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ARTICULADO SUPERVENIENTE
MEIOS DE PROVA
VERDADE MATERIAL
JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO
Sumário
1. A prova oferecida nos articulados supervenientes visa, apenas, a prova e contraprova dos factos supervenientes alegados, e, nesta conformidade, a admissibilidade dos meios de prova oferecidos há-de ser ponderada tendo em atenção o objecto do articulado superveniente. 2. Se às partes pertence, em primeira linha, indicar os meios de prova, podendo requerer ou apresentar qualquer meio de prova que seja idóneo a demonstrar os factos que lhe incumba provar ou fazer contraprova dos alegados pela parte contrária, ao Juiz incumbe aquilatar da pertinência dos meios de prova oferecidos tendo em conta o objecto da acção (no caso, do articulado superveniente), não estando obrigado a admitir os meios de prova de forma acrítica, podendo e devendo indeferi-los se não forem relevantes para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio, ou se forem dilatórios ou impertinentes (art.º 6.º).
(Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO.
C intentou a presente acção de cessação da pensão de alimentos contra M, em 16.11.2011.
Em 4.07.2012, apresentou articulado superveniente, alegando, em síntese:
- posteriormente aos articulados, em Dezembro de 2011, foi diagnosticado ao requerente um tumor maligno, localizado nos pulmões, com metástases na pleura e no pericárdio;
- desde a alta hospitalar ocorrida em 9.12.2011, nunca mais retomou funções de gerente das empresas onde trabalhava, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente global de 80%;
- o seu tratamento tem gerado despesas adicionais que agravam a sua situação financeira (art. 2º).
Na resposta a R. alegou que a doença não afecta a capacidade de ganho do requerente, sendo certo que:
- o requerente continua a exercer a sua actividade profissional e a gerar negócio (art. 8º);
- pela incapacidade que lhe foi atribuída é-lhe garantida uma pensão (art. 11º);
- o requerente mantém capacidade financeira e vasto património (art. 13º), tendo, em Maio de 2012, comprado um BMW, modelo 560L (art. 14º), e, no ano de 2011, emprestado à sociedade A…, Lda. meio milhão de euros, conforme documento junto pelo próprio aos autos (art. 15º);
- a doença de que padece não afecta a sua capacidade de ganho (art. 17º).
Arrolou testemunhas e, para prova dos factos alegados e contra-prova do facto (art. 2º) alegado pelo requerente requereu que:
- se oficiasse ao M e ao Banco B, SA, para virem aos autos juntar extractos bancários desde 20 de Setembro de 2006 (data do acordo de partilha assinado entre o requerente e a requerida) até hoje (data do requerimento – 31.08.2012);
- se notificasse o requerente para vir aos autos indicar se tem outras contas bancárias e quais, de que o mesmo seja titular, quer nacionais, quer estrangeiras (incluindo contas tituladas por off shores de que o mesmo seja proprietário ou benefitial owner) e juntar os respectivos extractos bancários desde 20.09.2006 até à presente data;
- se oficiasse ao M e B para virem aos autos prestar informação detalhada sobre toda e qualquer aplicação financeira efectuada pelo requerente, em produtos/acções/obrigações nacionais ou internacionais desde 20.09.2006 até à presente data.
Foi proferido despacho nos seguintes termos: “Articulado superveniente. A fls. 416, o requerente apresentou articulado superveniente… Tal articulado será apreciado em sede de julgamento, admitindo-se o rol de fls. 1044 apresentado pela requerida. As provas requeridas pela requerida a fls. 1043 extravasam o âmbito do articulado superveniente, razão pela qual se indefere a sua realização. Notifique”.
Não se conformando com a decisão, dela apelou a R., formulando no final das respectivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1) As diligências probatórias requeridas a fls. 1043 dos autos não extravasam o âmbito do Articulado Superveniente;
2) No Articulado Superveniente apresentado nos autos, foi alegado pelo Requerente um conjunto de factos supervenientes constitutivos do direito à redução/ extinção da pensão de alimentos devida à Recorrente - artigo 506º., nº. 1 do C.P.C.;
3) A doença (superveniente) de que o Recorrido padece desde 2011 e as alegadas repercussões da mesma na sua capacidade de trabalho e de ganho, e, bem assim, no agravamento da sua situação financeira, constituem o objecto do Articulado Superveniente;
4) É sobre estes novos factos que a Recorrente tem o ónus de se pronunciar e de produzir a respectiva prova - artigos 506º., nºs. 4 e 5 e 505º. do C.P.C..
5) Na Resposta ao Articulado superveniente, a Recorrente impugnou os novos factos invocados e requereu ao Tribunal a quo a realização de diligências probatórias que são essenciais para repor a verdade quanto aos factos supervenientes e que não conseguiria, por si própria, obter;
6) Os documentos (extractos bancários)/informações destinavam-se a fazer prova dos fatos constantes dos artigos 8º., 11º., 13º., 14º., 15º. e 17º. da Resposta ao Articulado Superveniente e contraprova do artigo 2º. do Articulado Superveniente;
7) Os meios de prova rejeitados pelo Tribunal a quo visavam demonstrar que, não obstante a doença de que o Recorrido padece, esta não afecta as excelentes condições económico-financeiras, que, aliás, se mantêm, nem a sua capacidade de ganho, pelos rendimentos de que dispõe;
8) A ora Recorrente requereu que fossem juntos os extractos bancários “desde 20 de Setembro de 2006 até à presente data”, precisamente, para demonstrar que a doença do Apelado, diagnosticada em 2011, não afectou a sua capacidade de ganho, nem determinou qualquer agravamento da sua situação financeira;
9) As provas requeridas e cuja realização foi rejeitada pelo Tribunal a quo destinavam-se a fazer contra-prova dos factos constitutivos supervenientes do direito invocado pelo Recorrido no Articulado Superveniente;
10) A Requerida solicitou a junção dos extractos bancários e demais elementos desde 2006 até à presente data, na medida em que tais extractos bancários permitirão ao Tribunal comprovar se entre o momento em que foi fixada a pensão de alimentos a favor da Requerida e o momento posterior à doença que foi diagnosticada em 2011 ao Requerente, a situação financeira do Requerente se alterou de molde a impossibilitá-lo de pagar a pensão de alimentos à Recorrente ou se, pelo contrário, o seu património financeiro lhe permite continuar a suportar o valor da pensão de alimentos em causa cuja extinção/redução o mesmo solicita ao Tribunal a quo;
11) A Recorrente não consegue fazer prova dos factos que alega e contra-prova dos factos invocados pelo Requerente, com testemunhas, tanto mais que este tipo de prova não se basta com o depoimento testemunhal, sendo essenciais elementos objectivos, como são os extractos bancários do Requerente;
12) O Tribunal a quo deveria não só ter admitido a realização das diligências de prova requeridas a fls. 1043 dos autos, como deveria ter ordenado nos termos do disposto nos artigos 265º., nº. 3, e 535º. do C.P.C. , (i) a notificação das instituições bancárias para virem aos autos juntar os extractos bancários requeridos e (ii) a notificação do Requerente, aqui Recorrido, para vir prestar as informações bancárias solicitadas.
13) O despacho recorrido ao rejeitar a produção da prova requerida a fls. 1043 dos autos, violou o disposto nos artigos 265º., nº. 3, 506º., nº. 5 e 535º. do C.P.C.;
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido, e substituído por outro, que determine a realização das diligências probatórias requeridas pela Recorrente a fls. 1043 dos autos.
O apelado contra-alegou propugnando pela confirmação da decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), a única questão a decidir é se deveriam ter sido admitidos os meios de prova requeridos pela requerida.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade relevante é a supra descrita no relatório.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Dispõe o nº 1 art. 588º do CPC que “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”, constando a noção do que são factos supervenientes no nº 2.
Como sintetiza Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 298, “os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que, dada a sua superveniência [1], não puderam ser invocados nos articulados normais”.
Estipula o nº 3 do mencionado artigo que as provas de tais factos são oferecidas com o articulado e a resposta (nº 3), sendo que, os que interessam à decisão da causa, constituem tema da prova nos termos do disposto no art. 596º (nº 4).
A prova oferecida nestes articulados visa, apenas, a prova e contraprova dos factos supervenientes alegados.
E nesta conformidade, a admissibilidade dos meios de prova oferecidos há-de ser ponderada tendo em atenção o objecto do articulado superveniente.
Se às partes pertence, em primeira linha, indicar os meios de prova, podendo requerer ou apresentar qualquer meio de prova que seja idóneo a demonstrar os factos que lhe incumba provar ou fazer contraprova dos alegados pela parte contrária, ao juiz incumbe aquilatar da pertinência dos meios de prova oferecidos tendo em conta o objecto da acção (no caso, do articulado superveniente), não estando obrigado a admitir os meios de prova de forma acrítica, podendo e devendo indeferi-los se não forem relevantes para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio, ou se forem dilatórios ou impertinentes (art. 6º) [2].
E foi por entender que os meios de prova requeridos pela requerida extravasavam “o âmbito do articulado superveniente” que o tribunal recorrido os indeferiu.
Insurge-se a apelante contra tal entendimento, sustentando que os meios de prova requeridos “visam demonstrar que, não obstante a doença que o requerido padece, esta não afecta as excelentes condições económico-financeiras, que, aliás, se mantêm, nem a sua capacidade de ganho”, tendo sido solicitados os elementos desde 2006 (data de celebração do acordo de partilha) até à presente data na medida em que os mesmos demonstrarão que a situação financeira do apelado não se alterou desde o momento em que a pensão foi fixada até o momento posterior à doença.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos não assistir razão à apelante, tendo o tribunal recorrido decidido com acerto.
O objecto do articulado superveniente é a verificação de determinado facto, a doença do requerente, em momento posterior aos articulados, ou seja em Dezembro de 2011, que alegadamente tem repercussões na situação financeira do requerente, agravando-a, por afectar a sua capacidade de trabalho e ganho e implicar mais despesas, o que deve ser ponderado, também, na apreciação do pedido de cessação de alimentos.
E claro está que é ao requerente que incumbe fazer prova desse novo facto, bem como das alegadas consequências resultantes do mesmo, tendo, para o efeito, junto documentação clínica e facturas relativas à prestação dos cuidados de saúde invocados, e arrolado as testemunhas já indicadas no requerimento probatório.
À requerida basta fazer contraprova dos factos alegados pelo requerente, por forma a torná-los duvidosos, nos termos do art. 346º do CC, e embora não tenha de provar os factos por si alegados, pode a prova dos mesmos resultar em contraprova dos alegados pelo requerente e, nessa medida, ser relevante a sua prova.
As diligências de prova requeridas pela apelante em nada permitem a prova do por si alegado nos arts. 8º, 11º e 17º (manifestamente conclusivo) do seu articulado, nem do alegado nos arts. 14º e 15º (sendo certo que quanto a este último, a própria apelante afirma existir prova documental nos autos).
Em causa estaria, apenas, a prova do alegado 13º da resposta da requerida e contraprova do alegado pelo requerente no art. 2º do articulado superveniente, ou seja, se a incapacidade para o trabalho resultante da doença, com consequente perda de ganho, e as despesas com aquela, agravam, ou não, a situação financeira do requerente.
Contudo, o que está em causa, o âmbito do articulado superveniente, é se, a partir de Dezembro de 2011, o requerente passou a ganhar menos, a ter menos rendimento, e se passou a ter mais despesas, concretamente com a saúde.
Se tais factos supervenientes agravaram a sua situação financeira, é conclusão a retirar da conjugação com a restante factualidade alegada e constante da acção, não se inserindo no âmbito do articulado superveniente indagar da situação financeira e patrimonial do requerente anterior a Dezembro de 2011, uma vez que esta está, necessariamente, em causa na acção [3].
O que está em causa é saber se, a partir de Dezembro de 2011, se verificam factos que podem ou não ter repercussão na capacidade financeira do requerente, sendo que a contraprova dos mesmos não se faz através das diligências requeridas pela apelante, as quais, efectivamente, extravasam o âmbito do articulado superveniente.
Improcede, pois, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
*
Lisboa, 2014.04.29
Cristina Coelho
Roque Nogueira
Pimentel Marcos
[1] Objectiva ou subjectiva. [2]Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, Vol. III, pág. 7, inseria este poder-dever do juiz no seu poder de disciplina, descrevendo-o como “o reverso do poder de instrução” (pág. 12). [3] O pedido de cessação da pensão de alimentos tem por fundamento, no que ora interessa, uma alteração das circunstâncias posterior à data de fixação daquela, seja porque aquele que a presta não pode continuar a prestá-la – o que é o caso nos autos -, seja porque aquele que a recebe deixa de precisar dela – art. 2013º, nº 1, al. B) do CC.