CONTRATO DE SEGURO
ACTIVIDADE PERIGOSA
INCÊNDIO
CULPA
DEVER DE CUIDADO
Sumário

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do novo Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
“I - O conceito de atividades perigosas ínsito na previsão do art.º 493º, n.º 2, do Código Civil, tem que ver, essencialmente, com a sua elevada e especial aptidão para provocar danos, sendo a probabilidade da respetiva ocorrência francamente maior do que a verificada nas restantes atividades em geral. II – Tal não se verifica relativamente à atividade de restauração, em geral. III – Nem, concretamente, num estabelecimento de restauração em cuja cozinha estava instalado um fogão e uma fritadeira de tipo industrial, não se insinuando as suas dimensões e apetrechamento como transcendentes da mediania. IV – É de rejeitar a tese segundo a qual todo e qualquer curto-circuito – afastada a hipótese de “comutação…ou manejamento” – se ficaria a dever a negligência do detentor do espaço onde o mesmo ocorresse, na manutenção do sistema elétrico. V - A aceitação daquela seria a forma ínvia de, estabelecendo uma efetiva presunção de culpa, reconduzir a atividade de restauração à categoria das atividades perigosas.”.

Texto Parcial

Acordam na neste Tribunal da Relação


I - A intentou ação declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra a “B” e a “C”, pedindo a condenação das Rés a pagar à A., a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia global de € 141.318,77, acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegando, para tanto e em suma, que:
No âmbito da sua atividade comercial a A., à data de 10 de Novembro de 2007, explorava um estabelecimento sito na Rua de …, n.º 14, em …, há mais de 20 anos.
O edifício onde este estabelecimento existia é vizinho do prédio onde a 1.ª Ré explora um estabelecimento de restauração denominado “D”, sendo que as paredes de ambos os edifícios encostam uma à outra.
No dia 10 de Novembro de 2007, pelas 17h40m, deflagrou um incêndio no referido “D” – devido a negligência da 1ª Ré – que alastrou ao telhado do edifício onde se encontrava instalado o estabelecimento da A.
 Ardendo praticamente toda a cobertura daquele último edifício, bem como tudo o que se encontrava no piso superior do mesmo: eletrodomésticos, equipamentos eletrónicos de som e de informática, prateleiras, etc.
Os Bombeiros Voluntários apagaram o fogo, tendo, com esta operação, inundado o piso inferior do estabelecimento da A.
Ficando o imóvel respetivo, na sequência do aludido incêndio, em estado que não permitiu à A. exercer a sua atividade naquele local.
Determinando-a arrendar um outro espaço, com as mesmas características, para a continuação da sua atividade comercial,
Porém, o acréscimo de custos que a exploração passou a implicar inviabilizou a intenção da A., que, por isso, denunciou o contrato de arrendamento e encerrou o referido estabelecimento, com as consequências daí decorrentes.
O que tudo lhe ocasionou os danos que discrimina.
A 1.ª R. celebrou com a 2.ª R. um contrato de seguro contra danos provocados por incêndio que abrange o imóvel onde a 1.ª R. explora o “E”.
O inquérito instaurado na sequência dos factos descritos foi arquivado por decisão do M.º P.º, em 10-09-2009, tendo sido indeferido o requerimento de abertura de instrução apresentado pela A., que se constituíra assistente.

Citadas contestaram as Rés.

Rejeitando a primeira Ré que “tivesse provocado um incêndio e agido com negligência.”.

E alegando a segunda, em sede de defesa por exceção, a limitação da garantia de responsabilidade civil por si assumida ao capital máximo de € 50.000,00 por sinistro e por anuidade, e com franquia de € 125,00.
Sendo que se encontra já pendente ação judicial relativa ao mesmo evento, no valor de € 69.684,92.
E, de todo o modo, sempre o direito arrogado pela A. se encontraria, no confronto desta Ré, prescrito.
Deduzindo, no mais, impugnação.

Descartada a apensação de ações, prosseguiram os autos seus termos, com saneamento – relegando-se para final o conhecimento das exceções deduzidas pela Ré seguradora – e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência de julgamento, a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo as Rés do pedido.
Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: (…)
Remata com a revogação da sentença recorrida, e a condenação das “recorridas a pagar à recorrente a quantia correspondente aos danos por ela sofridos, no montante global de € 152.614,30 (e, ainda, os respetivos juros de mora, contabilizados desde a citação)”.

Contra-alegaram ambas as Recorridas, apenas a primeira formulando conclusões nas quais, propugnando a manutenção do julgado, refere: (…)
II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, sendo que a ação foi proposta em 11-06-2011, tendo a decisão recorrida sido proferida em 29-10-2013 – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente;
- se a atividade de restauração deverá ser considerada como atividade perigosa;
- na positiva, se não se mostra ilidida a presunção de culpa decorrente do exercício de tal atividade;
- se, a não ser de considerar tal atividade como perigosa, se verifica culpa efetiva da primeira recorrida na eclosão do incêndio;
*
Considerou-se assente, na 1ª instância:
“1 – A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outros, à distribuição, comercialização a grosso e retalho de eletrodomésticos, televisão, vídeo, áudio, informática e telecomunicações bem como serviços de assistência técnica e comercialização de acessórios;
2 - No âmbito dessa atividade, à data de 10 de Novembro de 2007, a A. explorava um estabelecimento sito na Rua de Santa Luzia, nº.14, em Ponta Delgada;
3 - O estabelecimento especificado em 2 possuía uma entrada, virada a Sul, na Rua de Santa Luzia e outra, virada a Norte, na Rua Açoriano Oriental;
4 - O edifício onde o estabelecimento especificado em 2 existia é contíguo ao prédio onde a R. B, explora um estabelecimento de restauração denominado D, com entrada pelo nº.23 da Rua Açoriano Oriental;
5 - No dia 10 de Novembro de 2007, pelas 17h40m, deflagrou um incêndio no imóvel sito à Rua Açoriano Oriental, nº.23, no E, explorado pela R. B.;
6 - Os Bombeiros Voluntários apagaram o fogo, tendo, com esta operação, inundado o piso inferior do estabelecimento da A.;
7 - O estabelecimento da R. B. estava fechado à hora que o incêndio deflagrou, mas tinha funcionado durante a hora de almoço e iria reabrir para servir o jantar;
8 - Na sequência do acontecimento especificado em 5 e por haver indícios da prática do crime previsto e punido no artº.272º do Código Penal, foi instaurado o inquérito nº…., que correu termos pelos Serviços do Ministério Público de …;
9 - A A. colocou o sistema de exaustão na cozinha do estabelecimento da R. B, especificado em 4, em 1998, e procedeu à montagem de um novo sistema de exaustão em 2001;
10 - Entre a R. B e a então C, foi celebrado um contrato de seguros do Ramo Multi-riscos, designado por Multiglobal Comércio, à data dos factos (10.11.2007) titulado pela Apólice 20610160;
11 - O seguro especificado em 10 é um seguro de natureza facultativa que se rege pelo conjunto das Condições Gerais, Especial e Particulares respetivas, com os limites, quer de coberturas, quer de capitais, nas mesmas previstas;
12 - A garantia de responsabilidade civil prevista no contrato especificado em 10 tem como limite máximo o capital de 50.000€ (cinquenta mil euros) por sinistro e anuidade;
13 - Nos termos do ponto 20 da apólice especificada em 10, referente à responsabilidade civil, foi acordado entre as RR., designadamente, que:
“a) As reparações pecuniárias legalmente exigíveis ao Segurado, até ao limite fixado nas Condições Particulares, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos em Portugal Continental e Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, quando originadas única e exclusivamente por:
a) Existência, uso, conservação e manutenção das instalações seguras; (…)
b) Incêndio e/ou explosão ocorridos dentro do recinto da empresa. (…)
c) Fica convencionado que se entende por sinistros, os eventos súbitos e imprevistos, exteriores às vítimas ou coisas danificadas, que ocasionem a responsabilidade do Segurado e tenham uma mesma causa e sejam consequência de uma ação ou omissão, qualquer que seja o número de lesados e as características dos danos provocados.
d) Fica, no entanto, estabelecido que em cada sinistro haverá sempre que deduzir à indemnização, que couber à Seguradora liquidar, o valor da franquia declarada nas Condições Particulares.”;
14 - Correu termos pelo 5º Juízo do Tribunal Judicial de …, com o nº…., uma ação ordinária no valor de 69.684,92€, que tem como causa de pedir o incêndio especificado em 5, em que foi proferida sentença em 03.02.2012, sentença essa que em 10.02.2012 ainda não havia transitado em julgado;
15 - A C, foi incorporada, por fusão, na F;
16 - Entre a A. A e a R. F, foi celebrado um contrato de seguro Multi-Risco Comércio, tendo por objeto material eletrónico e eletrodomésticos, titulado pela apólice 34.00001712, ao abrigo do qual foi paga à A. uma indemnização no valor de €196.216,85, na sequência do incêndio especificado em 5, pela perda do material elétrico e eletrónico que tinha no estabelecimento especificado em 2 à data do incêndio;
17 - A A. propôs a presente ação no dia 11.07.2011, tendo a então C, sido citada para os termos da ação no dia 15.07.2011;
18 - No fogão instalado na cozinha do restaurante explorado pela R. B, localizada no piso térreo, encontravam-se duas frigideiras, uma delas contendo óleo para fritar com a tampa aberta, e uma fritadeira de tipo industrial que também continha óleo para fritar;
19 - E junto ao fogão encontrava-se um garrafão de cinco litros (de capacidade) de óleo para fritar com a tampa aberta e um alguidar cheio de água e batatas já descascadas e prontas a fritar;
20 - Depois de iniciado, o fogo subiu pela chaminé/exaustor que se encontrava imediatamente sobre o fogão, facilitado pelas gorduras e outras sujidades que nas suas tubagens se acumulavam;
21 - O fogo subiu pelas tubagens da chaminé/exaustor até à chaminé, situada no telhado, alastrando-se ao telhado do edifício especificado em 2;
22 - Acabando por arder praticamente toda a cobertura do edifício especificado em 2 bem como tudo o que se encontrava no piso superior do edifício, designadamente eletrodomésticos, equipamentos eletrónicos de som e de informática e prateleiras;
23 - Devido ao especificado em 6 e ao referido nos quesitos 21 e 22 a A. deixou de poder exercer a sua atividade no estabelecimento comercial especificado em 2 a partir do dia 10.11.2007, atividade essa que exercia naquele local há pelo menos 20 anos;
24 - A A. diligenciou junto do proprietário do imóvel especificado em 2 para que este procedesse às obras necessárias, mas o mesmo negou-se a fazer as obras e também não autorizou a que a A. as fizesse;
25 - Perante o referido no quesito 23, a A. teve que arrendar o rés-do-chão do imóvel sito à Praça da República, nº. 2, em …, para a continuação da sua atividade comercial;
26 - Entre a data do incêndio e a abertura do espaço situado na Praça da República, a A. não exerceu a sua atividade por um período de 15 dias, o que lhe acarretou prejuízo;
27 - A A. contratou um serviço de vigilância humana à empresa … para garantir a segurança do edifício especificado em 2 e dos bens que nele se encontravam nos dias que se seguiram ao incêndio, pagando por esse serviço o montante 510,60€;
28 - Em Novembro de 2007 a A. tinha um projeto de investimento aprovado pela Direção Regional de Apoio à Coesão Económica, ao abrigo do programa SIDEL para o estabelecimento especificado em 2;
29 - O projeto referido no quesito 28 encontrava-se já contratualizado e implicava a atribuição à A. de um subsídio não reembolsável no montante de 59.700€;
30 - O subsídio referido no quesito 29 integrava-se num investimento total de 150.000€ a ser realizado pela A. para expandir e modernizar o estabelecimento comercial sito no imóvel especificado em 2;
31 - O referido em 30 tinha a virtualidade de aumentar o rendimento da A.;
32 - A A. desistiu do projeto referido em 28 devido, entre o mais, ao incêndio especificado em 8 e aos danos provocados pelo mesmo no imóvel especificado em 2, perdendo o acesso ao subsídio;
33 – Para a apresentação do projeto referido em 28, a A. contratou G para elaborar o projeto de arquitetura de interiores e design de equipamentos; para proceder ao levantamento do edificado existente; elaborar o projeto de remodelação interior do estabelecimento sito à Rua de Santa Luzia, para o que pagou a quantia de 11.759,61€;
34 - No edifício especificado em 2, a A. procedeu, em 2000, à montagem de um espaço “Vodafone” realizando obras e adquirindo material de escritório, designadamente mesas e cadeiras, com o que gastou a quantia de 2.074,50€;
35 - E em 2001, procedeu à aplicação de linóleo “Linosom”, com o que gastou a quantia de 7.143,78€;
36 - E em 2003, à procedeu impermeabilização da cobertura do edifício especificado em 2, com o que gastou a quantia de 2.074,50€;
37 - A A. contratou a empresa Restaurilimpa para proceder à limpeza dos edifícios referidos em 2 e em 25, pagando por esses serviços o montante de 407,10€;
38 - Pelo arrendamento do imóvel especificado em 2, a A. pagou mensalmente desde Novembro de 2007 até Agosto de 2009, altura em que denunciou o contrato de arrendamento, uma renda no valor de 193,03€;
39 - Durante o período de tempo referido em 38 (Novembro/2007 a Agosto/2009) a A. esteve impedida de utilizar o imóvel especificado em 2;
40 - Com o encerramento definitivo do estabelecimento em Agosto de 2009, a A. teve que cessar o contrato de trabalho com H e I;
41 - E pela cessação dos contratos de trabalho a A. pagou, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, de indemnização por férias não gozadas e de compensação pela não renovação do contrato de trabalho a termo certo: 2.052€ a H e 1.350€ a I;
42 - A A. permaneceu no imóvel sito à Praça da República, nº.2, referido no quesito 15º, de 12 de Novembro de 2007 até Maio de 2008;
43 - Pelo arrendamento referido em 25 a A. pagou mensalmente uma renda no valor de 1.000€;
44 - A A. despendeu a quantia de 280,88€ pela contratualização do fornecimento de energia elétrica aquando da sua mudança para o edifício referido em 25;
45 - De Maio de 2008 a Agosto de 2009 a A. teve um decréscimo de €23.344,37 no rendimento obtido pela exploração do seu estabelecimento comercial no edifício referido no quesito 25 relativamente ao rendimento que resultou da exploração do estabelecimento sito à Rua da Santa Luzia nos anos de 2006 e 2007;
46 - A Rua de Santa Luzia e a Rua Açoriano Oriental, onde se localizava o estabelecimento especificado em 2 são artérias que se situam no centro de …, próximo da Praça da República, junto da Câmara Municipal e das Portas da Cidade;
47 - Os clientes associavam o estabelecimento especificado em 2 à A.;
48 - A A. detinha uma quota do mercado importante na atividade de comércio a retalho no centro de …;
49 - Com o encerramento do estabelecimento referido em 2 subsequente ao incêndio especificado em 5 a A. perdeu visibilidade e projeção no mercado de comércio a retalho na cidade de …;
50 - A A. constituiu-se assistente no inquérito especificado em 8 e manifestou intenção de, no seu âmbito, deduzir pedido de indemnização;
51 - O inquérito especificado em 8 foi arquivado em 10 de Setembro de 2009, por decisão do Ministério Público;
52 - Parte da instalação elétrica existente na cozinha do estabelecimento da R. B especificado em 4 passa pelo interior da hote;
53 - No ponto de transição da cablagem do interior da hote (exaustor de fumos) para o exterior, existe um ponto de calor característico da produção de um curto-circuito;
54 - Curto-circuito esse que causou o incêndio especificado em 8.”.

Sendo julgado não provado:
“55 – Que a fritadeira elétrica referida em 18 permaneceu ligada para que os trabalhadores da R. B pudessem iniciar a preparação das refeições aquando da reabertura do restaurante;
56 – Que o incêndio especificado em 5 teve o seu início na zona do fogão, onde se encontravam as frigideiras e a fritadeira elétrica referidas em 18;
57 – Que a fonte de ignição do incêndio foi uma das bocas de gás do fogão que se encontrava aberta;
58 – Que a intensidade das chamas fez com que as mesmas fossem expelidas, da chaminé do E, em direção ao telhado do edifício especificado em 2;
59 - Que o referido no quesito 26 causou à A. um prejuízo 1.667,45€;
60 - Que o aumento de rendimento da A. mencionado em 31 fosse em pelo menos 34.096€;”.
*
E apreciando:

II – 1 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
1. Propugna a Recorrente o provado, quanto à matéria do art.º 22º da base instrutória, de que “o referido em 30 tinha a virtualidade de aumentar o rendimento da A. num valor anual estimado de 34.096 euros.”.

E isto, assim, convocando a “análise financeira” – anexo A – junta com a petição inicial e o depoimento do Professor …, que elaborou aquele documento.

2. Tendo-se consignado, na fundamentação da decisão da matéria de facto, e no que interessar pode ao assim ora em causa, como segue:
“Os factos provados deram-se por assentes em razão da confissão das partes manifestada nos respetivos articulados; dos documentos juntos ao processo – fls.14 a 70, 85, 102 a 126, 139, 343 a 360, 388 a 405, 434 a 476 -; das fotos - fls.164 a 171, 199 a 206 – ; das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Assim, quanto aos mencionados em 1 a 17, estão provados por força dos documentos que os sustentam e da confissão que deles fizeram as partes nos respetivos articulados (…).
Quanto aos demais, que podemos dividir em dois grupos - o primeiro relativo ao universo dos que respeitam em concreto ao incêndio, o segundo relativo aos que se reportam à A., nomeadamente à sua pujança como vendedora de retalho anterior ao incêndio e a sua definhação enquanto tal no período pós sinistro -, resultam do conjunto da prova produzida, avaliada em todos os seus aspetos e naturalmente na sua congruência.
(…)
Quanto ao segundo grupo - relativo aos que se reportam à A., nomeadamente à sua pujança como vendedora de retalho anterior ao incêndio e a sua definhação enquanto tal no período pós sinistro – o que se provou decorre com linearidade do que foi a prova por declarações de parte (João Rego); testemunhal (…, Paulo, José, Luís, Mário, Luís, António e Mário), justificando, no essencial as testemunhas a sua razão de ciência e não havendo qualquer indício que permita colocar reservas a qualquer dos depoimentos testemunhais, relevando também os documentos de fls.24 a 26, 40, 41 a 44, 46, 47 a 52, 55 e 56, 58 a 60, 65, 66 a 70, 102 a 126 e 139.
(…)
A factualidade não provada resulta da falta de prova que demandasse considerá-la noutro sentido e da prova feita em sentido contrário, aqui se destacando a que se reporta ao ponto de início do incêndio.”.

Sendo pois que está aqui assim em causa, a hipótese contemplada no art.º 640º, n.ºs 1 alínea b) e n.º 2, alínea b), do novo Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada a decisão que, também com base neles, proferida foi.

3. Não se conforma a Recorrente, nesta sede, com o provado apenas de que “O referido em 30 – ou seja, que o subsídio não reembolsável no montante de 59.700€, cuja atribuição à A., o projeto de investimento aprovado pela Direção Regional de Apoio à Coesão Económica, ao abrigo do programa SIDEL para o estabelecimento daquela, já contratualizado, implicava – tinha a virtualidade de aumentar o rendimento da A.”.
Sustentando, e como visto, o provado de que tal…aumento virtual era “num valor anual estimado de 34.096 euros.”.

Dos elementos de prova a propósito invocados, temos que no sobredito anexo A, a “Análise financeira” – em 3.8. – se reporta a uma “melhoria em todos os indicadores ao longo do período em análise”…a saber…de 2003 a 2008…
…Passando, em 3.9. a considerar “Indicadores Económicos e Financeiros do Projeto”, relativamente aos anos de 2007 a 2012 (valor residual quanto a este último), em permanente crescendo do “Cash-Flow” de exploração, financeiro e de investimento.
Sendo que o cash-flow de exploração – na ótica do projeto – corresponde ao fluxo financeiro gerado pela exploração do projeto; o cash-flow de investimento – na mesma ótica – corresponde ao valor das necessidades de investimento previstas no plano de investimento, e o cash-flow financeiro corresponde à diferença entre os cash-inflows (entradas de caixa) e os cash-outflows (saídas de caixa). Desta forma, trata-se de um conceito puramente financeiro (aquilo que se recebe durante um dado período de tempo, subtraído do que se paga nesse mesmo período).
Ora, como é do domínio público, conquanto desde 2001 Portugal tenha crescido a pouco mais de 1% ao ano, a chamada “crise” tornou-se incontornavelmente percetível a partir de 2008, agravada pela “crise mundial” que deflagrou nos EUA nesse mesmo ano.
Tendo-se que de uma taxa de crescimento do PIB de 2.16 em 2007…se passou para uma taxa negativa de -0,01 em 2008, sendo de -2,91 em 2009, com um pico positivo de 1,94 em 2010, voltando a um valor negativo de -1,55 em 2011, e de -3,17 em 2012, conforme dados do INE–BP, PORDATA.[1]
Logo assim resultando insustentada qualquer certeza, extratável da referida “Análise”, quanto “à virtualidade” de o tal subsídio não reembolsável, no montante de 59.700€ - a conceder, com referência a um projeto de remodelação de loja, a uma sociedade comercial por quotas que se dedica “à distribuição, comercialização a grosso e retalho de eletrodomésticos, televisão, vídeo, áudio, informática e telecomunicações bem como serviços de assistência técnica e comercialização de acessórios” – “aumentar o rendimento da A. num valor anual estimado de 34.096 euros.”.
Para além disso, o depoimento da testemunha Mário …, não tem o alcance probatório pretendido pela Recorrente.
Trata-se, aquele, do economista sob cuja “orientação” foi feito o estudo do projeto de investimentos para candidatura da A. ao sistema de investimentos no âmbito do programa SIDEL, assumindo-se ainda como cliente da “loja”.
Sendo sócio da empresa contratada para o efeito pela A., que terá pago àquela os serviços respetivos.
Pressupondo a correspondente análise, nas suas palavras, “uma projeção de resultados líquidos que com outros valores (…) dão-nos esses fluxos (…) que são avaliados, são utilizados para a avaliação do projeto”.
E “a interpretação que pode ser feita é esta, é que este investimento teria uma taxa de retorno de 10% de 150.000 €, mais uma sobra de 34.000€. Portanto daí que se faça também um outro indicador”.
“Renderia anualmente 16%”, segundo “Os pressupostos que estavam aqui vertidos que nos pareceram razoáveis na altura.”.
E à pergunta sobre se esse estudo acabou por ser uma projeção, na base de que nesses cinco anos tudo ficaria como estava, respondeu: “Com certeza, com certeza”.
Sabido de todos sendo pois que nada ficou como dantes, em matéria económico-financeira, no quinquénio de 2008-2012.
Como também o rumo das tendências nessa área.

Tudo isto visto, afigura-se-nos que – e sendo a virtualidade mera potência – inexiste fundamento bastante para se considerar provado mais do que o assim julgado na 1ª instância, ou seja, que o referido subsídio poderia vir a determinar um aumento do rendimento da A., desde que, está subjacente, se mantivessem os pressupostos em que se baseou a projeção respetiva.
O que, de resto, não foi o caso

Improcedendo pois as conclusões da A., nesta parte.
II – 2 – Da periculosidade da atividade desenvolvida pela recorrida Aliança, Ld.ª.
1. Para a Recorrente a indústria de restauração “deverá ser considerada como actividade perigosa.”.
E, desse modo, apelando ao “senso comum”, ao tipo de utensílios utilizados em cozinha industrial e seu modo e âmbito de utilização, e dependência do funcionamento de cozinha industrial do licenciamento prévio e de parecer do Serviço Nacional de Bombeiros.
Assim alcançando “nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 493º do C.C.”, a presunção de culpa do “proprietário e utilizador do estabelecimento (in casu a recorrida ALIANÇA)”.

De acordo com o citado normativo – que não tinha paralelo no Código de Seabra – “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”.
O legislador quis assim adotar um critério intermédio entre a responsabilidade objetiva, fundada sobre a máxima ubi commoda ibi incommoda, e a responsabilidade por culpa, fazendo recair sobre o lesante o ónus de provar a ausência dos pressupostos da responsabilidade e exigindo, aparentemente, um mais intenso dever de diligência em relação à previsibilidade de um dano.
Assinalando Vaz Serra,[2] que “o Código, entre a tese da responsabilidade objectiva e a da responsabilidade baseada na culpa foi para uma solução intermédia, pois, tendo conservado a culpa como fundamento da responsabilidade, agravou a medida da ordinária diligência que o agente deve prestar, pondo a seu cargo o dever de adoptar todas as medidas aptas a evitar o dano; além disso inverteu o ónus da prova (…)”.

E, apoiado pela doutrina italiana que cita, mais define aquele Autor tais atividades como as "que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades".
Em aproximação conceptual, sustentando Almeida Costa[3] que “Deve tratar-se, pois, de actividade que mercê de qualquer dessas duas razões (da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados), tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral".
Por sua vez Pires de Lima e Antunes Varela[4] defendem que "apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade...ou da natureza dos meios utilizados... É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias".
Nesta linha tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, em Acórdão de 15/11/2011,[5] que “Na definição do que seja uma actividade perigosa, para os efeitos previstos no art. 493.º, n.º 2, do CC, há inteiro acordo da doutrina e da jurisprudência a respeito de que se trata de um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo caso a caso, em função das circunstâncias concretamente provadas, quer quanto à actividade em si mesma considerada, quer quanto aos meios de que o agente se serviu para a pôr em prática.”.
Mas, como se refere no Acórdão desta Relação de 17/04/2012,[6] “se pensarmos que a maior parte dos comportamentos humanos, na sociedade técnica e de massas que em boa parte ainda é a nossa, envolve, em maior ou menor grau, alguma dose de perigo, seja para o agente, seja para terceiros, então a qualificação como perigosas de certas actividades complica-se, chamando a necessidade de se interpretar restritivamente uma norma, já de si com forte potencialidade expansiva.”.
Por isso se nos afigurando de acolher o critério elegido no Acórdão da Relação do Porto de 17/12/2008,[7] de acordo com o qual “O conceito de “actividades perigosas”, ínsito na previsão constante do art. 493º, nº2, do CC, tem que ver, essencialmente, com a sua elevada e especial aptidão para provocar danos, sendo a probabilidade da respectiva ocorrência francamente maior do que a verificada nas restantes actividades em geral.”.

2. Sendo assim os limites postos pelo legislador à noção de periculosidade apenas de carácter objetivo – a atividade deve ser perigosa “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” – não releva o comportamento negligente ou imprudente do homem, devendo aquela “ser aferida a priori, que não em função dos resultados”.[8]
Nem sempre se revelando fácil, em concreto, discernir entre a periculosidade da conduta e a periculosidade da atividade em si mesma considerada, pese embora a clara distinção teórica destas duas realidades.
Haverá, sem dúvida, todo um leque de situações – como sejam a exploração da energia nuclear, a utilização de substâncias radioativas, a manipulação de outras substâncias tóxicas ou corrosivas, o fabrico de explosivos, a condução, distribuição e entrega de energia elétrica – que não suscitam quaisquer dúvidas quanto à sua periculosidade.
A casuística é também referência a ter presente, dela dando António Menezes Cordeiro[9] e Luís Menezes Leitão[10] vários exemplos.
Tendo-se assim considerado “atividades perigosas”, a exploração de escorregas, piscinas e pistas, existentes em parque aquático; as corridas de karting; o armazenamento e o manuseamento de resinas naturais ou de outros materiais inflamáveis; a escavação com retroescavadora no âmbito do alargamento de uma autoestrada; o içamento de embarcações com uma grua de 60 toneladas; a condução, distribuição e entrega de energia elétrica; os trabalhos de soldadura sobre chapa que contém, no interior, material de fácil combustão; o lançamento de fogo-de-artifício[11]; a construção de barragens; o abate de árvores.
Já se tendo porém julgado não constituírem atividades perigosas: “a mera circulação no interior do estabelecimento da segunda ré do empilhador conduzido pelo primeiro réu”, no Acórdão da Relação do Porto de 10/09/2009;[12] a abertura de uma vala na via pública necessária para a realização de obras, no Acórdão da Relação do Porto de 27/04/1998;[13]”uma máquina escavadora em si mesmo, não é perigosa, já, todavia, o podendo ser atentas as circunstâncias em que é utilizada”, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06/05/2004;[14] “A atividade de abastecimento público de água através de condutas instaladas no solo não é por sua própria natureza ou em si mesma uma actividade perigosa”, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 04/10/1990.[15]

3. No caso dos autos está assente que a R. B, explora um estabelecimento de restauração em prédio contíguo àquele onde funcionava o estabelecimento da A.
Sendo que na cozinha do referido estabelecimento estava instalado um fogão e uma fritadeira de tipo industrial.

Ora, deveras, não se nos afigura que a probabilidade de causar danos associável ao funcionamento de uma cozinha de restaurante – cujas dimensões e apetrechamento se não insinuam sequer como transcendentes da mediania, sendo de atentar em que o capital seguro, nas condições particulares da apólice respetiva, a folhas 102, relativamente ao recheio-mobiliário do estabelecimento da 1ª Ré, no seu todo, era, à data de Janeiro de 2010, de apenas €15.450,00 – seja manifestamente superior à que ocorre nas restantes atividades em geral.
E, designadamente, à atividade de construção civil, que a jurisprudência tem considerado não ser em geral perigosa, sem embargo de uma particular atividade de construção civil ser suscetível de ser qualificada como atividade perigosa para efeito do disposto no citado art.º 493º, quando, “face às circunstâncias envolventes, implica para outrem uma situação de perigo agravado de dano face à normalidade das coisas”. [16]
        
Não colhendo o argumento retirado da necessidade legal de licenciamento prévio e de parecer do Serviço Nacional de Bombeiros, relativamente à abertura de restaurante.
Desde logo, por isso que a instalação e modificação de, entre outros, estabelecimentos de restauração ou de bebidas – bem como, aliás, a ocupação do espaço público para determinados fins habitualmente conexos com estabelecimentos de restauração ou de bebidas – deixou de estar sujeito a licenciamento prévio, substituído por “declaração prévia” auto-responsabilizante – com o Decreto-Lei n.º 259/2007 de 17 de Julho, vd. art.ºs 1º, 3º e 4º - e por mera “comunicação prévia”, efetuada num balcão único eletrónico, com o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, cfr. art.ºs 1º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), 2º, n.º 1 e 4º, n.ºs 1 e 2.
O que nem se casa com o reconhecimento pelo legislador da natureza particularmente perigosa da atividade de restauração.
Depois, o parecer do Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil, tem sido exigido para outras atividades quanto às quais ninguém se lembraria de pretender serem perigosas, como é o caso, v.g., da exploração de estabelecimentos de comércio ou armazenagem de produtos alimentares que não se enquadrem na classificação de restauração e bebidas, cfr., v.g., o Decreto-Lei n.º 370/99, de 18 de Setembro.
E, mais paradigmaticamente, temos a exigência de parecer do mesmo Serviço para o licenciamento municipal de construção de edifícios de habitação – quanto aos quais se não coloca a questão da autorização da sua utilização para atividades perigosas –, cfr. art.ºs 7º a 10º do Decreto-Lei n.º 64/90, de 21 de Fevereiro, aliás revogado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro, que substituiu o sobredito parecer, na instrução de pedido de autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas e recintos, por “termo de responsabilidade subscrito pelos autores de projecto de obra e do director de fiscalização de obra, no qual devem declarar que se encontram cumpridas as condições de SCIE.” (serviço contra incêndios), sem prejuízo de eventual vistoria integrada por elemento da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil), ou por ela credenciado, cfr. art.º 18º.
*
 Improcedendo dest’arte, por igual nesta parte as conclusões da Recorrente.

II – 3 – Da culpa da primeira recorrida na eclosão do incêndio.
Afastada assim a presunção de culpa da 1ª Ré, há que verificar se, ainda assim, é de lhe imputar a produção do sinistro a título de culpa, desta feita efetiva.
Provado está que no ponto de transição da cablagem do interior da hote (exaustor de fumos) da cozinha do estabelecimento da 1ª Ré, para o exterior, existe um ponto de calor característico da produção de um curto-circuito.
Tendo sido esse curto-circuito que causou o incêndio assim determinante dos danos sofridos pela A.
A qual, com incursão no domínio da Lei de Ohm, conclui que…“Obedecendo a leis muito concretas da física, não é possível qualificar um curto-circuito como facto fortuito”, tendo tido “necessariamente de existir um outro acontecimento que deu causa ao curto-circuito”.
E que “foi inevitavelmente a sobretensão na linha eléctrica causada obrigatoriamente por um dos dois motivos assinalados: (i) comutações de máquinas de grande potência e (ii) manobras e/ou defeitos no sistema eléctrico  e na alimentação eléctrica.”.
Prosseguindo: “Encontrando-se o estabelecimento vazio à hora em que deflagrou o incêndio (n° 7 da matéria dada como provada), fica excluída a possibilidade de a sobretensão se ter ficado a dever, em princípio, a comutações de maquinas de grande potência ou a manejamento do equipamento eléctrico existente no local, pelo que a única hipótese admissível para a dita sobretensão é, obviamente, ter existido defeitos no sistema eléctrico e na alimentação eléctrica pertencente ao estabelecimento e à guarda e responsabilidade do seu proprietário e utilizador (a ora recorrida B).
Estando à guarda e responsabilidade da recorrida B, competia-lhe manter todo esse sistema eléctrico em condições tais que da sua normal utilização não ocorressem fenómenos que, tal como sucedeu, ocasionassem danos a terceiros.
Foi esta conduta negligente (no mínimo, qualificável como tal), que necessariamente conduziu à degradação do sistema eléctrico), e, consequentemente, à sobretensão que deu origem ao curto-circuito e à libertação abrupta de energia que constituiu a fonte de ignição do incêndio.
Este foi, por força das imutáveis leis da natureza, o percurso que conduziu a
incêndio através da conduta de extracção de fumos.”.

Trata-se aquela, sem dúvida, e salvo o devido respeito, de uma tese peregrina.
Segundo a qual, e ao fim e ao cabo, todo e qualquer curto-circuito em estabelecimento de restauração – afastada a hipótese de “comutação…ou manejamento – se ficaria a dever a “pelo menos” negligência do detentor do espaço onde o mesmo ocorresse.
Algo assim como o dilema da sentinela.[17]
E que representaria uma forma ínvia de, estabelecendo uma efetiva presunção de culpa, reconduzir a atividade de restauração à categoria das atividades perigosas.

Logo falhando tal “dilema do curto-circuito” no considerado pressuposto de que “a única hipótese admissível para a dita sobretensão é, obviamente, ter existido defeitos no sistema eléctrico e na alimentação eléctrica pertencente ao estabelecimento.”.
Para lá do incompreensível da forçosa copulativa, posto que nada obstaria à disjuntiva, ponto é que os curto-circuitos podem ocorrer em virtude de sobretensão proveniente da distribuição, a que obviamente são alheios os equipamentos e rede do estabelecimento.
Sendo que, in casu, provado está, foi a A. quem colocou o sistema de exaustão na cozinha do estabelecimento da R. B, em 1998, e procedeu à montagem de um novo sistema de exaustão em 2001.
Não vindo alegada pela A., oportunamente, qualquer alteração realizada pela Ré nesse sistema.

Como ler-se pode em artigo publicado na Internet:[18]
“Na verdade, pela natureza da sua origem existem duas formas de classificar as sobretensões:
SOBRETENSÕES POR DESCARGAS ELÉCTRICAS ATMOSFÉRICAS
(…)
Esta descarga gera uma sobretensão no sistema eléctrico que pode causar incêndios, destruição de máquinas e inclusive mortes de pessoas.
SOBRETENSÕES DE COMUTAÇÃO
Estas sobretensões são geradas na linha eléctrica, fundamentalmente devido a estes dois motivos:
Comutações de maquinas de grande potência:
(…)
Manobras e/ou defeitos na alimentação eléctrica:
No caso de curto-circuito em algum ponto da rede, as protecções da companhia eléctrica respondem abrindo o circuito e com subsequentes reactivações, como se fosse uma falha transitória, o que gera as sobretensões típicas de comutação de cargas inductivas.
Mecanismos de propagação
O mecanismo de propagação predominante das sobretensões de comutação é por condução, já que se originam nas mesmas redes de alimentação eléctrica. É nas descargas eléctricas atmosféricas onde se podem manifestar toda a gama de formas de propagação. Podem assim, se diferenciar os seguintes mecanismos:
SOBRETENSÕES CONDUZIDAS
O raio pode atingir directamente as linhas aéreas. A sobretensão propaga-se e chega ao utilizador, derivando-se à terra através dos seus equipamentos e produzir-lhes avarias.
Um erro bastante frequente é pensar que as descargas incidentes nas linhas eléctricas de distribuição (Média Tensão) não chegam às de Baixa Tensão devido ao isolamento galvânico proporcionado pelo transformador existente. Isto é falso devido ao facto deste isolamento ser apenas efectivo a frequências nominais da rede, 50 Hz, assim para as formas de onda associadas ao raio o transformador permaneça quase transparente, provocando pouca atenuação.
SOBRETENSÕES INDUZIDAS
O campo electromagnético que provocam as descargas eléctricas induz correntes transitórias nos objectos próximos, transmitindo-as ao interior das instalações e danificando os equipamentos.
SOBRETENSÕES CAPACITIVAS
Existe sempre um acoplamento capacitivo, também chamado capacidade parasita, entre qualquer par de condutores.
As sobretensões capacitivas são mais importantes quanto maior seja a rapidez da forma de onda da tensão implicada.
AUMENTOS DO POTENCIAL NAS LIGAÇÕES DE TERRA
Este mecanismo é um caso particular das sobretensões conduzidas antes mencionadas mas dada sua elevada importância vão tratar-se dentro de um parágrafo próprio.
Quando um raio se dispersa na terra, a corrente de descarga pode elevar o potencial de terra vários milhares de volts, em redor do ponto de impacto no terreno, como consequência da corrente que se dispersa.
Qualquer objecto sobre o terreno afectado adquirirá a tensão associada durante esse instante, o que pode originar uma diferença de tensão perigosa em relação a outros pontos da instalação.
Tem que prestar especial atenção aos elementos metálicos enterrados, como tubagens e ligações de terra.”.

E, num outro:[19]
“A sobretensão pode ser transitória ou permanente e trata-se de uma elevação brusca na tensão do sistema elétrico, que ultrapassa os limites mencionados anteriormente. O primeiro tipo é de curta duração (da ordem de microssegundos) e pode ser provocado por descargas atmosféricas ou por manobras na rede (manutenção, desligamentos de equipamentos por conta de chuvas, chaveamento de circuitos, etc.). Já a sobretensão permanente é de longa duração e consequência de grandes manobras e avarias na rede de distribuição por conta de queda de árvores, ventanias e outros.”.

Acrescentaremos ainda, e mais prosaicamente, que a intervenção de eventuais fatores externos, como sejam a incursão recente, não detetada e sem antecedentes, de roedores, destruindo o revestimento isolante das cablagens, e assim ocasionando curto-circuito – ocorrência possível, independentemente das condições internas de higiene, numa área do estabelecimento localizada em piso térreo, e apresentando aquele uma estrutura do telhado em madeira – não implica a falta de cuidado relativa à manutenção da instalação elétrica, exigível ao homem comum, colocado na posição da 1ª Ré.
Tal dever de cuidado não se pode traduzir na vistoria quotidiana da rede elétrica interna do estabelecimento, manifestamente incompatível com o normal funcionamento diário deste.

Tendo-se pois que não atuou a A. o ónus - sobre ela recainte – de prova da culpa da 1º Ré.

Com improcedência, também aqui, das conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.
*
Lisboa, 2014-05-08

Ezagüy Martins

Maria José Mouro

Maria Teresa Albuquerque

[1]http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+crescimento+(percentagem)+do+PIB+e+PIB+per+capita+a+precos+constantes+(base+2006)-8
[2] “Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades”, in BMJ nº 85, págs. 378-380.
[3] In "Direito das Obrigações", 9ª edição, Almedina, 2001, pág. 538.
[4] In "Código Civil Anotado", Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Ld.ª 1982, pág. 469.
[5] Proc. 5486/09.5TVLSB.L1.S1, Relator: NUNO CAMEIRA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[6] Proc. 193/2002.L1-1, Relator: GRAÇA ARAÚJO, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[7] Proc. 0837096, Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[8] Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2008-04-29, proc. 08A867, Relator: FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[9] In “Tratado de direito civil português”, II, Tomo II, 2010, Almedina, págs. 585-587.
[10] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª ed., Almedina, 2005, págs. 308-309, nota 672.
[11] Vd. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-02-2014, proc. 131/10.9TBPTB.G1.S1
Relator: SILVA GONÇALVES, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[12] Proc. 3174/03.5TBGDM.P1, Relator: MADEIRA PINTO, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[13] Proc. 9850109, Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[14] Proc. 2791/2004-6, Relator: CARLOS VALVERDE, in www.dgsi.pt.               
[15] Proc. 0031672, Relator: BARBIERI CARDOSO, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[16] Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2008-04-22, Proc. 08B626, Relator: SALVADOR DA COSTA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. No mesmo sentido podendo ver-se ainda o Acórdão daquele Tribunal, de 13-11-2012, proc. 777/05.7TBTVD.L1.S1, Relator: GABRIEL CATARINO, e de 02-06-2009, Proc. 1583/1999.S1, Relator: ALVES VELHO, no mesmo sítio da Internet.

[17] O dilema da sentinela:
«A sentinela, que deixou passar o inimigo, ou estava no seu posto ou não estava.
Se estava, faltou ao seu dever e merece castigo.
Se não estava, desertou cobardemente.
Logo merece castigo.». O falacioso deste raciocínio é facilmente alcançável: a sentinela pode ter sido reduzida temporariamente à impotência, ou pode ter tido de acudir a situação próxima.

[18] In http://pararaios-at3w.pt/upload/ficheros/divulg_causas_de_las_sobretensiones%5B1%5D.doc-p.pdf.
[19] http://www.osetoreletrico.com.br/web/component/content/article/57-artigos-e-materias/635-sobretensoes-na-rede-quem-paga-essa-conta.html.