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DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
ACÇÃO ESPECIAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
INTERESSE PROCESSUAL NA ACÇÃO
INTERESSE PROTEGIDO
Sumário
I - Se no âmbito de processo judicial pendente em que se pretenda atingir determinada prova através de documentos em poder da parte contrária, a notificação desta para apresentar esses documentos depende de se concluir que os factos que tal parte pretende provar têm interesse para a decisão da causa - nº 2 do art 528º CPC - exigência superior se terá que fazer quando se pretenda a exibição de documento fora da pendência de processo judicial, na medida em que superior será o interesse do detentor deste em não ver ofendida a sua liberdade individual. II – O «interesse jurídico» na exibição de documentos a que se reporta o art 575º CC implicará que o seu requerente pretenda «tirar daí a prova de uma circunstância que diga respeito a uma relação jurídica que o afecte». III - O direito de exibição – actio ad exhibendum – que se traduz no exame de uma coisa que se encontra em poder de outrem, serve para que o titular de um direito se esclareça acerca da existência ou do conteúdo do seu direito, ou se habilite a exerce-lo ou a conserva-lo.
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – A e B propôs contra C (já falida e representada pelo seu liquidatário judicial) e contra D e E e F acção declarativa de condenação com processo ordinário - que, posteriormente, se mandou converter em processo especial de apresentação de documentos nos termos do artigo 1476º do CPC (redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26.06) - pedindo a condenação dos RR. a entregarem-lhe todos os originais das facturas relativas à exploração do G, entre 17/02/1992 e 01/05/1992, bem como todos os originais das facturas com o seu número de identificação de empresário em nome individual preenchidas após 01/05/1992, e ainda a entregarem-lhe toda a documentação da sua contabilidade pessoal relativa à administração/exploração do G, relativa ao mesmo período temporal.
Para tal, alegou, em síntese, que os 2º e 3º RR. foram sócios da 1ª R. e, juntamente com os demais sócios, celebraram com ele, em 17/02/1992, um contrato promessa de cessão de quotas daquela sociedade, proprietária do G, em Monte Gordo; e, paralelamente, celebraram um acordo prévio de concessão de exploração, relativo a tal hotel, nos termos do qual o A. passava a assumir a exploração daquela unidade até à celebração da escritura pública de compra e venda das quotas, exploração essa que veio a suceder. Porém, em 1/5/1992, um grupo de trabalhadores do hotel, agindo sob ordens do 2º e 3º RR., impediu o A. de ali entrar e, assim, de gerir o hotel daí em diante. Não obstante as insistências deste junto dos RR., estes nunca lhe entregaram os originais das facturas numeradas de 1 a 220, tendo-se apoderado, indevidamente, da documentação pertencente ao A. que ainda se encontrava no interior do hotel, ainda por emitir, que preencheram e cobraram no montante de 2.575.615$00. Mais tarde, através do seu advogado, devolveram a documentação pessoal do A., deparando-se este com meras fotocópias das mencionadas facturas.
Foi proferido despacho que julgou ocorrer erro na forma do processo, entendendo que a pretensão do A. «respeita ao disposto nos arts 574º e 575º CPC e apenas é susceptivel de ser exercida no âmbito da tutela prevista na accção especial regulada pelo art 1476º e ss CPC e não sob a forma de processo comum», sendo que, anulada a contestação entretanto apresentada pelos RR. D e E e F e ordenada a citação do mesmos para apresenterem os documentos solicitados pelo A. em determinado dia e hora, ou para contestarem, vieram os mesmos deduzir contestação.
Nela invocaram a falta de preenchimento dos pressupostos a que aludem os artigos 574º e 576º do CC 1476º do CPC, atenta a circunstância do A. não ter invocado qualquer direito pessoal ou real que justifique a exigência que faz de apresentação dos originais das facturas que reclama, e tão pouco ter invocado que o exame das mesmas seja necessário para apurar a existência ou conteúdo desse direito, acrescendo que o mesmo já dispõe das fotocópiass dos documentos em questão, sendo apenas isso que o diposto no art 576º lhe faculta. Mais referem que o pedido formulado é impossivel de satisfazer porque os RR. não são já possuidores dos originais das facturas, visto que foram enviados aos respectivos clientes, não vendo que o A. retire qualquer utilidade daquele pedido que não seja o de os incomodar com a acção, pois decorrreeram mais de vinte anos sobre os factos e os RR. já estão desligados há muito da sociedade que foi proprietária do G. Ainda quanto à desnecessidade das facturas referem que o A. tem pendente contra eles acção em que deles pede o pagamento dos impostos que derivaram da “putativa” emissão ilícita das mencionadas facturas. Invocam, finalmente, a ilegitimidade da R., que está falida há doze anos, e a caducidade do direito do A., na medida em que a obrigação de arquivação de documentação comercial tem o prazo de dez anos.
O A. deduziu resposta, defendendo-se das excepções invocadas, explicitando que o que pretende são os duplicados das facturas enviadas aos clientes no que respeita às facturas emitidas, e os próprios originais das não emitidas.
Representada pelo liquidatário judicial a 1ª Ré não interveio.
Foi proferida decisão julgando a acção improcedente.
II – Do assim decidido, apelou o A., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos: (…)
III – III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A 1ª Ré foi, pelo menos até ao final de Maio de 1992, proprietária do G, em Monte Gordo.
2. Os 2º e 3º Réus foram sócios da 1ª Ré.
3. A 1ª Ré foi declarada falida em 12.03.1999.
4. O Autor exerceu a gestão do G entre 17.02.1992 e 01.05.1992.
5. O Autor já recebeu cópias das facturas referentes ao período aludido em 4.
IV – Das conclusões das alegações resultam para apreciação as seguintes questões:
1 – Saber se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão;
2 –Saber se enferma de erro de julgamento, porquanto, ao contrário do decidido, os factos alegados e provados permitam concluir pela verificação dos pressupostos a que aludem os artigos 574º e 576º do CC e 1476º do CPC.
Para melhor compreensão do objecto do recurso atente-se no conteúdo da decisão recorrida na parte da mesma que se mostra para o efeito relevante: «(...) Adiante-se, desde já, que o A. não preenche nenhum dos requisitos, supra mencionados, para obter provimento da sua pretensão. Em primeiro lugar, não demonstrou o Autor, minimamente, se e em que medida o exame dos documentos que pretende ver apresentados pelos Réus seja necessário para apurar a existência ou conteúdo do seu direito – de facto, ficou por perceber-se, até, que direito pretende o Autor fazer valer, que esteja dependente da apresentação dos documentos; sabe-se, apenas, que se trata de documentos relativos ao (longínquo) período em que exerceu a gestão da unidade hoteleira, emitidos em seu nome, nas circunstâncias descritas na petição inicial, mas não se descortina para que propósito o A. os pretende obter, para além da simples circunstância de, naturalmente, os mesmos serem de sua propriedade. Esta circunstância leva-nos ao segundo aspecto da questão: o de que, não tendo o Autor demonstrado uma concreta necessidade de exame dos documentos, não demonstrou também, por maioria de razão, que tenha algum interesse juridicamente atendível para tal pedido. Finalmente, não se afigura razoável exigir dos demandados – independentemente da questão de saber se os mesmos estão, ou deviam ainda estar, na posse deles – a apresentação de documentos datados de há mais de vinte anos, provenientes da escrituração comercial de uma empresa já falida há mais de uma década. É clara, portanto, a manifesta desproporção entre o pedido do Autor e a posição dos Réus, que é ainda mais patente ao verificar que o demandante já tem na sua posse as cópias das facturas referentes ao período a que se refere o seu pedido. Não restam, assim dúvidas – sem necessidade da consideração de outros argumentos, válidos, invocados pelos Réus na sua contestação – que ao Autor falecem os fundamentais requisitos para obter ganho de causa no pedido que efectua nestes autos. Atenta a conclusão assim atingida, perde interesse e utilidade o conhecimento das demais questões levantadas pelos Réus na sua contestação»
1 - Resulta do disposto no art 615º/1 al c) do NCPC – corespondente ao anterior art 668º ACPC – que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Estão em causa nesta nulidade os fundamentos de facto e de direito, mais precisamente, o raciocínio de subsunção, tal como expendido na sentença, da matéria de facto ao direito aplicável, que deverá conduzir logicamente ao que nela se conclui em sede de decisão.
Mas está em causa apenas a «contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença há-de apresentar-se viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou pelo menos de sentido diferente»[1]
Bem se compreende a nulidade em apreço pela ininteligibilidade que em última análise implica no conteúdo da sentença, visto que a apontada contradição fere o raciocino silogístico em que a mesma deve assentar, passando a dedução da conclusão a não advir da sequência lógica das premissas.
Entende o apelante que, a simples circunstância de na sentença recorrida se referir e aceitar que os documentos que o A. pretende que os RR. lhe apresentem são de sua propriedade e que o mesmo apenas tem na sua posse cópias dos mesmos, é bastante para justificar a necessidade da diligência, pelo que aquelas premissas implicariam logicamente a procedência dos pedidos e não a sua improcedência.
Ora, as considerações expendidas na sentença recorrida para vir a concluir pela improcedência da acção, não se limitaram aos aspectos referidos pelo apelante, sendo que só se poderia falar da referida nulidade se, segundo o discurso argumentativo utilizado na sentença, concluir-se pela improcedência da acção encerrasse em si uma real contradição, um vício lógico interno e evidente, o que não é o caso.
O que sucede é que o apelante não concorda com a argumentação utilizada na sentença, o que corresponde não a uma nulidade da mesma mas, quando muito, a um erro de julgamento.
O raciocínio expendido na 1ª instância é indiscutivelmente lógico, tanto bastando para afastar a nulidade em apreço.
Coisa diversa é o acerto do decidido, mas isso, nada tendo a ver com nulidade da sentença, mas com possível erro de julgamento, constitui o demais objecto do recurso
2 - Dispõe o artigo 1476º do CPC (na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26.06): «Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574º e 575º do CC, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justificará a necessidade da diligência e requererá a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar».
Nos referidos arts 574º/1 e 575º do CC, refere-se, respectivamente: «Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência». «As disposições do artigo anterior são, com as necessárias adaptações, extensivas aos documentos, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível».
Para a apreciação do recurso, convém, em primeiro lugar, ter presente os documentos que estão em causa nos pedidos formulados na acção.
Trata-se, segundo o A./apelante, por um lado, dos originais das facturas a ele pertencentes relativas à exploração do hotel que exerceu entre 17/2/1992 a 1/5/1992 e dos duplicados das facturas (com o seu nº de identificação de empresário em nome individual) que foram indevidamente preenchidas após 1/5/1992; e por outro lado, de «toda a documentação da contabilidade pessoal do A relativa à administração/ exploração desse mesmo hotel desde 17/2/1992 a 1/5/1992.»
Há desde logo que fazer notar que desde o momento em que o A. se conformou com o despacho que tendo entendido existir erro na forma de processo que utilizou – acção comum de processo declarativo na forma ordinária em que pedia a condenação dos RR. na entrega daqueles documentos – determinou que o processo prosseguisse como acção especial de exibição de documentos nos termos do art 1476º do CPC – acção em que o A. apenas pode obter, na respectiva procedência, a exibição dos documentos em causa - não pode senão aceitar que a procedência desta acção se subordine aos pressupostos que decorrem da conjugação dos acima referidos preceitos.
Não pode pretender, como refere na conclusão 18ª, que não tendo escolhido esta forma de processo «não tinha que revelar o que pretendia ou deixaria de pretender fazer com os seus documentos». Como é evidente, são os presupostos da acção especial de exibição de documentos, tal como resultam do disposto no art 1476º do CPC e da respectiva remissão para os arts 574º e 576º do CC, que estão, agora, aqui em questão.
Há também que deixar claro que, relativamente ao segundo pedido formulado - que se há-de traduzir na exibição de “toda a documentação da contabilidade pessoal do A. relativa à administração/exploração do hotel desde 17/2/1992 a 1/5/1992” - a respectiva improcedência sempre seria manifesta, independentemente dos acima referidos pressupostos.
Com efeito, e como os RR. o destacam na respectiva contestação, nenhuns factos dos alegados pelo A. permitem suportar o carácter genérico deste pedido, bem pelo contrário, visto que, em função do que o A. alega no art 22º da sua petição -«Mais tarde, o 2º e o 3º RR., atraves do seu advogado (...) devolveram ao A. a documentação pessoal do A. deparando-se este com as meras fotocópias das mencionadas facturas» - e do que alegara anteriormente no art 20º da mesma – «Face ao exposto, o 2º e 3º RR apoderaram-se indevidamente da documentação pertencente ao A. que se encontrava no interior do Hotel, ainda por emitir, que preencheram e cobraram no montante de 2.575.615$00, designadamente as facturas nº (...)» - só pode concluir-se que a documentação da contabilidade pessoal do A. relativa à administração/exploração desse mesmo hotel desde 17/2/1992 a 1/5/1992 a que o mesmo se pretende referir, se analisa, afinal, nos originais e duplicados das facturas não emitidas e indevidamente emitidas, não tendo assim conteúdo diverso o segundo pedido relativamente ao primeiro.
Por último, cabe salientar que o A. configura o pedido acima referido - de exibição dos originais das facturas a ele pertencentes relativas à exploração do hotel exercida por ele entre 17/2/1992 a 1/5/1992 e dos duplicados das facturas (com o seu nº de identificação de empresário em nome individual) que foram indevidamente preenchidas após 1/5/1992 – à margem de qualquer processo judicial que tenha pendente relativamente aos RR. – ainda que, ao que parece, tenha contra eles pendente acção em que pede o pagamento dos impostos que derivaram da emissão das mencionadas facturas - não estando em causa, pois, a disciplina dos art 528º, 529º e 530º ACPC - actuais arts 429º a 431º.
Sucede que, se no âmbito de processo judicial pendente em que se pretenda atingir determinada prova através de documentos em poder da parte contrária, a notificação desta para apresentar esses documentos, depende de se concluir que os factos que a parte pretende provar têm interesse para a decisão da causa - nº 2 do art 528º CPC - exigência superior se terá que fazer quando se pretenda a exibição de documento fora da pendência de processo judicial, na medida em que superior será o interesse do detentor deste em não ver ofendida a sua liberdade individual.
Refere a este nível o acima referido art 575º CC que, sem prejuizo de com as necessárias adaptações, serem aplicáveis as disposições do artigo anterior – art 574º - o requerente da exibição de documentos tem que ter «um interesse jurídico atendível».
Tratra-se-á esta exigência - de interesse jurídico atendível - de uma fórmula mais ampla do que a utilizada no artigo anterior relativamente à exibição de coisas moveis ou imoveis, em que se exige ao que invoca um direito, pessoal ou real sobre essas coisas, que «o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo d(esse) direito».
Segundo Vaz Serra[2] o interesse jurídico na exibição de documentos implicará que o seu requerente pretenda «tirar daí a prova de uma circunstância que diga respeito a uma relação jurídica que o afecte».
O direito de exibição – actio ad exhibendum – que se traduz no exame de uma coisa que se encontra em poder de outrem, serve para que o titular de um direito se esclareça acerca da existência ou do conteúdo do seu direito, ou se habilite a exerce-lo ou a conserva-lo.
Em função destas considerações faz todo o sentido o referido pela 1ª instância – que direito pretende, afinal, o A. fazer valer que esteja dependente da apresentação das referidas facturas?
O direito de propriedade dessas facturas - que, admite-se, emanará da circunstância das mesmas terem o seu número de identificação de empresário em nome individual - não resulta sem mais afectado da não apresentação ao A. dos originais das mesmas.
Ainda que o A. pretenda, em última análise – como apenas agora, diga-se de passagem, aduz nas alegações de recurso – confrontar as cópias de que já dispõe, com os duplicados das facturas emitidas, nem por isso essa pretensão de confronto só por si se traduz num «interesse juridicamente atendível». Para se tratar de um interesse juridicamente atendível deveria o A. ter esclarecido para que pretendia o referido confronto, isto é, em que medida é que necessitava de apurar se as cópias coincidiam com os originais, qual a concreta necessidade de proceder a essa confrontação, qual o interesse que pretendia atingir que estivesse dependente desse confronto.
O A. em lado algum deixa entender em que medida é que o seu direito de propriedade pode resultar afectado com a não exibição dos documentos, por outras palavras, em que medida o exame se mostra necessário para apurar a existência ou o conteúdo desse direito.
Será mesmo caso para se afirmar mais drasticamente que, antes de mais, o A. carece de interesse em agir, quando se configure esta figura processual – consabidamente de contornos pouco definidos, ou mesmo discutíveis [3] – como pressuposto processual.
O interesse em agir - que Manuel de Andrade [4] apelida de “interesse processual”, havendo quem fale de “causa legítima da acção”, ou mais simples e expressivamente em “motivo justificativo dela” – consiste, como resulta de todas estas designações, «em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial; é o interesse de utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão pouco de um qualquer interesse, por vago e remoto que seja; trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legitima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece».
Teixeira de Sousa fala de “interesse processual”, referindo [5] : «(…) pode ser definido como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela». Em função desta definição refere mais adiante: «(…) só se o autor beneficiar algo com a tutela judicial requerida é que o réu terá algum prejuízo; e o autor só aufere alguma vantagem se a concessão da tutela pedida implicar para o réu alguma desvantagem». Mais expressivamente ainda: «Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual».
Apesar das indefinições desta figura, parece ser indiscutível que num Estado de Direito a mesma se mostra indispensável, «obstando a que um qualquer titular de um direito subjectivo material possa sem mais, nem mais, solicitar para ele uma qualquer das formas de tutela judiciária legalmente autorizadas, impondo assim à contraparte a perturbação e gravame inerente à posição de demandado - perturbação e gravame que se traduz principalmente em ter ela de deduzir a respectiva defesa sob pena de a ver precludida»[6], não bastando «a condenação do autor em custas e no pagamento dos honorários devidos ao advogado do réu, nem para ressarcir este dos incómodos que a acção lhe acarretará, nem sobretudo para conseguir o uso injustificado da administração da justiça» [7]
Na verdade, a forma como o A. coloca a acção - não podendo aqui esquecer-se que passaram 20 anos sobre os factos a que se referem os documentos cuja exibição se pretende – não permite sequer apreender qual o interesse substancial lesado pelo comportamento dos RR, ou mais genericamente pela situação de facto objectivamente existente que justifique, de algum modo, a necessidade do presente processo.
Assim, porque não se vê qual o interesse jurídico atendível do A., ou sequer que o mesmo tenha interesse em agir, porque se fica sem saber em que medida poderia o seu direito estar carecido da tutela judicial que viria a obter com a procedência da acção - a apelação improcede, devendo manter-se a decisão recorrida.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 8 de Maio de 2014
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
[1]- Amâncio Ferreira, «Manual de Recursos», p 76 [2]- BMJ nº 77, p 227 e ss, [3] Há quem recuse interesse e autonomia a esta categoria jurídica – assim , Castro Mendes – e há quem discuta a sua qualificação como simples pressuposto processual, havendo também quem o entenda como condição da acção, coincidindo, então, com a falta de razão do demandante para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida levando à absolvição do pedido do demandado, havendo igualmente quem a inclua na legitimidade da parte (o que não resulta inteiramente de excluir perante uma norma como a do nosso art 26º CPC). [4]- “ Noções Elementares…”, 1979, p 79 [5]- «As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa» , 97 e ss [6]- Manuel de Andrade, obra e local citados [7] - Anselmo de Andrade, “ Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, II , 253, quando aí critica o ponto de vista de Castro Mendes para quem o requisito em causa não tem razão de ser.