I- O interesse em agir do autor, verificar-se-á quando a situação de carência em que se encontra necessite de intervenção dos tribunais, sendo que, a necessidade do autor recorrer á acção judicial não tem de ser absoluta, única para a realização do interesse que se pretende acautelar, mas também não pode estar em causa um interesse remoto, vago ou subjectivo (moral científico ou académico) de obter uma decisão judicial.
II- O interesse processual terá de consistir num estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso se tornando legítima a sua pretensão a conseguir, por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: Infraestruturas de Portugal, S.A..
Recorrido: Domingo e Maria.
Tribunal Judicial de Guimarães – Instância Central, 2ª Secção Cível, J1.
A Autora Infraestruturas de Portugal, S.A., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os Réus, Domingo e Maria, pedindo que, julgada procedente a acção sejam os Réus condenados:
a) A desocupar a área de 237m2, bem como a casa te habitação, garagem e muro supra identificados
b) A abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou dificulte a utilização desse mesmo trato de terreno, bem como a demolição da casa de habitação, garagem e muro;
c) A pagar à A. uma indemnização, acrescida de juros de mora, a apurar em liquidação, referente ao lapso de tempo em que estiveram na posse dos bens em questão e que, em consequência privaram a A. de usar e fruir dos mesmos;
d) A pagar ao A. todas as despesas tidas e a ter por este no âmbito do presente processo, com custas e procuradoria.
Como fundamento e, em síntese, alega a Autora que, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/0212012, foi fixada indemnização no montante de 228.9522,95€, sendo que, tal quantum indemnizatório compreende 36.614,32 € relativos ao valor do terreno, 178.875,00 correspondente á letalidade da habitação e benfeitorias e 13.436,63 € relativos a desvalorização da parte sobrante.
Este Acórdão transitou em jugado em Fevereiro de 2012, tendo a entidade expropriada procedido, conforme lhe competia, ao depósito do valor actualizado da justa indemnização, tendo sido ainda prescrito ser devido aos expropriados o ressarcimento das despesas com o realojamento do seu agregado familiar a liquidar em sede de execução da sentença, até ao limite máximo fixado na sentença da 1ª instância de 30.000,00
Todavia, apesar da parcela 56 apenas abranger parte da citada habitação a entidade expropriante foi condenada a pagar a totalidade do seu valor, uma vez que este deixaria de ter qualquer aproveitamento e autonomia.
Deste modo, a construção em causa foi globalmente considerada (incluindo garagem e muro) para afeitos de indemnização, porquanto toda ela ficará inutilizada.
No entanto, os expropriados não lograram desocupar o imóvel em causa, continuando a usufruir dele, bem como de parte do terreno de logradouro que foi expropriado, sem quaisquer limitações ou restrições.
Foi pela Autora tentada a reversão da área não ocupada pela expropriação, mas o tribunal indeferiu tal pretensão, justificando com o facto de a casa, na globalidade da sua estrutura ter ficado afectada quanto à segurança do edifício por se encontrar na crista de um talude.
Este assunto envolve uma parte do terreno que é domínio público, conforme alinhamento dos marcos PE existentes e outra parte que é uma benfeitoria paga pela EP e terá necessariamente que ser removida por questões de segurança.
Tendo os serviços da Autora constatado que os Expropriados continuam a residir na habitação, efectuaram diligências junto da concessionária Ascendi com vista a desocupação da habitação e sua demolição, sendo quem os Expropriados não acedem a desocupar a habitação em causa, nem dão sinal de pretenderem accionar o incidente de liquidação da sentença, na parte das despesas de realojamento a que têm direito por força da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, tentando negociar e obter um valor bem superior ao que resulta do decidido no acórdão da Relação e não saem da habitação, mau grado lhes ter sido indemnizada, continuando a usufruir de um bem que já não lhes pertence.
Mais alega que, ao contrário do pretendido pelos RR. e que se encontra manifesto nas cartas por estes trocadas com a Autora e com a concessionária, apenas depois, e não antes, da mudança de habitação e consequente realojamento do agregado familiar, é que as despesas serão indemnizadas pela Autora., uma vez que apenas após tal data é que se conseguirão apurar em quanto importam tais despesas, mostrando-se obviamente necessário que tais despesas sejam comprovadas pelos RR.
E assim sendo, desde que transitou em julgado a decisão final sobre o processo de expropriação, deviam os RR de imediato ter desocupado os bens em causa, por forma a permitir que a Autora disponibilizasse tais bens à concessionária para que a mesma procedesse à execução das obras em falta, nomeadamente a demolição da casada habitação, garagem e muro e instalação da rede de vedação, não tendo os RR. procedido conforme decido judicialmente, privaram legitimamente a Autora do uso de tais bens.
Citados que foram os Réus de forma válida e regular, contestaram em tempo alegando, designadamente, que a Autora formula pedido de condenação de desocupação da área de 237 m2, casa de habitação, garagem e muro visando a formação de título executivo que já possui pois tomou posse administrativa da parcela expropriada, tratando-se de acto administrativo que goza de executoriedade.
A Autora não tomou posição sobre a excepção.
Por se ter considerado reunir o processo todos os elementos necessários para ser proferida decisão, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador no qual se decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, nos termos dos artigos 576º nºs 1 e 2, 577º, 595º alínea a), o Tribunal absolve da instância os Réus Domingo e mulher Maria”.
Inconformado com tal decisão, apela a Autora, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. Nos termos do contrato de concessão assinado entre o Estado e a Auto-Estradas, S.A. (cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 67-A/99 de 1 de Julho, publicada no Diário da República – I Série B – Nº 155 de 6/7/1999 e as Bases da Concessão foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho), o qual teve como objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal, o ex-IEP – Instituto das Estradas de Portugal, ora IPInfraestruturas de Portugal, S.A, assumiu a obrigação de entregar os bens e direitos expropriados à concessionária, livres de encargos e desocupados, no prazo de 180 dias.
II. O processo de expropriação da parcela em causa seguiu a via litigiosa, tendo sido proferida decisão, já transitada em julgado, no Proc. n.º 6087/04.0TBGMR, do 4.º Juízo Cível, do antigo Tribunal Judicial de Guimarães.
III. Foi proferido o competente despacho de adjudicação judicial da propriedade, ao abrigo do artigo 51.º/5 do C.E, transferindo para a entidade expropriante a propriedade da parcela em causa, com a área de 1.156m2, na qual está compreendida parte da área em que se encontra implantada uma casa de habitação, para a entidade expropriante, livre de quaisquer ónus e encargos.
IV. Embora o projecto tenha sofrido uma alteração que levou a uma diminuição da área expropriada, continuou a abranger parte da habitação, pelo que decidiu o Tribunal, que não estavam garantidas as condições de segurança (habitação sobranceira ao talude da Autoestrada, pelo que é afectada na sua consistência estrutural e global), pelo que deveria ser indemnizada na sua totalidade.
V. Este Acórdão transitou em julgado em Fevereiro de 2012, tendo a entidade expropriante procedido, conforme lhe competia, ao depósito do valor actualizado da justa indemnização.
VI. Mais foi prescrito ser devido aos expropriados o ressarcimento das despesas com o realojamento do seu agregado familiar a liquidar em sede de execução da sentença, até ao limite máximo fixado na sentença da 1ª Instância de 30.000,00€ (cf. pedido no recurso interposto pelos expropriados).
VII. De facto, apesar da parcela 56 apenas abranger parte da citada habitação, a entidade expropriante foi condenada a pagar a totalidade do seu valor, uma vez que este deixaria de ter qualquer aproveitamento e autonomia.
VIII. Todavia, apesar de já terem recebido o justo valor pela sua habitação, os expropriados não lograram desocupar o imóvel em causa, continuando a usufruir dele, bem como de parte do terreno de logradouro que foi expropriado, sem quaisquer limitações ou restrições.
IX. Foram efectuadas várias diligências pela concessionária Ascendi com vista a desocupação da habitação e sua demolição.
X. Todavia, os expropriados não acedem a desocupar a habitação em causa, nem dão sinal de pretenderem accionar o incidente de liquidação da sentença, na parte das despesas de realojamento a que têm direito por força da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
XI. O tribunal a quo entendeu, incorrectamente a nosso ver, que, a existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos decorrem, não da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados, mas da inércia em actuar da entidade expropriante, com o qual não podemos de forma alguma concordar.
XII. Conforme se encontra alegado, foram realizadas várias diligências com vista à desocupação do imóvel em questão, as quais se revelaram infrutíferas.
XIII. Sem prescindir, os prejuízos sofridos pela entidade expropriante, ora autora, na sua esfera patrimonial, podem e devem ser imputados a quem os originou.
XIV. Não tendo os RR procedido conforme decidido judicialmente, nem quando interpelados para o efeito, privaram ilegitimamente a autora do uso de tais bens.
XV. Pelo, que se por mais nenhuma razão devessem os presentes autos prosseguir, o que não se concede, assumiriam sempre um interesse na determinação e avaliação dos prejuízos causados.
XVI. O que revela que tem a IP interesse processual em agir, ao contrário do decidido na sentença em crise.
XVII. Sendo de salientar que o pedido não se reduz à condenação na desocupação do imóvel em questão, mas ainda a abstenção da prática de qualquer acto que impeça ou dificulte a utilização desse mesmo trato de terreno, bem como a demolição da casa de habitação, garagem e muro e pagamento de uma indemnização, acrescida de juros de mora, a apurar em liquidação, referente ao lapso de tempo em que estiveram na posse dos bens em questão e, em consequência privaram a A. de usar e fruir dos mesmos”.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar da verificação do pressuposto processual do interesse em agir por parte da Autora.
Fundamentação de facto.
Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito:
(…)
Cumpre decidir.
De entre os requisitos de que depende a prolação de decisão sobre o mérito da causa figura o interesse em agir, encarado como pressuposto processual autónomo inominado referente às partes.
Este requisito tem sido definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção: surge da necessidade de o demandante obter a protecção de um interesse substancial, pressupondo a lesão desse interesse e a idoneidade da pretensão requerida tendo em vista a sua reintegração (1).
Trata-se, em suma, do interesse da parte activa em obter a tutela judicial de um direito subjectivo através de um determinado meio processual.(2)(3).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2011 (4) escreve-se o seguinte “só se justifica o recurso a Juízo quando alguém tenha necessidade de dar concretização ao direito que, racionalmente, a sociedade lhe tem atribuído e que lhe está a ser denegado por outrem. Para que se possa tomar como legítima esta tomada de posição não se torna exigível que o autor só através deste modo possa realizar o seu objectivo; porém, casos haverá em que a ocorrência que se quer ver protegida se mostra desde logo não merecedora de qualquer atitude jurisdicionalmente defensória e a merecer a recusa de se continuar com a tramitação processual destinada a dela cuidar”.
Ao contrário do que sucede com a legitimidade (5), o interesse em agir não se destina a assegurar a eficácia da sentença, mas antes a sua utilidade; por outras palavras: sem interesse em agir a actividade jurisdicional seria exercida em vão.(6)(7).
Consubstancia uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, susceptível de enquadramento de nos artigos 278º nº 1 alínea e) e 578º do Código de Processo Civil.
Revertendo para a situação em análise: a Autora apresentou-se em Juízo pedindo a condenação dos Réus:
a) a desocupar a área de 237 m2, bem como a casa de habitação, garagem e muro;
b) a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou dificulte a utilização desse mesmo tracto de terreno, bem como a demolição da casa de habitação, garagem e muro;
c) a pagar-lhe uma indemnização, acrescida de juros de mora, a apurar em liquidação, referente ao lapso de tempo em que estiveram na posse dos bens em questão e em consequência, a privam de usar e fruir dos mesmos.
A causa de pedir prende-se com a declaração de utilidade pública, publicada na II Série do Diário da República de 10 de Fevereiro de 2003, referente à expropriação das parcelas necessárias à construção da obra “concessão norte – A7/IC5 Guimarães/Fafe/ Sublanço Selho/Calvos” onde se incluía a parcela 56 pertencente aos Réus com a área de 1.818 m2 que implicava a demolição de uma casa de habitação e respectivas benfeitorias.
Alega a Autora que após uma alteração do projecto, a área expropriada ficou reduzida a 1.156 m2 tendo sido homologada a desistência parcial da expropriação, limitando a área ao estritamente necessário à obra, proferido despacho de adjudicação e fixada a indemnização por sentença transitada em julgado; não obstante o depósito do valor actualizado da indemnização, que compreendia a totalidade da habitação por não estarem garantidas as condições de segurança, os Réus não desocuparam o imóvel por pretenderem obter um valor superior ao estabelecido pelo Tribunal da Relação para ressarcimento das despesas de realojamento do agregado familiar e não pretendem accionar o incidente de liquidação, motivo pelo qual visa que a casa de habitação, a garagem e a área de 237 m2 lhe sejam entregues para proceder à demolição e instalação da rede de vedação.
Extrai-se dos documentos que instruíram a petição inicial e da cópia certificada do auto de posse administrativa de fls. 262 e 263 que:
a) por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 10 de Fevereiro de 2003, publicado na II Série do Diário da República de 26 de Fevereiro de 2003 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas necessárias à construção da obra “concessão norte – A7-IC5 – lanço Guimarães – Fafe - sublanço Selho – Calvos (quilómetro 0+000 a quilómetro 6+819)” com início previsto no prazo de seis meses, entre as quais, a parcela nº 56 com a área de 1.818 m2 composta de terreno, benfeitorias, construções, inscrita na matriz urbana da freguesia de Nespereira sob o artigo 8888 em nome do Réu;
b) no processo de expropriação intentado pela Autora – à época IEP – Instituto das Estradas de Portugal – contra o Réu foi proferido despacho adjudicando àquela a propriedade da parcela de terreno nº 56, com a área de 1.156 m2 a destacar do prédio urbano situado na freguesia de Nespereira, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 7777 e registado na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob nº 587/230KKK;
c) do Acórdão do Tribunal da Relação de 13 de Fevereiro de 2012 extrai-se que:
i) a área expropriada abrange parte da moradia, obrigando ao desalojamento e a despesas e incómodos inerentes à reinstalação noutro local;
ii) a execução da empreitada não importou a demolição da parte da moradia abrangida na expropriação;
iii) a expropriante colocou uma vedação a contornar a casa de habitação dos expropriados Réus mas parte do edifício encontra-se dentro da parcela expropriada, entendendo-se que quando aquela o considerasse necessário ou útil poderia apossar-se dessa parte do seu terreno com a consequente demolição da parte da casa que nela assenta – por necessidade de alargamento da autoestrada ou para colocar uma vedação mais segura – provocando a sua inutilização total;
iv) foram atribuídos os seguintes valores a título de indemnização:
- € 9.800 relativamente à garagem com 28 m2 e € 1.350 quanto ao muro de vedação com 18 metros de comprimento e 1 metro de altura, a título de benfeitorias;
- € 167.725 quanto à casa com área de implantação de 120 m2 e 240 m2 de construção;
- € 13.436,63 a título de desvalorização da parcela sobrante de 662 m2;
- montante a liquidar até ao valor de € 25.000 referente a despesas relacionadas com a aquisição de outro prédio para os expropriados se realojarem (escritura de compra e venda, registo, obtenção dos documentos necessários) e instalação (mudança, celebração de contratos de fornecimento dos serviços de água, luz, telefone e gás),
v) a expropriante calculou o valor da actualização em € 27.165,60 e € 2.489,72 por referência aos dois momentos em que ocorreram os levantamentos de fracções do depósito;
d) Em 27 de Maio de 2003 foi lavrado auto do qual consta “a Eng.ª Carla, na qualidade de representante do IEP – Instituto das Estradas de Portugal toma posse administrativa da parcela de terreno com a área de 1.818 m2 que faz parte do prédio situado na freguesia de Nespereira, Concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7777 da Repartição de Finanças de Guimarães e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães na ficha número 00587/230KKK, que confronta a norte com Simão, a sul com arruamento do loteamento, a nascente com Simão e a poente com lote 1”. (…)
A parcela mencionada está abrangida pela declaração de utilidade pública com carácter de urgência e autorização de posse administrativa conforme despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 10 de Fevereiro de 2003, publicado no Diário da República, II Série, nº 48, de 26 de Fevereiro de 2003.
São interessados na expropriação Domingo casada com Maria (…) na qualidade de proprietários.
O relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” cuja cópia se anexa foi elaborado em Abril de 2003 pelo perito nomeado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.”
e) O auto identificado em d) foi notificado aos Réus por missiva de 28 de Maio de 2003.
Estatui o artigo 15º nº 2 do Código das Expropriações que a atribuição de carácter urgente à expropriação deve ser sempre fundamentada e confere de imediato à entidade expropriante a posse administrativa dos bens expropriados, nos termos previstos nos artigos 20º e seguintes, na parte aplicável, implicando, nomeadamente, a prévia notificação dos actos de declaração de utilidade pública e de autorização da posse administrativa aos expropriados e demais interessados, com indicação do local, dia e hora do acto de transmissão da posse, a efectivação do depósito da quantia mencionada nº 4 do artigo 10º em instituição bancária do lugar do domicílio ou sede da entidade expropriante, à ordem do expropriado e dos demais interessados, se aquele e estes forem conhecidos e não houver dúvidas sobre a titularidade dos direitos afectados e a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam destinada a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do processo.
Por sua vez, o artigo 19º do mesmo diploma prevê que se a entidade expropriante for pessoa colectiva de direito público ou empresa pública, nacionalizada ou concessionária de serviço público ou de obras públicas, pode ser autorizada (8) pela entidade competente para declarar a utilidade pública da expropriação a tomar posse administrativa dos bens a expropriar, desde que os trabalhos necessários à execução do projecto de obras aprovado sejam urgentes e aquela providência se torne indispensável para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta, autorização essa a conceder em qualquer fase da expropriação até ao momento de adjudicação judicial da propriedade.
Quanto ao momento em que esse acto administrativo pode ser praticado esclarece-nos o artigo 21º nº 9 do Código das Expropriações que decorrido o prazo de reclamação do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, sem que esta seja apresentada, ou recebido o relatório complementar do perito, a entidade expropriante poderá utilizar o prédio para os fins da expropriação, lavrando o auto de posse administrativa e dando início aos trabalhos previstos, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável sobre a desocupação de casas de habitação.
Como refere Luís Perestrelo de Oliveira (9) o auto de posse administrativa implica a evicção quebrando o laço entre o expropriado e o bem.
Decorre das normas citadas que a posse administrativa dos bens expropriados consubstancia um efeito directo e imediato das expropriações urgentes, que vai permitir que as obras em causa possam ser iniciadas imediatamente.
Aliás, a posse administrativa é um acto de execução da declaração de utilidade pública, também ela, um acto administrativo, sendo característica da expropriação urgente tornar o acto administrativo da expropriação imediatamente eficaz, sem carecer de qualquer outro que o venha concretizar (10).
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Novembro de 2000 (11) “a posse administrativa é uma posse de utilidade pública, instrumental da realização dos fins da expropriação, e confere ao expropriante que é entidade pública, entre outros, poderes para obter a disponibilidade do terreno através da prática de acto administrativo intimando (…) a desocupá-lo em determinado prazo, sob pena de despejo e demolição – actuando assim ao abrigo de normas de direito público e sem necessidade de prévio recurso ao tribunal, como qualquer vulgar possuidor”.
Não obstante apenas com o despacho de adjudicação previsto no artigo 51º nº 5 do Código das Expropriações a entidade expropriante se torne proprietária da parcela expropriada, num momento em que já se mostra depositada a indemnização resultante da decisão arbitral como contrapartida da perda do bem pelo expropriado, a posse, tal como é definida pelo artigo 1241º do Código Civil (12), significa a existência de um poder que implica meios de agir atribuídos a certa pessoa, em vista da realização de interesses lícitos e mediante a afectação jurídica de um bem ou, por outras palavras uma situação jurídica, caracterizada pelo exercício de faculdades inerentes a certo direito real de gozo, independentemente de ser acompanhada da sua titularidade (13).
Esses poderes de facto conferidos pela lei quando os trabalhos necessários à execução do projecto de obras aprovado sejam urgentes e se tornem indispensáveis para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta, implicam a realização de demolições e todo o tipo de operações de transformação do bem imóvel em tudo o que seja necessário para a consecução do objectivo que esteve na base da decisão de expropriação.
É nesse contexto que surgem os procedimentos cautelares de suspensão da eficácia do acto (14), pois “é previsível, e aliás muito provável – quando se sabe que já foi tomada a respectiva posse administrativa, que a entidade requerida assumiu ela própria a realização das obras de demolição e que a mesma pretende realizar as acções previstas (…) – que a edificação acabe por ser demolida e totalmente destruída antes de ser proferida a decisão no processo principal” (15).
É ponto assente na jurisprudência que “a tomada de posse administrativa constituí título bastante para o expropriante desalojar o anterior proprietário, mesmo contra vontade dele, sem necessidade da prévia mediação de sentença judicial” (16) Justificando-se esse entendimento pela característica da executoriedade dos actos administrativos, consequência do privilégio da execução prévia que à Administração se reconhece (17).
De resto, no contexto das expropriações urgentes alude-se a uma especial legitimação da entidade expropriante enquanto beneficiária de uma autorização governamental de posse administrativa e o enquadramento jurídico dos actos a praticar no âmbito dos poderes-deveres, nos quais se integram poderes funcionais suficientes para entrar na parcela expropriada, desalojar os expropriados e dar início à obra que esteve na origem da expropriação.
Em suma, aplicando o raciocínio seguido à situação dos autos, perante a tomada de posse administrativa efectivada pela Autora em 27 de Maio de 2003, é patente que a mesma não necessita de recorrer ao Tribunal para levar a cabo as demolições da parte da casa de habitação, da garagem e do muro que se encontram na parcela expropriada e que, de resto, já indemnizou, pois essa actuação está subjacente à executoriedade do acto administrativo de investidura na posse e aos poderes funcionais que derivam da autorização governamental de que foi beneficiária, não restando aos Réus senão suportar os efeitos que deles decorre.
A Autora, tendo adquirido o imóvel numa expropriação e actuando como expropriante não é um comum proprietário que necessita de recorrer a Tribunal para obter o reconhecimento do seu direito e munir-se de uma sentença que a autorize a levar a cabo actos de demolição de construções que se encontram no seu prédio – que são suas pois as adquiriu mediante o pagamento de indemnização fixada por sentença transitada em julgado –, e que ordene aos expropriados que se abstenham da prática de actos que conflituem com o seu direito de propriedade, já que ao abrigo das normas de direito público encontra-se munida de um feixe de poderes que permitem que actue em conformidade com a sua posição no ordenamento jurídico e naturalmente actue impondo-se perante os cidadãos.
Por outro lado, não se entende que invoque prejuízos derivados da privação do uso e fruição da parcela quando lhe bastava actuar de forma consequente aos especiais poderes que a autorização governamental lhe conferiu no âmbito da expropriação urgente. A existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos não decorrem da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados mas antes da sua inércia em actuar.
Podemos concluir, pois, que falta o pressuposto processual do interesse em agir.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 576º nºs 1 e 2, 577º, 595º alínea a), o Tribunal absolve da instância os Réus Domingo e mulher Maria.
Custas a cargo da Autora.
Nos termos dos artigos 306º e 302º do Código de Processo Civil, fixo o valor da acção em € 177.525 por referência ao valor fixado na sentença do processo de expropriação para a as benfeitorias e moradia.
(…)”
Fundamentação de direito.
Sustenta-se na decisão recorrida que a Autora não têm interesse em agir, com fundamento nos argumentos que a seguir se sintetizam, e que são os seguintes:
- Perante a tomada de posse administrativa efectiva da pela Autora em 27 de Maio de 2003, é patente que a mesma não necessita de recorrer ao Tribunal para levar a cabo as demolições da parte da casa de habitação, da garagem e do muro que se encontram na parcela expropriada e que, de resto, já indemnizou, pois essa actuação está subjacente à executoriedade do acto administrativo de investidura na posse e aos poderes funcionais que derivam da autorização governamental de que foi beneficiária, não restando aos Réus senão suportar os efeitos que deles decorre.
- A Autora, tendo adquirido o imóvel numa expropriação e actuando como expropriante não é um comum proprietário que necessita de recorrer a Tribunal para obter o reconhecimento do seu direito e munir-se de uma sentença que a autorize a levar a cabo actos de demolição de construções que se encontram no seu prédio – que são suas pois as adquiriu mediante o pagamento de indemnização fixada por sentença transitada em julgado –, e que ordene aos expropriados que se abstenham da prática de actos que conflituem com o seu direito de propriedade, já que ao abrigo das normas de direito público encontra-se munida de um feixe de poderes que permitem que actue em conformidade com a sua posição no ordenamento jurídico e naturalmente actue impondo-se perante os cidadãos.
- Por outro lado, não se entende que invoque prejuízos derivados da privação do uso e fruição da parcela quando lhe bastava actuar de forma consequente aos especiais poderes que a autorização governamental lhe conferiu no âmbito da expropriação urgente. A existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos não decorrem da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados mas antes da sua inércia em actuar.
E com estes fundamentos conclui pela falta do pressuposto processual do interesse em agir.
Discordando da decisão proferida ente a Recorrente que:
- Foi proferido o competente despacho de adjudicação judicial da propriedade, ao abrigo do artigo 51.º/5 do C.E, transferindo para a entidade expropriante a propriedade da parcela em causa, com a área de 1.156m2, na qual está compreendida parte da área em que se encontra implantada uma casa de habitação, para a entidade expropriante, livre de quaisquer ónus e encargos.
- Embora o projecto tenha sofrido uma alteração que levou a uma diminuição da área expropriada, continuou a abranger parte da habitação, pelo que decidiu o Tribunal, que não estavam garantidas as condições de segurança (habitação sobranceira ao talude da Autoestrada, pelo que é afectada na sua consistência estrutural e global), pelo que deveria ser indemnizada na sua totalidade.
- Mais foi prescrito ser devido aos expropriados o ressarcimento das despesas com o realojamento do seu agregado familiar a liquidar em sede de execução da sentença, até ao limite máximo fixado na sentença da 1ª Instância de 30.000,00€ (cf. pedido no recurso interposto pelos expropriados).
- De facto, apesar da parcela 56 apenas abranger parte da citada habitação, a entidade expropriante foi condenada a pagar a totalidade do seu valor, uma vez que este deixaria de ter qualquer aproveitamento e autonomia.
- Todavia, apesar de já terem recebido o justo valor pela sua habitação, os expropriados não lograram desocupar o imóvel em causa, continuando a usufruir dele, bem como de parte do terreno de logradouro que foi expropriado, sem quaisquer limitações ou restrições.
- Foram efectuadas várias diligências pela concessionária Ascendi com vista a desocupação da habitação e sua demolição.
- Todavia, os expropriados não acedem a desocupar a habitação em causa, nem dão sinal de pretenderem accionar o incidente de liquidação da sentença, na parte das despesas de realojamento a que têm direito por força da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
- E assim sendo, o tribunal a quo entendeu, incorrectamente, que, a existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos decorrem, não da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados, mas da inércia em actuar da entidade expropriante, com o qual não podemos de forma alguma concordar.
- Conforme se encontra alegado, foram realizadas várias diligências com vista à desocupação do imóvel em questão, as quais se revelaram infrutíferas.
- Os prejuízos sofridos pela entidade expropriante, ora autora, na sua esfera patrimonial, podem e devem ser imputados a quem os originou.
- Não tendo os RR procedido conforme decidido judicialmente, nem quando interpelados para o efeito, privaram ilegitimamente a autora do uso de tais bens.
- Pelo, que se por mais nenhuma razão devessem os presentes autos prosseguir, o que não se concede, assumiriam sempre um interesse na determinação e avaliação dos prejuízos causados.
- O que revela que tem a IP interesse processual em agir, ao contrário do decidido na sentença em crise.
Sendo de salientar que o pedido não se reduz à condenação na desocupação do imóvel em questão, mas ainda a abstenção da prática de qualquer acto que impeça ou dificulte a utilização desse mesmo trato de terreno, bem como a demolição da casa de habitação, garagem e muro e pagamento de uma indemnização, acrescida de juros de mora, a apurar em liquidação, referente ao lapso de tempo em que estiveram na posse dos bens em questão e, em consequência privaram a A. de usar e fruir dos mesmos”.
Definidos os termos da controvérsia, cumpre agora apreciar se, efectivamente, na presente situação, se verifica ou não o pressuposto processual em que consiste o interesse em agir.
O “interesse em agir” como condição ou pressuposto da acção referente às partes não constitui uma categoria autónoma, expressamente prevista no direito processual vigente.
Não sendo pacífica a autonomização do interesse em agir enquanto pressuposto processual (pressupostos processuais que, por definição, constituem os elementos ou condições mínimas cuja existência é essencial e indispensável para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, ou seja, as condições de que depende o exercício da função jurisdicional) (18), certo é que, de forma paulatina e firme, ele tem se tem vindo a afirmar como verdadeira e própria excepção dilatória inominada (19).
Traduzido na necessidade de usar o processo (o interesse processual ou interesse em agir é designado pela doutrina germânica como necessidade de tutela judiciária), assume a vincada importância de ‘evitar desperdícios da actividade jurisdicional com questões que não apresentam para o recorrente qualquer utilidade objectiva’ (20).
O interesse em agir ou o interesse processual, “consiste na necessidade de usar do processo, ou fazer prosseguir a acção”. (21)
O interesse em agir do autor, verificar-se-á quando a situação de carência em que se encontra necessite de intervenção dos tribunais. “É o interesse em utilizar a arma judiciária- em recorrer ao processo”.(22)
Tem-se entendido que a necessidade do autor recorrer á acção judicial não tem de ser absoluta, única para a realização do interesse que se pretende acautelar, mas também não pode estar em causa um interesse remoto, vago ou subjectivo (moral científico ou académico) de obter uma decisão judicial.
Como refere Manuel Andrade, (23)”trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso se tornando legítima a sua pretensão a conseguir, por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.”
O interesse processual não se confunde com os demais pressupostos processuais, designadamente a capacidade, personalidade judiciárias, que se referem “à qualidade ou atributos inerentes à pessoa dos litigantes, enquanto que o interesse processual se reporta à situação objectiva em que ele se encontra.”
E também não se identifica com a legitimidade: “o autor pode ser titular da relação material litigada e consequentemente a pessoa que, em princípio tem interesse na apreciação jurisdicional dessa relação e não ter, todavia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam a sua situação, necessidade de recorrer à acção. Uma coisa é de facto a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra, substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir.”
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 20114 escreve-se o seguinte “só se justifica o recurso a Juízo quando alguém tenha necessidade de dar concretização ao direito que, racionalmente, a sociedade lhe tem atribuído e que lhe está a ser denegado por outrem. Para que se possa tomar como legítima esta tomada de posição não se torna exigível que o autor só através deste modo possa realizar o seu objectivo; porém, casos haverá em que a ocorrência que se quer ver protegida se mostra desde logo não merecedora de qualquer atitude jurisdicionalmente defensória e a merecer a recusa de se continuar com a tramitação processual destinada a dela cuidar”. (24)
As consequências da falta de interesse processual, dependem da natureza da acção proposta.
Nas acções de simples apreciação, a falta de interesse processual terá como consequência a absolvição da instância. (25)
Este pressuposto processual assume particular relevância nas acções de mera apreciação na medida em que “adquire o significado de verdadeiro e próprio limite de admissibilidade.
É neste tipo de acções que, como refere Manuel de Andrade, “este requisito mais avulta como quid inconfundível com o direito (lato sensu) do demandante. Tem lugar quando se verifica um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência de um direito a apreciar.”
A incerteza deve ser objectiva e grave, devendo resultar, não de uma dúvida subjectiva, mas antes de um facto exterior, que seja capaz de trazer prejuízo sério ao demandante, impedindo-o de exercer ou afirmar um direito.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24/11/2010, (26) “Numa acção de impugnação de justificação notarial, como é o caso, o autor vem reagir contra a afirmação de titularidade do direito de propriedade por parte do justificante; trata-se de um pedido de simples apreciação negativa, como correntemente se entende. É então condição imprescindível ao conhecimento da acção que o impugnante alegue ser titular de um direito prejudicado posto em dúvida, por virtude da justificação; por tal forma que a declaração de inexistência do direito do justificante seja apta a pôr termo à situação de dúvida objectiva e grave (ou seja, prejudicial) em que se encontra um direito invocado pelo autor.
O interesse processual no que respeita à Autora deve ser aferido pelos termos em que estes delineiam a acção, isto é, segundo a versão que apresenta na sua petição inicial.
Ora, como se refere na decisão recorrida, em termos factuais resulta como evidente a seguinte situação:
“A Autora apresentou-se em Juízo pedindo a condenação dos Réus:
a) a desocupar a área de 237 m2, bem como a casa de habitação, garagem e muro;
b) a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou dificulte a utilização desse mesmo trato de terreno, bem como a demolição da casa de habitação, garagem e muro;
c) a pagar-lhe uma indemnização, acrescida de juros de mora, a apurar em liquidação, referente ao lapso de tempo em que estiveram na posse dos bens em questão e em consequência, a privam de usar e fruir dos mesmos.
A causa de pedir prende-se com a declaração de utilidade pública, publicada na II Série do Diário da República de 10 de Fevereiro de 2003, referente à expropriação das parcelas necessárias à construção da obra “concessão norte – A7/IC5 Guimarães/Fafe/ Sublanço Selho/Calvos” onde se incluía a parcela 56 pertencente aos Réus com a área de 1.818 m2 que implicava a demolição de uma casa de habitação e respectivas benfeitorias.
Alega a Autora que após uma alteração do projecto, a área expropriada ficou reduzida a 1.156 m2 tendo sido homologada a desistência parcial da expropriação, limitando a área ao estritamente necessário à obra, proferido despacho de adjudicação e fixada a indemnização por sentença transitada em julgado; não obstante o depósito do valor actualizado da indemnização, que compreendia a totalidade da habitação por não estarem garantidas as condições de segurança, os Réus não desocuparam o imóvel por pretenderem obter um valor superior ao estabelecido pelo Tribunal da Relação para ressarcimento das despesas de realojamento do agregado familiar e não pretendem accionar o incidente de liquidação, motivo pelo qual visa que a casa de habitação, a garagem e a área de 237 m2 lhe sejam entregues para proceder à demolição e instalação da rede de vedação.
Extrai-se dos documentos que instruíram a petição inicial e da cópia certificada do auto de posse administrativa de fls. 262 e 263 que:
a) por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 10 de Fevereiro de 2003, publicado na II Série do Diário da República de 26 de Fevereiro de 2003 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas necessárias à construção da obra “concessão norte – A7-IC5 – lanço Guimarães – Fafe - sublanço Selho – Calvos (quilómetro 0+000 a quilómetro 6+819)” com início previsto no prazo de seis meses, entre as quais, a parcela nº 56 com a área de 1.818 m2 composta de terreno, benfeitorias, construções, inscrita na matriz urbana da freguesia de Nespereira sob o artigo 8888 em nome do Réu;
b) no processo de expropriação intentado pela Autora – à época IEP – Instituto das Estradas de Portugal – contra o Réu foi proferido despacho adjudicando àquela a propriedade da parcela de terreno nº 56, com a área de 1.156 m2 a destacar do prédio urbano situado na freguesia de Nespereira, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 7777 e registado na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob nº 587/230KKK;
c) do Acórdão do Tribunal da Relação de 13 de Fevereiro de 2012 extrai-se que:
i) a área expropriada abrange parte da moradia, obrigando ao desalojamento e a despesas e incómodos inerentes à reinstalação noutro local;
ii) a execução da empreitada não importou a demolição da parte da moradia abrangida na expropriação;
iii) a expropriante colocou uma vedação a contornar a casa de habitação dos expropriados Réus mas parte do edifício encontra-se dentro da parcela expropriada, entendendo-se que quando aquela o considerasse necessário ou útil poderia apossar-se dessa parte do seu terreno com a consequente demolição da parte da casa que nela assenta – por necessidade de alargamento da autoestrada ou para colocar uma vedação mais segura – provocando a sua inutilização total;
iv) foram atribuídos os seguintes valores a título de indemnização:
- € 9.800 relativamente à garagem com 28 m2 e € 1.350 quanto ao muro de vedação com 18 metros de comprimento e 1 metro de altura, a título de benfeitorias;
- € 167.725 quanto à casa com área de implantação de 120 m2 e 240 m2 de construção;
- € 13.436,63 a título de desvalorização da parcela sobrante de 662 m2;
- montante a liquidar até ao valor de € 25.000 referente a despesas relacionadas com a aquisição de outro prédio para os expropriados se realojarem (escritura de compra e venda, registo, obtenção dos documentos necessários) e instalação (mudança, celebração de contratos de fornecimento dos serviços de água, luz, telefone e gás),
v) a expropriante calculou o valor da actualização em € 27.165,60 e € 2.489,72 por referência aos dois momentos em que ocorreram os levantamentos de fracções do depósito;
d) Em 27 de Maio de 2003 foi lavrado auto do qual consta “a Eng.ª Carla Filipa Barroso Magalhães de Paula Pinto, na qualidade de representante do IEP – Instituto das Estradas de Portugal toma posse administrativa da parcela de terreno com a área de 1.818 m2 que faz parte do prédio situado na freguesia de Nespereira, Concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7777 da Repartição de Finanças de Guimarães e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães na ficha número 00587/230KKK, que confronta a norte com Simão, a sul com arruamento do loteamento, a nascente com Simão e a poente com lote 1”. (…)
A parcela mencionada está abrangida pela declaração de utilidade pública com carácter de urgência e autorização de posse administrativa conforme despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 10 de Fevereiro de 2003, publicado no Diário da República, II Série, nº 48, de 26 de Fevereiro de 2003.
São interessados na expropriação Domingo casada com Maria (…) na qualidade de proprietários.
O relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” cuja cópia se anexa foi elaborado em Abril de 2003 pelo perito nomeado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.”
e) O auto identificado em d) foi notificado aos Réus por missiva de 28 de Maio de 2003”.
E assim sendo, em razão desta situação factual, salvo o muito e devido respeito, muito pouco haverá a acrescentar ao que a propósito consta da fundamentação da decisão recorrida, pela simples razão de que a argumentação aduzida na pretensão recursória não efectua uma abordagem das questões suscitadas passível de, de um modo consistente, colocar em crise o enquadramento jurídico que foi efectuado nessa mesma decisão.
Com efeito, como, e em nosso entender, correctamente, se expende na decisão recorrida, em face de uma tal materialidade, tendo a Autora tomado posse administrativa dos bens a expropriar, por se verificarem os seus pressupostos, ou seja, por os trabalhos necessários à execução do projecto de obras aprovado serem urgentes e essa providência ter sido indispensável para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta, a entidade expropriante poderá utilizar o prédio para os fins da expropriação, lavrando o auto de posse administrativa e dando início aos trabalhos previstos, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável sobre a desocupação de casas de habitação.
Na verdade, como decorre do previsto no artigo 51º nº 5, do Código das Expropriações, não obstante apenas com o despacho de adjudicação a entidade expropriante se torne proprietária da parcela expropriada, num momento em que já se mostra depositada a indemnização resultante da decisão arbitral como contrapartida da perda do bem pelo expropriado, a posse que, tal como é definida pelo artigo 1241º do Código Civil, significa a existência de um poder que implica meios de agir atribuídos a certa pessoa, em vista da realização de interesses lícitos e mediante a afectação jurídica de um bem ou, por outras palavras uma situação jurídica, caracterizada pelo exercício de faculdades inerentes a certo direito real de gozo, independentemente de ser acompanhada da sua titularidade, é atribuída à entidade expropriante com a posse administrativa, que, efectivamente, “é uma posse de utilidade pública, instrumental da realização dos fins da expropriação, e confere ao expropriante que é entidade pública, entre outros, poderes para obter a disponibilidade do terreno através da prática de acto administrativo intimando (…) a desocupá-lo em determinado prazo, sob pena de despejo e demolição – actuando assim ao abrigo de normas de direito público e sem necessidade de prévio recurso ao tribunal, como qualquer vulgar possuidor”. (27)
E, como igualmente se refere na decisão recorrida, esses poderes de facto conferidos pela lei quando os trabalhos necessários à execução do projecto de obras aprovado sejam urgentes e se tornem indispensáveis para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta, implicam a realização de demolições e todo o tipo de operações de transformação do bem imóvel em tudo o que seja necessário para a consecução do objectivo que esteve na base da decisão de expropriação, sendo nesse contexto que surgem os procedimentos cautelares de suspensão da eficácia do acto (28), pois “é previsível, e aliás muito provável – quando se sabe que já foi tomada a respectiva posse administrativa, que a entidade requerida assumiu ela própria a realização das obras de demolição e que a mesma pretende realizar as acções previstas (…) – que a edificação acabe por ser demolida e totalmente destruída antes de ser proferida a decisão no processo principal”. (29)
Destarte, tem de facto constituído corrente jurisprudencial pacífica a que vai no sentido de que “a tomada de posse administrativa constituí título bastante para o expropriante desalojar o anterior proprietário, mesmo contra vontade dele, sem necessidade da prévia mediação de sentença judicial” (30) justificando-se esse entendimento pela característica da executoriedade dos actos administrativos, consequência do privilégio da execução prévia que à Administração se reconhece (31).
E assim sendo, como e mais uma vez se menciona na decisão recorrida, no contexto das expropriações urgentes alude-se a uma especial legitimação da entidade expropriante enquanto beneficiária de uma autorização governamental de posse administrativa e o enquadramento jurídico dos actos a praticar no âmbito dos poderes-deveres, nos quais se integram poderes funcionais suficientes para entrar na parcela expropriada, desalojar os expropriados e dar início à obra que esteve na origem da expropriação.
De tudo resulta que, como se conclui na decisão recorrida, perante a tomada de posse administrativa efectivada pela Autora em 27 de Maio de 2003, como evidente resulta que a mesma não tinha necessidade de recorrer ao Tribunal para levar a cabo as demolições da parte da casa de habitação, da garagem e do muro que se encontram na parcela expropriada e que, de resto, já indemnizou, pois essa actuação está subjacente à executoriedade do acto administrativo de investidura na posse e aos poderes funcionais que derivam da autorização governamental de que foi beneficiária, não restando aos Réus senão suportar os efeitos que deles decorre.
E igualmente correcta se nos afigura a conclusão de que tendo a Autora adquirido o imóvel numa expropriação e actuando como expropriante, não é um comum proprietário que necessite de recorrer a Tribunal para obter o reconhecimento do seu direito e munir-se de uma sentença que a autorize a levar a cabo actos de demolição de construções que se encontram no seu prédio – que são suas pois as adquiriu mediante o pagamento de indemnização fixada por sentença transitada em julgado –, e que ordene aos expropriados que se abstenham da prática de actos que conflituem com o seu direito de propriedade, pois que, ao abrigo das normas de direito público encontra-se munida de poderes que permitem que actue em conformidade com a sua posição no ordenamento jurídico e naturalmente actue impondo-se perante os cidadãos.
E não altera estas conclusões o facto de terem sido efectuadas várias diligências pela concessionária Ascendi com vista a desocupação da habitação e sua demolição, que se revelaram infrutíferas, sem que os expropriados tenham acedido a desocupar a habitação em causa, nem terem dado qualquer sinal de pretenderem accionar o incidente de liquidação da sentença, na parte das despesas de realojamento a que têm direito por força da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
Na verdade, e como se deixou dito, a entidade Expropriante enquanto beneficiária de uma autorização governamental de posse administrativa, estava legitimada a praticar todos os actos necessários e adequados para entrar na posse efectiva da parcela expropriada, desalojar os expropriados e dar início à obra que esteve na origem da expropriação, sendo que, assim sendo, a existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos são decorrência da sua própria inércia em promover essa desocupação, e não da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados, que a ter ocorrido, apenas assim terá sucedido em razão da passividade da entidade expropriante que isso assim acabou por permitir que acontecesse.
Com efeito, os Expropriados apenas permaneceram na posse dos bens em questão privando a A. de usar e fruir dos mesmos, em razão de esta última não ter promovido a prática do actos necessários à entrega coerciva de tais bens, sendo que, se o tivessem feito, teriam entrado na posse efectiva parcela expropriada, desalojado os expropriados e poderiam ter dado início à obra que esteve na origem da expropriação, obstado dessa forma a que os expropriados tivessem praticado actos impeditivos ou dificultantes da utilização desse mesmo trato de terreno, bem como da demolição da casa de habitação, da garagem e do muro.
E assim sendo, como se conclui na decisão recorrida, “não se entende que invoque prejuízos derivados da privação do uso e fruição da parcela quando lhe bastava actuar de forma consequente aos especiais poderes que a autorização governamental lhe conferiu no âmbito da expropriação urgente”, sendo que, “a existirem prejuízos na sua esfera patrimonial, os mesmos não decorrem da violação do seu direito de propriedade pelos expropriados mas antes da sua inércia em actuar”.
Temos então de concluir que, de acordo com o modo como a Autora configurara a acção, é inequívoca a sua falta de interesse em agir.
Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.
1. Miguel Teixeira de Sousa - citado no Ac. STJ de 6.09.2011 in http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 660/07.1YXLSB.L1.S1 - encara-o também na perspectiva passiva defendendo tratar-se do “correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão dessa tutela”. Afigura-se, contudo, que no confronto com a legitimidade, este entendimento apenas poderá assumir relevo nos incidentes de intervenção de terceiros espontânea, sendo certo que nestes casos existem requisitos para a respectiva admissibilidade como, por exemplo, a possibilidade de intervir na causa como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do Autor ou do Réu.
2. Cfr. Ac. RC de 17.12.2014 in http://www.dgsi.pt/trc processo nº 2352/12.0TBFIG.C1, citando Miguel Teixeira de Sousa.
3. Esta necessidade de tutela jurisdicional é aferida objectivamente perante a situação subjectiva alegada pelo Autor – nesse sentido, citando também Miguel Teixeira de Sousa, vide Ac. STJ de 6.09.2011 in http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 660/07.1YXLSB.L1.S1.
4. In http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 1593.08.0TJLSB.LL. S1.
5. Sendo uma das partes ilegítima, a decisão proferida será sempre ineficaz.
6. Nesse sentido, vide Ac. RC de 9.12.2014 in http://www.dgsi.pt/trc processo nº 683/10.3TBCTB.C1.
7. Este pressuposto processual assume particular relevância nas acções de mera apreciação na medida em que “adquire o significado de verdadeiro e próprio limite de admissibilidade” – nesse sentido e com extensa exposição com citações doutrinais e do ordenamento jurídico italiano onde existe norma expressa, vide Ac. STJ de 6.09.2011 in http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 660/07.1YXLSB.L1.S1.
8. O nº 2 estabelece que a autorização de posse administrativa deve mencionar expressa e claramente os motivos que a fundamentam e o prazo previsto para o início das obras na parcela expropriada, de acordo com o programa dos trabalhos elaborado pela entidade expropriante, ao passo que o nº 4 dispõe que Se as obras não tiverem início dentro do prazo estabelecido no programa de trabalhos, salvo motivo justificativo, nomeadamente por atraso não imputável à entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados têm o direito de ser indem-nizados pelos prejuízos que não devam ser considerados na fixação da justa indemnização.
9. In Código das Expropriações Anotado, Almedina, 1992, pg. 80.
10. Nesse sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16.06.2015 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 00870/04.3BEBRG.
11. In http://www.dgsi.pt/ processo nº 043535.B
12. Definição transponível para a posse administrativa em que a entidade expropriante é investida em consequência e nos termos da declaração de utilidade pública da expropriação – nesse sentido Acórdão STA de 17.03.2010 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 045899A.
13. Nesse sentido, vide Acórdão STA de 17.03.2010 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 045899A.
14. Vide as situações apreciadas nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Maio 2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 13177/16 e de 27 de Janeiro 2011 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 07060/10.
15. Citação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Maio 2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 13177/16.
16. Citação do Acórdão do STA de 8 de Maio de 2003 in http://www.dgsi.pt/ processo 046233.
17. No mesmo sentido, vide Ac. STA de 8.05. 2003 in http://www.dgsi.pt/ processo 046233.
18. Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 104 e 105; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 74 e 75; e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. II, p. 7.
19. A jurisprudência tem vindo a reconhecer a autonomia deste pressuposto processual. A título de exemplo, por mais recentes, cfr. o Ac. R. Porto de 26/03/2009 (relatado pela Exmª Sr.ª Desembargadora Joana Salinas), no sítio www.dgsi.pt/jtrp e Ac. S.T.J. de 16/09/2008 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Fonseca Ramos), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
20. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 156.
21. CF. “Manual de Processo Civil”, Antunes Varela, j. Mi. Bezerra e Sampaio da Nóvoa, 2.ºa edição revista e actualizada, pag. 179.
22. Cf Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pag. 79.
23. Obra citada, pag. 80.
24. In http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 1593.08.0TJLSB.LL. S1.
25. Cf. A. Varela, J. Beleza e S. da Nóvoa, obra citada, pag, 188 e 189, sendo que, quanto às acções de condenação, a consequência da falta deste pressuposto será a absolvição do pedido, se verificada no despacho saneador.
26. Proferido no P.º n.º 33/08.9TBVNG.P1.S1, relatado pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza.
27. Acórdão do S. T.A., de 8/11/ 2000, proferido no processo nº 043535.B, in http://www.dgsi.pt.
28. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5/05/2016 proferido no processo nº 13177/16, in http://www.dgsi.pt..
29. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5/05/2016 proferido no processo nº 13177/16, in http://www.dgsi.pt.
30. Cfr.. Acórdão do STA de 8 de Maio de 2003 in http://www.dgsi.pt/ processo 046233.
31. No mesmo sentido, vide Ac. STA de 8.05. 2003 in http://www.dgsi.pt/ processo 046233.