CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
VISTAS
Sumário

I – A resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias que constituíram a base do negócio, aponta, via de regra, para a imprevisibilidade de tal alteração. II – Assim, haverá fundamento para a resolução quando as alterações forem de tal monta que no momento da realização do contrato se considerassem completamente impossíveis. III - Dispensa-se no entanto a imprevisibilidade nos casos em que a boa-fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da circunstância alterada. IV – A afetação das iniciais vistas do prédio prometido vender, em consequência de obras realizadas em prédio vizinho, devidamente licenciadas, e sem que se substancie violação, por esse ato de licenciamento, do PDM respetivo, não constituem, só por si, a referida alteração anormal das circunstâncias.

Texto Parcial

Acordam neste Tribunal da Relação


I - A intentaram ação declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra B, pedindo:
a) Seja reconhecida a resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado entre os AA e a Ré, e
b) a R condenada a pagar aos AA o montante de €4.503,00 a título de benfeitorias necessárias realizadas por aqueles, e
c) a pagar aos AA o sinal por estes entregue em dobro, no montante de €120.000,00 (cento e vinte mil euros), ou,
Caso assim não se entenda seja:
a) Reconhecida a resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado entre os AA e a R., e
b) a R. condenada a pagar aos AA o montante do sinal em singelo por aqueles prestado, de €60.000,00, e
c) condenada a pagar aos AA os competentes juros vencidos sobre tal montante, contabilizados à taxa legal em vigor desde a data da sua entrega e até integral e efetiva restituição, sendo que à data de 04 de Julho de 2012, os mesmos contabilizam o montante de € 5.904,00, e
d) a R condenada a pagar aos AA o montante de €4.503,00 a título de benfeitorias necessárias realizadas por aqueles, e
e) a pagar aos AA o montante de € 6.618,20 decorrentes dos custos suportados pelos AA com base na expectativa que detinham no negócio.

Alegando, para tanto e em suma, que por escrito de 18 de Janeiro de 2010, a Ré, representada por C, prometeu vender aos AA., que lhe prometeram comprar, o “prédio misto” que referenciam, pelo preço de 800.000,00 euros, de que logo liquidaram os ora AA., 60 000, 00 euros, a título de sinal e antecipação de pagamento, sendo o remanescente no montante de 740.000,00 euros, a pagar na data e momento de outorga da escritura de compra e venda, a ter lugar no prazo de 90 dias a contar daquela data a solicitação de qualquer um dos contraentes.
Após a celebração do contrato-promessa, os AA. procederam a obras de reparação do imóvel – cujo telhado apresentava uma fuga, colocando em perigo de derrocada o teto trabalhado do piso principal e do 1º andar – e limpeza do jardim, tudo mediante prévia autorização do proprietário da…imobiliária.
E, bem assim, deram início aos trabalhos – que custearam – inerentes ao levantamento arquitetónico de toda a propriedade, prévios ao restauro e melhoramento do imóvel que pretendiam levar a cabo.
Tendo ainda dado início aos trâmites relacionados com a concessão de crédito para a compra do imóvel, suportando as despesas correspondentes.
O prazo para a celebração do contrato-prometido foi ultrapassado, com sucessivos agendamentos de data para aquele, vindo os AA. a constatar que havia sido realizado um aumento do imóvel imediatamente em frente, do lado sul do imóvel cuja compra iriam efetuar, resultando que, onde outrora se avistava a paisagem, nomeadamente o mar, se passou a vislumbrar apenas e tão só a parede edificada daquele outro imóvel.
Para resolução de tal problema limitando-se a Ré a apresentar junto do Departamento de Urbanismo da D requerimento expondo a situação e solicitando a sua resolução
Nada mais fazendo, uma vez que é seu entendimento a inexistência de qualquer alteração do imóvel prometido vender, entendimento que os AA., não aceitam.
Recusando-se aquela também à renegociação do preço.
Posto o que os AA. vieram a resolver o contrato-promessa mediante comunicação que dirigiram à R., ao seu Ilustre mandatário e seus procuradores, datada de 05 de Outubro de 2010.

Contestou a Ré, dizendo, no essencial, nada ter sido convencionado no que respeita à vistas que o imóvel tem sobre a cidade do ..., que no essencial se mantêm, e que se o representante da imobiliária facultou as AA. as chaves do imóvel o fez por sua conta e risco, tendo aquele sido prometido vender no estado e, que se encontrava.
Não sendo legalmente possível impedir a conclusão da construção erigida pelo vizinho, que está legalizada e autorizada em conformidade com as regras urbanísticas.
Não assistindo pois fundamento aos AA. para, após  recusarem a outorgar na escritura por último agendada, resolverem o contrato promessa, que assim incumpriram definitivamente.
Remata com a improcedência da ação e a sua absolvição de todos os pedidos.

Houve réplica dos AA., concluindo co o na petição inicial.

O processo seguiu seus termos – sendo considerada não escrita a réplica em quanto excedeu a resposta aos documentos apresentados pela Ré – com saneamento e condensação.
Vindo – realizada que foi a audiência final, e apresentadas alegações escritas quanto ao aspeto jurídico da causa – a ser proferida sentença que julgando a ação improcedente, absolveu a Ré de todos os pedidos contra si deduzidos.

Inconformados, recorreram os AA., formulando, nas suas alegações, as seguinTes conclusões: (…)
Contra-alegou a Recorrida – sem autonomizar conclusões – pugnando pela manutenção do julgado.
II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, sendo que a ação foi proposta em 2012-07-04, tendo a decisão recorrida sido proferida em 14-10-2013 – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se a sentença recorrida padece da “manifesta contradição” que lhe é assacada;
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos pretendidos pelos Recorrentes;
- se assistia aos Recorrentes o direito à resolução do contrato-promessa dos autos;
- se, quando assim não seja, assiste contudo aos Recorrentes o direito à restituição do sinal em singelo e aos juros respetivos, acrescido dos montantes despendidos em função da expectativa que criaram com a celebração do negócio;
- se, em qualquer caso, assiste aos Recorrentes o direito a serem indemnizados por benfeitorias realizadas no imóvel.
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
“1. Está descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob o n.º 2602, da freguesia de Santa …, o prédio misto, inscrito na matriz sob os artigos 34º, da secção S, 1318º e 1800º, sendo que a propriedade desse imóvel está aí inscrita a favor de B (alínea A)).
2. A 20-09-2009 a venda do imóvel referida em 1. estava publicitada na sociedade Ilha …, Lda. (alínea B)).
3. Por documento escrito, constante de fls. 32 a 34 dos autos, intitulado de “contrato promessa de compra e venda”, datado de 18 de Janeiro de 2010, B, representada por C, este com substabelecimento passado por Maria .. ., declarou vender o prédio referido em 1. a A, que declararam comprar, pelo preço de 800 000,00 euros, 60 000,00 euros no acto da assinatura deste contrato, quantia paga a título de sinal e antecipação de pagamento, e o remanescente no montante de 740 000,00 euros, na data e momento de outorga da escritura de compra e venda, que será outorgada no prazo de 90 dias a contar da presente data a solicitação de qualquer um dos contraentes (…) (alínea C)).
4. Os autores procederam à entrega da quantia referida a título de sinal (alínea D)).
5. Após outras marcações, o agendamento para a celebração da escritura de compra e venda do imóvel ficou para o dia 2 de Junho de 2010 (alínea E)).
6. A escritura pública não foi outorgada no dia 2 de Junho de 2010 (alínea F)).
7. Os autores, por documento datado de 5-10-2010, dirigido à ré, ao seu ilustre mandatário e seus procuradores, constante de fls. 63 e 64 dos autos, declararam rescindir o contrato promessa referido em 3. (alínea G)).
8. Os autores pretenderam adquirir o prédio referido em 1. tendo em conta o estilo apalaçado, a sua localização, a sua arquitectura, a sua beleza e as vistas panorâmicas sobre o mar (ponto 1.).
9. Com vista à concessão de crédito para a compra do referido imóvel, os autores deram início aos procedimentos necessários junto do E (ponto 2.).
10. Tendo pago a quantia de € 175,00 a título de avaliação do crédito à habitação (ponto 3.).
11. E € 230,00 a título de comissão de dossier (ponto 4.).
12. Após a outorga do acordo referido em 3., os autores receberam a chave do referido prédio nas ocasiões em que executaram obras no edifício (ponto 5.).
13. Em 4 de Fevereiro de 2010, os autores deslocaram-se novamente ao ... a fim de visitar mais uma vez o imóvel, uma vez que pretendiam realizar obras de restauro da estrutura e de melhoramento deste (ponto 6.).
14. Nesta deslocação, os autores fizeram-se acompanhar do arquitecto F, a quem pretendiam entregar a direcção técnica das futuras obras do imóvel (ponto 7.)
15. A deslocação deste técnico implicou o pagamento pelos autores do montante de € 1.960,20 (mil novecentos e sessenta euros e vinte cêntimos) a título de honorários, acrescido do montante inerente ao bilhete TAP Lis-…-Lis (ponto 8.).
16. Aquando dessa visita os autores constataram a existência de uma fuga no telhado (ponto 9.).
17. Dessa fuga resultaram estragos no soalho em algumas divisões da casa em consequência da entrada de água das chuvas (ponto 10.).
18. Colocando em perigo de derrocada o tecto trabalhado do piso principal do primeiro andar (ponto 11.).
19. Atenta essa situação e por forma a prevenir a existência de prejuízos maiores, os autores entenderam que seria necessário proceder rapidamente a obras de reparação, com vista a solucionar a referida fuga no telhado (ponto 12.).
20. Sendo certo que se mostrava igualmente necessária a limpeza do jardim do imóvel, já que as ervas e arbustos existentes ameaçavam tapar por completo a entrada da casa, dando um ar de abandono que convidava ao vandalismo (ponto 13.).
21. Os autores partilharam este entendimento com o proprietário da imobiliária acima identificada, com quem mantinham as comunicações inerentes ao negócio, no sentido de obterem um consentimento da ré para a execução das referidas obras (ponto 14.).
22. O qual lhes foi por aquele comunicado (ponto 15.).
23. Assim, os autores avançaram com a contratação de pessoal para a execução dos trabalhos de limpeza do jardim e de reparações do imóvel (ponto 16.).
24. Tendo procedido à limpeza completa do jardim do imóvel (ponto 17.).
25. E à reparação da estrutura do telhado do imóvel, reparação dos pontos de infiltração, dos soalhos e tectos interiores afectados pelas infiltrações que haviam ocorrido (ponto 18.).
26. Nos trabalhos anteriormente referidos, os autores suportaram um custo de € 4 446,00 (quatro mil quatrocentos e quarenta e seis euros) e desse valor € 900,00 mais IVA respeitam à reparação do telhado (ponto 19.).
27. Em Março de 2010, os autores deram início aos trabalhos inerentes ao levantamento arquitectónico de toda a propriedade, enquanto trabalhos prévios ao restauro e melhoramento do imóvel que pretendiam levar a cabo (ponto 22.).
28. Os autores despenderam o montante de € 3 300,00 (três mil e trezentos euros) no levantamento arquitectónico (ponto 23.).
29. Com vista à outorga da escritura marcada para o dia 2 de Junho de 2010, referida em 5., os autores deslocaram-se ao … a 31 de Maio de 2010 (ponto 24.).
30. Nesse mesmo dia, aproveitando a deslocação, visitaram o imóvel em causa (ponto 25.).
31. E constataram ter sido realizado um aumento no imóvel imediatamente em frente àquele, sob o lado Sul, do imóvel cuja compra iriam efectuar (ponto 26.).
32. Tal aumento implicou a edificação de uma parede a pelo menos 5 metros de distância das janelas do imóvel (ponto 27.).
33. A referida parede diminuiu as vistas dos salões do rés-do-chão para Sul, sendo que antes o imóvel existente já impedia as vistas para Oeste e para Sul em direcção ao porto e cais do … (ponto 28.).
34. Os autores compareceram ao agendamento efectuado para a celebração da escritura de compra e venda, sem que se tivesse a mesma realizado, pois entenderam que se encontravam comprometidas as vistas sobre o mar do imóvel (ponto 32.).
35. A ré apresentou junto do Departamento de Urbanismo da D o requerimento de fls. 57 dos autos, expondo a situação e solicitando a sua resolução (ponto 35.)”.
I – 1 – Da pretendida contradição na sentença recorrida.
Não está aqui em causa a contradição integradora de nulidade de sentença, nos quadros do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Com efeito os Recorrente pretendem verificar-se tal conflito na circunstância de a sentença, “contrariamente ao que havia afirmado” no despacho que indeferiu a reclamação por eles apresentada contra a base instrutória, vir “agora pugnar pela relevância da produção de prova da interpelação admonitória, e da tentativa falhada dos Recorrentes em renegociar o preço do imóvel (por recusa da Recorrida), para efeitos de afirmarem a objectividade da perda de interesse no negócio por parte dos Recorrentes, e bem assim, do incumprimento definitivo por parte da Recorrida, o que legitimaria o direito de resolução do contrato dos Recorrentes.”.

Mas nem uma tal contradição – que apenas poderia interessar no plano da ampliação da matéria de facto – se verifica.
O indeferimento daquela reclamação, no despacho de folhas 224-225, e como os próprios Recorrentes dão conta, baseou-se na consideração – de indiscutível pertinência – de que “os Autores requereram o reconhecimento da resolução do contrato de promessa - objeto dos presentes autos - com base numa alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na sua base e não qualquer modificação desse contrato em consequência dessa alteração de circunstâncias.
Assim sendo, no nosso entender, é irrelevante que a Ré não tenha aceitado modificar o contrato em causa, nomeadamente no que concerne ao preço, e também assim é irrelevante a questão que se põe de uma eventual interpelação admonitória".

Expendendo-se, na sentença recorrida, que:
“Os autores alegam que perderam o interesse na celebração do negócio pelo que pretendem ver reconhecida a sua resolução.
(…)
 Assim, para que os autores possam resolver o contrato, conforme carta de 5 de Outubro de 2010, é necessário que seja possível reconhecer que, nessa data, existia a inadimplência por si invocada, isto é, um incumprimento contratual por parte da ré que devesse ser tido como definitivo.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa verifica-se quando, por força da mora, o promitente fiel perde objectivamente o interesse no negócio definitivo ou quando, sendo fixado um novo prazo razoável (prazo admonitório), o promitente faltoso não cumpra – cf. art. 808º do C. Civil.
Ainda que os autores lograssem demonstrar que, objectivamente, perderam o interesse na celebração do negócio sempre tal perda de interesse teria de ocorrer por força da mora da ré e esta, nessa data, não se verificava.
A perda do interesse do credor subsequente à mora para relevar em termos de incumprimento definitivo para efeitos de resolução do contrato, deve ser aferida em função da utilidade que a prestação teria para o credor mas apreciada objectivamente, conforme decorre do disposto no art. 808º, n.º 2 do C. Civil.
(…)
Uma vez que os autores não demonstraram nem a mora da ré, nem a factualidade relevante para a perda do interesse no negócio por causa dessa mora, não pode servir-se desse argumento para dar o contrato por definitivamente incumprido por parte desta.”.

Passando, depois, e desse modo retornando à vertente considerada no despacho de folhas 224-225, a pronunciar-se sobre o “direito resolutório da parte sob a perspectiva da alteração anormal das circunstâncias de contratar previsto no art.º 437 do C. Civil”, concluindo que “De todo o modo sempre se dirá que os factos apurados não viabilizam a possibilidade de resolução do contrato-promessa por alteração anormal das circunstâncias.”.

Deste modo, e como se afigura de meridiana clareza, a sentença recorrida em nada contraria o fundamento do despacho de indeferimento da reclamação apresentada pelos AA. contra  a base instrutória.
 Afirmando a necessidade de ocorrer incumprimento definitivo do contrato-promessa para que o credor possa resolver o contrato – naturalmente nos quadros do art.º 801º, n.º 2, do Código Civil – refere verificar-se aquele, nos termos do citado art.º 808º do mesmo Código, quando em consequência da mora, o credor perde o interesse no negócio definitivo ou quando, sendo fixado um novo prazo razoável (prazo admonitório), o promitente faltoso não cumpra.
Discorrendo, em seguida, sobre a hipótese de (objetiva) perda de interesse na celebração do negócio, que descartou, por isso que “sempre tal perda de interesse teria de ocorrer por força da mora da ré e esta, nessa data não se verificava”.
Tratando-se deste modo a referência à conversão da mora em incumprimento definitivo, mediante prévia interpelação admonitória, de mera indicação do segundo termo da alternativa contemplada no, por último, citado normativo do Código Civil, sem a pretensão de “recuperar” o interesse, para a justa composição do litígio, de eventual “interpelação” dirigida à Ré para “renegociar os termos do negócio, nomeadamente o preço”, cfr. cit. art.º 68º da base instrutória.
Interpelação que, por definição concetual, apenas poderá ter lugar para cumprir…que não para “renegociar os termos do negócio, nomeadamente o preço”.
Nem tal modificação vindo peticionada, antes tendo os AA. optado pela resolução contratual.

Com improcedência pois das conclusões dos Recorrentes, nesta parte.

II – 2 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
1. Questiona a Recorrente o decidido na 1ª instância por reporte aos art.ºs 5º, 20º, 21º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º da base instrutória.
A saber:
5º - Provado que “Após a outorga do acordo referido em 3., os autores receberam a chave do referido prédio nas ocasiões em que executaram obras no edifício.”.
20º - Não provado (que “Sem as obras atrás referidas, o telhado do imóvel não suportaria as fortes chuvas que se fizeram sentir no 20.02.2010.”).
21º - Não provado (que “(…) e teria cedido, causando danos no seu interior e bem assim prejuízos.”).
27º - Provado que “Tal aumento implicou a edificação de uma parede a pelo menos 5 metros de distância das janelas do imóvel.
28º - Provado que “A referida parede diminuiu as vistas dos salões do rés-do-chão para Sul, sendo que antes o imóvel existente já impedia as vistas para Oeste e para Sul em direcção ao porto e cais do ….”.
29º e 30º - Provado “o que consta da resposta ao art.º 28º”.
31º - Não provado (que “No dia seguinte, sem que fosse possível entrar diretamente em contacto com a Ré, os Autores dirigiram-se ao Mandatário daquela, que os informou desconhecer a situação.”)
32º - Provado que “Os autores compareceram ao agendamento efectuado para a celebração da escritura de compra e venda, sem que se tivesse a mesma realizado, pois entenderam que se encontravam comprometidas as vistas sobre o mar do imóvel.”.
33º - Não provado (que “O Mandatário da Ré deu a entender aos Autores de que a sua constituinte iria tentar resolver a questão”).
34° - Não provado que “( ... ) pelo que decidiram aguardar que tal se concretizasse.”.
35° - Provado que “ A Ré apresentou junto do Departamento de Urbanismo da D o requerimento de fls. 57 dos autos, expondo a situação e solicitando a sua resolução.”.
*

Propugnando o provado da matéria dos art.ºs 5º, 27º, 28º, 29º, 30º; 31º, 32º, 33º, 34º e 35º; e o parcialmente provado da matéria dos art.ºs 20º e 21º, nos termos que seguem:
5º - “Após a outorga do acordo referido em C), os Autores receberam as chaves do referido imóvel referentes ao cadeado do portão principal e da porta da cozinha.”.
20º - “Sem as obras atrás referidas, o telhado do imóvel poderia, com elevada probabilidade, ter sofrido derrocada consequência das fortes chuvas que se fizeram sentir no 20.02.2010.” (levando-se à conta de lapso a referência ao ano de 1010”.
21º - “Causando danos no seu interior e bem assim prejuízos.”.
27º - “Que implicou a edificação de uma parede no máximo a 5 (cinco) metros de distância das janelas do imóvel.”.
28° - “Bloqueando assim as vistas das janelas dos salões do rés-do-chão do imóvel.”.
29° - “Resultando que, onde outrora se avistava a paisagem, nomeadamente o mar, se passou a vislumbrar apenas e tão só a parede edificada.”.
30° - “O imóvel ficou privado da característica que o tornava único e sem par, as vistas que proporcionava sobre o mar, designadamente as vistas sobre o mar a partir do rés-do-chão, bem como sobre o cais e o porto do … a partir do 1º andar.”.
31° - “No dia seguinte, sem que fosse possível entrar directamente em contacto com a Ré, os Autores dirigiram-se ao Mandatário daquela, que os informou desconhecer a situação.”.
32° - “Os Autores, na expectativa de se vir mais tarde a alcançar uma solução para a questão, compareceram ao agendamento efectuado para a celebração da escritura de compra e venda, sem que se tivesse a mesma realizado, pois entenderam que se encontravam comprometidas as vistas sobre o mar do imóvel.”.
33° - “O Mandatário da Ré deu a entender aos Autores de que a sua constituinte iria tentar resolver a questão.”.
34° - “( ... ) pelo que decidiram aguardar que tal se concretizasse.”.
35° - Para o efeito referido no artigo 33°), a Ré limitou-se a apresentou junto do Departamento de Urbanismo da D o requerimento de fls. 57 dos autos, expondo a situação e solicitando a sua resolução.”.

E isto, assim:
- quanto ao art.º 5º, face ao depoimento da testemunha João …;
- no tocante aos art.ºs 20º e 21º, com invocação dos depoimentos das testemunhas Rúben …, e da existência de contradição entre o concluído quanto a tal matéria e o provado da matéria dos art.ºs 9º, 10º e 11º, da base instrutória;
- quanto aos art.ºs 27º, 28º, 29º e 30º, convocando os depoimentos das mesmas testemunhas Rúben … e João … – com desvalorização da credibilidade deste último –, “o resultado da inspeção judicial”, sustentando, em ligação com este, ser “admissível” o conhecimento pelo tribunal da limitação de vistas do 1º andar do imóvel, diversamente do considerado na 1ª instância, e o “senso comum”.
- quanto aos art.s 31º, 32º, 33º e 34º, com base nos documentos n.ºs 43, 44 e 45, juntos com a petição inicial, e 25, junto com a contestação;
- quanto ao 35º, face aos documentos n.º 42 e 43, juntos com a petição inicial, e 19 e 22, juntos com a contestação.

3. Tendo-se consignado, na fundamentação da decisão da matéria de facto, e no assim ora em causa, como segue:
“(…)
(iii) no que concerne à matéria contida nos artigos 5º, 14º e 15º: o depoimento da testemunha João …, agente imobiliário que mediou o negócio entre as partes, que confirmou facultar a chave do imóvel àqueles, quando o queriam visitar e por altura das obras que realizaram;
(…)
(v) no que concerne à matéria contida nos artigos 9º a 13º e 16º a 23º: o depoimento das testemunhas Rúben … (já identificado) e José …, empresário da construção civil contratado para proceder à limpeza do quintal e à reparação do telhado, que confirmaram a existência de infiltrações de águas pluviais no telhado, que atingiam os tectos da casa, (…)
(vi) no que concerne à matéria contida nos artigos 24º a 30º: o depoimento das testemunhas Rúben … e José …, que confirmaram a construção de uma parede no prédio a Sul do prédio dos Autores, que faz parte do aumento da edificação que aí se encontrava, assumindo o tribunal que os afastamentos entre os prédios estejam cumpridos, fixa-se a distância em causa em pelo menos 5 metros, sendo certo que para o efeito das vistas esta distância é indiferente dada a altura da parede em causa. Na questão das vistas importa referir, desde logo, que o tribunal desconhece a sua situação anterior, pois no prédio onde foi erguida a referida parede já existia uma construção, embora de menor volumetria. Contudo, do visionamento das fotos de fls. 43, 45 e 46 dos autos, anteriores à referida construção, podemos confirmar que a rés-do-chão (foi este o espaço alegado pelos Autores) já não existiam vistas completas sobre a baía do …, ou seja, já não era possível dessa rés-do-chão ver o porto e o cais do …, estando as vistas limitadas para a frente dos salões que aí estão instalados, situação que se agravou com a ampliação do referido prédio, como se pode constatar das fotos a fls. 148 e 149 dos autos. Da confrontação dessas fotos e da inspecção ao local, cujo resultado consta de fls. 280 dos autos, não temos dúvidas é que as vistas da 1º andar sobre a baía do …, onde se situam os quartos de dormir ficaram comprometidas o que não acontecia antes, mas os Autores limitaram-se a alegar as vistas sobre a rés-do-chão.
(vii) no que concerne à matéria contida nos artigos 31º a 34º: não foi feita prova de quaisquer contactos entre os Autores e o Mandatário da Ré no sentido deste ter sido contactado por aqueles para resolver a situação, sabendo-se unicamente que os Autores compareceram no dia designado para a outorga da escritura, que não se realizou, conforme referiu a testemunha Sérgio … (Solicitador mandatado pelo E para assinar a escritura na qualidade de representante do mutuante), porque os Autores se recusaram-se a outorgá-la dada à referida construção do muro, já que esta era um entrave ao negócio na sua perspectiva, conforme referiu a testemunha Rúben ….
(viii) no que concerne à matéria contida no artigo 35º: o documento de fls. 57 e 58 dos autos, consubstanciado num requerimento apresentado pelo Mandatário da Ré ao Presidente da Câmara para pedir informação sobre a construção/ampliação do prédio situado a Sul do prédio objecto deste processo, sendo certo que aí são feitas referências a outro requerimento (que desconhecemos o conteúdo) e requer-se que este novo requerimento seja junto ao procedimento, o que nos leva a crer que existiram outros contactos por parte da Ré para saber da legalidade dessa construção, sendo certo ainda que tal obra chegou a estar embargada, conforme consta de fls. 179 e 180 dos autos, embora tenha prosseguido posteriormente.”.

Sendo pois que está aqui assim em causa, a hipótese contemplada no art.º 640º, n.ºs 1 alínea b) e n.º 2, alínea b), do novo Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada a decisão que, também com base neles, proferida foi.

4. No tocante à matéria do art.º 5º, rejeitam os Recorrentes o restritivo de terem os AA., após a celebração do contrato-promessa, recebido as chaves do prédio nas ocasiões em que executaram obras no edifício.
Pretendendo pois que “Após a outorga do acordo referido em C), os Autores receberam as chaves do referido imóvel referentes ao cadeado do portão principal e da porta da cozinha”, pura e simplesmente, configurando-se, por essa circunstância, a tradição da coisa prometida vender, e a sua investidura na posse da mesma.

Reproduzida a gravação áudio do depoimento da testemunha (comum) João … – mediador imobiliário, tendo sido o proprietário da empresa que realizou a mediação do prédio em causa nos autos – e para lá da questão, extravasante da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, de saber se, a ter ocorrido tradição da coisa prometida vender, aquela confere ao promitente-comprador uma efetiva posse, ou mera detenção – importará destacar:
Que a referida testemunha, depois de afirmar nada saber da vinda da A. ao …, acompanhada de um arquiteto de …, em “princípios de Fevereiro”, acabou por dizer – à pergunta do mandatário dos AA. sobre se “Quando ela veio cá com esse arquiteto de …, nunca entrou em contacto consigo?” –  que “Ela pediu-me uma chave, na altura e eu falei com o proprietário e o proprietário disse, olha entrega-lhe uma chave”, tendo a testemunha feito entrega da chave “do portão e, se não me engano, da cozinha, lá de trás.”.
Acrescentando significativamente que, “A partir daí…”.
Sendo porém que o exato alcance do assim dito por essa testemunha, neste articular, se deverá apurar na consideração de mais haver aquela – com específicos modos de expressão oral – referido que tendo a D. Aida “falado que ia limpar o jardim”, a testemunha “Disse que sim, era ela a pagar, tome lá a chave”, admitindo que, desde que fosse ela a pagar, podia fazer tudo.
Mais esclarecendo que a A. falou consigo pedindo autorização para limpar o jardim, e que a testemunha falou com o procurador e foi concedida autorização para limpar o jardim…desde que fosse ela a pagar.

Do depoimento desta testemunha podendo-se extrair, assim, que após a celebração do contrato-promessa os AA. receberam as chaves do referido prédio, na sequência de pedido seu nesse sentido, para a específica e pontual finalidade de limpeza do logradouro.

E, assim, independentemente de, mantendo tais chaves na sua detenção, haverem procedido, como procederam, às comprovadas obras.

Certo a propósito que a testemunha dos AA., Rúben … – arquiteto, tendo auxiliado o seu colega, F, na realização de projetos para a recuperação do prédio em causa – referiu no seu depoimento que, de “uma vez que precisei de lá ir, quando vim de férias”, “foi o senhor (da imobiliária), que foi lá abrir”, não se recordando do nome daquele mas não tendo dúvidas quanto a ser o senhor que estava a intermediar o negócio.
 Dele decorrendo pois que a proprietária, através da mediadora, mantinha controlo sobre o acesso ao imóvel, e que para uma simples visita de arquiteto àquela, foi necessária a anuência da mediadora.
 
O que, tudo visto, é de alterar a “resposta” ao art.º 5º da base instrutória, que passará a ter a redação seguinte:
“Após a outorga do acordo referido em 3, e na sequência de pedido da sua parte ao mediador João …, para poderem proceder à limpeza do logradouro respetivo, os Autores receberam as chaves do referido imóvel referentes ao cadeado do portão principal e da porta da cozinha, que utilizaram também para a realização das obras.”.

Sem que tal alteração signifique procedência das conclusões dos Recorrentes, que vão no sentido da “entrega plena das chaves”, que deteriam em sua posse “não porque tenham realizado qualquer contacto prévio com João …para que este lhas entregasse, com uma qualquer justificação ou sob qualquer pretexto.”, assim apontando para a existência de tradição da coisa prometida vender.

5. Quanto à matéria dos art.ºs 20º e 21º, começará por se rejeitar a contradição que os Recorrentes pretendem existir entre o não provado do que daqueles art.ºs sustentam estar demonstrado, e o provado da matéria dos art.ºs 9º, 10º e 11º, da base instrutória.
Na verdade, o não provado de que “Sem as obras atrás referidas - de reparação da estrutura do telhado do imóvel, reparação dos pontos de infiltração” – o telhado do imóvel poderia, com elevada probabilidade, ter sofrido derrocada em consequência das fortes chuvas que se fizeram sentir no dia 20.02.2010, causando danos no seu interior e bem assim prejuízos.”, em nada antagoniza, no plano lógico, o provado de que “Aquando dessa visita – na sequência da nova deslocação dos AA. ao … em 4 de Fevereiro de 2010 – os autores constataram a existência de uma fuga no telhado, da qual resultaram estragos no soalho em algumas divisões da casa em consequência da entrada de água das chuvas, colocando em perigo de derrocada o teto trabalhado do piso principal do primeiro andar.”.
É que uma coisa é o telhado do imóvel e, logo, a eventualidade de derrocada daquele.
Outra é o teto, trabalhado, do piso principal do primeiro andar, e o risco da sua derrocada.
O primeiro é um elemento estrutural.
O segundo é um revestimento em estuque – aplicado, nas construções antigas, sem placa em betão armado, sobre uma armadura ou painel de ripas, podendo ainda ser aplicado sobre placas/panos de linho ou outro material adequado, embebido em gesso, e, em qualquer caso, forrando/ocultando a parte inferior da estrutura (em madeira, no caso das construções “de época”) que separa os andares – interessando ao conforto e estética interior.

Isto, para lá de se tratar de mera conclusão de direito, a afirmação de que, a verificar-se derrocada do telhado, esta causaria “danos no seu interior (do imóvel) e bem assim prejuízos”.

E nem os depoimentos prestados pelas testemunhas Rúben … e José … – a segunda, contratada pela A. para efetuar a limpeza do logradouro bem como a reparação da cobertura do prédio – sustentam o propugnado pelos Recorrentes quanto a estes pontos da matéria de facto.
Na verdade, Rúben … apercebeu-se de “uns buracos, nos tetos falsos. E que, que tinha muitas manchas de humidade dentro da casa.”.
Não se tendo pronunciado quanto à possibilidade de derrocada do telhado caso as sobreditas reparações não tivessem sido feitas.
O que aquela testemunha respondeu foi – à pergunta do ilustre mandatário dos AA., sobre se “da sua experiência como arquiteto, se essas reparações não tivessem sido feitas existiria um risco elevado, nomeadamente de desabamento de tetos? E da queda do muro também, porque estaríamos a ...” – que:
“Sim, obviamente que o caso de 20 de Fevereiro foi, foi, foi extraordinário, não é? É sempre complicado para um técnico como eu prever o que poderia vir a acontecer, mas é óbvio que se não têm sido feitas aquelas obras de manutenção, piores casos podiam ter acontecido. Agora prever se há demolição, se há total demolição, não sei. É possível que tenha havido. Já havia buracos na altura, isso eu recordo-me, agora quando eu lá fui já havia buracos, seguramente com grandes cargas de chuva poderia ter piorado a situação.”.
Recorde-se que esta testemunha se referira anteriormente a “uns buracos nos tetos falsos”, dizendo que “Eu sei que os buracos que lá estavam eram para fazer as impermeabilizações das telhas”…
Incutindo assim que as infiltrações se deviam à falta de impermeabilização das telhas, que não a outra deteriorações do telhado, mais consentâneas com grandes infiltrações.

A testemunha José …, perguntada sobre “se essa intervenção (no telhado do imóvel) não tivesse sido feita antes das fortes chuvadas do dia 10 de Fevereiro de 2010, o senhor acha que a casa e o telhado teriam aguentado da mesma forma como aguentaram?”, disse:
“Teria entrado mais água. A possibilidade de entrar lá bastante água havia e sendo os tetos em gesso ia danificar os tetos”.
Referindo porém a mesma testemunha não saber de onde é que vinham as infiltrações, “Donde é que vem não sei”, e que “nas águas furtadas o chão estava bom. Não tinha nada, não havia problema”.
Não tendo esta testemunha visto mais do que uma mancha “um pedacinho”, no teto de um quarto de dormir no 1º andar…

6. Quanto à matéria dos art.ºs 27º, 28º, 29º e 30º.
6.1. Desde logo, e no que à “resposta” ao art.º 27º concerne, não se concede a, pelos AA./recorrentes, pretendida “manifestamente insuficiente concretização com que o Tribunal Recorrido fixa a distância existente entre o imóvel objecto do negócio e a parede construída no prédio vizinho, não sendo claro, como se impunha, quando entende ter resultado como provado que "( ... ) tal aumento implicou a edificação de uma parede de pelo menos cinco metros de distância das janelas do imóvel".
Nem assim que fique a dúvida quanto a ter o tribunal “a quo” querido significar “no máximo cinco metros” ou “no mínimo cinco metros” (cfr. n.º s 48 e 48 do corpo das alegações de recurso).
O “Tribunal Recorrido” não “entendeu” “ter resultado como provado que "(…) tal aumento implicou a edificação de uma parede de pelo menos cinco metros de distância das janelas do imóvel".
Como de folhas 300 – despacho decisório da matéria de facto – e 341 – ponto n.º 32 da fundamentação de facto da sentença recorrida – resulta, o que provado se julgou, por reporte ao art.º 27º da base instrutória, foi que “Tal aumento implicou a edificação de uma parede a pelo menos cinco metros de distância das janelas do imóvel".
O que, como se nos afigura linear, significa que a parede edificada se encontra, no mínimo, a cinco metros de distância das janelas do imóvel.

6.2. Por outro lado – e desta feita com reporte à matéria do art.º 28º - também ponto é que os AA., nunca antes se referiram a qualquer bloqueio de vistas ao nível do 1º andar, alegando a verificação daquele, na sua petição inicial, tão só relativamente às “vistas dos salões do rés-do-chão do imóvel”, cfr. art.º 55º.
Sendo que, diversamente do agora pretendido pelos AA./recorrentes, não tinha a 1ª instância que conhecer de “bloqueios de vistas” ao nível do 1º andar.
Com efeito, à data da prolação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, vigorava o Código de Processo Civil de 1961, cujo art.º 264º - a que corresponde o art.º 5º do novo Código de Processo Civil – dispunha:
“1 - Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2 - O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.° e 665.° e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3 - Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”.

Ora, não se tratando esse outro bloqueio de vistas, de facto instrumental – que como tal permite o funcionamento da presunção judicial[1] – também não é complemento ou concretização de outros factos essenciais, e nem, como quer que seja, manifestaram oportunamente os AA. vontade de dele se aproveitarem.
Sendo que, como anotam José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto,[2] “O n.º 2 do artigo completa o n.º 1, ao vedar ao juiz a consideração de factos principais diversos dos alegados pelas partes. Por muito que suspeite da sua verificação ou que deles tenha até conhecimento, o juiz não pode, em regra, deles servir-se.
Por via da remissão para os arts. 514 e 665, excepcionaram-se, tal como anteriormente no art. 664, os factos notórios, aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções e ainda os constitutivos de simulação ou fraude processual.”.
Sem que porém colha o apelo à alegada circunstância de “Realizada que foi a referida inspecção judicial ao imóvel”, o Tribunal “a quo" ter tomado “conhecimento, directo, da sua actual situação, nomeadamente quanto às vistas do Rés-do-chão e do 1º andar se encontrarem prejudicadas pela construção/aumento do prédio vizinho”.
E por isso que não sendo o facto percebido através de inspeção judicial um facto notório, também visando a prova por inspeção a perceção direta pelo tribunal de factos – cfr. art.º 390º, do Código Civil – se trata dos factos probandos ou probatórios,[3] base de ilação, que permita chegar à prova do facto principal, de que ao tribunal cumpra conhecer…
  Estando o resultado de tal meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador – vd. art.º 391º do Código Civil – logo também por isso não sendo assimilável a facto de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções…
…O qual não carece de alegação, em “manifestação do princípio geral da eficácia do caso julgado (art.º 671º-1) ou do valor extraprocessual das provas (art.º 522)”,[4] sendo “comprovado”, em via autêntica – e , logo, com valor de prova plena – através da junção ao processo, pelo tribunal, de documento bastante, cfr. citado art.º 514º, n.º 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil de 1961, com correspondência, aliás, no art.º 412º, n.º 2, 2ª parte, do novo Código de Processo Civil.

6.3. Pelo que respeita aos depoimentos das testemunhas Rúben …e João …, caberá sinalizar que “o Tribunal Recorrido” NÃO referiu “ter sustentado o seu entendimento no depoimento das testemunhas Rúben … e João …”, mas sim, como de folhas 306 consta, no “depoimento das testemunhas Rúben … e José ….
Sendo o João …, e como visto já, o mediador imobiliário que realizou a mediação relativa ao prédio em causa nos autos, enquanto o José … é a pessoa contratada pela A. para efetuar a limpeza do logradouro bem como a reparação da cobertura do prédio.
Desde que, porém, a testemunha José … apenas foi indicada à matéria dos art.º 9º a 21º da base instrutória, concede-se a referência como pretendida, e afinal, à testemunha João ….

Quanto à testemunha Rúben …, é certo referir a mesma que “o afastamento naquela zona, “à partida”, requer três metros de afastamento”.
Mas sendo tal afastamento, “à partida” (extrema ou linha divisória das propriedades contíguas), tal em nada prejudica que da dita parede no prédio vizinho às janelas do imóvel em causa vá uma distância não inferior a cinco metros.
O que, diga-se, na perspetiva do julgamento de direito, nada tira ou põe ao provado, reclamado pelos Recorrentes, de que a parede edificada o foi “no máximo a 5 metros de distância das janelas do imóvel.
Não tendo esta testemunha entrado no prédio vizinho (não tenho autorização para entrar nas obras da frente) nem tendo consultado o processo camarário respetivo, mas afirmando que, segundo lhe disse o seu colega Hipólito, logo numa primeira reunião, o PDM daquela zona não permite construção grande, sendo que a construção que veio a ser efetuada no prédio vizinho não respeita os índices de construção fixados…mas concedendo que a construção está legalizada/licenciada…
Sendo que o seu depoimento não briga com o que em matéria de vistas se julgou provado, em “resposta ao art.º 28º da base instrutória, no tocante ao rés-do-chão, anteriormente às obras no “prédio vizinho”: “a partir do segundo andar já teríamos uma vista ótima sobre o … O terraço e a cobertura melhor ainda, como é óbvio. E o rés-do-chão, seria a zona das salas e da cozinha, a cozinha não porque havia preexistência lá de uma moradia há frente, mas a zona da sala, sim teria vista sobre o mar".
E o dizer-se, quanto à atualidade, após as obras, que “da questão da sala…ficou inviabilizada a vista”, não esclarece se tal inviabilização é total ou parcial, sendo que – para lá do alcance efetivo desta matéria em sede de julgamento de direito… – a decisão da 1ª instância – no sentido de que “A referida parede diminuiu as vistas dos salões do rés-do-chão para Sul, sendo que antes o imóvel existente já impedia as vistas para Oeste e para Sul em direcção ao porto e cais do …” – se mostra escorada também, no depoimento de José … e no visionamento das fotografias de folhas 43, 45, e 46 dos autos, anteriores à construção no “prédio vizinho”, tudo articulado com a inspeção ao local, dificilmente ultrapassável nesta sede…

A testemunha João …, que disse ter sido aquela obra feita “muito rápido”, à pergunta do mandatário das AA. sobre se a mesma “Prejudica de alguma forma a vista”, respondeu: “Ah com certeza que sim”.
Não se nos afigurando manifesto – mais do que um estilo próprio da idiossincrasia da testemunha – o caráter titubeante e pouco credível do seu depoimento.
E sendo o seu depoimento, naturalmente, “aproveitado” dentro dos seus limites.

6.4. Os art.ºs 29º e 30º da base instrutória – este, aliás eminentemente conclusivo enquanto apela a uma ideia de privação total de vistas sobre o mar, e no contexto do petitório inicial, ao nível do rés-do-chão, mas sem que se descarte liminarmente a possibilidade de “quesitação” de conclusões de facto[5]– nunca poderiam merecer outra resposta, na sequência do que antecedentemente se considerou, senão a dada por remissão para a “resposta” ao art.º 28º.

Quanto a resultar das “regras da experiência comum que a existência de vistas num imóvel, sobretudo sobre o mar, se mostram cruciais na conformação da decisão da sua aquisição, bem como na fixação do preço”, será de observar que tal em nada interessa à prova da privação ou medida da privação de vistas, em causa nos art.ºs 28º, 29º e 30º, da base instrutória.
Sem prejuízo da sua consideração em sede de julgamento de direito.

7. Quanto aos art.ºs 31º a 34º.
Concitam aqui os Recorrentes, e conforme assinalado supra, o documento n.º 25, junto com a contestação e os documentos n.º 43, 44 e 45, juntos com a petição inicial.

O doc. 25 é reprodução de um telegrama, datado de 2 de Junho – data agendada para a escritura da prometida compra e venda – remetido pela A. ao mandatário da Ré, com o seguinte texto:
“Como é do seu conhecimento não poderemos outorgar a escritura agendada para hoje por ter existido uma alteração substancial no objecto prometido. Agradeço contacto urgente para o NR 961664341”.
Não se tratando pois, aquela, de comunicação “no dia seguinte” a 31 de Maio, nem dela decorrendo haver o mandatário da Ré “informado” o que quer que fosse.
Também não impondo a referência, no telegrama, a ser “do seu conhecimento”, a verdade de qualquer anterior contacto no tal “dia seguinte”, ou seja, em 1 de Junho do mesmo ano.
Com prejuízo, assim, da invocada expetativa dos AA., na sequência da – não provada – manifestação de desconhecimento da situação por parte do mandatário da Ré, “de se vir mais tarde a alcançar uma solução para a questão”.

O documento 43, é reprodução de um e-mail enviado pelo mandatário da Ré à A., datado de 07-06-2010, e no qual é acusada a receção, em “04 p.p.” do telegrama antecedentemente referido.
Mais naquele se consignando:
“Compreendo as suas preocupações relativamente a situações exteriores e estranhas ao objecto que lhe foi prometido vender, não posso deixar de referir que entre a data da celebração do contrato promessa e o presente momento não ocorreu nem foi introduzido qualquer alteração, e muito menos substancial, no imóvel objecto do contrato, que se mantem Integralmente tal qual foi prometido vender.
Com toda a boa vontade e para a habilitar com melhor informação por parte da D, fiz requerimento de que lhe enviei, aliás, cópia sendo que lhe facultarei a resposta que venha a obter.
No entanto não posso deixar de adiantar de forma clara que a situação que determinou o pedido de informação à … em nada interfere com o contrato promessa, havendo da parte da minha constituinte disponibilidade dentro de prazo razoável que se estima, no máximo de sessenta dias, para a celebração da escritura.”, (sublinhado nosso).

Nada, em tal comunicação, apontando pois no sentido de que a Ré “iria tentar resolver a questão” do “bloqueio” de vistas, nem de que, por isso, os AA. “decidiram aguardar que tal se concretizasse”.

No doc. 44, e-mail datado de 15-06-2010, enviado pela A. ao mandatário da Ré, sustenta-se que: “ (…) nas características do imóvel que nos foi prometido vender figurava também a magnífica vista de mar”.
Sendo que, “a vista mar foi condição essencial para a celebração do negócio.”.
E, assim, tal qual lhe tínhamos transmitido, aguardaremos que em prazo razoável a sua cliente tome as medidas necessárias à reposição das características do imóvel objecto da promessa.”.

Finalmente, o doc. 45 é mais um e-mail, datado de 18-08-2010, remetido pela A. ao mandatário da Ré, onde aquele manifesta:
“Na sequência do e-mail que lhe enviámos em 13 de Junho de 2010 e malgrado a resposta de 28 do mesmo mês, temos aguardado que sejam repostas na sua plenitude as características inerentes ao objecto prometido. Nomeadamente temos aguardado que a promitente vendedora, por seu intermédio, diligenciasse e conseguisse repor as vistas do imóvel que são condição essencial para a celebração do negócio prometido
(…)
Assim, reiterando o já anteriormente expedido e porque não nos podemos manter indefinidamente vinculados a um contrato que não reúne os pressupostos essenciais para o seu cumprimento, aguardaremos pelo prazo de 30 dias que sejam repostas as vistas de forma a celebrarmos o cotrato definitivo.
Caso tal não se verifique, fica desde já informado que perderemos o interesse no negócio e agiremos em conformidade.” (também aqui o sublinhado é nosso).

Dele, e em concatenação com os documentos antecedentemente referidos, resultando que se os AA. ficaram a aguardar…a demolição (?...) da obra realizada no prédio vizinho, não foi porque a Ré lhes haja criado qualquer expetativa nesse sentido…
…ou noutro que não fosse o da realização da escritura de compra e venda, tal como prometida, sem consideração da preservação da integralidade das “vistas” como incluída na promessa de venda “no estado em que se encontra”.

8. Quanto ao art.º 35º.
Considerou-se, na fundamentação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, que a referência, no documento n.º 42 junto com a petição inicial – requerimento entregue pelo mandatário da Ré, em 04-06-2010, na D – a outro requerimento n.º 23236/2010 “que antecede este, apresentado em 02.06.2010, conforme requerimento que se anexa e se requer a junção ao presente procedimento.”, “leva a crer que existiram outros contactos por parte da Ré para saber da legalidade dessa construção”.

Pretendendo os Recorrentes que “se impunha ao Tribunal a quo ter dado como provado o facto constante do artigo 35º da Base Instrutória, na sua totalidade.”.
“Pois (…) Mostra-se possível concluir, do teor dos documentos juntos como "Doc. 19" e "Doc. 22" com a Contestação, que existiu, tão-só, um Requerimento dirigido à ... pelo Mandatário da Recorrida, a fim de diligenciar pela solução da questão suscitada com construção efectuada no prédio vizinho. Já que, nesses Documentos se mostra feita a referência a apenas um requerimento.”.
E “Daí que, a ter existido um qualquer anterior requerimento ou comunicação dirigida pela Recorrida àquele órgão, o mesmo não terá tido relevância para o assunto em apreço.”.

No doc. 43, junto com a petição inicial, a folhas 57 e 58 – datado de 07-06-2010, e a que nos referimos já supra – refere o seu subscritor que “Com toda a boa vontade e para a (à A.) habilitar com melhor informação da parte da D”, foi feita a apresentação do “requerimento (cit. doc. 42) de que lhe enviei, aliás, cópia”.
O doc. 19 junto com a contestação já é cópia de novo requerimento dirigido pela Ré, em 09-09-2010, ao presidente da D, manifestando não haver sido a “requerente até à presente data notificada de qualquer acto, (despacho, informação, parecer) ou qualquer decisão sob o requerimento apresentado” em “04.06.2010 (2010/23605)”.
Vindo “Nestas circunstâncias, (…) requerer que lhe seja certificado por fotocópia integral todos os actos subsequentes ao requerimento apresentado, designadamente, de iniciativa do vizinho visado no mesmo, Sr. PAULO ….”.
E, no doc. 22 – cópia de mais um requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal da …, datado de 16-02-2010 – depois de se fazer referência aos anteriores requerimentos de 04-06-2010 e 09-09-2010, e à “evolução do assunto”, requer-se a “passagem de certidão integral de todos os actos, informações, pareceres, deliberações ou decisões que sobre as mesmas tenham recaído ou certificado que tal não aconteceu, a partir daquela data, ou seja," do embargo da obra - 28 de Junho de 2010, isto tudo nos termos do art. 268° n.º 1 e segs. da Constituição da República e demais legislação em vigor, destinando-se a mesma a produzir efeitos judiciais.”.

Ora, perante isto – e estando já definido o sentido da posição assumida a propósito pela Ré – não vemos como possa seriamente sustentar-se o provado de que, em relação com a questão da construção no prédio vizinho, “a Ré limitou-se a apresentar junto do Departamento de Urbanismo da D o requerimento de fls. 57 dos autos (…)”.

Revelando-se pois equilibrado o teor da “resposta” ao art.º 35º da base instrutória.
*
Com total improcedência das conclusões dos Recorrente, nesta sede impugnatória da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

II – 3 – Da resolução do celebrado contrato-promessa.
1. Sustentam os Recorrentes assistir-lhes o direito àquela, por “alteração anormal das circunstâncias de contratar (alteração objectiva e não coberta pelos riscos do contrato (…)), b. Da qual derivou o incumprimento definitivo do contrato por parte da Recorrida (pois, mesmo após ter decorrido o prazo fixado pelos Recorrentes, a Recorrida não restituiu as características do imóvel prometido, nem aceitou reduzir o preço), c. Consequentemente originando perda de interesse na prestação por parte dos Recorrentes, visto o imóvel existente não corresponder ao imóvel que tinham prometido comprar.”.
E, assim, “nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 801º do C.C.”…

Tratando-se, a agora referenciada não-aceitação da redução do preço da prometida compra e venda, de questão inconsiderável, posto que não vindo peticionada qualquer redução, também tal recusa não foi alegada oportunamente, nos articulados.

Isto posto:
Como é sabido, o art.º 432º, n.º 1, do Código Civil circunscreve o direito de resolução dentro de uma dupla fonte, legal e convencional.
De que a primeira, e como assinala José Carlos Brandão Proença,[6] se projeta “num espaço amplo e heterogéneo de aplicação, compreensivo dos contratos bilaterais, plurilaterais, unilaterais (…) aleatórios (…) e das liberalidades (…) oneradas com encargos”.
Sendo de distinguir a resolução legal nos casos de não cumprimento da obrigação ou de impossibilidade do cumprimento, e naquele outro de alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar.
Das hipóteses de incumprimento ou impossibilidade de cumprimento, tratam, em geral, os art.ºs 801º, n.º 2, 802º e 808º, do Código Civil.
Já da resolução por alteração das circunstâncias se ocupando o art.º 437º do mesmo compêndio normativo.
Em qualquer dos casos o direito de resolução contratual poderá exercer-se mediante uma declaração – vd. art.º 436º, n.º 1, do Código Civil – cuja natureza potestativa lhe transmite “as características de unilateralidade recipienda (art. 224.°,1, 1.a parte do C.C.), irrevogabilidade (arts. 224.°,1, 1.ª parte e 230.°, 1 do C.C.), incondicionalidade natural e concretização (dos factos fundamentantes ou da Rücktrittsgrund), não estando, ainda, sujeita a formalidades especiais”.[7]
Ficando a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual (resolução fundamentada).[8]

2. Nos termos do supracitado art.º 437º:
“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”.

No confronto daquele normativo, expende Inocêncio Galvão Telles[9] que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção”.
“Que a alteração deve ser significativa, que deve assumir apreciável vulto ou proporções extraordinárias, põe-no em relevo a lei ao falar de alteração anormal (artigo 437º, n.º 1)”.
(…)
“As aludidas circunstâncias constituem a base do negócio. Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo de diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias”.
“A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido”.
“Aliás, no momento da outorga do contrato não pode ainda falar-se de lesado, porque lesado só existirá, futura e eventualmente, se as circunstâncias em que os estipulantes fundaram a decisão de contratar vierem a sofrer modificação que torne o contrato prejudicial para um deles: lesado será esse”.

Em matéria de requisitos necessários para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respetivo conteúdo, considera Almeida e Costa[10] que aqueles “Funcionam cumulativamente e traduzem-se nos seguintes:
a) – (…) que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar (art.º 437º, n.º 1).”
Importando “que as circunstâncias determinantes para uma das partes se mostrem conhecidas ou cognoscíveis para a outra. E, ainda, que esta última, se lhe tivesse sido proposta a subordinação do negócio à verificação das circunstâncias pressupostas pelo lesado a aceitasse ou devesse aceitar, procedendo de boa fé. A resolução ou revisão pode, de resto, justificar-se, caso a boa fé a imponha ao tempo em que o problema se levanta, embora não já com referência à data da conclusão do negócio.”.
(…)
“b) – É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal.”.
Sendo que “O critério da anormalidade da alteração coincide nos resultados, via de regra,  com o da imprevisibilidade. Porém aquele afigura-se mais amplo do que este, permitindo, razoavelmente, conjugado com a boa fé, estender a resolução ou modificação a certas hipóteses em que alterações anormais das circunstância, posto que previsíveis, afectem o equilíbrio do contrato (ex.: na locação de uma janela para assistir à passagem de um cortejo, pode ser previsível que este não se realize ou que mude de trajecto). Portanto, dispensa -se a imprevisibilidade nos casos em que a boa fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da circunstância alterada.”.
(…)
“c) – Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes.
(…)
d) – Como forçoso se mostra que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa-fé (…).
e) – Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato (…).
O critério que sempre se impõe consiste em a exigência da prestação afectar gravemente os princípios da boa-fé. Com um limite, porém, a alteração anómala das circunstâncias não deve compreender­-se na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade.
(...)
f) – Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado (art.º 438º).”.

Vaz Serra,[11] considerando igualmente que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada tem de afetar gravemente os princípios da boa-fé e não estar coberta pelos riscos próprios do negócio, frisa que “em princípio o tribunal não deve aceitar a resolução dos contratos, mas deve fazê-lo quando as alterações forem de tal monta que no momento da realização do contrato se considerassem completamente impossíveis”.

Referindo a propósito Abel Pereira Delgado[12] que “as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar se alteraram de tal modo que um julgador razoável não pode já considerar a prestação de um, como o contra valor do outro”.

Observe-se, ainda, que “o problema da aplicação da doutrina da resolução ou modificação dos contratos em consequência da alteração das circunstâncias apenas se põe, por sua natureza, a respeito de prestações que não sejam de execução imediata, antes, que devam efectuar-se no futuro.”.[13]

3. Verifiquemos então – e concedido respeitar a alteração a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, a sua “anormalidade”, “lato senso”, e a consequente lesão para os AA. – se a boa-fé obrigaria, in casu, a promitente-vendedora a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da
circunstância alterada, a saber, a inicial amplitude de vistas a partir do rés-do-chão, para sul, e, também assim, se as alterações foram de tal monta que no momento da realização do contrato se considerassem completamente impossíveis.

Começando pela segunda vertente de abordagem, dir-se-á que em parte alguma da sua petição inicial alegaram os AA./recorrentes o que quer que fosse no sentido de serem as verificadas supervenientes alterações, de considerar, aquando do momento da celebração do contrato-promessa como completamente impossíveis, e, desde logo, por ambas as partes.
Pretendendo preencher tal lacuna agora, em sede de alegações de recurso, referindo que a “obstrução das vistas (…) era uma situação que não foi representada pelos Recorrentes - não apenas são leigos nesta matéria, como, à semelhança de qualquer homem médio, considerando o afastamento existente e o estilo de construções já edificadas na zona, nada fazia prever a situação absurda que se veio a verificar, mormente, atendendo à envolvência e paisagem da zona os Recorrentes reconheceram a mesma como uma zona protegida.
Deduções essas que, na sua maioria, foram confirmadas pelo parecer elaborado pelo Sr. Arquitecto Rúben …, aquando da avaliação do imóvel, o qual terá analisado o PDM da zona, decorrendo de tal análise a conclusão - transmitida aos Recorrentes - de que não seria possível - legal e validamente - a execução de construção que prejudicasse as condições do imóvel prometido vender, designadamente as vistas.”.

Ora, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.[14]
São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.[15]
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível, a invocação de factos novos, nas alegações de recurso[16], sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de factos novos de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º 412º do Cód. Proc. Civil.[17]

Sendo de anotar, por outro lado, e conquanto assim apenas marginalmente, que a testemunha Rúben … referiu ter-lhe sido comentado pelo seu colega Hipólito que o PDM daquela zona impunha limitações a construções grandes…
E, de qualquer modo, sempre se trataria de comentários ou observações posteriores à celebração do contrato-promessa, como das próprias alegações de recurso decorre – vd., v.g., n.ºs 123 a 125 do corpo das alegações – e se constatou na reprodução do depoimento daquela testemunha.
Mas diga-se ainda que alterações aos P.D.M., e como é do domínio público, não são fenómeno raro no panorama autárquico, contemplando até, amiúde, a passagem de zonas industriais…a zonas de construção habitacional…
E que mostrando-se as obras em causa licenciadas, importaria alegar e demonstrar a violação, por esse acto de licenciamento, do aludido PDM…

Não podendo assim afirmar-se, no confronto da factualidade provada, que no momento da realização do contrato promessa era de considerar completamente impossível a realização de obras no “prédio vizinho” que viessem a afetar as vistas do prédio prometido vender, nos termos apurados.

No que respeita a saber se a boa-fé obrigaria, in casu, a promitente-vendedora a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da
amplitude de vistas a partir do rés-do-chão, para sul, existente aquando da celebração do contrato-promessa, a resposta terá de ser negativa.
O sentido da boa-fé assenta, como o refere Coutinho de Abreu,[18] no princípio de que “as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”.
A recusa de aceitação de tal negócio, por quem nele figuraria como promitente-vendedor, não se afastando de tal princípio, não se apresentaria como contrária aos vetores fundamentais do sistema, não implicando qualquer lesão ao princípio da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente.[19]
Aonde a violação do dever de boa-fé na recusa de celebração de um negócio sujeito a condição resolutiva, como assim seria o caso?
E ademais abarcando tal condição a hipótese de afetação de vistas em consequência da edificação/ampliação, em prédio vizinho, de construção a coberto de todos os licenciamentos exigíveis.
Repare-se que também o promitente-vendedor cria expetativas, e associa projetos à realização não só do contrato-prometido como, desde logo, à própria receção do sinal convencionado.
E que, na pendência da condição…ficaria inibido, na prática, de dispor daquele.

Diga-se também que a limitação de vistas, em resultado da construção, devidamente legalizada, de imóveis, em prédios vizinhos, é situação que nos não repugna reconduzir aos riscos próprios do contrato-promessa de compra e venda de moradia ou fração autónoma.
E isso, assim, tendo presente a dilação possível entre a celebração do contrato-promessa e a celebração do contrato-prometido, e as alterações dos PDM, para além de não ser prática, por parte dos promitentes-compradores – e designadamente pessoas singulares – consultar o PDM vigente respetivo, antes de outorgarem no contrato-promessa.
4. Como logo referenciado, outro – e bem mais frequente – fundamento legal de resolução do contrato é o incumprimento ou impossibilidade de incumprimento daquele.
Cuja verificação os Recorrentes pretenderam decorrer…da alegada alteração de circunstâncias…determinante da sua perda de interesse.

Certo sendo que a lei equipara ao incumprimento definitivo a situação de perda de interesse do credor na prestação, em consequência da mora, e de não realização da prestação, no caso de mora, dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, cfr. art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.
E que tal perda de interesse, a apreciar objetivamente, como refere Batista Machado,[20] “só pode referir-se aos casos em que o interesse do credor que desapareceu durante a mora se liga a uma finalidade (de uso ou de troca) que não entrou a fazer parte do conteúdo do negócio (nem, evidentemente, deu origem a um termo essencial, absoluto ou relativo).
Donde poder dizer-se que a disposição agora em análise se refere a hipóteses sob certo aspecto paralelas daquelas a que se refere o n.º 2 do art.º 793.º, relativo à impossibilidade parcial não imputável ao devedor, muito embora a mora represente uma modalidade culposa de incumprimento. Tratar-se-á, pois, de mais um tipo de casos em que o fim-motivo negocialmente irrelevante pode vir a relevar por efeito de uma inexecução (de uma perturbação, na fase executiva) do negócio.”.

Como quer que seja, estará sempre implicada uma situação de incumprimento culposo, presuntivamente culposo, aliás, ex vi do disposto no art.º 799º, n.º 1, do Código Civil.

Ora tal situação de incumprimento – necessariamente reportado ao objeto do negócio – não é de conceder.
Nada, seja no texto do contrato-promessa, seja na factualidade apurada, permite concluir que a promitente vendedora se obrigou a vender o prédio respetivo com as mesmas exatas “vistas” que aquele tinha à data da celebração daquele negócio jurídico.
E isto, assim, à luz das boas regras de interpretação, constantes dos art.ºs 236º, n.º 1 e 238º, do Código Civil.

Com efeito consignou-se no contrato-promessa respetivo que:
CLÁUSULA PRIMEIRA - Identificação do Objecto
A Primeira Outorgante, é dona e legitima proprietária de um prédio misto,
situado no Caminho do Palheiro com área total de 2010 m2 sendo a área
coberta de 216 m2 e área descoberta de 1794 m2, inscrita na matriz. predial
respectiva sob os artigos 34, 1318, 1800 e descrito na Conservatória do Registo
Predial do ... sob o número 26021.20030925. freguesia de Santa Maria
Maior, concelho do ...------------------------------·---·-

CLÁUSULA SEGUNDA – Declaração de Vontade
Pelo presente contrato os Primeiros Outorgantes prometem vender aos Segundos Outorgantes e estes prometem comprar, a fracção autónoma, acima identificada, que é prometida vender livre de ónus e encargos, desocupado de pessoas e bens e no estado em que se encontra.”.

Transcendendo “o estado em que se encontra” o imóvel prometido vender – e assim diversamente do sustentado pelos Recorrente – as vistas a partir daquele, no momento e em função das construções existentes nos prédios vizinhos.
Aliás o alcance da referência ao “estado em que se encontra” determina-se com segurança por via de uma dupla ordem de considerações.

Por um lado, na de que se trata, a implantada no prédio prometido vender, de construção que não é nova, a justificar – como os próprios AA. dão conta na sua petição inicial, e apurado resultou – obras de restauro da estrutura do imóvel e melhoramento do mesmo, cujo telhado apresentava uma fuga, de que resultaram estragos no soalho em algumas divisões da casa em consequência da entrada de água das chuvas, colocando em perigo de derrocada o teto trabalhado do piso principal do primeiro andar.
Para além da limpeza do jardim/logradouro, das ervas e arbustos existentes que ameaçavam tapar por completo a entrada da casa, dando um ar de abandono que convidava ao vandalismo.
Tendo os AA. chamado a si tais obras e limpeza, precisamente em consonância com o contratado, que excluía qualquer responsabilidade da promitente vendedora a propósito.
Sendo pois o sentido de tal referência à venda “no estado em que se encontra”, o de exoneração dos promitentes vendedores da responsabilidade por quaisquer defeitos degradações ou ruína, constatáveis.

Por outro, na do teor da “CLÁUSULA SÉTIMA – Aceitação:
Nesta data nada foi convencionado entre os Outorgantes, directa ou
indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do
que fica escrito nas suas cláusulas e quaisquer alterações a este contrato só
serão válidas se constarem de documento subscrito e rubricado por ambos os
contraentes, o qual constituirá um aditamento a este contrato”.


O qual, de modo impressivo e incontornável, exclui a inclusão das vistas nas “qualidades” do imóvel objeto do contrato prometido.
*
Não se verificando pois os requisitos da resolução do contrato-promessa celebrado entre AA. e Ré.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões dos Recorrentes.

II – 4 – Da restituição do sinal em singelo, acrescido de juros e dos montantes despendidos em função da expectativa que os AA. criaram com a celebração do negócio.
Aquela vem peticionada com invocação “de responsabilidade objectiva da recorrida quanto aos prejuízos suportados pelos Recorrente em virtude do seu incumprimento contratual” (sic).
Desde que tal incumprimento, por banda da promitente vendedora, não é configurável – e para lá do que seja a “responsabilidade objetiva” a que se pretenderão reportar os Recorrentes – improcedem, também aqui, as conclusões daqueles.

II – 5 – Das benfeitorias.
Não se verifica um dos invocados pressupostos do concluído direito a indemnização pelas realizadas, qual seja, o de que “tendo-se demonstrado que as chaves foram entregues aos Recorrentes após a celebração do contrato-promessa, (…) pode daqui retirar-se que com a entrega das chaves, o objectivo seria a antecipação dos efeitos do contrato definitivo, máxime da realização das obras necessárias e pretendidas, o que se consubstanciou na feitura das benfeitorias realizadas.”.
E por isso que, como visto, provado não ficou que, como alegado pelos Recorrentes, após a outorga do contrato-promessa, os AA. receberam as chaves do referido imóvel referentes ao cadeado do portão principal e da porta da cozinha, pura e simplesmente – que não porque tenham realizado qualquer contacto prévio com João Freitas para que este lhas entregasse, com uma qualquer justificação ou sob qualquer pretexto – configurando-se, por essa circunstância, a tradição da coisa prometida vender, e a sua investidura na posse da mesma.

Sendo de assinalar que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2013,[21] citado pelos Recorrente, se julgou que “Do contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma não podem decorrer efeitos de natureza real, uma vez que tal tipo contrato é meramente obrigacional. Havendo a tradição da coisa, o promitente comprador passa a ser mero detentor ou possuidor precário da mesma, não sendo titular de uma verdadeira posse que tenha o direito de defender.”.
Sem embargo de poder “acontecer que, do caso concreto, se possa deduzir dessa tradição que as partes quiseram antecipar os efeitos do contrato definitivo – a transferência da propriedade para o comprador e a percepção do preço pelo vendedor -, por forma a que o mesmo comprador passe a actuar como se fosse o proprietário da coisa.
Não será de exigir o pagamento total do preço, mas certamente uma sua parte substancial.” (sublinhados nossos).

No caso vertente - em que do preço de € 800.000,00, não teve lugar o pagamento de mais do que € 60.000,00 – ponto é os dados existentes infirmam o corpus possessório dos promitentes-compradores, como decorre do apurado em matéria de disponibilidade das chaves do imóvel.
Posto o que, e acolhendo a caracterização das benfeitorias realizadas como necessárias – as reparações – ou úteis – a limpeza do jardim – não têm os AA. direito a indemnização, nos quadros do art.º 1273º, do Código Civil.

Com improcedência, por igual nesta parte, das conclusões dos Recorrente.
*
E nem se apele – argumentando que conquanto não expressamente invocado, dele se poderá conhecer, desde que os pressupostos respetivos se contenham na factualidade apurada – ao instituto do enriquecimento sem causa.

De tal fonte de obrigações trata o art.º 473º do Código Civil, que, no seu n.º 2, faz referência a três modalidades de não obtenção do fim visado com a prestação, a saber, a condictio indebiti – quando se verifica a inexistência da dívida que o prestante visa solver – a condictio ob rem – quando alguém realiza a prestação em vista de determinado efeito futuro, que afinal se não verifica – e a condictio ob causam finitam – correspondente à hipótese em que a causa jurídica da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização.
Daquelas apenas se podendo pretender aproximar da hipótese dos autos, a segunda.
Sendo que, como refere Luís M. T. de Menezes Leitão,[22] A condictio ob rem é ainda excluída sempre que o autor da prestação sabe que o resultado por ela visado é impossível ou, agindo contra a boa fé, impede a sua realização (art. 475.°). Efectivamente, se o  autor da pres­tação sabe que o resultado por ela visado é impossível, ou, em contrariedade à boa fé, actua por forma a impedir que ele se verifique , não merece tutela qualquer pretensão sua a obter a restituição da prestação com fundamento precisamente na não verificação desse resultado , já que ele ou não o poderia esperar ou é o causador dessa situação.”.
Mas, ainda quando não seja de assimilar a resolução sem justa causa de contrato promessa à sobredita atuação em contrariedade à boa fé, por forma a impedir a celebração do contrato prometido, temos que na conditio ob rem, a prestação há-de visar um determinado resultado, que não respeite ao cumprimento de uma obrigação ou não se esgote nesse cumprimento.
Devendo esse resultado corresponder a um comportamento da outra parte, “mais precisamente uma contraprestação, cuja realização se esperava quando se verificou a prestação”.
Sendo ainda “necessário que esse resultado corresponda ao conteúdo de um negócio jurídico. Esse negócio não pode, porém, ser considerado como juridicamente vinculante, uma vez que nesse caso a frustração do fim da prestação não poderia dar lugar a uma restituição por enriquecimento sem causa, dado que relevaria antes do regime do não cumprimento dos contratos. Apenas quando o autor da prestação não tem qualquer possibilidade jurídica de exigir o cumprimento da contraprestação é que lhe será permitido recorrer à condictio ob rem. O que se exige é antes um acordo das partes sobre o fim da prestação, através do qual a prestação é colocada ao serviço de uma específica relação causal, cuja execução visa assegurar (acordo sobre a causa jurídica).”.

Ora, se como refere o mesmo Autor, “não serão muito frequentes os casos em que todos estes pressupostos estejam reunidos, pelo que será bastante rara a aplicação desta figura”, não é o dos autos um deles.
A realização das benfeitorias em causa não corresponde, como é meridiano, a uma contraprestação da Ré, cuja realização se esperava aquando daquela, e que corresponda, por sua vez, ao conteúdo de um negócio jurídico não vinculante.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, e confirmam a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
*

Lisboa, 2014-05-15

Ezagüy Martins

Maria José Mouro

Maria Teresa Albuquerque

[1] Assim, José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 466.
[2] In op. cit., págs. 465-466.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 525.
[4] Idem, Vol. 2º, 2001, pág. 399.
[5] Assim, no Acórdão desta Relação, de 26-04-2012, proc. 166/08.1TBSRQ.L1-2, de que foi relator o do presente acórdão, in www.dgsi.pt7jtrl.nsf.

[6] In a “Resolução do Contrato no Direito Civil”, Coimbra, 1982, págs. 98, 99.
[7] Idem, pág. 164.
[8] Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2014,  proc. 1117/10.9TVLSB.P1.S1, Relator: GRANJA DA FONSECA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[9] In  “Manual dos Contratos em Geral”, Coimbra Editora, 2010,  págs. 343 e seguintes.
[10] In “Direito das obrigações”, 9ª ed., Almedina, 2001, págs. 302-308.
[11] In RLJ, Ano 113.º-314.
[12] In  “Do Contrato Promessa”, 1978, Livraria Petrony, página 116, com citação de Mota Pinto, in “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, 101-288.
[13] Almeida Costa, in op. cit., pág. 308.
[14] Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, pág. 395.
[15] Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277, relator: ARAGÃO SEIA, e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, relator: JOSÉ MESQUITA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, relator: PONCE LEÃO, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[16] Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454; Armindo Ribeiro Mendes, in “Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto”, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Recursos), Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[17] O entendimento jurisprudencial e doutrinário expresso no domínio do Código de Processo Civil de 1961 mantém atualidade no âmbito do novo Código de Processo Civil.
[18] In "Do Abuso de direito", Almedina, 2006, reimpressão da edição de 1999, pág. 5.
[19] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Da boa fé no direito civil”, Coleção Teses, Almedina, (2ª reimpressão), 2001, págs. 1234 e seguintes e 1252 e seguintes.
[20] In “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Obra Dispersa – Vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, págs. 160-161.
[21] Proc. 1223/05.1TBCSC-B.L1.S1 , Relator: BETTENCOURT DE FARIA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
               

[22] In “Direito das obrigações”, Vol. I, 4ª ed., 2005, Almedina, págs. 401- 403.