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LIVRANÇA
TAXA DE JURO
EXECUÇÃO
Sumário
I. À livrança emitida e não paga em Portugal, é aplicável, quanto à indemnização pela mora, a taxa de juros determinada art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, em conjugação com o disposto no art. 559.º, n.º 1, do Código Civil. Por isso, tendo-se vencido a livrança a 13 de fevereiro de 2005, a taxa de juros, pela mora do seu pagamento, é de 4 %, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
A. instaurou, em 10 de julho de 2006, no 3.º Juízo de Execução da Comarca de Lisboa, contra B e mulher, C, execução comum para pagamento de quantia certa, no valor de € 201 924,57, resultante de uma livrança, no valor de € 178 179,36, subscrita pelos Executados, a qual, na data do seu vencimento, em 13 de fevereiro de 2005, não foi paga, com a reclamação de juros de mora às taxas de 9,09 %, 9,05 % e 9,25 %.
Por despacho de 3 de outubro de 2006, o requerimento executivo foi parcial e liminarmente indeferido, quanto aos juros de mora calculados acima da taxa de 4 %, de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
Inconformada com essa decisão, agravou a Exequente e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) O despacho recorrido violou o disposto no § 3.º do art. 102.º do Código Comercial. b) A Agravante, que é uma instituição de crédito que tem por objeto a atividade bancária, é uma empresa comercial. c) São comerciais as operações realizadas pela Agravante, nos termos do art. 362.º do Código Comercial. d) A emissão da livrança dada à execução é um ato objetivamente comercial. e) A comercialidade dos créditos determina-se, não abstratamente pelos títulos, mas pela qualidade de comerciante do credor. f) O art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, não distingue se a indemnização por mora exigível pelo portador da letra é a fixada ao abrigo do § 3.º do art. 102.º do Código Comercial ou a fixada ao abrigo do n.º 1 do art. 559.º do Código Civil. g) A Agravante, uma instituição de crédito, como empresa comercial, como portadora de uma livrança, pode, no âmbito das relações cambiárias, reclamar a aplicação das taxas legais de juros moratórios de 9,09 %, 9,05 % e 9,25 %, uma vez que são aplicáveis aos créditos em mora titulados por livrança, de que sejam portadores instituições de crédito.
Pretende a Agravante, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento da execução nos termos constantes do requerimento executivo.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho de 1 de março de 2014, foi tabelarmente sustentada a decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está apenas em discussão a taxa aplicável aos juros de mora dos títulos cambiários, designadamente de uma livrança, tendo por portador uma instituição de crédito.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente se restringe à taxa aplicável aos juros de mora dos títulos cambiários, nomeadamente quando o portador é uma instituição de crédito.
De acordo com o art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, o portador de letras, livranças ou cheques, quando o respetivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais.
Através desta norma, o portador de um título cambiário emitido e pagável em Portugal deixou de estar sujeito, quanto ao pedido de indemnização pela mora, à taxa de 6 %, prevista no art. 48.º, n.º 2, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), para então passar a poder exigir os juros legais.
Nessa altura, recorde-se, vigorava a Portaria n.º 581/83, de 18 de maio, que fixara a taxa anual dos juros legais em 23 %, numa diferença abissal quando confrontada com a referida taxa de 6 %, consequência do forte fenómeno inflacionista, e que retirava muita da utilidade compensatória da indemnização pela mora nos títulos cambiários (J. SIMÕES PATRÍCIO, As Novas Taxas de Juro do Código Civil, BMJ n.º 305, pág. 13).
Entretanto, a taxa dos juros legais foi sendo, sucessivamente, atualizada, estando atualmente estabelecida em 4 %, por efeito da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
É hoje pacífico, especialmente depois da prolação do assento (equiparado a acórdão de uniformização de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1992, que nas letras e livranças emitidas e pagas em Portugal é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, e não a prevista nos n.º s 2 dos artigos 48.º e 49 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (BMJ n.º 419, pág. 75).
É, assim, patente que, no âmbito dos títulos de créditos, como as livranças, existe uma taxa específica para os juros de mora. A especificidade resulta da circunstância de se tratar de títulos de créditos, sendo irrelevante, para o efeito, a natureza jurídica que possa assistir ao credor desses mesmos títulos de créditos. Por isso, independentemente da pessoa do credor, a taxa aplicável aos juros de mora nos títulos de crédito é a que resulta do disposto no art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho.
A lei foi esclarecedora ao referir-se, expressamente, aos “juros legais”, não podendo esta expressão senão remeter para o disposto no art. 559.º, n.º 1, do Código Civil (CC), onde estão compreendidos os juros legais, com a sua fixação a ser concretizada através de portaria governamental (ABEL DELGADO, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 7.ª edição, 1996, pág. 275 e segs., e P. PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial – Títulos de Créditos, 1990, pág. 138 a 140).
Se, porventura, o legislador tivesse pretendido determinar uma taxa de juros diversa, nomeadamente a aplicação dos juros comerciais, nos termos do art. 102.º, § 3.º, do Código Comercial (CCom), também alterado pelo DL n.º 262/83, tê-lo-ia declarado no texto da lei. Tal não sucedeu, sendo certo ainda que não existe na letra da lei um mínimo de correspondência verbal com semelhante intenção, ainda que imperfeitamente expresso.
Afirmar que inexistem razões para diferenciar a taxa de juros dos créditos titulados por letras, livranças e cheques dos créditos das empresas comerciais, como alegou a Agravante, é o mesmo que dizer que a taxa de juros fixada quer pelo art. 48.º da LULL, quer pelo art. 4.º do DL n.º 262/83, não fez qualquer sentido normativo e, por isso, não podemos sufragar tal alegação, nomeadamente pela consideração das regras da interpretação consagradas no art. 9.º do CC.
Por outro lado, convém precisar que MENEZES CORDEIRO, que a Agravante cita como entendendo que a expressão “juros legais” engloba também os juros comerciais fixados no § 3.º do art. 102.º do CCom., em comentário favorável a acórdão sobre a taxa de juros em caso de mora numa obrigação em moeda estrangeira, não se pronuncia, porém, sobre a problemática ora versada (Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXX, 1988 (III da 2.ª Série), n.º 1, pág. 82 e segs.).
A jurisprudência sobre esta matéria específica tem sido escassa, possivelmente por esta questão ter sido considerada resolvida, designadamente pela doutrina do “assento” do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1992.
No sentido para o qual propendemos neste acórdão, que reitera a nossa posição de sempre, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de junho de 1991 (acessível em www.dgsi.pt, Processo n.º 080524), do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de janeiro de 1997 (BMJ n.º 463, pág. 650) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de outubro de 2007 (acessível em www.dgsi.pt, Processo n.º 8273/2007-6).
Em sentido contrário, porém com limitações (a natureza do crédito comercial constar do título ou ter sido alegada no requerimento executivo), pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de março de 2013 (acessível em www.dgsi.pt, Processo n.º 2109/09.6TBMTJ-A.L1-6).
Desenhado o quadro legal que se tem por aplicável, à livrança dos autos, emitida e não paga em Portugal, é aplicável, quanto à indemnização pela mora, a taxa de juros determinada art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, em conjugação com o disposto no art. 559.º, n.º 1, do CC, e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
Por isso, correspondendo a data do vencimento da livrança a 13 de fevereiro de 2005, a taxa de juros, pela mora do seu pagamento, é de 4 %.
Tendo o despacho recorrido decidido nesta conformidade, não foi, assim, violada qualquer disposição legal aplicável, o que implica a negação do provimento do recurso.
2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I. À livrança emitida e não paga em Portugal, é aplicável, quanto à indemnização pela mora, a taxa de juros determinada art. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de junho, em conjugação com o disposto no art. 559.º, n.º 1, do Código Civil.
II. Por isso, tendo-se vencido a livrança a 13 de fevereiro de 2005, a taxa de juros, pela mora do seu pagamento, é de 4 %, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
2.3. A Agravante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a consagrada regra da causalidade.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a Agravante (Exequente) no pagamento das custas.