PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REPETIÇÃO
Sumário

A proibição da repetição de providência cautelar estatuída no art. 362º nº 4 do CPC tem aplicação se esta tem o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que baseada em factos diferentes.
(sumário da Relatora)

Texto Integral

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório
Por apenso à execução nº 3589/08.2YYLSB que corre termos no 3º Juízo, 3ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, instaurada contra F…, N…, G…Lda e E…Lda, veio a exequente I…Lda instaurar procedimento cautelar, em 11/02/2014, contra a executada E…Lda, requerendo o arresto do bem pertencente à requerida, Hotel M…, descrito na CRP de … sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana com o nº …, composto por diversos pisos e logradouro, melhor identificado na petição inicial.

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Em 18/02/2014 foi proferida a seguinte decisão:
«I…, LDA., NIPC …, com sede na Rua …, veio, por apenso aos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa com o n.º 3589/08.2YYLSB, instaurar PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO, contra E…, Lda., NIPC …, com sede na Urbanização …., requerendo o arresto do seguinte bem:
“Hotel M…, pertencente à Requerida E…, Lda., sito na Rua…, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o número … e com a seguinte composição: Cave com uma divisão, cozinha, 4 casas de banho, 3 despensas; Rés-do-chão com 11 divisões, 10 casas de banho, 2 corredores, 2 despensas e bar; 1º Andar com 13 divisões, 13 casas de banho, vestíbulo, copa e sala de reuniões; 2º Andar com 22 divisões, 21 casas de banho, corredor, copa e 10 terraços; 3º Andar com 22 divisões, 20 casas de banho, corredor, copa e 3 terraços; 4º Andar com vestíbulo, marquise, terraço e logradouro Norte, sul nascente e poente, zona verde, desanexado do prédio n.º 00 …/040685”.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art. 362.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (art. 381.º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 1961), “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”.
A proibição de repetição da mesma providência abarca os casos em que a providência tenha caducado, nos termos do art 373.º do Código de Processo Civil (art. 389.º do Código de Processo Civil de 1961), bem como as situações em que, depois de decretada uma determinada providência, venha a julgar-se injustificada, quer através do incidente de oposição previsto art. 372.º do Código de Processo Civil (art. 388.º do Código de Processo Civil de 1961), quer por via do provimento do recurso do despacho que a tenha decretado.
Como refere Abrantes Geraldes, “São, pois, duas as situações que, de acordo com a expressa previsão legal, obstam à repetição de providências na dependência da mesma causa: caducidade ou injustificação da que tenha sido anteriormente decretada” (Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2.º Edição, Almedina, pág. 105).
Sucede, que no âmbito da presente execução, a requerente interpôs anteriormente um procedimento cautelar de arresto (que constitui o apenso C), em sede do qual invocou essencialmente os mesmos factos que fundam a providência ora requerida, sendo que o anterior procedimento foi também instaurado contra a ora requerida E…, Lda., (conjuntamente com os executados F…, N… e G…, Lda.).
Naquele procedimento, apesar do arresto ter sido decretado em primeira instância, tal decisão foi revogada em sede de recurso de apelação, por se ter entendido que a matéria de facto apurada não era suficiente para justificar o decretamento do arresto. Nesse procedimento foi arrestado o indicado “Hotel M…”, cujo arresto é agora novamente requerido.
Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, é manifesto que o presente arresto não pode ser admitido, por ser repetição de providência julgada injustificada no âmbito da mesma causa.
Razão pela qual, nos termos do art. 362.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto.».
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Inconformada, apelou a requerente, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1. Atentando à sentença sob censura denota-se que o Tribunal a quo limita-se a referir que: “(…) a requerente interpôs um procedimento cautelar de arresto (que constitui o apenso C), em sede do qual invocou essencialmente os mesmos factos que fundam a providência ora requerida, sendo que o anterior procedimento foi também instaurado contra a ora requerida E…, Lda.”.
2. Não referindo o Tribunal a quo, em momento algum, quais os factos concretos que entende como sendo os mesmos factos invocados pela ora Apelante aquando da interposição do procedimento cautelar de arresto que constitui o apenso C.
3. Em momento algum, o Tribunal a quo concretiza os factos que entende serem comuns a ambos os procedimentos cautelares de arresto, não avançando com uma explicação cabal para efeitos de fundamentação da formação da sua convicção quanto à matéria de facto.
4. Salvo melhor opinião, não poderá o Tribunal a quo concretizar factos e apontar a similitude dos mesmos em ambos os procedimentos cautelares porque tal similitude não existe.
5. Entende o Tribunal a quo que a Apelante interpôs, na dependência da mesma causa, providência cautelar contra os mesmos Apelados.
6. Sucede que, tal não se verificou. Isto porque, se, por um lado, o procedimento cautelar de arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C, foi instaurado contra F…, N…, G…, Lda., E…, Lda., por outro, o procedimento cautelar de arresto objecto de indeferimento liminar pela sentença sob censura foi instaurado apenas e tão só contra a E…, Lda. -Cfr. Procedimento Cautelar de Arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C e que ora se junta como documento 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7. Deste modo temos que, através de uma simples leitura da Procedimento Cautelar que constitui o Apenso C, claro se torna que os Requeridos não são os mesmos, não havendo, por conseguinte, qualquer identidade de sujeitos nem partes.
8. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo carrear para a sentença a existência de identidade de partes entre os procedimentos cautelares de arresto, quando tal nunca se verificou.
9. Compulsada a sentença sob censura, dela decorre que o indeferimento da providência cautelar de arresto deveu-se à invocação dos mesmos factos que haviam sido anteriormente invocados pela Apelante aquando da instauração do procedimento cautelar de arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C.
10. Ora, tal entendimento por parte do Tribunal a quo não só é desprovido de qualquer razoabilidade como não tem correspondência com a realidade dos factos.
11. Isto porque, enquanto no Procedimento Cautelar de Arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C a Apelante havia tido conhecimento não só que F… e N… (então Requeridos) havia alienado a fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua …, encontrando-se a dissipar o seu património. – Cfr. Artigos 28º e 29º do Doc.1.
12. Mas também, que aqueles dois Requeridos se encontravam a ultimar os preparativos para abandonarem Portugal e se fixarem, em definitivo, na Nigéria, país onde se encontrava sedeada sociedade de seu nome “N…” e onde o então Requerido F… desempenhava as funções de Director Geral. – Cfr. Artigos 32, 33º, 34º e 35º do Doc.1.
13. Acontece que, no procedimento cautelar objecto de indeferimento pelo aresto sob censura a realidade factual é outra, não tendo a ora Apelante invocado os mesmos fundamentos.
14. Com efeito, tal procedimento cautelar de arresto instaurado contra a Apelada E…, Lda., assentou no facto da Apelante ter tido conhecimento que a Requerida tem abordado vários investidores/empresários no sentido de vender o imóvel de que é proprietária e que compõe o Hotel M….
15. Estamos, ainda, em crer que o Tribunal a quo, que não quedou de especificar os fundamentos de facto e de direito para fundamentar a sua decisão, descurou o facto da Apelada ter colocado à venda o Hotel M… em site da Internet especializado para o efeito e de o pretender vender pelo preço de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).
16. Posto isto, temos que, a matéria factual no qual subjaz o procedimento cautelar de arresto indeferido pela sentença de que ora se recorre não é sequer comum ao procedimento cautelar de arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C.
17. Se é facto que a contextualização é a mesma, pois ambos dependem da mesma acção principal, não menos verdade é que, em nenhum momento se afigura da escalpelização de ambos os procedimentos cautelares de arresto que a matéria factual seja a mesma do procedimento cautelar que constitui o apenso C.
18. Pelo que, erroneamente, o Tribunal a quo considerou existir uma identidade factual entre ambos os procedimentos cautelares de arresto quando essa identidade ou similitude não existe.
19. Deste modo, não poderia o Tribunal a quo entender como entendeu, devendo, antes, considerar tratar-se de procedimentos cautelares de arresto distintos, baseados em factos que em momento algum se entrecruzam.
20. Refira-se, ainda, que nem o objecto de arresto no procedimento cautelar indeferido é o mesmo se comparado com o procedimento cautelar de arresto que correu os seus termos na 3ª Secção do 3º Juízo de Execução sob o n.º 3589/08.2 YYLSB-C.
21. Isto porque, se neste ultimo se requereu o arresto de vários bens, tais como: veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula …VZ; veiculo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula …ZZ; veiculo automóvel de marca Mercedes CDI, com a matrícula espanhola …BBC …; veículo automóvel de marca BMW Cabriolet, com a matrícula …EG, todos pertencentes a F…. e N…; saldo da conta bancária existente no Banco P…, balcão de Campolide, Lisboa, com o NIB …; saldo bancário existente no F…, balcão da Avenida de …, com o NIB …; saldo bancário existente no B…, balcão de …, com o NIB …; saldo bancário existente no M…, balcão de …; saldos de quaisquer outras contas bancárias existentes nas intuições bancárias a operarem em Portugal e pertencentes a F…, N…, G…, E…, Lda.; quota no valor nominal de € 124.699,48 da G…, Lda. e cujo titular é A…; quota no valor nominal de € 124.699,48 de G…, Lda. e cujo titular é Z…; quota no valor nominal de € 125.697,07 da E…, Lda. e cujo titular é A…; quota no valor nominal de € 125.697,07 da E…, Lda. e cujo titular é Z…; quota no valor nominal de € 209.495,12 da E…, Lda. e cujo titular é G…, Lda.; quota no valor nominal de € 1.005.576,56 da E…, Lda. e cujo titular é G…, Lda.; Edifício Hotel M…, composto por cave com divisão, cozinha, quatro casas de banho, vestíbulo, copa e sala de reuniões; 1º andar com treze divisões, treze casas de banho, vestíbulo, copa e sala de reuniões; 2º andar com vinte e duas divisões, vinte e uma casas de banho, corredor, copa e dez terraços; 3º andar com vinte e duas divisões, vinte casas de banho, corredor, copa e três terraços; 4º andar com vestíbulo, marquise, terraço e logradouro, sito na Rua …, pertencente à E…., Lda., todo o recheio (leia-se bens móveis, electrodomésticos e demais utensílios para exploração), bem como receitas, incluindo as obtidas pelo sistema multibanco, relativas ao Hotel M…, (Cfr. Pedido do Doc.1) já no procedimento cautelar de arresto indeferido pelo aresto em apreço apenas se requereu o arresto de um único bem, nomeadamente do Edifício Hotel M…, supra descrito.
22. Chegados aqui, parece-nos claro que a sentença sob censura encontra-se ferida de nulidade, uma vez que nela não se encontra vertida qualquer especificação quer factual quer jurídica, limitando-se apenas o Tribunal a quo a remeter a sua decisão para o disposto no artigo 362º, n.º4 do Código de Processo Civil.
23. Por conseguinte, a sentença em apreço viola claramente o disposto no artigo 615º, n.º1, alínea b) do Código de Processo Civil.
24. Aquando da interposição do procedimento cautelar de Arresto a Apelante referiu que a procedência do procedimento cautelar de arresto depende do preenchimento de dois requisitos: a) a provável existência do crédito e b) o receio de perder a garantia patrimonial, o qual, para ser considerado justo há-de assentar em factos concretos, objectivos que denunciem uma disposição do devedor de subtrair o seu património.
25. O que é facto é que o Tribunal a quo não só não subsumiu tais considerações ao caso em apreço, como deixou de se pronunciar sobre as mesmas.
26. Pugnou o Tribunal a quo por não se pronunciar sobre questões de carácter particularmente relevante como seria o do preenchimento dos requisitos para a existência do procedimento cautelar de arresto lamentavelmente indeferido. Não se pronunciou o Tribunal a quo sobre a existência do periculum in mora e do fumus boni iuris.
27. Olvidando o Tribunal a quo de conhecer e de se pronunciar sobre questões basilares no que ao procedimento cautelar de arresto concerne, como é o caso do periculum in mora e do fumus boni iruris, nada fez senão obstar a que o processo principal siga o seu próprio caminho e ritmo, não logrando fazer um juízo de certeza e razoabilidade quanto ao perigo resultante da demora da acção principal e sobretudo quanto aos danos graves e irremediavelmente irreparáveis para a Apelante que vê a sua garantia patrimonial a ser vivamente dissipada.
28. Não quedou ainda o Tribunal a quo de se pronunciar sobre o terceiro requisito da procedimento cautelar de arresto indeferido pela sentença objecto de recurso, a saber: o interesse processual. Em momento algum, o Tribunal a quo pronuncia-se sobre o facto deste ser o único meio processual ao dispor de Apelante para garantir a satisfação do seu direito.
29. Na verdade a sentença recorrida limitou-se a, com remissão para o disposto no artigo 362º, n.º4 do Código de Processo Civil, indeferir o procedimento cautelar de arresto, não pugnando pela apreciação das questões e da matéria ínsita no mesmo.
30. Por conseguinte, e porque reza o artigo 615º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, temos que, por tudo o quanto antecede, a sentença sob censura encontra-se ferida de nulidade por violação desse mesmo normativo.
31. Por tudo o quanto antecede o aresto sob censura viola claramente o disposto no artigo 615º, n.º1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, pelo que deverá o mesmo ser considerado nulo.
Nestes termos e nos mais de Direito, sobretudo nos que serão objecto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e consequentemente ser declarada nula e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências, por assim ser de inteira justiça.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 615º nº 1 al b) e d) do CPC
- se a providência de arresto requerida nestes autos não é repetição da providência anteriormente julgada injustificada no âmbito da mesma causa
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III – Fundamentação
A) Da alegada nulidade da decisão recorrida
Sustenta a apelante que a decisão recorrida está ferida de nulidade por não conter qualquer especificação factual e jurídica, limitando-se o Tribunal a quo a remeter a sua decisão para o disposto no artigo 362º, n.º 4 do Código de Processo Civil, violando assim o disposto no artigo 615º nº1 alínea b) do Código de Processo Civil.
O art. 615º nº 1 al b) do CPC estabelece que é nula a sentença quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações (cfr art. 613º nº 3).
No caso concreto, verifica-se que a decisão recorrida não concretiza quais são os factos alegados no presente procedimento cautelar que são essencialmente os mesmos que foram alegados no procedimento anteriormente instaurado. Portanto, a decisão é nula por não especificar os fundamentos de facto que a justificam (art. 615º nº 1 al b) – 1ª parte).
Já não tem razão a apelante ao invocar nulidade por falta de fundamentação jurídica, pois esta é feita através da subsunção do caso concreto ao disposto no art. 362º nº 4 do CPC e tecendo-se considerações de direito sobre a razão de se ter entendido que o arresto ora requerido configura repetição de providência julgada injustificada no âmbito da mesma causa.
Alega ainda a apelante que a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil por não ter apreciado se estão verificados os requisitos da providência cautelar de arresto.
Mas não tem razão, pois o art. 608º nº 2 do CPC determina que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)». Assim, como a 1ª instância entendeu que o arresto não pode ser admitido atenta a proibição de repetição da providência estabelecida no art. 362º nº 4 do CPC, ficou prejudicada a apreciação dos requisitos do arresto previstos nos art. 391º nº 1 e 392º nº 1 do CPC.
Por quanto se disse, conclui-se que a decisão recorrida é nula por omissão da especificação dos fundamentos de facto que a justificaram (art. 615º nº 1 al b) – 1ª parte do CPC). Porém, atento o disposto no art. 665º nº 1 do CPC deve este tribunal conhecer do objecto da apelação, apreciando se o arresto requerido nestes autos constitui repetição do arresto que foi julgado injustificado na pendência da mesma execução.
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B) A factualidade a considerar, além do que consta no relatório, é a seguinte:
1 – Por apenso à execução nº 3589/08.2YYLSB que corre termos no 3º Juízo, 3ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa instaurada contra F…, N…, G…Lda e E…Lda foi instaurado pela exequente I…Lda procedimento cautelar contra todos os executados, em 07/02/2013, requerendo o arresto de diversos bens, entre os quais o Edifício Hotel M… composto por vários pisos e logradouro (apenso C: Proc. 3589/08.2YYLSB-C).
2 – No âmbito desse procedimento cautelar foi decretado na 1ª instância o arresto de, entre outros bens, o «Edifício Hotel M…, composto por (…) e logradouro, (…) pertencente à Requerida E…Lda».
3 - No âmbito desse procedimento cautelar foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos:
«1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, locação e permuta de bens imóveis.
2. A requerente é titular de uma letra datada de 22-06-2006, no valor de 1.600.000,00€, em que figura como sacado a requerida G…, Lda., e como sacador A….
3. Tem apostas duas assinaturas no aceite, como sendo de F… e de N…, bem como um carimbo com os seguintes dizeres:
G…, LDA.
A GERÊNCIA
4. A letra tem a menção “transacção comercial”.
5. Do verso da letra, numa das extremidades, constam as seguintes expressões: “Pague-se à ordem de I… Lda., valor à cobrança Lx 30/09/2006 BI …”.
5. Consta ainda uma assinatura como sendo do sacador A…., e um carimbo com os dizeres:
I…, Lda.
A Gerência.
7. Em 22 de Junho de 2006, F… e N… outorgaram um escrito, denominado “Declaração e Cessão de Créditos” e outro intitulado “Cessão de Créditos”.
8. Do escrito denominado “Declaração e Cessão de Créditos” resulta que F… e N… outorgaram contrato promessa de cessão da totalidade de quotas de que são titulares nas sociedades G…, Lda. e E…, Lda., a favor de I….
9. Por sua vez, A… possuía um crédito sobre F… e N…, no montante de €1.600.000,00.
10. Pela escritura definitiva de cessão de quotas das sociedades supra mencionadas, F… e N… possuíam um crédito a receber por parte de I…, em montante superior a € 1.600.000,00.
11. Pelo que, F... e N... cederam a favor de A... o seu crédito até ao montante de €1.600.000,00.
12. Por seu turno, do documento intitulado “Cessão de Créditos” resulta que tendo o A... um crédito no montante de € 1.600.000,00 sobre F... e N..., aquele deveria ser, atempadamente, avisado da data da escritura de cessão de quotas e, por conseguinte, ser lhe pago, através de cheque visado, o montante de € 1.600.000,00, aquando da outorga da referida escritura.
13. Com efeito, e ainda no dia 22 de Junho de 2006, foi outorgado um escrito, designado “Acordo de Preenchimento”, no qual os ora Requeridos não só reforçam a qualidade de A… enquanto possuidor de um crédito no montante de € 1.600.000,00, como também declaram que: “(...) em caso de incumprimento ou de impossibilidade de cumprimento é completada por uma  letra de câmbio aceite por G...Lda e avalizada por E… Lda e ainda pelos sócios de ambas as sociedades, com vencimento a 31/12/2006”.
14. Os Requeridos não diligenciaram, em momento algum, pelo pagamento da quantia de € 1.600.000,00, tendo, inclusive, recusado o mesmo.
15. A requerente apresentou a letra a protesto.
16. Em 26 de Outubro de 2006, F... e N..., diligenciaram no sentido de celebrar escritura de cessão da totalidade das quotas e do capital social da sociedade G…, Lda., ora Requerida, a favor de A… e sua mulher Z…, e que, por sua vez tinham conhecimento do crédito a favor da Requerente.
17. As referidas cessões foram efectuadas pelo preço nominal do capital social e levaram a que A… e Z… se tornassem os únicos sócios da ora Requerida G…, Lda.
18. A Requerente tomou conhecimento da constituição de uma sociedade de seu nome A…, SA, sociedade anónima que se encontra registada e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número … e que tem a mesma sede social que a G…, Lda. e E…, Lda.
19. Essa mesma sociedade foi constituída por documento particular em 19 de Outubro de 2007.
20. A subscrição da totalidade do capital social da A…, S.A, no montante de € 1.167.162,07, representada por 1.155.606 acções de € 1,01, foi efectuada por entrada em espécie de duas quotas que a Requerida G…, Lda. detinha na Requerida E…, Lda.
21. O que torna a Requerida G…, Lda., a única accionista da sociedade A…, S.A.
22. A Requerente tomou conhecimento que os Requeridos F... e N... alienaram recentemente a fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua….
23. Alienação essa que foi efectuada a favor do próprio filho dos Requeridos, o qual, por sua vez, já procedeu à sua alienação a favor de terceiros.
24. Após pesquisa na internet constatou-se a existência de uma sociedade de seu nome “N…” e cujo objecto social é, para além de outras actividades musicais e de entretenimento relacionadas, a replicação de cassetes, videocassetes e CD de música.
25. Acontece que, pesquisando sobre o “Grupo Empresarial N…”, a Requerente tomou conhecimento que F... assume o cargo de Director Geral da referida empresa.
26. Como resulta do próprio site F...: “é um homem de negócios português, altamente experiente, com investimentos (...) agora também no N…”.
27. O Requerido, conjuntamente com a sua mulher, N..., também requerida, e o seu filho R…, estão a ultimar os preparativos para se fixarem, em definitivo, na Nigéria.
28. Com o pretexto de prestar todo o acompanhamento, apoio financeiro e know-how necessários e inerentes ao desenvolvimento da sociedade “N…”.
29. A qual tem como Director Executivo A…, a quem F... e N... cederam as quotas referentes à G…, Lda. e E…, Lda., aqui Requeridas.
30. F… não só é Director Geral no Grupo Empresarial N…, como sócio da empresa N…, conjuntamente com A….»
4 – Por acórdão da Relação de Lisboa proferido em 19/12/2013 e transitado em julgado, foi revogada a decisão da 1ª instância na parte em que decretou o arresto dos bens pertencentes às apelantes G...Lda e E…Lda (3ª e 4ª requeridas naqueles autos) e indeferida a providência no tocante a estas, determinando-se o levantamento do arresto dos bens a elas pertencentes.
5 – Nesse acórdão lê-se:
«V – A quarta questão a decidir é de saber se, relativamente às apelantes, se pode concluir pela verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial.
Avancemos desde já que neste particular assiste inteira razão às apelantes.
Com efeito, percorrendo a matéria de facto indiciariamente provada não encontramos um único facto de que possa concluir-se que as apelantes se encontram, actualmente, numa situação patrimonial mais gravosa do que se encontravam em 22.6.2006 ou desde então. Nomeadamente, é indiferente para aquela conclusão: i) a circunstância de as quotas que constituem o seu capital social terem passado da titularidade dos 1º e 2º requeridos para a de terceiros, em 26.10.06, ainda que estes terceiros tivessem conhecimento do crédito de A…; ii) a circunstância de as apelantes partilharem a sede social com uma dada sociedade anónima constituída em 19.10.07; iii) a circunstância de as apelantes partilharem a sede social com uma dada sociedade anónima constituída em 19.10.07; iii) a circunstância de a totalidade do capital social dessa sociedade anónima ter sido efectuado por entrada em espécie de duas quotas que a 3ª requerida detinha no capital social da 4ª requerida, posto que o valor de tais quotas foi substituído pelo valor das acções da referida sociedade anónima (o que pode, até, representar uma mais valia); iv a circunstância de um dos terceiros cessionários referidos em 1) ser, conjuntamente com o 1º requerido, sócio de uma sociedade com actividade na N….
Acresce dizer que a cessão de quotas levada a cabo pelos 1º e 2º requeridos – e a que aludem a decisão que decretou o arresto e a decisão que o manteve – poderá ter contribuído para os colocar em situação financeiramente mais débil para satisfazer o crédito exequendo; o que não se percebe é porquê e em que medida tal cessão influenciou a capacidade financeira das apelantes para cumprir as suas obrigações.
Por último importa referir que – para além do que referimos em iii) (que não traduz, só por sim qualquer diminuição do património da 3ª requerida) – não encontramos na matéria de facto indiciariamente provada qualquer outro facto que, reportando-se às “relações jurídicas estabelecidas entre as requeridas G…, Lda e E…, Lda e a sociedade A…, SA indicie a “alienação de parte do património daquelas sociedades”.
Não se verificando, quanto às apelantes, um dos requisitos de que depende o arresto, não deveria este ter sido decretado.
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Por todo o exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, em consequência:
(…)
C) Revogamos a decisão recorrida, na parte em que decretou o arresto dos bens pertencentes às apelantes;
D) Indeferimos a providência requerida no tocante às apelantes, determinando o levantamento do arresto dos bens a elas pertencentes.».
6 – Os artigos 1 a 27 da petição inicial dos presentes autos são de teor igual aos artigos 1 a 27 da petição inicial do apenso C (Proc. 3589/08.2YYLSB onde foi proferido o referido acórdão da Relação de Lisboa).
7 – Nos presentes autos é requerido o arresto do Hotel M… pertencente à requerida E…, Lda e quanto ao qual também havia sido requerido e decretado o arresto no apenso C.
8 – Os artigos 29 e 30 da petição inicial dos presentes autos contém apenas a identificação do bem a arrestar – o Hotel M… – e a alegação de que a ora única requerida E…, Lda é a sua proprietária.
9 – Os artigos 28, 31 a 41 da petição inicial dos presentes autos contém a seguinte matéria que não foi alegada na petição inicial dos autos do apenso C:
  art. 28: «Chegados aqui, e contextualizados que se encontram os factos, importará, pois, referir que a Requerente tomou conhecimento que a ora Requerida, E…, Lda, avalista da letra de câmbio, título executivo da Acção Executiva supra identificada, encontra-se a diligenciar no sentido de dissipar o seu património. Isto é,»
  art. 31: «Sucede que, recentemente, a Requerente teve conhecimento que a ora Requerida não só tem abordado diversos investidores e empresários no sentido de vender o imóvel do qual é proprietário e que compõe o Hotel M…»
  art. 32: «Como colocou à venda esse mesmo edifício (leia-se Hotel M…) em site da internet especializado para o efeito e que está ao alcance de todos nós caso façamos a seguinte pesquisa: http://... que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais»
  art. 33: «Deste modo, e com o pretexto de que o mercado hoteleiro encontra-se em crise, a Requerida tem procurado por todos os meios possíveis, “desfazer-se” daquilo que poderia garantir o cumprimento da obrigação que tem para com a Requerente.»
  art. 34: «Tendo, inclusive, abordado com alguma insistência alguns empresários, propondo a venda do imóvel pelo preço de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros)»
  art. 35: «O que é facto é que, e importa aqui não olvidar, o imóvel em apreço encontra-se “sobejamente” onerado»
  art. 36: «De tal modo, que sobre ele impendem os seguintes ónus:
Hipoteca voluntária, constituída a favor do B…, S.A, para assegurar o montante máximo de € 1.340.000,00 (um milhão trezentos e quarenta mil euros) - Cfr. Ap. 4 de 2004/11/29 e que resulta da análise do Doc. 8 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
Hipoteca voluntária, constituída a favor de A…, casado com Z…, para assegurar o montante máximo de € 1.355.000,00 (um milhão trezentos e cinquenta e cinco mil euros); - Cfr. Ap. 42 de 2008/04/04 e que resulta da análise do Doc. 8 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
Hipoteca voluntária, constituída a favor de A…, casado com Z…, para assegurar o montante máximo de € 1.355.000,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil euros); - Cfr. Ap. 43 de 2008/04/04 e que resulta da análise do Doc. 8 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
Penhora no montante de € 4.300,32 (quatro mil trezentos euros e trinta e dois cêntimos), efectuada no âmbito do Processo Executivo que corre os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, sob o número … - Cfr. Ap. 4961 de 2009/10/23 e que resulta da análise do Doc. 8 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;»
  art. 37: «Ou seja, se atentarmos aos valores em questão, facilmente denotamos que impendem sobre o património imobiliário da Requerida ónus que asseguram o montante aproximado de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos euros),»
  art. 38: «Valor esse que excede largamente o crédito da ora Requerente, o qual, desde a data de vencimento da letra até ao presente momento (leia-se I de Fevereiro de 2014), ascende ao montante de E 2.609.511,00 (dois milhões seiscentos e nove mil quinhentos e onze euros»
  art. 39: «A má-fé e ardil da Requerida são de tal modo gritantes que, além de não se ter colhido de constituir hipotecas voluntárias sobre o imóvel, é sua pretensão vender o quanto antes o imóvel, obstando à satisfação do crédito da Requerente.»
  art. 40: «E o facto é que, a cada dia que passa, essa mesma pretensão de venda do imóvel torna-se cada vez mais iminente,»
  art. 41: «Deixando de ser uma pretensão para passar a ser uma realidade concretizada e consubstanciada num negócio firmado.» 
10 – No art. 42 da petição inicial dos presentes autos vem alegado:
«O que coloca a Requerente numa posição manifestamente desprotegida, receando em boa verdade, pela perda da garantia patrimonial do seu crédito, presentemente no montante de € 2.609.511,00 (dois milhões seiscentos e nove mil quinhentos e onze euros).»
11 – No art. 39 da petição inicial do apenso C foi alegado:
«O que, coloca a ora Requerente numa situação delicada, ingrata e desprotegida, receando claramente pela perda da garantia patrimonial do seu crédito que, acrescendo os juros de mora desde a data de vencimento da letra até ao presente momento, 5 de Fevereiro de 2013, ascende ao montante de € 2.492.119,23 (dois milhões quatrocentos e noventa e dois mil cento e dezanove euros e vinte e três cêntimos)».
12 – Os artigos 43 a 49 da petição inicial dos presentes autos estão enquadrados pela requerente na epígrafe «Do Direito».
13 – Os artigos 40 a 51 da petição inicial do apenso C foram enquadrados pela requerente na epígrafe «Do Direito». 
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C) O Direito
No acórdão da Relação de Lisboa proferido no apenso C considerou-se que não resulta da matéria de facto indiciariamente provada, relativamente à requerida E…, Lda, o justo receio da perda da garantia patrimonial do crédito, que é um dos requisitos para ser decretado o arresto, previsto quer no art. 391º do novo CPC quer no art. 406º nº 1 do CPC em vigor até 31/08/2013. Foi, pois, julgada injustificada a providência cautelar de arresto quanto à requerida E…Lda tendo sido ordenado o levantamento do arresto dos bens desta, entre os quais o Hotel M….
Nos presentes autos é requerido novamente, na dependência dos mesmos autos de execução, o arresto do Hotel M… mas agora com fundamento em factos não anteriormente alegados em sede de concretização do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da apelante.
O nº 4 do art. 362º do novo CPC estabelece: «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».
Esse preceito tem redacção igual à do nº 4 do art. 381º do CPC que vigorou até 31/08/2013 e sobre o qual referem J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto que com o DL 180/96 de 25/9 foi introduzida «pela primeira vez a expressão “repetição de providência”, que nas leis anteriores nunca passara da epígrafe dos respectivos artigos. Esta expressão, paralela à expressão “repetição da causa” dos arts. 497-1 e 498-1, inculca que só é hoje tida por inadmissível a providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto.
Interpretação diversa é feita por Abrantes Geraldes, Temas cit, III, p. 124, que continua a entender inadmissível a mesma pretensão cautelar, ainda que com fundamento diverso; no mesmo sentido, Lopes do Rego, Comentários cit., I, p.381. Veja-se no sentido correcto (…) o Ac do STJ de 29.2.96 (Pereira da Graça), BMJ, 453,p 663)». (in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed, pág. 12/13).
No sentido defendido por estes autores lê-se no sumário do Ac da RP de 09/01/1999: «III - A proibição da repetição da providência cautelar, julgada injustificada, na dependência da mesma causa, não tem aplicação quando a requerida em segundo lugar tiver por fundamento factos supervenientes» (in www.dgsi.pt) e no sumário do Ac da RL de 15/03/2011: «II – A ocorrência de novos factos posteriormente ao trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente um novo procedimento cautelar anterior, não obsta a que se formule idêntica pretensão com base na nova factualidade entretanto ocorrida» (in www.dgsi.pt).
Porém, em sentido diferente decidiu-se no Ac da RL de 31/01/2013, lendo-se no sumário: «Por efeito da regra da proibição da repetição da providência, consagrada no nº 4 do art. 381º do Código de Processo Civil, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes. Embora pelo efeito do caso julgado nada obstasse a novo requerimento de arresto, em virtude da alegação de novos factos, que traduzem uma distinta causa de pedir, já o disposto no nº 4 do art. 381º do CPC obstava a que se instaurasse novo arresto, no âmbito da mesma acção declarativa de efectivação de responsabilidade civil, nomeadamente quando o arresto anterior foi julgado injustificado» (in www.dgsi.pt).
Também no sumário do Ac da RE de 12/03/2009 se lê: «Com o disposto no artigo 381º n° 4 do Código de Processo Civil o Legislador pretendeu evitar que, no âmbito do mesmo litígio, haja repetição de procedimento cautelar com o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que o fundamento do procedimento cautelar seja diverso.
Embora haja alguma similitude com a figura do caso julgado, não se exige a tripla identidade constante dos diversos incisos do artigo 498º do Código de Processo Civil, bastando que, em ambos os procedimentos cautelares, a finalidade ou o objecto seja o mesmo, medido pela caracterização do direito a garantir.» (in ww.dgsi.pt).
Entendemos que é correcto o entendimento de que a proibição da repetição de providência cautelar tem aplicação se esta tem o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que baseada em factos diferentes, pois como se explica no citado Ac da RL de 31/03/2013 «Com semelhante regra efectivamente, ultrapassam-se os efeitos do caso julgado, certamente por se ter entendido não se justificar no âmbito da mesma acção, o requerimento de igual procedimento cautelar depois do anterior ter sido considerado injustificado ou caducado. Daí que, mesmo que existam factos novos, mas escapando aos efeitos do caso julgado, não se admita a repetição do mesmo procedimento cautelar.».
Portanto, apesar de nos presentes autos serem invocados novos factos para justificação do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da apelante, estamos perante repetição da providência cautelar de arresto relativamente à requerida E…, Lda., o que impõe o seu indeferimento liminar por força do disposto no art. 362º nº 4 do CPC.
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar nula a decisão recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam;
b) e, conhecendo do objecto da apelação nos termos do art. 665º nº 1 do CPC, indefere-se liminarmente este procedimento cautelar de arresto.
Custas pela apelante.
Lisboa, 29 de Abril de 2014
Anabela Calafate
                                  Ana de Azeredo Coelho (vencida nos termos da declaração que segue)
                                   Tomé Ramião

DECLARAÇÃO DE VOTO

Discordo da decisão por entender que a delimitação do que deve considerar-se “repetição de providência” convoca, no caso sub judice, os elementos típicos da repetição da causa que delimitam o caso julgado.

Não se olvida o suporte doutrinário e jurisprudencial brilhantemente expresso na tese que fez vencimento.

Entende-se, todavia, que a norma do artigo 362.º, n.º 3, do CPC de 2013, exige hermenêutica diversa que se tentará expor.

A norma utiliza, como bem se refere no acórdão de que dissentimos, a expressão providência e não procedimento Parece inculcar a ideia de que se reporta apenas à medida cautelar pedida (por isso independentemente dos seus fundamentos) e não ao procedimento (que envolve a medida cautelar e os seus fundamentos).

Linha de pensamento que apenas aparentemente levaria à conclusão a que nos opomos.

A utilização da expressão providência justifica-se e adequa-se por ser a que quadra aos dois diferentes casos previstos na norma: os casos em que a providência haja sido julgada injustificada e os casos em que tenha caducado. Mas o alcance quanto à repetição é num e noutro caso diverso. Estes dois casos são distintos e a norma atribui-lhes conteúdos distintos, quanto ao que deva entender-se por repetição da providência.

Quando se considera a providência que haja sido julgada injustificada, considera-se a medida cautelar e os fundamentos invocados em que se louvou a solicitação da medida.

O tribunal a quem a providência é pedida não a julga injustificada em si, julga-a injustificada face aos fundamentos que lhe são apresentados. Por isso, repete-se uma providência que haja sido julgada injustificada quando se pede ao tribunal que se pronuncie de novo sobre a mesma medida cautelar e os mesmos fundamentos (necessariamente entre os mesmos sujeitos, o que não está em causa no caso que nos ocupa).

Dir-se-ia ser a norma quanto a tal inútil uma vez que duplica a do artigo 581.º no que respeita ao caso julgado.

Não é assim. Como refere Lebre de Freitas citado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de março de 2011 proferido no processo 274/09.1TBLRA-B.C1 (Alberto Ruço): «…o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado; por outro lado, ao inverso do juízo sobre o fumus boni iuris, está condicionado pelas circunstâncias de facto ocorrentes ao tempo da sua emissão, constituindo um juízo temporalmente limitado. Finalmente, o juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cf. art. 199.º CPC).

O preceito do artigo 387.º-1 do C.P.C. explica-se pela inadequação do conceito de caso julgado à figura da providência cautelar: por ele é proibida a repetição do requerimento de providência quando esta for julgada injustificada ou caducar porque, de outro modo, da não atribuição da eficácia de caso julgado à decisão proferida resultaria a admissibilidade do requerimento de nova providência, ainda que com o mesmo objecto».

Mas a norma refere uma outra situação: a de a providência ter caducado. Ora, apenas neste caso se verifica a indiferença quanto aos fundamentos em que se estriba a tese vencedora. Na verdade, quando se reporta à providência que tenha caducado, o que interessa é apenas a repetição da medida cautelar solicitada, nos termos defendidos na tese vencedora.

Ou seja, se a parte requerente de uma medida a vê ser decretada e a deixa caducar, não pode pedi-la de novo, nem com o mesmo fundamento nem com outro. A sua negligência determina que não mereça nova proteção cautelar quando ela própria não teve cautela na preservação da medida.

Neste caso, os fundamentos não interessam, o que interessa é a providência, uma vez que por ela estava garantido o direito e afastado o perigo e apenas à parte é imputável que tenha deixado de assim estar protegida. É totalmente irrelevante o fundamento, o que é relevante é que, com esse ou outro fundamento foi decretada providência adequada a afastar o perigo e o beneficiário desprezou a tutela cautelar que obteve.

É apenas a este caso que se refere o Professor Alberto dos Reis, uma vez que o artigo 392.º que anotou apenas este caso contemplava. Por isso dizia: «que o fundamento da segunda providência seja o mesmo da primeira ou seja diferente, nada importa: num caso e noutro a providência não pode ser decretada. É que a proibição da lei tem como razão, não o caso julgado, mas a desnecessidade da providência numas hipóteses, e noutras a consideração de que não merece ser protegido quem se mostre descuidado e negligente» (cf Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição – reimpressão, vol. I, p. 651).

Ora, nos autos não está em causa este segundo caso mas apenas o primeiro uma vez que «nos presentes autos é requerido novamente, na dependência dos mesmos autos de execução, o arresto do Hotel M… mas agora com fundamento em factos não anteriormente alegados em sede de concretização do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da apelante» (negrito e sublinhado nossos).

Ora, se os fundamentos são outros, não pode considerar-se que a providência requerida foi anteriormente julgada injustificada, pela liminar razão de que não foi anteriormente julgada da sua justificação apenas possível face aos fundamentos concretos apreciados.

Julgaria por isso procedente o recurso.

Lisboa, 29 de abril de 2014

Ana de Azeredo Coelho