhecimento, o mesmo foi efetuado já muito tempo despois de ter decorrido o prazo de caducidade.
15. Em suma, a douta sentença, além de fazer uma incorreta e distorcida interpretação da vontade real da R., retirando um reconhecimento do seu requerimento de dispensa de prova para certos factos, violou o disposto no artigo 331.º, n.º 1 e 2 do CC.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e sentença colocada em crise revogada e substituída por uma outra que julgue procedente a exceção de caducidade e absolva a R. dos pedidos, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 635.º, n.º 3, 639.º A, nº 1 e 3, com as exceções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir, sem prejuízo da prejudicialidade de umas em relação a outras:

1) Da interpretação e qualificação da declaração feita em audiência pela Ré quanto aos factos constantes dos quesitos 1.º a 5.º e 9.º;

2) Da anulabilidade dessa declaração;

3) Das consequências da declaração como impeditiva da caducidade.

III) FUNDAMENTAÇÃO

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1. A factualidade considerada assente em primeira instância[2] é a seguinte:
1. Em 29/10/2003 foi celebrado entre os autores e a ré um contrato de compra e venda de uma fração habitacional, identificada pelas letras CU, localizada no r/c do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, designado O… – alínea A.
2. Os autores apresentaram reclamação, no dia 14/9/2007, a que foi atribuído o nº …/07 junto do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da RAM [Região Autónoma da Madeira] – alínea B.
3. O processo foi arquivado porque a ré recusou aderir à convenção arbitral – alínea C.
4. A ré é uma sociedade comercial cujo objeto consiste na promoção imobiliária, promover a construção de empreendimentos habitacionais, comerciais e turísticos e compra e venda de propriedade para revenda – alínea D.
5. A ré foi a promotora do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado O…, situado no Sítio do … – alínea E.
6. Os autores denunciaram à ré defeitos, verbalmente e por escrito, antes de finais de Março de 2007 – alínea F.
7. No decorrer de 2006 deu-se o inchamento das madeiras, começando a aparecer ondulação do soalho em toda a sua extensão, e em todas as divisões da fração, designadamente quartos de dormir, salas e zonas de passagem – resposta ao quesito 1.
8. Provocando a cedência das juntas e alicerces – resposta ao quesito 2.
9. Ocorreu ainda deslocamento do revestimento exterior dos armários, perdendo a sua proteção e impermeabilidade – resposta ao quesito 3.
10. Nas casas de banho os defeitos verificaram-se ao nível dos azulejos e mosaicos, que devido ao deficiente betonamento encontram-se a deslocar e ceder, com a consequente queda – resposta ao quesito 4.
11. Já as fissuras nas paredes, as mesmas existem um pouco por toda a fração, consistindo na abertura das pequenas fendas, danificando a pintura e o reboco das mesmas – resposta ao quesito 5.
12. A ré aceitou fazer uma vistoria à fração dos autores em Setembro de 2007 – resposta restritiva ao quesito 6.
13. Para proceder à reparação do soalho os autores terão de sair temporariamente da fração – resposta restritiva ao quesito 7.
14. Os autores não conseguem obter alojamento alternativo gratuito nem têm meios para custear o mesmo – resposta restritiva ao quesito 8.
15. Os autores estão a pagar mensalmente à banca o empréstimo pela aquisição da referida fração – resposta ao quesito 9.
16. Os factos acima referidos causaram aos autores ansiedade e tristeza – resposta restritiva ao quesito 10.
1.2. Dos autos resulta ainda com interesse para a decisão do recurso:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.  A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo em 14 de Outubro de 2010.
18.  A Ré outorgou procuração nos autos ao Ilustre Advogado Dr. R…, na qual consta conferir-lhe «os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e ainda os especiais para confessar, transigir e desistir, bem como receber custas de parte».
19.  Na audiência de julgamento realizada nestes autos em 4 de Outubro de 2013, o Ilustre mandatário da Ré referido em 18. pediu a palavra e no seu uso declarou: «a ré aceita que sejam dados como provados os factos constantes dos artigos 1.º a 5.º e 9.º da Base instrutória, prescindindo da respetiva prova», o que foi consignado por escrito na ata respetiva, tendo sido aceite pela parte contrária.
20.  A recusa referida em 3. ocorreu em 17 de Outubro de 2007 e o processo respetivo foi arquivado em 15 de Julho de 2008.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


2.1. Da interpretação da declaração feita em audiência[3] pela Ré quanto aos factos constantes dos quesitos 1.º a 5.º e 9.º
Nas suas conclusões de recurso a Ré/Recorrente refere que a sua declaração referida em 19. não constitui reconhecimento dos defeitos e dos direitos dos Autores mas, antes, aceitação de que os factos constantes dos indicados quesitos sejam dados como provados, prescindindo de prova quanto a eles.
Os quesitos em causa têm o seguinte teor:
«1.º No decorrer de 2006 deu-se o inchamento das madeiras, começando a aparecer ondulação do soalho em toda a sua extensão, e em todas as divisões da fração, designadamente quartos de dormir, salas e zonas de passagem?
2.º Provocando a cedência das juntas e alicerces?
3.º Ocorreu ainda deslocamento do revestimento exterior dos armários, perdendo a sua proteção e impermeabilidade?
4.º Nas casas de banho os defeitos verificaram-se ao nível dos azulejos e mosaicos, que devido ao deficiente betonamento encontram-se a deslocar e ceder, com a consequente queda?
5.º Já as fissuras nas paredes, as mesmas existem um pouco por toda a fração, consistindo na abertura das pequenas fendas, danificando a pintura e o reboco das mesmas?
9.º Os autores estão a pagar mensalmente à banca o empréstimo pela aquisição da referida fração?»
Conforme decorre da alegação e conclusões da Recorrente, a questão só se coloca quanto aos quesitos 1.º a 5.º, nada estando em causa quanto ao quesito 9.º.
A matéria constante dos quesitos transcritos e em causa é, afinal, a relativa aos problemas existentes na fração, que os Autores invocam como sendo defeitos da mesma a fundar direito a reparação.
Pretende a Recorrente que a sua transcrita declaração não pode entender-se como admissão da existência daqueles problemas, mas, antes, como declaração de prescindimento de prova quanto a eles, por os considerar inúteis à declaração do direito.
Com o devido respeito, entendemos que não pode assim concluir-se.
A (in)utilidade da submissão de um facto a instrução é apreciada em sede de organização da matéria de facto em base instrutória. É nesse momento que as partes são chamadas a colaborar ou a reclamar quanto à utilidade ou inutilidade dos factos a incluir, não em sede de audiência de julgamento. Nesta sede[4] coloca-se a questão da produção de prova, competindo às partes fazer a prova dos factos de que tenham tal ónus.
É certo que a parte pode declarar explicitamente que prescinde de provar um determinado facto, com utilidade meramente informativa, mas apenas se lhe couber o ónus de o provar. Não se afigura razoável que uma parte declare que prescinde da prova quanto a factos cujo ónus probatório cabe à parte contrária, como é o caso da factualidade a que se referem os quesitos 1.º a 5.º.
A aceitar tal tese, teríamos que a Ré “prescindia” da prova quanto aos factos constitutivos do direito da Autora e esta veria soçobrar a demonstração de tais factos.
Não é razoável supô-lo e tal não resulta em concreto do que foi dito. A Ré disse que aceitava que tais factos fossem dados como provados e que se não produzisse prova quanto a eles. O mesmo é dizer, dispensou a Autora de tal prova dando os factos como assentes pois, aceitando que tais factos sejam dados como provados, está a admitir factos que lhe são desfavoráveis, o que constitui confissão nos termos do artigo 352.º, do CC[5].
O Ilustre mandatário da Ré está munido de procuração que lhe confere poderes para confessar, verificando-se esse pressuposto de eficácia da confissão a que alude o artigo 353.º, n.º 1, do CC[6].
A declaração confessória foi feita em audiência de julgamento por iniciativa do Ilustre mandatário, devendo qualificar-se como confissão judicial espontânea – artigos 355.º, n.º 1, e 356.º, n.º 1, ambos do CC.
A referida declaração foi consignada em ata lavrada em suporte eletrónico no sistema de tramitação processual CITIUS, constituindo por isso confissão escrita – artigos 3.º do Decreto-Lei 290-D/99 e 19.º, da Portaria 280/2013 – e mostra-se aceite, na mesma forma, pela parte contrária.
Concluímos portanto que a declaração em causa, contrariamente ao que a Recorrente defende, constitui confissão judicial, espontânea e escrita dos factos constantes dos quesitos a que se reporta[7].
Nessa medida, tais factos haveriam de ser dados como provados sem necessidade de produção de prova, visto o disposto nos artigos 358.º, n.º 1, do CC, e 607.º, n.º 4, do CPC, como o foram.
2.2. Da anulabilidade dessa declaração
A este respeito dir-se-á tão-somente que a Recorrente nada alegou nos autos que permita apreciar da invalidade, improcedendo liminarmente a conclusão.
1.
2.
1.
2.

2.3. Das consequências da declaração como impeditiva da caducidade
Cremos que esta é a questão central que o recurso coloca e que, apesar das aparências em contrário, as demais que até agora se apreciaram são relativamente pacíficas.
O cerne da questão está em saber se a declaração feita em audiência de julgamento pode ser considerada impeditiva da caducidade, como o decidiu a sentença impugnada.
Dito de outro modo, ao reconhecer a existência dos defeitos na audiência de julgamento, a Ré praticou um ato suscetível de impedir a caducidade dos direitos que os Autores pretenderam fazer valer e viram reconhecidos pela sentença impugnada?
Questão que convoca o disposto no artigo 331.º, do CC:
«1 – Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2 – Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido».
a) A natureza da declaração
A caducidade tem como fundamento a necessidade de estabelecer prazos curtos e determinados para que não seja posta em causa a certeza e segurança jurídicas pela indefinição dos direitos por períodos muito longos. Quando estabelecida para a propositura de ações, pretende ainda  obstar à dificuldade de um apuramento judicial de factos em datas muito distantes da sua ocorrência.
Do que se retira que o facto impeditivo da caducidade tenha de ser exato e concreto de modo a que, por ele, se possa considerar definido o direito nos mesmos termos em que o seria por uma sentença judicial que incidisse sobre o objeto de litígio.
Cremos este entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência. De tal é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2013 proferido no processo 756/10.2TBFLG.G1.S1 (Pereira da Silva) onde se lê: «o reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade (art.º 331.º n.º 2 do C.C.), tem de ser concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade».
O mesmo Supremo Tribunal em  24 de maio de 2012 havia decidido no mesmo sentido no processo 1288/08.4TBAGD.C1.S1 (Serra Baptista): «o reconhecimento do direito só impede a caducidade se tiver o mesmo resultado que se obteria com a prática tempestiva do acto sujeito a caducidade, assim assumindo igual valor».
Pretende a Recorrente que não detém tal natureza o reconhecimento que fez nos autos. Não parece que assim seja. Na medida em que a Ré reconheceu a existência de defeitos do imóvel, não em geral, mas dos concretos defeitos a que os quesitos se reportam, encontra-se suficientemente definida a situação em termos da sua certeza e segurança, independentemente de a Ré reconhecer a plenitude de realização do direito dos Autores, por o entender impedido pela caducidade anterior àquela sua declaração.
Conclui-se, portanto, que a declaração de reconhecimento dos defeitos feita pela Ré nos autos tem virtualidade impeditiva da caducidade, atendendo à sua natureza concreta e definida.
Porém, outra questão coloca o recurso ao defender que o reconhecimento da existência de defeitos, a entender-se desse modo a declaração aprecianda, ocorreu após o decurso do prazo de caducidade pelo que é inócua para a sua apreciação, não permitindo reativar o direito extinto.
O que implica saber qual a data da declaração de reconhecimento, se nessa data já havia ocorrido caducidade e, na afirmativa a ambas as questões, das consequências da declaração em sede de caducidade.
b) A data da declaração
Os Autores alegaram no artigo 4.º da petição que, em 15 de setembro de 2007 a Ré já havia reconhecido os defeitos pois se tinha comprometido a repará-los com início nessa data.
Não se provou que assim fosse, como resulta da resposta restritiva ao quesito 6.º.
Nenhuma outra notícia de reconhecimento de defeitos pela Ré existe nos autos até à declaração em audiência de julgamento. Nessa declaração, como sobejamente referido, a Ré reconheceu a existência dos defeitos. Assim, tem de considerar-se que o reconhecimento ocorreu em 4 de outubro de 2013.
c) O prazo de caducidade
No caso dos autos está em causa a venda de um imóvel por quem não foi construtor do mesmo. Não releva argumentar quanto ao que ninguém discute e que nos merece concordância: estarmos ante um contrato de compra e venda de imóvel sendo vendedora a Ré e compradores os Autores.
Na definição dos contornos jurídicos da questão importa ainda atender a que a Ré vendedora é uma sociedade que tem como objeto social justamente a promoção imobiliária e revenda de imóveis e que os Autores são pessoas singulares que habitam a fração que adquiriram (cf. matéria de facto descrita na sentença sob os pontos 10, 13, 14, 23 e 24).
Está assente a existência de defeitos ou desconformidades do bem vendido.
A situação enquadra-se, em consequência, no âmbito do Decreto-Lei 67/2003, em vigor na data em que foi celebrado o contrato[8], e, bem assim, nas restantes datas referentes ao conflito dos autos, sendo que o mesmo foi alterado pelo Decreto-Lei 84/2008, sendo essa a redação vigente quando a ação foi proposta[9].
O regime do Decreto-Lei 67/2003 é especial relativamente ao do Código Civil (CC) por isso que regula apenas os negócios em que uma das partes tenha a natureza de consumidor, enquanto o regime do CC tem vocação universal, sem restrição quanto à natureza dos contratantes. Termos em que se aplica o Decreto-Lei 67/2003, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do CC em tudo o que não esteja em contradição com o Decreto-Lei 67/2003[10]. A alteração sofrida por este diploma não obsta à aplicação da redação original ao desenvolvimento das relações jurídicas ocorrido na sua vigência.
Vendo então o que aí se dispõe quanto à compra e venda, temos que o artigo 3.º estatui que o «vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue» sendo que «as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade».
O artigo 4.º, n.º 1, dispõe que «em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato».
Quanto aos prazos de exercício dos direitos, questão que nos ocupa, há que atender ao artigo 5.º que teve o seguinte teor entre 9 de Abril de 2003 e 21 de Junho de 2008:
«1 - O comprador pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
 2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
 3 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
 4 - Os direitos conferidos ao consumidor nos termos do n.º 1 do artigo 4.º caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses.
 5 - O decurso dos prazos suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa» (sublinhados nossos).
No caso dos autos os Autores denunciaram os defeitos até final de março de 2007 (ponto 6 dos factos assentes).
Cumprindo à Ré o ónus de provar a data – artigo 343.º, n.º 2, do CC – ter-se-á de atender à data mais desfavorável, ou seja, à de 31 de março de 2007, como sendo a de denúncia dos defeitos.
O que determina que o prazo de seis para instaurar a ação tenha tido o seu termo final em 1 de outubro de 2007 – artigo 279.º, alíneas b) e c), do CC.
Importa referir que estes prazos foram alterados pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 que estabeleceu no novel artigo 5.º-A, n.º 3, que o prazo para instauração da ação após a data da denúncia seria de três anos.
Porém, este diploma entrou em vigor em 21 de Junho de 2008, data em que a caducidade já operara, pelo que se lhe não pode aplicar – artigo 12.º, n.º 1, do CC -, vista a regra de ressalva de efeitos produzidos.
Nem em contrário se defenda que se pretendeu por ele corrigir a discrepância entre os prazos da Directiva e os do Decreto-Lei 67/2003, pois a mesma apenas se verificava quanto às coisas móveis[11].
Esclarecedoramente se pronuncia a respeito o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de  11 de outubro de 2011 proferido no processo 409/08.1TBVIS.C1.S1 (Gabriel Catarino)  por cuja transcrição nos dispensamos de mais considerações:
«A tese, em nosso juízo, teria cabimento – como teve no caso referido no aresto – se a normação que se corrigia se contivesse no âmbito da que pretendia corrigir. No entanto, como se pretendeu demonstrar supra, a normação corrigenda extravasava não se continha nos estritos limites da Directiva, isto é, não corrigia os prazos de caducidade para os bens móveis, mas pretendeu corrigir os prazos de caducidade para os casos em que o objecto do contrato fosse um bem imóvel. Vale por dizer, que, em face da deficiente transposição, por extensão, da directiva para o ordenamento interno, a norma do artigo 5.º-A do Decreto-lei n.º 84/2008 teve dois efeitos, um primeiro, efectivamente corrector, quando alarga o prazo de caducidade de seis meses para dois anos para os contratos em que o objecto é uma coisa móvel, e um outro inovador, porque privativo, por um lado, e extravagante, por outro, quanto ao prazo de caducidade em que o objecto tenha sido uma coisa imóvel. Dito de outro modo, porque a normação do Decreto-lei n.º 67/2003 excedeu o que estava contido na Directiva só se podem considerar correctoras as disposições que se contenham nos limites desta última, ou seja as disposições que respeitem à regulamentação dos prazos para os bens móveis. De fora, em nosso juízo, deverão ficar as disposições que quanto à matéria da caducidade atinem com as situações de contrato de compra e venda que tenham por objecto coisas imóveis.
A norma correctiva introduzida pelo artigo 5.º-A do Decreto-lei n.º 84/2008 só pode abranger os casos ou situações que atinem com bens móveis e já não com os casos em que o contrato de compra e venda tenha por objecto uma coisa móvel. 
Pelo que, em nosso juízo, colhe a argumentação do recorrente de que o diploma de correcção, como é apelidado, não pode ser aplicável aos casos em que o contrato de compra e venda tenha por objecto um bem imóvel. Para estes casos, porque a inclusão de bens imóveis no diploma de transposição foi excessiva e transbordante relativamente ao núcleo conformador da Directiva as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 84/2008, não pode ser tido como corrector, mas sim como modificante ou inovador do prazo fixado no diploma de transposição que havia sido de seis meses, aliás em concordância com o artigo 917.º do Código Civil».
Temos por isso como aplicável a redacção original do Decreto-Lei 67/2003.
Por outro lado, ao invés do que sucede no artigo 5.º-A, n.º 4, na redação do Decreto-Lei 84/2008, não se encontrava prevista na redação original a suspensão do prazo de caducidade «durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor».
Diga-se, de todo o modo, que a reclamação para composição extrajudicial do litígio a que se referem os pontos 2, 3 e 20 dos factos assentes, não se integra em nenhuma das categorias referidas na indicada norma.
Mesmo que se entendesse estabelecer analogia com o que dispõe o artigo 331.º do CC e, por via dele, o artigo 327.º, n.º 3, do mesmo diploma, ainda assim tinha ocorrido a caducidade, pois os dois meses contados após a recusa da via extrajudicial completaram-se em 17 de dezembro de 2007 e a ação foi proposta em 14 de outubro de 2010.
Em suma, conclui-se que apenas a instauração da ação até 1 de outubro de 2007 permitiria obstar à caducidade do direito.
c) O âmbito da caducidade
Até ao momento não distinguimos as pretensões em causa. Porém, a Ré foi condenada a reparar os defeitos, a pagar a quantia peticionada a título de indemnização e a que se liquidar ulteriormente quanto a alojamento dos Autores durante o decurso das obras.
Duas condenações diversas: uma relativa à reparação dos defeitos, que necessariamente engloba o pagamento do alojamento durante a reparação, e outra relativa a danos não patrimoniais.
Estará esta última excluída da caducidade, uma vez que as normas citadas, mormente o artigo 3.º, do Decreto-Lei 67/2003, se referem apenas aos direitos de reparação, substituição, redução do preço ou resolução?
 Não cremos que assim seja. A indemnização constitui um corolário dos restantes direitos previstos de reação às desconformidades e de reconstituição da situação vigente caso as mesmas não se tivessem verificado. Não pode assim dissociar-se dos restantes instrumentos colocados à disposição do consumidor. Ficando precludido o direito por caducidade, fica-o em toda a sua dimensão e não apenas naquelas que se relacionam de modo direto com os defeitos visando a sua remoção: (reparação) a obtenção de coisa não defeituosa (substituição) ou a anulação da quebra patrimonial (redução do preço ou resolução).
É o que observa o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 12 de janeiro de 2010 proferido no processo 2212/06.4TBMAI.P1.S1 (João Camilo):
«Quer o texto da Directiva quer o teor literal do Decreto-Lei nº 67/2003 apenas se referem ao exercício dos direitos ou faculdades colocadas ao dispor do consumidor perante o vendedor de coisa defeituosa de reparação ou substituição da coisa, de redução adequada do preço ou de resolução.
Porém, tal como já referimos acima para a extensão da aplicabilidade do disposto no art. 917º do Cód. Civil, às demais faculdades legais ao dispor do comprador de coisa defeituosa, ali textualmente não previstas, também aqui a aplicabilidade dos prazos de denúncia e de propositura da acção previstos literalmente apenas para os meios de impugnação da venda de coisa defeituosa referidos no art. 4º do Decreto-Lei nº 67/2003 e no art. 3º da Directiva, se deve estender ao outro meio de reacção, previsto legalmente em termos gerais, de indemnização, sob pena de incoerência do sistema legal, ou seja, ao abrigo dos elementos racional e sistemático de interpretação da lei previstos no art. 9º, nºs 1 e 3».
E em outro passo o mesmo aresto faz apelo à identidade de razões com a motivação que leva a aplicar a norma do artigo 917.º, do CC, à ação em que se exerce não o direito à anulação, mas os direitos de reparação, substituição, redução do preço ou resolução.
Razões expendidas no acórdão de uniformização 2/97, publicado no Diário da República 25/97 Série I-A, de 30 de Janeiro de 1997[12].
Para concluir que a caducidade atinge todas as pretensões reconhecidas aos Autores.
d) As consequências do reconhecimento
Como se viu entendemos, com a sentença recorrida, que ocorreu reconhecimento dos defeitos pela Ré em 4 de Outubro de 2013.
Mas não a acompanhamos quando decide que tal impede a caducidade. Pela simples razão de que nada a podia impedir, verificada que estava.
Nesse sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2013, antes citado.
Di-lo também o Conselheiro Cura Mariano: «o simples reconhecimento, posterior ao decurso do prazo de caducidade, já não tem eficácia impeditiva, uma vez que o termo do prazo provoca a extinção automática do direito caducado»[13].
Uma vez que o reconhecimento de defeitos por parte da Ré ocorreu após a caducidade do direito dos Autores, não tem o mesmo eficácia impeditiva. O mesmo é dizer que caducou o direito dos Autores, devendo a sentença ser revogada e a Ré absolvida.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso, e, em consequência revogar a decisão, julgando procedente a exceção de caducidade dos direitos dos Autores, absolvendo a Ré do pedido.

Custas pelos Recorridos em ambas as instâncias.

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Lisboa, 10 de Abril de 2014

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(Ana de Azeredo Coelho)

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(Tomé Ramião)

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(Vítor Amaral)



[1] Epígrafe desmentida pela prolixidade do texto subsequente, cuja correção se não suscita por se descrer da utilidade de tal intervenção processual. Embora a utilidade de conclusões que reproduzem as alegações, nomeadamente transcrevendo arestos, também seja nula.
[2] Apreciando-se ulteriormente de eventual repercussão do objeto do recurso nessa factualidade, uma vez que está impugnada a natureza confessória de declaração em audiência de julgamento.
[3] Referimo-nos à acta sob a referência 3322622 que não está nos autos em suporte físico.
[4] Em alguns casos em momento anterior quanto às provas trazidas aos autos antes do julgamento.
[5] Norma que reza: «confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
[6] Onde se lê: «a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira».
[7] Diversa da confissão ficta a que alude o artigo 46.º, do CPC.
[8] Diploma que entrou em vigor em 9 de Abril de 2003 – artigo 14.º, n.º 1 -, sem prejuízo da exceção que o n.º 2 da norma estabelece quanto ao artigo 9.º, irrelevante nos autos.
[9] Diploma que entrou em vigor em 21 de Junho de 2008 – artigo 5.º.d
[10] A especial natureza dos diplomas de proteção dos consumidores pode permitir uma inversão daquela relação de especialidade quando as normas do CC se apresentem em concreto mais favoráveis, o que é despiciendo no caso dos autos.
[11] Pelo que se não coloca com interesse nos autos a questão da defeituosa transcrição da Diretiva Comunitária nº 1999/44/CE, quanto ao prazo de dois anos previsto no artigo 3.º da Diretiva, desde logo por se tratar de imóvel.
[12] No mesmo sentido João Calvão da Silva in “Compra e venda de coisas defeituosas”, Almedina 2002, p. 74.
[13] In “Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, Almedina, 3.ª edição, p. 172.