ADVOGADO
MANDATO
Sumário

I-  No contrato de mandato forense o Advogado assume o vínculo de desenvolver a sua actividade com diligência e zelo, orientada no sentido da salvaguarda do interesse do seu cliente, sem, no entanto, se obrigar a atingir um êxito certo.
II-  Se no exercício do seu mandato o Advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1-  “PS, Ldª”, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra a Drª N, advogada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 72.656,42 €, acrescida de juros de mora, vencidos desde …/12/2007 até à data da propositura da acção, que ascendem a 8 567,49 €, bem como nos juros que entretanto se vencerem até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, a A. alega, em síntese, que é uma sociedade que tem por objecto a fabricação de calçado e, no exercício da sua actividade, tinha um crédito com uma sua cliente, a “P, Ldª”, que ascendia a 85.000 €, tendo esta devedora entregue à A. inúmeros cheques e letras de outros comerciantes de quem era credora, dando meio de pagamento à A., mas grande parte desses títulos não foram pagos.
Em 2004 a A. procurou os serviços da R., enquanto Advogada, para esta instaurar os meios judiciais ou outros que entendesse necessários, para cobrar os créditos da A..
Não obstante a tentativa da R. de obter acordos com o sócio da “P, Ldª” por excesso de trabalho, esquecimento e incúria, a R. nada fez para efectivar o direito da A., apenas tendo proposto duas acções executivas em 2007, tendo inclusivamente, em 21/12/2007, a R. reconhecido ter negligenciado e esquecido o que se havia proposto, enquanto profissional do foro, tendo pedido desculpa do sucedido.
Volvidos tantos anos, alguns dos Executados não são sequer conhecidos e outros estão numa situação de insolvência, o que não sucedia quando a R. foi mandatada.
O crédito da A. ascende a 72.656,42 €, acrescido de juros, que computa em 8.576,40 €, que a A. procurou já obter a sua cobrança coerciva mediante a instauração de acções executivas, sendo que a A. não recebeu nem tem possibilidade de algo receber.
2-  Regularmente citada, veio a R. contestar, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em sede de excepção veio invocar a prescrição do direito da A..
Em termos de impugnação veio referir, em resumo, que efectuou diligências com vista ao apuramento da existência de bens dos devedores, concluindo pela inviabilidade da cobrança dos créditos por inexistência de bens, pelo que não lhe era exigível intentar acções executivas onde se adivinhava um resultado inútil, tendo ainda logrado obter, pela via consensual, o pagamento de alguns dos créditos da A..
Conclui pela improcedência da acção, mais peticionando a intervenção da seguradora para a qual transferiu a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional.
3-  Por despacho de fls. 93 foi deferido o incidente de intervenção principal passiva da seguradora “AC, Ldª”.
4-  Depois de citada, veio a interveniente “AC, Ldª” deduzir contestação, impugnando os factos articulados pela A., concluindo pela improcedência da acção.
5-  Depois de saneada a acção (julgando-se improcedente a excepção de prescrição) e seleccionada a matéria de facto provada e a provar, seguiram os autos para julgamento, o qual se realizou com observância do legal formalismo.
6-  Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente nos seguintes termos :
“Pelo exposto e em conformidade, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decido absolver as Rés do pedido contra elas deduzido.
Custas pela Autora (cf. artº 446º, nº 1 do C.P.C.).
Registe e notifique”.
7-  Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“1ª – Da douta sentença e sem que tal ai seja referido ou fundamentado, resulta uma manifesta descredibilização das testemunhas da Apelante, sem prejuízo dos depoimentos serem coerentes, lógicos, circunstanciados, isentos e credíveis;
2ª – Aliás, o Tribunal a quo, no que parece ser inócuo, dá validade aos depoimentos daquelas testemunha; no mais e que é demonstrado com razão de ciência, não é atendido;
3ª – Por todos os depoimentos transcritos, alicerçados na sua coerência, na lógica, isenção, imparcialidade, aliados aos documentos juntos, regras de experiência e lógica da vida, teriam de ter sido diversas as respostas à matéria de facto;
4ª – Face ao transcrito e alegado supra em relação a cada resposta à matéria de facto, aqui impugnadas, dever-se ia dar como provados os Artº 1º, 5º, 9º, 12º e 14º da base instrutória;
5ª – Assim como, face ao transcrito e alegado supra, deviam ser dados totalmente provados os artigos 8º e 13º da base instrutória;
6ª – Também deveriam merecer resposta limitadamente provada, face ao transcrito e supra alegado, os Artº 17º e 19º da base instrutória;
7ª – Pela prova transcrita e bem assim face às regras de experiência e documentos juntos aos autos, deviam ter merecido resposta negativa os Artºs 16º, 22º, 23, e 24º da base instrutória;
8ª – Entre Apelante e Apelada foi estabelecido um contrato de mandato, que impõe obrigações específicas ao mandatário, que mais está sujeito a regras especiais do Estatuto da Ordem dos Advogados, quando exercido por Advogado;
9ª – Entre essas obrigações emerge a prática de actos próprios para o exercício desse mandato, prestação de informação verídica e coerente e como o mandato decorre e actuação em tempo, atento o fim do próprio mandato;
10ª – Existe presunção de culpa, nos termos do Artº 799º do Código Civil;
11ª – A Apelada tinha perfeito conhecimento da existência de títulos de crédito devolvidos e relacionou-se com o legal representante da devedora (P), e apercebendo-se que nada era pago, nem assim agiu em prol da defesa dos interesses da Apelante;
12ª – Sendo que só em 2007, e se é que foram feitas buscas, as mesma o foram, sem sequer se apurar se havia actividade no pavilhão/sede da P., como explicou cabalmente a testemunha AF;
13ª – Há comportamento culposo da Apelante, no que tange a dívidas vencidas desde inícios de 2005 e que nada foi feito até ao dia 23 de Novembro de 2007, para cobrança das mesmas;
14ª – A existência de actividade, títulos de crédito e património (bens móveis), bem como a informação prestada pela Apelante e as regras de experiência, impunham que a Apelada agisse doutro modo, e não que tentasse, e só, passados três anos, obter um título de crédito, quando já podia ter utilizado os que possuía;
15ª – Como ensina a regra de experiência, em situações similares, só mediante a apreensão efectiva de bens, podem os credores serem ressarcidos dos seus créditos;
16ª – A Apelante só podia ter sido ressarcida se a conduta, diligência, cuidado e celeridade da Apelada tivessem sido outras, e sempre com recurso às vias judiciais;
17ª – A Apelante sem saber como devia ser o procedimento ou quais existem, mas necessitada de rapidez, procurou e informou a Apelada do sucedido, assim como interpelava a mesma, pelo menos uma a duas vezes por mês para saber do andamento do processo, como referido pela testemunha da Apelada AM, o que bem atesta que a informação era sempre a mesma e falsa;
18ª – Ainda que não alterada a resposta à matéria e facto (no que não se concede) quantos aos Artºs 8º e 9º da base instrutória, tal não afasta a responsabilidade da Apelada;
19ª – A Apelada, agindo como agiu, ou melhor, não tendo agido, teve uma conduta negligente, de incúria e violação das obrigações contratuais e profissionais que se lhe impunham, tendo agido com culpa;
20ª – Culpa que é grosseira, face ao que se lhe impunha e exigia, quer quanto à informação que era prestada (está tudo a ser tratado, como era dito), sendo que quando pediu ajuda à Colega em 2007 por problemas pessoais ou outros, deveria tê-lo feito em 2004, quando ainda era muito certo ser recebido o crédito, com uma actuação diligente, cuidadosa e célere, face à existência de actividade e bens dos devedores;
21ª – Há data em que a Apelada foi procurada pela Apelante, ainda havia actividade e grande negócio da P., e clientes desta, que tinham bens e sapatarias em actividade, o que se consubstancia nos muitos títulos de crédito existentes;
22ª – Nessa data a P. procedia a pagamentos a seus fornecedores, a pronto, o que demonstra capacidade financeira da devedora;
23ª – Mediante a apreensão judicial de bens, por arresto ou penhora, a Apelante teria sido ressarcida do seu crédito;
24ª – A Apelada não executou o mandato forense como lhe era imposto, violando as legis artis, provocando assim e por causa disso, prejuízo à Apelante de valor igual ao que aquela receberia se tivesse havido diligência, cuidado, empenho e celeridade de actuação, como a situação impunha;
25ª – Prejuízo que se cifra em 72 656,42 euros, acrescido de juros desde 21 de Dezembro de 2007;
26ª – A não ser considerado provado tal valor, (no que não se concede) sempre ter-se-á de ter como provado o valor constante das certidões judiciais juntas em sede de audiência de julgamento, que cifram o valor do crédito da Apelante em 70 019,21 euros;
27ª – Para a hipótese académica de assim não ser considerado, e sendo certo que a prova por confissão é a rainha delas, sempre se terá de considerar o valor descrito pela Apelada no documento que juntou à contestação e se cifra em 60 901,51 euros, acrescido de juros legais desde 21 de Dezembro de 2007;
28ª – Só pela conduta negligente, leviana e insensata da Apelada, a Apelante não pôde receber o que lhe era devido e por certo cobraria;
29ª – A Apelada não praticou os actos que lhe são exigidos e são normais na praxis da Advocacia, assim como não atendeu aos deveres de informação que lhe são impostos, o que possibilitaria à Apelante poder recorrer a outro Advogado, tendo por isso agido com culpa, por violação das normas do mandato;
30ª – A Apelada, salvo melhor opinião, não fez qualquer prova para ilidir a presunção de culpa que sobre ela impende, assim como não fez prova que o incumprimento não procede de culpa sua; pelo contrário, da prova produzida, resulta a culpa da Apelada;
31ª – O nexo causal existe, pois só pela conduta omissiva, negligente e de incúria a Apelante não pôde receber o seu crédito e só por isso, tanto mais que outros credores foram pagos dos seus créditos;
32ª – À Apelante não cumpre fazer a escolha dos meios ou forma de agir, que aliás desconhece; deu instruções que pretendia receber e explicou o sucedido, e tecnicamente, esse é o “papel” do Advogado, escolher os meios para a defesa da pretensão do mandante, sendo que a Apelante não agiu durante anos;
33ª – A douta sentença fez incorrecta interpretação e aplicação dos Artºs 779º, 344º, 406º, 1157 e 1167 do Código Civil.
Nestes termos e nos de Direito que Vªs. Exªs. tão bem conhecem, deve ser dado provimento ao recurso e por via disso revogada a sentença, sendo substituída por douto acórdão que julgue procedente a impugnada matéria de facto, assim como procedente a matéria de direito, sendo julgado provado e procedente o constante do petitório inicial, assim se fazendo a sempre esperada e costumada Justiça”.
8-  A R. contra-alegou, com as seguintes conclusões :
“1ª. Como é bem referido na douta sentença proferida, a testemunha EC, sobre o montante em dívida apenas referiu que ouviu dizer que a dívida ascendia a € 85.000,00. Por outro lado, quanto à testemunha HR, também o Tribunal a quo se pronunciou sobre a sua credibilidade na resposta ao ponto 1º da Base instrutória, referindo que, apesar de a mesma ter dito que a dívida rondava os € 85.000,00, quando confrontada com o documento junto a fls. 61, carta onde é referido o valor de €51.709,16, a mesma não conseguiu dar qualquer explicação para a discrepância de valores.
2ª. Das transcrições reproduzidas, é bem explícito que a testemunha EC apenas sabia tais valores pois seriam as conversas que o seu pai lhe transmitia, a testemunha não tinha conhecimento directo dos factos, tanto mais que nada sabia da conta corrente com a empresa P., pois as suas funções na empresa eram outras, nomeadamente técnica fabril, conforme afirmou na resposta aos costumes perante a Meritíssima Juiz.
3ª. Razão pela qual é totalmente descabido que a Recorrente venha afirmar que das transcrições do julgamento resultou um conhecimento directo e pormenorizado do negócio com a P.. Na verdade a testemunha HR nem sequer conseguiu explicar ao Tribunal porque razão em Agosto de 2004 transmitiu à Ré N que a alegada dívida ascendia a €44.461,00! Existindo aqui uma enorme contradição no depoimento da testemunha, que desde logo referiu ao mandatário da Recorrente, no início do seu depoimento que em 2003/2004 a dívida da P. à PS, Lda., era entre os 80/85 mil euros. Os valores em causa não poderiam dar origem a qualquer engano, pelo que daqui decorre que as testemunhas pretenderam ludibriar o Tribunal. Porém, o Tribunal a quo, bem mais astuto, não se deixou levar em conversas quase que idênticas das duas testemunhas da Recorrente.
4ª. Diz ainda a Recorrente, para justificar a missiva junta a fls. 61 que, “aceita-se como plausível e provável que o montante indicado poderia ser em exclusivo o montante da dívida titulada pela P., fazendo contas separadas em relação aos demais devedores”. Mas afinal, algumas das testemunhas, que tanto conhecimento directo dos factos tinham, deu em audiência de julgamento tal explicação?! Nunca tal foi referido pelas testemunhas da Recorrente, e se tinham conhecimento directo dos valores em causa entre as duas empresas, saberiam por certo justificar o documento, o que nunca foi feito em julgamento;
5ª. Quanto à justificação de que existiam vários títulos de crédito a vencerem-se no mesmo dia, também a mesma não procede, pois claro está que tal situação estaria explanada na alegada conta corrente que nunca se viu. Ou seja, mesmo que os títulos de crédito recebidos fossem lançados como saldo da conta corrente, após o não pagamento dos mesmos, tal seria espelhado na conta corrente, e desde logo conseguiríamos perceber qual o saldo final. Mas a Recorrente optou por não nos dar a conhecer o teor de tal documento. Por outro lado, sempre se dirá que competia à Recorrente única e exclusivamente, provar, porque a si cabia o ónus da prova, qual o valor em dívida pela P.;
6ª. A Ré nunca admitiu na sua contestação, tampouco por confissão, qual o valor que a empresa P. tinha perante a Recorrente. Desde logo a Recorrida impugna o valor indicado pela Recorrente na sua PI. Nunca reconheceu a Apelada qualquer valor por confissão, o documento junto com a contestação apenas se refere a uma proposta de acordo a celebrar com o sócio gerente da P., desconhecendo-se qual a data em que foi redigido, e desta forma, igualmente, se após a sua redacção alguns créditos foram ou não recuperados. Logo, mais uma vez ficamos sem ter noção de qual o valor do dano alegado pela Apelante, e o qual a mesma não fez prova em audiência de julgamento. Pelo que nunca poderia a sentença ora em apreço concluir efectivamente qualquer valor do alegado dano da Apelante. Pelo que nunca poderá a resposta ao nº 1 da Base Instrutória ser alterada;
7ª. Refere posteriormente a Recorrente que, também andou mal o Tribunal a quo, no que concerne à resposta aos artigos 5º, 8º e 9º da Base Instrutória. Em primeiro lugar, o facto de a Recorrente ter juntado tais títulos de crédito na audiência de julgamento, não prova de forma alguma que a Ré N os tivesse na sua posse, além do mais das acções executivas intentadas, algumas delas foram com base nos reconhecimentos de dívidas conseguidos e obtidos pela Ré N, e não com quaisquer títulos de crédito. Quando às demais acções executivas não se depreende em parte alguma dos documentos juntos aos autos pela Recorrente, quais os títulos executivos utilizados para dar entrada das acções.
8ª. Também não resulta dos autos, ao contrário do afirmado pela Recorrente, que a Apelante tivesse titulado o montante de €32.938,18, conforme diz ser visível pelas certidões judiciais juntas em sede de audiência. Tais certidões não confirmam nem atestam quais os títulos executivos utilizados no procedimento judicial! Não se compreende como pretende a Recorrente chegar a tal conclusão que não ressalta dos documentos.
9ª. Das transcrições reproduzidas, decorre facilmente que a testemunha EC desconhecia se os devedores tinham ou não condições para pagar as quantias em dívida. A testemunha apenas relatou que ouviu dizer, através de outros clientes que os tais devedores tinham actividade. Aliás, o depoimento da testemunha chega a ser completamente incoerente quando diz que a P. pagava aos outros fornecedores e que “corria tudo bem com eles” e só à PS é que não eram feitos pagamentos. É óbvio que a empresa P. já estava em situação de insolvência, caso contrário não tentaria pagar a sua própria dívida à Recorrente através de títulos de créditos de outras empresas.
10ª. Além do mais, a testemunha Dra. AF, arrolada pela Ré N, foi bastante clara ao referir ao Tribunal que, pese embora as empresas tivessem a actividade comercial aberta, nomeadamente junto das repartições da finanças, não foram encontrados quaisquer bens susceptíveis de serem penhorados.
11ª. Por outro lado, para além da testemunha Dra. AF igualmente a testemunha Rui Nascimento, que à data era Colega da Ré N, igualmente informou o Tribunal a quo que procedeu à pesquisa de bens dos devedores da PS, Lda., com o mesmo resultado – a inexistência de bens.
12ª. Ou seja, nenhuma das empresas devedoras da Apelante tinha quaisquer bens susceptíveis de penhora, o que resultaria, como é óbvio, em inúteis acções executivas. Facto esse, que foi explicado à Apelante, conforme confirma a testemunha Dra. AF. Dúvidas não restam que os comerciantes que teriam emitido os alegados títulos de crédito não tinham meios para os pagar, razão pela qual andou bem o Tribunal a quo ao dar resposta negativa a tal artigo 5º da Base Instrutória.
13ª. Igualmente nunca a Ré admitiu na reunião de 21 de Dezembro de 2007 ter negligenciado e esquecido o que lhe havia sido solicitado e pediu desculpa. Foram várias as manobras por parte das testemunhas da Apelante em fazer crer ao Tribunal que a Ré N teria tido problemas pessoais, e em consequência teria negligenciado o seu trabalho para com a PS, Lda.. Porém, estranho seria que nenhuma das pessoas próximas da Ré tenham tido conhecimento de problemas graves na vida da mesma, nomeadamente a própria amiga Dra. AF, conforme se alcança de depoimento prestado em acta de 12 de Abril de 2012.
14ª. Quanto ao ainda referido pela testemunha Dra. AF, sempre foi dito pela mesma que não existia um título executivo único, que abarcasse a dívida total, razão pela qual era intenção da Ré conseguir um declaração de reconhecimento da dívida total, até com a finalidade de responsabilizar solidariamente o sócio gerente da P. a título pessoal. Afirmação essa corroborada pela Testemunha Dr. DV, patrono da Ré, ao qual a mesma foi pedir conselhos, face ao processo que tinha em mãos, conforme declarações prestadas pelas testemunhas em acta de dia 12 de Abril de 2012.
15ª. Quanto à história de que os comerciantes relacionados com a P. e a própria empresa tinham actividade, não passa de uma falácia criada pela Apelante, pois na verdade nenhuma das testemunhas viu qualquer actividade destas empresas, apenas referiram que ouviam dizer de outros clientes. Pior, quando questionadas sobre eventuais bens destas empresas na verdade nenhuma das testemunhas conseguiu dizer que os mesmos existiam, o que já seria de esperar, pois tão pouco conheciam esses clientes.
16ª. Como é óbvio, e resulta das regras de experiência, todas estas empresas estavam à beira da falência, tanto mais que a devolução de cheques e demais títulos bancários, por falta de provisão ou extravio, é sintomático da falta de solvabilidade. Logo, a teoria de que estas empresas estariam em “grande actividade” (expressão utilizada por ambas testemunhas da Apelante) não poderia convencer ninguém. Nenhuma empresa em franca expansão deixa de pagar as suas obrigações, e muito menos utiliza títulos de crédito de outras empresas suas devedoras para pagar as suas próprias contas. Refere ainda a Apelante que os devedores desta não tinham ainda incidentes bancários, o que só se pode tratar de uma piada, pois é referido pelas suas próprias testemunhas que os cheques vieram todos devolvidos! Isto sim, é verdadeiramente inverosímil e descabido.
17ª. Dos depoimentos supra transcritos, decorre facilmente que a testemunha EC Cristina, aliás, tal como a testemunha HR, só tinham conhecimento dos factos que lhe foram inquiridos a instâncias do Ilustre Mandatário da Apelante. Tudo o mais, as testemunhas não sabiam responder, mesmo às questões que, face ao seu anterior depoimento, tinham obrigação de responder. E assim se vislumbra que as testemunhas tinham um depoimento ensaiado, sem na verdade terem conhecimento real dos factos, e o melhor exemplo é efectivamente ambas terem a afirmado prontamente no início dos seus depoimentos que a dívida era de 80/85 mil euros em 2004, sem tão pouco conseguirem posteriormente responder o que foi pago posteriormente, e por quem, ou até, porque razão existem nos autos documentos em que se afirma que a dívida era de 44 mil euros em Agosto de 2004!
18ª. Também dos cheques juntos aos autos, em sede de audiência, o que apenas vieram contribuir, foi tão só, uma maior confusão sobre os valores em causa. Na verdade, a Apelante juntou diversos cheques, datados de 2003, sem que na verdade tenha sido aferido em julgamento quais foram pagos e quais foram substituídos por outros títulos de crédito. A Apelante limitou-se a juntar tais títulos aos autos, sem qualquer explicação sobre os mesmos, o que salvo melhor opinião, apenas gerou ainda mais interrogações sobre os valores efectivamente em dívida, pois foi confirmado pelas próprias testemunhas da Apelante que alguns títulos iam sendo pagos e outros iam sendo substituídos por outros títulos. Desta forma não conseguimos apurar quais os valores pagos pelos devedores à PS, Lda., nem tão pouco tal dúvida foi sanada pelas testemunhas.
19ª. O mesmo se diga relativamente às letras juntas pela Apelante, entre as quais, algumas têm como data de vencimento ainda o ano de 2003. Por outro lado, não se conseguiu apurar, pois a Apelante também não tratou de explicar tal facto ao Tribunal a quo, dos títulos de crédito juntos em sede de audiência de julgamento, quais os que foram substituídos por títulos de crédito de devedores da P., e até se poderá mesmo perguntar: de todos os documentos juntos, quais são os substituídos e substitutos? O que desta forma, poderá estar a duplicar ou triplicar a quantia efectivamente em dívida. Em bom rigor, deveria a Apelante, em tal junção, justificar a que diziam respeito cada um dos títulos juntos, nomeadamente a que pagamento de facturas se destinavam. Desta forma, outra não poderia ser a resposta ao artigo 5º da Base Instrutória.
20ª. No que tange ao artigo 8º da Base Instrutória, também não tem razão a Apelante. Na verdade não ficou provado que as notícias dadas pela Ré eram iguais. As testemunhas, nomeadamente as da Apelante, admitiram, após muitas insistências, que efectivamente houve trabalho desenvolvido pela Ré, tendo inclusivamente recebido de alguns processos, pese embora, inicialmente, essas mesmas testemunhas tenham referido que a Dra. N não tinha cobrado quaisquer créditos da Apelante.
21ª. É bastante esclarecedor o depoimento da testemunha EC, que só sabia o que lhe convinha, sendo de realçar que a Apelante é empresa na qual o seu pai é sócio gerente.
22ª. Quanto ao artigo 9º da Base Instrutória, como é óbvio, teria o mesmo que ser considerado como não provado. Chega a ser hilariante que, estando a testemunha EC na mesma reunião com a Dra. AF, tendo esta última, afirmado que nunca ouviu a Dra. N pedir quaisquer desculpas, a Apelante insista em tão patética conclusão. A Dra. N nunca se penitenciou por qualquer comportamento, pois o seu trabalho foi levado a cabo com toda a honestidade e lealdade para com o seu então na altura cliente PS Lda..
23ª. Vem depois a Apelante dizer que, no que respeita ao artigo 12º da Base Instrutória o mesmo deveria ter sido dado como provado, até mesmo através do depoimento da Dra. AF. Mente a Apelante, pois a Dra. AF nunca disse que apenas fez buscas ao património dos devedores em Outubro/Dezembro de 2007, conforme transcrição supra descrita, onde é explícito que a Dra. AF sempre colaborou com a Ré, além do mais situou temporalmente tais buscas provavelmente um ano e meio antes de Outubro/Novembro de 2007.
24ª. Posteriormente vem a Recorrente reclamar do artigo 14º da Base Instrutória, alegando que o mesmo deveria também ser alterado. Para tanto transcreve um breve trecho do depoimento da testemunha HR, onde a mesma afirma que em 21 de Dezembro a dívida seria no valor de 72.000. Ora bem, se inicialmente a dívida rondava o valor de 85 mil euros, tendo mesmo chegado a 119 mil euros, e em 2007 a dívida era já de 72 mil euros, na verdade foram cobrados pela Ré a quantia aproximada de €13 mil euros! Como podem merecer as testemunhas da Apelante qualquer credibilidade quando dizem que nada foi cobrado pela Ré!? Considerar que o depoimento da testemunha HR foi pormenorizado, contínuo e zeloso é de bradar aos céus.
25ª. Diz ainda a Apelante que, quanto muito teria o Tribunal a quo dar como provado que o valor em dívida fosse o das certidões judiciais juntas em audiência de julgamento. Com o devido respeito, mas as próprias testemunhas em audiência de julgamento afirmaram que não sabiam se existiam valores pagos mesmo após a entrada do presente processo em Tribunal!
26ª. Por outro lado, as próprias certidões judiciais, juntas aos autos pela Apelante, logo em primeiro lugar, com excepção da P., e no que diz respeito a alguns casos, nomeadamente BO, Lda., AV, em lado algum foi provado pela Apelante que tais processos diziam respeito ao processo da P.. Em segundo lugar, as certidões judiciais que já estavam na posse da Apelante meses antes do encerramento do julgamento, tendo em conta a sua data de emissão, pese embora juntas no encerramento da audiência de discussão e julgamento, não atestam que após a sua emissão não tenham sido pagas quantias, até porque as execuções não estão extintas.
27ª. Desta forma, não se poderá concluir como pretende a Apelante, tanto mais que das certidões juntas aos autos se desconhece quais os títulos executivos utilizados, bem como se tais créditos estavam ou não relacionados com o objecto dos presentes autos. Na verdade, e salvo melhor opinião, para que o douto Tribunal a quo pudesse averiguar da utilidade de tais certidões, seria necessário que das mesmas constassem igualmente cópia certificada dos requerimentos executivos, para aferir qual o objecto de tais processos. A Apelante apenas se dignou a juntar uma porção de certidões judiciais onde se atesta apenas os Tribunais onde correm termos os autos, os seus números, identificação das partes, e finalmente que até àquela data não há notícias de que tenha sido recebida pela exequente qualquer quantia. O mesmo se poderá dizer relativamente às duas acções contra a P., pois desconhece-se qual o objecto de tais processo executivos.
28ª. Quanto à resposta ao artigo 16º da Base Instrutória, a mesma não poderia ser dada de forma diferente pelo Tribunal a quo, nomeadamente face às declarações das testemunhas Dra. AF, Dr. RN e ainda da secretária da Ré, a Sra. AC, já anteriormente transcritas, e nas quais é claramente referido as variadas buscas que foram efectuadas pelas testemunhas, para apurar bens pertencentes aos devedores, bem como que tal facto da inexistência de bens foi transmitido à Apelante. E engana-se a Apelante ao dizer que das testemunhas da Ré apenas a Dra. AF falou de tal facto, pois igualmente a testemunha RN efectuou buscas a bens, a pedido da sua irmã, na altura dos factos, sua colega de escritório.
29ª. Quanto à resposta ao artigo 17º da Base Instrutória, também dela a Apelante reclama, mais uma vez sem qualquer fundamento. Na verdade, o pequeno trecho do depoimento da testemunha HR transcrito pela Apelante, apenas atesta a ignorância da mesma sobre tais factos. Aliás, se existissem tais letras e cheques devolvidos do Sr. Amílcar e da Sra. MA, porque razão não os juntou a Apelante aos autos! É que os cheques e letras juntos pela Apelante não são de nenhum destes indivíduos. Mais, porque razão se estaria a outorgar no escritório da Ré acordos de reconhecimento de dívida, se existissem já títulos executivos?! A verdade é que nunca existiram cheques e letras do Sr. Amílcar e da Sra. MA, pois caso contrário a Apelante igualmente teria juntado os mesmos no encerramento da audiência de julgamento, como fez com os restantes documentos.
30ª. Relativamente à resposta ao artigo 19º da Base Instrutória, também ela foi sabiamente decidida pela Tribunal a quo. Como já foi extensivamente transcrito em declarações das testemunhas e explanadas as devidas considerações, não existia qualquer património da sociedade P. para ser penhorado, razão pela qual a única e derradeira alternativa para conseguir recuperar o crédito seria através da responsabilização solidária e a título pessoal do sócio gerente da referida sociedade comercial. Razão pela qual, tal como foi explicado pela testemunha Dra. AF e pela testemunha RN foram várias as reuniões no sentido de alcançar tal acordo.
31ª. Também neste sentido se poderá concluir que foi correcta a resposta dada ao artigo 22º da Base Instrutória pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo. Sempre houve um contacto frequente entre a Apelante e a Apelada, conforme descrição feita pela testemunha AC, testemunha essa que depôs de forma sincera e isenta, tanto mais que há vários anos que já não labora para a Ré, não tendo assim qualquer interesse no desfecho dos presentes autos.
32ª. Em consequência, claro está que, também a pretendida alteração da resposta ao artigo 23º da Base Instrutória, não poderá proceder. Nunca foi dito por qualquer testemunha que, durante o mandato forense que foi conferido à Ré, a Apelante mostrou qualquer objecção ao trabalho da primeira. O mandato apenas foi substituído em Dezembro de 2007, pois até então o trabalho da Ré nunca foi posto em causa pela Apelante. A este respeito diga-se que terá a Apelante sido induzida em palavras vãs e acreditado em promessas de recuperação de um crédito que era incobrável.
33ª. A testemunha EC, diz no seu depoimento, que já não se lembra, ou então não percebeu o que efectivamente disseram ao Senhor seu pai na reunião de Dezembro de 2007. Porém, na verdade, foi confirmado pela Dra. AF que todas as informações foram prestadas à Apelada, pelo que outra não poderia ter sido a resposta dada ao artigo 24º da Base Instrutória.
34ª Desta forma, e tendo em conta todas as transcrições supra expostas, não poderão as respostas à matéria de facto constante nos artigos 1º, 5º, 8º, 9º, 12º, 13º, 14º, 16º, 19º, 22º, 23º e 24º serem alterados.
35ª. A Apelante vem dizer, nas suas Alegações que, acresce à especificidade do mandato forense, celeridade e cuidados redobrados, na cobrança de dívidas, face à volatilidade dos devedores, ao seu desaparecimento ou insolvência. Esse mesmo cuidado, conforme ficou explanado na matéria de facto provada, foi tido pela Ré, nomeadamente através das buscas sobre a existência de bens dos devedores da Apelante.
36ª É falso igualmente que a P e demais comerciantes, tinham comércio em larga escala. Em primeiro lugar, nada disso resultou como provado em audiência de julgamento, nomeadamente através das buscas de bens que foram efectuadas pela Ré. Em segundo lugar, os títulos de crédito alegados pela Apelante não eram assim “tantos”, tendo em conta os que foram juntos pela mesma aos autos! Diga-se em abono da verdade que a existirem títulos de crédito, os únicos que foram juntos eram da P., e que por sua vez parece que foram substituídos por outros. Por outro lado, esses títulos de crédito já estavam devolvidos desde 2003.
37ª. A presunção de culpa prevista no artigo 799º nº1 do C. Civil foi ilidida pela Apelada. Desde logo, resulta da factualidade provada que, segundo as próprias instruções da Apelante, então mandante, a intenção desta era a cobrança de créditos pela Apelada, pela via judicial ou por outra via necessária. Logo, não era partir de imediato para a propositura de quaisquer acções, mas antes tentar uma solução por acordo com os devedores.
38ª. A Apelada teve como único objectivo a protecção dos interesses jurídicos da mandante, tanto mais que, bem sabendo que a P não poderia solver os seus compromissos, sempre tentou chegar à vinculação solidária e a título pessoal do sócio gerente da mesma. O que quase conseguiu, diga-se em abono da verdade!
39ª. A conduta profissional da Apelada foi diligente, audaz e célere, tanto mais que desde logo efectuou buscas, através da ajuda do seu irmão e colega de profissão, Dr. RN, bem como da Dra. AF, tendo-se deparado com empresas sem qualquer património penhorável, bem como numa situação de insolvência fáctica, tanto mais que existiam cheques e letras sem pagamento desde inícios de 2003. Desta forma é falso que a mandatária forense tenha estado 3 anos sem fazer qualquer trabalho, pois houve uma verdadeira execução do mandato forense por parte da Apelada.
40ª. Não foi pelo comportamento profissional da Apelada que a Apelante deixou de receber os seus créditos malparados. Razão pela qual, nunca poderia ficar demonstrada a necessária relação de causalidade entre o dano (que tão pouco se conseguiu contabilizar) a e alegada conduta negligente da Apelada.
41ª. Igualmente não pode aceitar-se que os pressupostos da responsabilidade extracontratual estavam preenchidos, desde logo porque a Apelante caí no erro de referir que não houve actuação da Apelada durante dos 3 anos de exercício do mandado forense que lhe foi conferido, para além do facto de a mesma não ter violado quaisquer obrigações que sobre a mesma impendiam.
42ª. Desta forma, não existiu uma errada interpretação e aplicação pelo Tribunal a quo dos preceitos 799º, 344º, 406º, 1157º e 1161º do Código Civil, não devendo nessa medida ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença proferida.
43ª. Em face do exposto é óbvio que a douta sentença em Recurso não violou qualquer norma legal.
Termos em que V. Excas. mantendo o já decidido farão a costumada Justiça”
9-  A interveniente “AC Ldª” também contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões :
“A Apelada vem reproduzir nas suas contra-alegações os depoimentos testemunhais que inequivocamente conduziram o Tribunal Recorrido (como o afirma peremptoriamente na sua decisão) à convicção da absoluta falsidade dos factos contidos nos artigos 1º, 5º, 9º, 12º, 14º.
No que respeita aos quesitos 8º e 13º, a Apelada vem reproduzir nas suas contra-alegações o depoimento testemunhal que inequivocamente conduziu o Tribunal Recorrido (como o afirma peremptoriamente na sua decisão, justamente) à convicção da resposta limitada dada a esses quesitos.
No que respeita aos quesitos 16º, 19º, 22º, 23º e 24º a Apelada vem reproduzir nas suas contra-alegações o depoimento testemunhal que inequivocamente conduziu o Tribunal Recorrido (como o afirma peremptoriamente na sua decisão, justamente) à convicção da absoluta veracidade dos factos contidos em tais quesitos.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, só assim se fazendo Justiça”.

*  *  *

II – Fundamentação
a)  A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, é a seguinte :
1-  A A. tem por actividade a fabricação de calçado.
2-  A A. teve como cliente a “P. – Sistemas de …, Ldª”.
3-  A R. exerce a advocacia e é portadora da cédula profissional nº 13820L.
4-  A R. está abrangida pelo contrato de seguro de grupo celebrado entre a Ordem dos Advogados e a interveniente “AC …”, titulado pelas apólices … e …, tendo cada uma delas como limites de responsabilidade os valores de 50.000 € e 100.000 € e cujas condições estão juntas a fls. 140 a 163 e 154 a 186 e se dão aqui por integralmente reproduzidas.
5-  A R. está abrangida pelo contrato de seguro (de reforço) celebrado com a interveniente “AC ..”, titulado pela apólice …, cujas condições estão juntas a fls. 82 e 83 e se dão aqui por integralmente reproduzidas,
6-  A “P., Ldª” entregou à A. vários cheques e letras de câmbio emitidos a seu favor por outros comerciantes.
7-  Grande parte desses títulos não foi paga à A..
8-  Em Maio/Junho de 2004, a A. procurou os serviços da R. para, pela via judicial ou outra via necessária, cobrar tais créditos da A..
9-  A R. não instaurou logo contra esses comerciantes acções judiciais.
10-  A R. tentou, por várias vezes, realizar diligências e acordos com o sócio gerente da “P., Ldª”.
11-  No final de 2007, a A. procurou saber, agora pessoalmente, das diligências realizadas.
12-  Em 21/12/2007 havia acordos incumpridos desde 2005.
13-  A R. instaurou, em Novembro de 2007, duas acções executivas.
14-  Após 21/12/2007, a A. procurou, através de outro advogado, tentar receber o que lhe era devido, mediante instauração de acções executivas, não o tendo conseguido em algumas das execuções instauradas.
15-  A R. estabeleceu contacto com os emitentes dos títulos não pagos para chegar a entendimento e recuperar os créditos, ainda de que forma faseada.
16-  A R. não intentou acções executivas porque colheu informação junto dos serviços de finanças e conservatórias de que (os devedores) não tinham bens.
17-  A R. obteve de outros devedores da A. sem título declarações de dívida e acordos de pagamento.
18-  Entre 2005 a 2007, a R. teve várias reuniões com o sócio-gerente da “P., Ldª” e com os clientes desta cujos créditos havia cedido à A..
19-  Na falta de bens da “P., Ldª” tiveram lugar no escritório da R. várias reuniões entre a R., uma colega sua, o representante da A. e o sócio-gerente da “P., Ldª”, tendo em vista obter, deste último, reconhecimento expresso de dívida perante a A., em representação daquela e em nome pessoal.
20-  A R., ao aceitar patrocinar a A., obrigou-se perante ela a utilizar os seus conhecimentos por forma a melhor defender os seus interesses de recuperação de tais créditos.
21-  A R. deu sempre conhecimento à A. de todas as diligências e opções de actuação tomadas.
22-  A A. nunca mostrou qualquer objecção.
23-  Nos dias 6 e 13 de Dezembro de 2007, a A. e a R. reuniram e a R. transmitiu-lhe que aqueles casos não tinham solução, e os meios judiciais seriam ineficazes.
24-  No dia 21/12/2007 a A. pagou à R. os honorários e despesas pelos serviços prestados.
25-  A R. estabeleceu contactos com os representantes da “P., Ldª” de forma a proceder ao pagamento faseado dos valores em dívida.
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso são :
-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Saber se existem razões para a acção proceder.
c)  Vejamos, então, se existem razões para alterar a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal “a quo”.
 De acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B nº 1), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (depois artº 685º-B e actualmente artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
d)  Ora, pretende a recorrente que :
-Os artigos 1º, 5º, 9º, 12º e 14º da Base Instrutória, que foram considerados como não provados, sejam considerados provados.
-Os artigos 8º e 13º da Base Instrutória, que tiveram respostas restritivas sejam considerados totalmente provados.
-Os artigos 17º e 19º da Base Instrutória, que foram considerados como provados, sejam considerados parcialmente provados.
-Os artigos 16º, 22º, 23º e 24º da Base Instrutória, que foram considerados como provados, sejam considerados não provados.
e)  Quanto ao primeiro grupo de quesitos.
Tinham os mesmos a seguinte redacção :
“1º-  No início de 2004, a P. devia à autora 85.000 euros ?”.
“5º-  Nessa altura (Maio/Junho de 2004), os comerciantes que tinham emitido tais títulos (referidos no quesito 2º) tinham actividade e meios de os pagar ?”.
“9º-  Em reunião em 21 de Dezembro de 2007, a ré assumiu perante a autora ter negligenciado e esquecido o que lhe havia sido pedido e pediu desculpa ?”.
“12º-  Nessa altura (Novembro de 2007), já a maior parte dos devedores não eram conhecidos ou estão numa situação de insolvência ?”.
“14º-  A dívida de tais devedores perante a autora ascendia em 21 de Dezembro de 2007 a 72.656,42 euros ?”. 
Foram todos considerados como não provados.
Ora, ouvida a gravação com a prova testemunhal, e consultados os documentos juntos aos autos, vejamos cada um de tais artigos da Base Instrutória.
f)  Quanto ao quesito 1º :
Não está posto em causa que a recorrente era credora da sociedade “P., Ldª”.  Está em causa saber o valor da dívida no início de 2004.
Ora, a testemunha EC, que trabalha na apelante e que é filha do sócio gerente desta, foi incapaz de determinar com exactidão o valor acima referido.  Com efeito, veio afirmar que “pelo que o meu pai me dizia e algumas coisas que ouvi”, a dívida apontada “rondava entre os 80 e os 85 mil euros”.  Adiantou mesmo que “não tinha acesso à conta-corrente”.  Quando foi instada a precisar a data em que a dívida tinha esse montante, referiu “2003, mais ou menos 2004”.  Foi incapaz de explicar o teor do documento de fls. 61, uma carta enviada pela apelada, Drª N, à “P., Ldª”, em que é referida uma dívida de 51.709,16 € (indicada pela testemunha HR), sendo que o valor resultante da conta corrente é um crédito da recorrente no montante de 44.461,27 €.  Ou seja, estamos perante uma testemunha a quem o pai “disse” qual o valor da dívida e que, além disso, ouviu “algumas coisas”.
Por seu turno, a testemunha HR, empregada de escritório da recorrente desde há cerca de 21 anos.  Também foi vaga na sua referência ao valor da dívida da “P., Ldª”, referindo que “o montante chegou a rondar os 80, 85 mil euros”.  Mais afirmou que os fornecimentos da sua entidade patronal à devedora “chegaram aos 119 mil euros” e que ocorreram “pagamentos”.  Perante o teor do documento de fls. 61 não logrou explicá-lo, mas também não negou ter dado a informação de que a dívida era de 51.709,16 €.
E como bem se salienta na Sentença sob recurso, de forma lógica e perfeitamente fundamentada :
“Ora, perante o teor de tal documento, datado de 26/08/2004, e do documento de fls. 62 (elaborado posteriormente), referente a um projecto de reconhecimento de dívida por parte da P. no qual se faz referência a um montante de € 60 901,51, e perante os depoimentos destas duas testemunhas e o teor dos documentos entretanto juntos em audiência de julgamento, até se admite como possível, pelas regras da experiência, que o montante da dívida por parte da P. pudesse ser superior ao montante constante do doc. de fls. 61.
Porém, fazendo uma análise crítica dos documentos juntos aos autos, e contabilizando os valores dos mesmos, tais não retratam o montante alegado pela A.. Por outro lado, foi referido em julgamento que ocorreram alguns pagamentos à A., por parte de clientes da P., quer durante o período em que a R. se encontrava mandatada, quer posteriormente, mas não se apurou quem pagou nem quanto pagou.
Inexistem, assim, nos autos documentos que permitam ao Tribunal assegurar-se do valor em dívida da P. à A. (…)”.
Deste modo, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar como não provado o artigo 1º da Base Instrutória, nesta parte improcedendo o recurso.
g)  Quanto aos quesitos 5º e 9º :
Entende a recorrente estar demonstrado que os comerciantes que entregaram à “P.” os cheques e as letras de câmbio que esta, por sua vez, entregou à apelante, tinham actividade e meios para os pagar.
E ainda se provou, segundo entende, que na reunião ocorrida em 21/12/2007, a recorrida Drª N assumiu perante a recorrente ter negligenciado e esquecido o que lhe havia sido pedido e pediu desculpa pelo seu comportamento.
Ora, a acima indicada testemunha EC, ao contrário do defendido pela recorrente, não foi convincente no seu depoimento no que a este ponto concreto diz respeito.  Com efeito, a mesma, pese embora indicando alguns dos comerciantes que emitiram os títulos, foi extremamente imprecisa sobre o conhecimento que tinha relativamente aos meios que eles tinham para pagar.  Desde logo não tem qualquer conhecimento directo sobre tais meios, referindo apenas que não conhecia esses comerciantes mas que existiam clientes da apelante que diziam que aqueles “tinham lojas e que na altura estavam a fazer um bom negócio, que tinam possibilidades de pagar”.  Instada a esclarecer melhor estas suas declarações, referiu que os clientes da recorrente “diziam que eles vivem bem”, que pelo que viam tinham “sempre movimentação”.  E acrescentou que “de certa maneira eu acho que eles podiam pagar”.  Salientou que os clientes da recorrente “não tinham acesso às contas deles, era por aquilo que eles viam, a movimentação da loja, talvez pelo carro”.
Já a testemunha HR referiu que souberam da situação dos comerciantes que emitiram os títulos apenas “por terceiros”.  Eram os “clientes directos que nos diziam que estavam a trabalhar bem”.  E afirmou que “sabia-se de alguns veículos que tinham, ou que andavam com eles, mas não sabiam se realmente eram deles ou não”.  Acabou por admitir não saber “directamente” se esses veículos eram dos emitentes dos títulos.
Quanto à referida reunião de 21/12/2007, narrada no artigo 9º da Base Instrutória, se bem que mencionada por estas duas testemunhas (situando-a em 2007, “nos finais – testemunha EC), não é convincente a existência do “acto de contrição” no mesmo narrada.  A testemunha EC refere um pedido de desculpas da recorrida Drª N, e que esta teria invocado problemas pessoais para ter “negligenciado” o seu trabalho.  Porém, a verdade é que a testemunha Drª AF, advogada que colaborou com aquela apelada, salientou que na reunião esta, “em momento algum”, assumiu ter cometido erros na condução do processo e que não se recorda “que a colega tenha estado com problemas graves”.  Assim, afigura-se-nos que as afirmações das duas primeiras apontadas testemunhas são vagas, não concretizam o teor da conversa e são desmentidas categoricamente por uma testemunha sem interesse directo ou indirecto na situação (o que, em bom rigor, não se poderá dizer da testemunha EC, filha do sócio gerente da apelante e que trabalha nesta”.
Não vemos, assim, razões para concluir que se possa determinar com um mínimo de certeza que “os comerciantes que tinham emitido tais títulos”, referidos no artigo 2º da Base Instrutória, “tinham actividade e meios de os pagar”, nem ficou claro que a recorrida Drª N Nascimento tenha assumido, perante a recorrente, ter negligenciado o seu trabalho “e esquecido o que lhe havia sido pedido e pediu desculpa”.  A testemunha narrou ainda uma situação em que teria ouvido, no escritório do actual mandatário da apelante, a uma conversa telefónica, em sistema de alta voz, entre aquele e a apelada Drª N, mas tal não nos merece qualquer credibilidade, sendo muito pouco crível que um Advogado tivesse uma conversa com um colega e, sem este saber, permitisse que terceiros escutassem o diálogo.
Deste modo, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar como não provados os artigos 5º e 9º da Base Instrutória, pelo que, nesta parte, improcede o recurso.
h)  Quanto ao quesito 12º :
Entende a recorrente que, em Novembro de 2007, já a maior parte dos devedores não eram conhecidos ou estavam numa situação de insolvência. 
Este facto foi considerado não provado.
E, afigura-se-nos que bem.
Por um lado, por tudo quanto já acima se disse sobre o artigo 5º da Base Instrutória (sobre a existência ou não de meios para as dívidas serem pagas).  Por outro lado não se mostra junta aos autos qualquer prova documental demonstrativa da situação de insolvência daqueles devedores.  Apenas se sabe que a “P., Ldª” foi declarada insolvente, mas não se sabe se os outros devedores estão nesta situação. 
Assim sendo, não vemos motivos para alterar a resposta dada ao artigo 12º da Base Instrutória, pelo que, nesta parte, improcede o recurso.
i)  Quanto ao quesito 14º :
Pretendia-se saber se em 21/12/2007 a dívida dos mencionados devedores perante a recorrente ascendia a 72.656,42 €.
Mais uma vez estamos aqui no campo do “parece” e do “acho”, no que diz respeito aos depoimentos das testemunhas.
Assim, por exemplo, a testemunha HR disse “ter uma ideia” de que a dívida “rondava os 72.000 euros”, baseando-se “nos documentos que eu tinha”.  Mas depois acrescentou que “recebeu-se qualquer coisa, entretanto”.
E a testemunha EC Pereira também foi pouco convincente sobre esta matéria.  Não esqueçamos (ainda sem entrarmos na matéria de Direito) que este montante de 72.656,42 € é o que consta do pedido e, quando instada sobre se desde Dezembro de 2007 o Mandatário seguinte da recorrente logrou ou não cobrar algum dos créditos, a testemunha limitou-se ao “não sei dizer”, “não tenho os documentos”, “não estava presente para lhe responder se ele tem recebido ou não”.
Também aqui a conclusão tirada pela decisão sob recurso merece transcrição :
“Também o Ponto 14º mereceu resposta negativa, dado que apenas a testemunha HR (secretária da A.) referiu o valor da dívida, por aproximação e, não obstante resultar um valor superior, quer dos acordos para pagamento faseado quer das certidões juntas aos autos, considerando que tais acções executivas foram instauradas posteriormente, desconhecendo-se quais os títulos executivos que lhes estão subjacentes e a data de vencimento dos mesmos e considerando ainda que resultou dos depoimentos das testemunhas que houve pagamentos (desconhecendo-se, porém, tais montantes) realizados por clientes da P. ainda enquanto a R. estava mandatada pela A., não ficou o Tribunal com a certeza que se impõe do montante da dívida dos devedores à A., em 21/12/2007”.
Assim, não se vêem motivos para alterar a resposta de não provado ao artigo 14º da Base Instrutória, nesta parte improcedendo o recurso.
j)  Quanto ao quesito 8º :
Tinha o mesmo a seguinte redacção :
“Pelo tempo e pelas notícias iguais dadas pela ré, no final de 2007 a autora procurou saber do andamento dos processos e diligências realizadas ?”.
Mereceu o mesmo do Tribunal uma resposta restritiva, a saber :
“No final de 2007, a Autora procurou saber, agora pessoalmente, das diligências realizadas”.
Entende a apelante que o teor do artigo da Base Instrutória deveria ser declarado como integralmente provado.
Ora, em face dos depoimentos testemunhais não se vê que a apelante não tenha procurado saber do andamento dos processos e das diligências efectuadas antes de Dezembro de 2007.
Com efeito, isso acabou por ser admitido pela própria testemunha EC quando disse que, em período anterior ao final de 2007 “o meu pai” e a secretária da recorrente, HR, telefonavam “várias vezes para a Drª N ou para a secretária”, a fim de perguntarem “como estava o caso”.  O que era respondido pela recorrida Drª N, era que “estava a resolver as coisas, que estava a tentar telefonar com as pessoas e a falar”.
Por seu turno, a testemunha HR referiu que ela própria chegou a telefonar para o escritório da apelada Drª N, para saber “como estavam as coisas”.
Assim, a reunião de Dezembro de 2007 destinou-se, como se deixou expresso na resposta dada ao artigo 8º da Base Instrutória, apenas a confrontar pessoalmente a mencionada recorrida com as diligências por ela levadas a cabo, ou seja, a recorrente sempre se manteve em contacto com a apelada.
Inexistem, assim, razões para alterar a resposta restritiva dada ao artigo 8º da Base Instrutória, pelo que nesta parte improcede o recurso.
k)  Quanto ao quesito 13º :
Tinha o mesmo a seguinte redacção :
“13º-  Assim, após 21 de Dezembro de 2007, a autora procurou, através de outro advogado, tentar receber por todos os meios o que lhe era devido o que já não conseguiu ?”.
Teve este a seguinte resposta :
“Após 21 de Dezembro de 2007, a Autora procurou, através de outro advogado, tentar receber o que lhe era devido, mediante instauração de acções executivas, não o tendo conseguido em algumas das execuções instauradas”.
Segundo defende a apelante, o teor do artigo da Base Instrutória deveria ser declarado como integralmente provado.
Ora, da prova testemunhal produzida, mais uma vez, em especial, pelas testemunhas EC e HR resulta demonstrado algo diverso do alegado.
Com efeito, pela primeira foi referido que já teriam existido alguns pagamentos por parte de devedores, embora sem concretizar quem pagou, quanto pagou, nem a data em que os mesmos foram obtidos.
Por seu turno, a segunda testemunha HR, foi interrogada sobre se do trabalho prestado pela recorrida Drª N foi ou não recebida qualquer quantia, tendo respondido que “recebemos qualquer coisa, mas eu agora não sei, sei que se recebeu qualquer coisa”.
Ora, o que se pretendia com o aludido artigo da Base Instrutória era saber se nada foi recebido através das diligências levadas a efeito pela apelada Drª N e que, por causa desses “atrasos” nada foi recebido.  Mas como acima já se referiu, foi referido em julgamento que ocorreram alguns pagamentos à recorrente, por parte de clientes da “P., Ldª”, quer durante o período em que a aludida recorrida se encontrava mandatada, quer posteriormente, mas não se apurou quem pagou nem quanto pagou.
Deste modo, é manifesto que teve razão o Tribunal “a quo” ao considerar provado apenas parcialmente o artigo 13º da Base Instrutória, pelo que nesta parte improcede o recurso.
l)  Quanto ao quesito 17º :
A sua redacção era a seguinte :
“17º-  A ré obteve de outros devedores da autora sem título, declarações de dívida e acordos de pagamento ?”.
Teve o mesmo a resposta de Provado.
Segundo refere a recorrente, este artigo da Base Instrutória devia ter sido respondido parcialmente provado, “pois que foram realmente feitos acordos de pagamento, mas já existindo títulos de crédito das dívidas”.
Ora, dos depoimentos das testemunhas EC e Drª AF Correia resulta evidente a existência de declarações de dívida e acordos de pagamento obtidos pela recorrida Drª N. Já quanto à prévia existência de títulos de créditos anteriores a esses acordos, apenas temos o depoimento da testemunha HR, referindo esta dois nomes em concreto (o “senhor Amílcar” e  MA) em relação aos quais a recorrente teria já “cheques e letras”.  Ora, nestes dois casos concretos, com importância para a resposta que pretendia para o quesito em causa, não logrou a apelante juntar tais documentos, nem justificar a ausência dos mesmos.
Assim, afigura-se-nos que bem andou o Tribunal recorrido ao dar a resposta de provado ao artigo 17º da Base Instrutória, razão pela qual nesta parte improcede o recurso.
m)  Quanto ao quesito 19º :
A sua redacção era :
“19º-  Na falta de bens da P., tiveram lugar no escritório da ré várias reuniões entre a ré, uma colega sua, o representante da autora e o sócio-gerente da P., tendo em vista obter deste último reconhecimento expresso de dívida perante a autora, em representação daquela e em nome pessoal ?”.
Foi considerados totalmente provado.
Segundo a apelante, “a resposta ao artº 19º da base instrutória deve ser positiva, excluindo-se a parte que faz referência “na falta de bens da P.””.
Baseia essa sua pretensão no relato feito pela testemunha EC, segundo o qual teria visto seis mil pares de sapatos numa visita feita ao armazém da “P, Ldª”.
Se é aceitável que a testemunha tenha visto vários pares de sapatos no armazém daquela empresa, já o número parece pouco razoável e acaba a testemunha por cair na “tentação” de indicar que os mesmos teriam um valor total de 60.000 € que, curiosamente, se aproximaria do montante de que a recorrente era credora.
Mas as declarações da testemunha são por demais imprecisas, pois quando instada a esclarecer a razão pela qual afirmou ter “visto” seis mil pares de sapatos, afirmou que calculou “pelo espaço” e que não andou a contar “par por par” e que disse esse valor “por alto”.  Aliás, disse mesmo que viu as caixas, “agora o conteúdo do que estava lá dentro…”.  E voltou a afirmar que “não consigo precisar, estou a dizer mais ou menos”.
Por outro lado, há que dar atenção às declarações da testemunha Drª AF, que salientou que numa reunião que ocorreu, falou directamente com o gerente da apelante, informando-o de que a “P., Ldª” não tinha bens, pelo que só era possível instaurar uma acção declarativa, mas que a recorrente nunca mostrou qualquer iniciativa para prosseguir com as acções.  Afirmou ainda que sempre informou a apelante das diligências efectuadas com vista à obtenção de um título executivo que permitisse ao legal representante da “P., Ldª” responsabilizar-se pessoalmente pela dívida, face à inexistência de bens da sociedade.
E aqui podemos interrogar-nos sobre a razão pela qual a recorrente, ao ser-lhe referido que a “P., Ldª” não tinha bens, nunca informou a recorrida Drª N da existência desses seis mil pares de sapatos (que poderiam, por exemplo, ser susceptíveis de penhora) ?
Assim, não vislumbramos motivos para que o Tribunal de 1ª instância desse ao artigo 19º da Base Instrutória uma resposta restritiva como pretendido pela apelante, motivo pelo qual, também nesta parte, improcede o recurso.
 n)  Quanto ao último grupo de quesitos (16º, 22º, 23º e 24º), que foram considerados como provados, pretende a recorrente que sejam considerados não provados.
A redacção dos mesmos era a seguinte :
“16º-  A Ré não intentou acções executivas porque colheu informação junto dos serviços de finanças e conservatórias de que não tinham bens ?”.
“22º-  A Ré deu sempre conhecimento à Autora de todas as diligências e opções de actuação tomadas ?”.
“23º-  A Autora nunca mostrou qualquer objecção ?”.
“24º-  Nos dias 06 e 13 de Dezembro de 2007, a Autora e a Ré reuniram e a Ré transmitiu-lhe que aqueles casos não tinham solução, e os meios judiciais seriam ineficazes?”.
Vejamos, então, cada um desses artigos da Base Instrutória.
o)  Quanto ao quesito 16º :
Pretendia-se determinar se a apelada Drª N não intentou acções executivas porque colheu informação junto dos serviços de finanças e conservatórias de que as empresas devedoras da recorrente não tinham bens.
Ora, esta situação foi confirmada de forma convincente por duas testemunhas que participaram activamente nessa recolha de informações.
Assim, a testemunha Drª AF (que, como acima referimos, é uma Advogada, colega da recorrida Drª N , que com ela colaborou) referiu que ocorreram “entregas de cheques, de letras de outros clientes da “P.” à “PS””.  Assim, relativamente a tais clientes, “fiz buscas na Repartição de Finanças de … e vim a apurar a inexistência de bens”.  E acrescentou que “avançar com as acções executivas não iria ter qualquer efeito útil”.  Voltou mesmo a frisar que “das buscas efectuadas chegamos à conclusão de que não havia bens”.
Por seu turno, a testemunha Dr. RN (irmão da mencionada apelada, também Advogado de profissão) referiu ter também efectuado pesquisas, a pedido da sua irmã, sobre a existência de bens dos devedores.  Afirmou que, por vezes, se deslocava a “L…, A… ou S…l” e nessas ocasiões a recorrida pedia-lhe “para passar pela Repartição de Finanças, ou Conservatória, ou fazer um telefonema para ver se há bens se não há”.
Assim, estas duas testemunhas, com conhecimento directo e preciso confirmaram ter efectuado pesquisas, a pedido da recorrida Drª N, sobre a existência de bens dos devedores, confirmando que tais pesquisas resultaram infrutíferas.
Deste modo, o artigo 16º da Base Instrutória teria de merecer uma resposta positiva, pelo que nesta parte improcede o recurso.
p)  Quanto ao quesito 22º :
Pretendia-se apurar se a recorrida, Drª N deu sempre conhecimento à recorrente de todas as diligências e opções de actuação tomadas.
Ora, a testemunha AC, que foi empregada de escritório da apelada Drª N referiu que sempre ocorreram contactos entre aquela e a recorrente.  Disse que falava muitas vezes, ao telefone, “com o Sr. PR e com a secretária do Sr. PR”, que se chamava “Dona H” (ou seja, a testemunha HR).  Instada a esclarecer se davam conhecimento à recorrente das diligências que iam sendo feitas, dos acordos que faziam e das verbas que iam recebendo, referiu que sim que faziam vários telefonemas a informar “das reuniões que íamos tendo, dos telefonemas que se faziam e das respostas” que eram obtidas”.
Por sue lado, a testemunha HR admitiu sempre que entre 2004 e 2007 efectuou variados contactos telefónicos com a recorrida Drª N, para saber em que ponto se encontrava a situação.
Assim, é manifesto que, perante tal prova, o quesito em causa (artigo 22º da Base Instrutória) tem de ser considerado como provado.
E, assim sendo, nesta parcela improcede o recurso.
q)  Quanto ao quesito 23º :
Pretendia-se com o mesmo saber se a recorrente nunca levantou qualquer objecção à actuação da, então, sua Advogada.
Ora, o Mandato apenas veio a ser substituído em finais de 2007, sem que antes se verificassem quaisquer objecções à actuação da recorrida, isto para além da insatisfação natural de um cliente que não vê a sua situação rapidamente resolvida.  Repare-se que a testemunha AC, quando lhe foi perguntado se a apelante estava desagradada com o trabalho da apelada Drª N , respondeu que não e que a sensação que tinha “é que gostavam que as coisas fossem mais rápidas”.  Rapidez essa que se nos afigura que seria difícil de conseguir, pois, como acima se viu, foram efectuadas várias buscas sobre a existência de bens dos devedores, foram realizadas reuniões com os mesmos e foram obtidos alguns acordos de pagamento o que, certamente, nãos e obteria de um dia para o outro.
Veja-se, ainda, que a testemunha Drª AF referiu que só em Dezembro de 2007 teve noção de alguma insatisfação da recorrente, quando o representante desta lhe disse numa reunião que havia um Advogado “lá em cima que consegue recuperar tudo, deram-me a indicação que consegue recuperar tudo”.
É cero que a testemunha EC afirmou que existiram insistências da recorrente perante a recorrida Drª N no sentido de serem instauradas acções em Tribunal.  Só que a própria testemunha acabou por referir que essas indicações apenas foram dadas já no ano de 2007.
Assim sendo, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar como provado o artigo 23º da Base Instrutória, motivo pelo qual nesta parte improcede o recurso.
r)  Quanto ao quesito 24º :
Com o mesmo pretendia-se apurar se nos dias 6 e 13 de Dezembro de 2007, a recorrente e a Advogada recorrida se reuniram e esta transmitiu que os casos não tinham solução, e os meios judiciais seriam ineficazes.
Sobre as datas das reuniões, há que atender ao teor do documento de fls. 76 que é esclarecedor sobre as mesmas.
Quanto ao que ali foi dito, há que salientar que a testemunha EC começou por referir que a Drª AF nada disse sobre a impossibilidade de cobrança dos créditos, mas, mais adiante acabou por afirmar que “se disse eu não percebi”.  Ou seja, a testemunha acaba por pouco esclarecer.
Já a testemunha Drª AF veio dizer que foi explicado ao representante da recorrente que a “P., Ldª” não tinha bens e que “a única forma viável de recuperar o dinheiro era obter um reconhecimento de dívida do próprio gerente da P”, pois com uma acção judicial apenas obteriam “uma sentença para emoldurar porque a P. não tinha bens”. Salientou que a recorrente nunca mostrou qualquer iniciativa para prosseguirem com as acções.
Perante esta prova, é manifesto que o artigo 24º da Base Instrutória teria de ser considerado como provado, razão pela qual nesta parte improcede o recurso.
s)  Temos, assim de concluir que o recurso sobre a matéria de facto improcede na totalidade, pelo que é com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
t)  Vejamos, agora, se existem razões para a acção proceder.
Na presente acção, a recorrente formulou contra a recorrida, Drª N, pretensão indemnizatória no montante de 72.656,42 € (acrescida de juros), respeitante a créditos que detinha e em relação aos quais a referida recorrida não logrou obter cobrança coerciva, por não ter instaurado em devido tempo as respectivas acções judiciais.
u)  Quanto à caracterização da relação contratual em causa, não sofre dúvida que a pretensão indemnizatória deduzida se inscreve no âmbito do contrato de mandato forense celebrado entre a recorrente “PS, Ldª” e a recorrida Drª N, com vista à cobrança judicial, ou outra via necessária, de vários créditos que a apelante detinha.
Trata-se de um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação, que se regia, à data da celebração desse contrato, em especial, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (E.A.O.), aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16/3, entretanto alterado e republicado pela Lei nº 80/2001, de 20/7, e por fim revogado e substituído pelo E.O.A. aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1, aplicando-se ainda, a título subsidiário, o regime do contrato de mandato civil constante dos artºs. 1157º a 1184º do Código Civil.
Embora o contrato de mandato forense constitua uma modalidade do tipo genérico de contrato de prestação de serviço, nos termos previstos nos artºs. 1154º e 1155º do Código Civil, apresenta como diferença específica a particularidade de ter por objecto a prática de actos jurídicos, por conta e em nome do mandante, no âmbito do exercício do patrocínio judiciário, em que relevam, além do interesse das partes, também o interesse de ordem pública de que seja assegurado aos litigantes uma assistência técnico-jurídica qualificada, essencial para a boa administração da Justiça, conforme se proclama no artº 208º da Constituição da República Portuguesa (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2013, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Na realização desse desiderato, a profissão do Advogado requer, além de outros requisitos, nas palavras do Dr. AM (in “Ser-se Advogado”, pg. 55) “o estudo minucioso e aturado das leis, o que exige qualidades de trabalho, de reflexão e de empenho, permanentes e quotidianas, e da capacidade de transmitir, com clareza, oportunidade e convicção, o resultado desse conhecimento, o que determina o continuado aperfeiçoamento dos meios e técnicas de todas as formas de comunicação”.
Por isso, além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no artº 1161º do Código Civil, importa ter em particular consideração as obrigações específicas constantes do artº 83º do E.A.O., aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16/3, no domínio das relações com os clientes, com destaque para o disposto nas alíneas c), d) e j) do nº 1 do citado normativo, nas quais se prescreve :
“1-  Nas relações com o cliente, constituem deveres do advogado :
(…)
c)  Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que se invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas;
d)  Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
j)  Não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado”.
O incumprimento de tais deveres pode implicar, além do mais, responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes, e que é, afinal, o que se discute na presente acção, como seja saber se o comportamento atribuído à Advogada, agora recorrida, por não ter instaurado as acções judiciais para obter a cobrança coerciva dos créditos da recorrente, se traduziu em falta de cumprimento contratual, que lhe seja imputável a título de culpa, e de que teriam decorrido os danos alegados.
v)  Seguindo de perto o acima citado Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2013 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), vejamos a questão da falta de cumprimento contratual.
“Neste capítulo, antes de mais importa definir qual o tipo de obrigação que incumbe ao advogado no exercício do patrocínio de uma causa.  Como é sabido, para este efeito, a doutrina distingue três tipos de obrigação :  as obrigações de resultado, as obrigações de meios e as obrigações de garantia”.
“Segundo o ensinamento do Professor Almeida Costa, as obrigações de resultado, mais correntes nas prestações de quantia ou de coisa determinada, ocorrem quando da lei ou do negócio jurídico resulte que o devedor se encontra vinculado a obter certo efeito útil ;  neste caso, só fica exonerado se a prestação se tornar objectiva, que não culposamente, impossível (artº 790º do CC) - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª Edição, Almedina, pg. 1040).  Já, num pólo extremo, em sede das obrigações de garantia, o devedor assume o risco pela não verificação do resultado visado, não lhe sendo, por isso, sequer lícito invocar uma causa estranha que tenha tornado impossível a prestação – “Direito das Obrigações”, 11ª Edição, Almedina, pg. 1040)”.
“Por sua vez, as obrigações de meios, que ocorrem com mais frequência no domínio das obrigações de prestação de facto positivo, em particular nas que se prendem com actividades profissionais liberais ou artísticas, nas palavras do Professor Almeida Costa, “são aquelas em que o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza”. (…) Daí que o devedor fique exonerado na hipótese de o cumprimento requerer uma diligência maior do que a prometida, e que tanto a impossibilidade objectiva como a subjectiva não imputáveis ao devedor o liberem (artigos 790.º e 791.º)” – Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pgs. 1039 e seguintes”.
“Ora, conforme observa Carneiro da Frada, nas obrigações de meios, há que fazer a distinção entre a finalidade da obrigação, dirigida ao resultado pretendido, e o conteúdo estruturante do próprio dever objectivo de diligência ou de cuidado, sendo que a falta de cumprimento da obrigação ou o seu cumprimento defeituoso se aferem não pelo respectivo escopo, mas sim em função do teor daquele dever (in “Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, Almedina, 2006, pg. 81/82).  Essa distinção torna-se essencial para equacionar a distribuição do ónus probatório sobre os pressupostos da responsabilidade civil emergente da falta de cumprimento ou do cumprimento defeituoso no quadro de uma obrigação de meios, nomeadamente em sede do disposto no artigo 799º, nº 1, do CC, segundo o qual se presume, “juris tantum”, que a falta de cumprimento do devedor lhe é imputável a título de culpa”.
“Quando a obrigação é de meios ou de diligência, segundo o ensinamento de Carneiro da Frada, ob. cit. pg. 81 :  “(…) é então ao devedor que compete identificar e fazer provar a exigibilidade de tais meios ou da diligência (objectivamente) devida.  A presunção de culpa tende portanto a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor.  Por outras palavras, se a falta de cumprimento carece de ser positivamente demonstrada pelo credor lesado, esta exigência traduz-se aqui, em termos práticos, na demonstração da ilicitude da conduta do devedor.
Tudo isso comporta a formulação do artº 799º, nº 1, do CC.  Nas obrigações de meios, (…) dada a ausência de um resultado devido, não é suficiente que o credor demonstre a falta de verificação do resultado.  Ele tem sempre de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita).  Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios não foram empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada””.
“Por sua vez, o Prof. Antunes Varela, embora critique a tese que de que a violação do dever objectivo de cuidado exigível se coloque no plano da ilicitude, considerando que “não é essa, manifestamente, a concepção de ilicitude no direito civil português” – “Das Obrigações em Geral”, Vol. 1º, Almedina, 10ª Edição, 2006, pg. 584 e 585 – o certo é que, ao tratar do tema da “presunção de culpa”, na órbita da responsabilidade contratual, acaba por considerar que “nas obrigações de meios não bastará (…) a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento”.  E, tomando como exemplos as profissões de médico e de advogado, acrescenta que “é necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão” – “Das Obrigações em Geral”, Vol. 2º, Almedina, 7ª Edição, pg. 101”.
“Significa isto que, no âmbito da responsabilidade contratual emergente do não cumprimento de uma obrigações de meios, recai sobre o credor não só o ónus de provar a falta de verificação do resultado pretendido, mas também o ónus de provar a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, mormente requeridos pelas “leges artis”, como pressuposto de ilicitude, incumbindo, por seu turno, ao devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa - vide, neste sentido, o Acórdão do S.T.J., de 5-2-2013, relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo 2035/05.8 TVLSB.L1.S1, disponível na “internet” em http://www.dgsi.pt/jstj”.
Assim sendo, teremos de concluir que, no caso do exercício do patrocínio judiciário, como profissão liberal, o que se requer é que o Advogado desenvolva a sua actividade com a máxima diligência e rigor, utilizando os conhecimentos técnico-jurídicos e os recursos da experiência profissional ao seu alcance, para levar a causa a bom termo, e não que garanta em absoluto o sucesso da acção.
Mas, para tal, não basta apelar a um critério de diligência de homem médio, devendo-se antes tomar em consideração um padrão de conduta definido à luz dos ditames das respectivas “leges artis”, isto sem prejuízo da autonomia técnica inerente ao exercício desta profissão liberal (veja-se o Acórdão do S.T.J. de 29/4/2010, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Como salienta Paulo Correia (in “Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo” na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Julho-Setembro de 2009), pg. 149), “aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão.  O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados.  Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma”.
Ou seja, a obrigação contratual do Advogado perante o seu constituinte é, claramente, uma obrigação de meios integrada por um dever de diligência qualificado.
Assim, no âmbito de um litígio em que se discuta a responsabilidade civil do Advogado pelo insucesso de uma acção ou pela não instauração de uma acção que impossibilitou a cobrança de um crédito, em primeira linha, competirá ao credor lesado provar, além da verificação desse insucesso, os factos demonstrativos de que o Advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta.  Provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o Advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no artº 799º nº 1 do Código Civil.
v)  Há agora que apurar se a conduta imputada pela apelante à apelada Drª N Nascimento se traduz em falta de cumprimento da obrigação do mandatário, ilícita, e se lhe é imputável a título de culpa.
Ora, provou-se que :
-A apelante, no exercício da sua actividade de fabricante de sapatos, teve como cliente a empresa “P. – Sistemas …”.
-Para pagamento de algumas dívidas, a “P., Ldª” entregou à recorrente vários cheques e letras emitidos a seu favor por outros comerciantes.
-Grande parte desses títulos não foi paga à apelante.
-Em Maio/Junho de 2004 a recorrente procurou os serviços da apelada Drª N Nascimento para, pela via judicial ou outra via necessária, cobrar tais créditos da recorrente.
-Aquela Advogada não instaurou logo acções judiciais, mas tentou realizar diligências e acordos com a “P., Ldª”, o que ocorreu entre 2005 e 2007.
-Além disso, e ainda durante esse período, entrou ela em contacto com os emitentes dos títulos não pagos, para chegar a entendimento e recuperar créditos, ainda que de forma faseada.
-Obteve, de tais devedores, declarações de dívida e acordos de pagamento.
-Em Dezembro de 2007 havia acordos incumpridos desde 2005.
-Em Novembro de 2007 a apelada Drª N instaurou duas acções executivas, não tendo intentado outras porque colheu informações, junto de entidades oficiais, de que os devedores não tinham bens.
-A mencionada Advogada deu sempre conhecimento à recorrente de todas as diligências e opções de actuação tomadas, sendo que esta nunca mostrou, até finais de 2007, qualquer objecção.
-Em reuniões ocorridas em 6/12/2007 e 13/12/2007, a recorrida Advogada transmitiu à apelante que os casos não tinham solução e os meios judiciais seriam ineficazes (em caso de propositura de acções).
-Após 21/12/2007 a recorrente procurou, através de outro Advogado, tentar receber os valores em dívida, tendo sido instauradas acções executivas, não tendo, em algumas delas, sido possível obter o pagamento.
 w)  Do que já acima ficou dito, decorre que, estando em causa a falta de cumprimento contratual de uma obrigação de meios da Advogada apelada, enquanto mandatária da apelante, incumbia a esta, em sede de ilicitude, provar não só a falta de verificação do resultado pretendido, mas, em especial, os factos demonstrativos de que aquela Advogada não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas.
Apurado que seja o comportamento ilícito do faltoso, recairá, então, sobre este o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no artº 799º nº 1 do Código Civil.
Nesta linha de entendimento, a questão que aqui importa equacionar a título de ilicitude é saber se a recorrida Drª N, enquanto Advogada da recorrente, ao não instaurar as acções judiciais (nomeadamente executivas, porque munida de títulos para tal), com excepção de duas, observou os padrões de diligência e rigor postulados pelos conhecimentos técnico-jurídicos e recursos da experiência profissionais, que são de presumir estar ao seu alcance, para garantir os pagamentos das quantias em dívida.
x)  Qual a ajustada atitude face a tal circunstancialismo é o que compete escrutinar.
Ora, as opções eram, a nosso ver, duas :  Obter acordos de pagamento (acordos extra-judiciais) ou instaurar as acções executivas (ou declarativas em caso de inexistência de título executivo).
A apelante defende, no essencial, que a (aparente) inércia da Advogada, no referido contexto, retrataria preterição das obrigações do exercício do patrocínio assumido e decorrentemente de responsabilidade.
Porém, e quanto ao mais ?
Isto é :  Nota-se na tomada da opção de não instauração das acções tal preterição ?
Viola essa atitude os vínculos do mandato ?
A opção concretamente feita foi (apenas) a de instauração de duas acções executivas já em Novembro de 2007, mais de três anos após o início da intervenção da Advogada agora recorrida.
Porém, os factos provados demonstram que não houve uma atitude, de desapego, de indiferença ou de abandono no acompanhamento da situação em causa.
“A conotação negativa que habitualmente acompanha as situações fácticas, na génese da geração de alguma responsabilidade não é aqui reconhecível” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 22/5/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt)
 A recorrida Drª N tentou realizar diligências e acordos com a “P., Ldª” (primeira devedora da recorrente e, além disso, entrou em contacto com os emitentes dos títulos não pagos, para chegar a entendimento e recuperar créditos, ainda que de forma faseada ;  obteve, de tais devedores, declarações de dívida e acordos de pagamento ;  conseguiu, mesmo, obter de outros devedores da apelante, em relação aos quais não possuía título executivo, declarações de dívida e acordos de pagamento.
Perante as dificuldades de obtenção dos pagamentos em dívida, a mandatária não se recolheu em inércia, mas reagiu, e tentou obter acordos extra-judiciais, bem como declarações de dívida (que, em caso de não pagamento, poderiam mais tarde ser utilizadas judicialmente).
Poderá perguntar-se se a não instauração das acções terá acontecido por desleixo, lapso, erro, incúria ou inépcia.
Entendemos que não.  Houve antes uma questão de consciente opção na gestão do caso e no tratamento do assunto, já que a recorrida Advogada não instaurou as acções porque colheu informações, junto de entidades oficiais (Serviços de Finanças e Conservatórias), de que os devedores não tinham bens.  Afigura-se-nos admissível que a Advogado, nas concretas circunstâncias relatadas, e no exercício do patrocínio no quadro da sua autonomia técnica e profissional, pudesse raciocinar, e optar, como concretamente aconteceu.
Resta ainda verificar se haverá aqui algum tipo de erro de ofício (referindo-se a este “erro de ofício”, Moitinho de Almeida in “Responsabilidade civil dos advogados”, 2ª ed., pgs. 30 a 31), entendido este como situação de imperícia técnica ou de incapacidade profissional conducente, porventura, à má opção em não instaurar as referidas acções.
A respeito do vínculo de o Advogado haver de estar habilitado com a necessária preparação para a assunção e o acompanhamento do caso que lhe é entregue pelo cliente, refere António Arnaut (in “Iniciação à advocacia – história, deontologia, questões práticas”, 6ª ed., pg. 131), que aquele “deverá ser responsabilizado se praticar um erro palmar, por incompetência, pois é seu dever recusar uma causa para a qual não tenha capacidade.  O artigo 83º impõe-lhe estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido.  Se não tem preparação, ou não dispõe de tempo para o fazer, não deve aceitar o mandato”.
Pois bem. Também esse erro não se verifica “in casu”.
Aliás, repare-se que, mais tarde, outro Advogado da apelante veio a instaurar acções judiciais, várias delas sem êxito.  Daqui teremos de concluir que a recorrida teve uma opção aceitável, até porque ao Advogado, como técnico, se faculta, à face de hipóteses processuais alternativas, razoáveis e previsivelmente adequadas, poder optar por uma, sem que o seu subsequente inêxito (só reconhecível “a posteriori”) possa significar erro de ofício ou então falta indesculpável.  É que ao advogado não se impõe o dever concreto de agir exactamente deste ou daquele modo.  O advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a “leges artis” (cf. António Arnaut, in “Iniciação à advocacia – história, deontologia, questões práticas”, 6ª ed., pg. 130).  “Sempre no cumprimento de uma obrigação de meios, dirigida e orientada para um certo objectivo, mas certamente sem nunca garantir um resultado que seja assertivamente obtido” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 22/5/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Se a advogada não interpôs as acções, não cometeu qualquer ilícito, nem agiu com culpa, porque só a ela, técnico de direito, competia decidir, ponderadas as circunstâncias, se as acções deviam ou não ser instauradas, tratando-se a sua opção de escolha plausível em face das concretas condicionantes que ocorreram.
Se, num juízo de prognose, for claro que a postura do advogado é que potencia (com toda a probabilidade) o inêxito do processo que conduz, certamente que a atitude comportará censura.  Mas se, no mesmo prognóstico, essa evidência se não manifestar, então já essa postura se haverá de ter por comportada nos adequados limites dos vínculos do mandato.
A não instauração das acções não significa que a estratégia, assim prosseguida, fosse inepta, pouco zelosa, descuidada ou, sequer, apta ao insucesso.
Pelo contrário, era razoável concluir que o êxito das acções era pouco crível, atendendo às averiguações feitas, que levaram à conclusão de que os devedores não possuíam bens susceptíveis de penhora (aliás, em sede de julgamento testemunhas disseram mesmo que apenas seriam obtidas “decisões para emoldurar”).
Sempre se acrescentará que a apelada Drª N deu sempre conhecimento à recorrente de todas as diligências que efectuava.
E não só.  Com efeito, pô-la ao corrente das opções de actuação tomadas.
A verdade é que a apelante nunca mostrou, ao longo de três anos, qualquer objecção.
E assim, em face disso, não se vislumbra qualquer incumprimento contratual (artº 798º do Código Civil), inexistindo, pois, qualquer responsabilidade contratual (e também extra-contratual, atenta a inexistência de qualquer facto ilícito por parte da demandada).
Sendo o vínculo do mandatário forense apenas de meios, não há lugar a responsabilidade, e subsequente obrigação de indemnizar o dano do “inêxito” da causa, pois no caso concreto, a actividade profissional foi prosseguida nos limites circunscritos pelas regras da profissão (principalmente contidas no concernente estatuto).
y)  Deste modo, sempre teria de improceder a pretensão da recorrente.
Não merece, pois, censura, a Sentença recorrida, sendo o recurso improcedente.
z)  Sumariando :
I-  No contrato de mandato forense o Advogado assume o vínculo de desenvolver a sua actividade com diligência e zelo, orientada no sentido da salvaguarda do interesse do seu cliente, sem, no entanto, se obrigar a atingir um êxito certo.
II-  Se no exercício do seu mandato o Advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.

*  *  *

III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas :  Pela recorrente (artigo 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 13 de Maio de 2014

Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca