REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS
ROL DE TESTEMUNHAS
PROVAS
PRAZO
DESPACHO SANEADOR
RECLAMAÇÃO CONTRA A SELECÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

1. O prazo para apresentar o rol de testemunhas, requerer outras provas ou alterar os requerimentos probatórios oferecidos com os articulados, nos termos previstos no art.º 512.º, n.º 1, do CPC, conta-se a partir da notificação do despacho saneador, independentemente da dedução de reclamação contra a selecção da matéria de facto.
2. Havendo reclamação procedente que implique alteração da base instrutória, assiste às partes o direito de alterarem os requerimentos probatórios apresentados, no prazo de 10 dias, sem prejuízo do disposto no art.º 512.º-A do CPC.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

         I – Relatório

1. PLUR Internacional, S.A., ré numa acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra ela instaurada pela sociedade FRES, S.A., veio apelar do despacho ali proferido, em 11/03/2013, a admitir o rol de testemunhas apresentado pela autora, formulando as seguintes conclusões:

1.ª – O requerimento probatório, por aplicação do claro e inequívoco artigo 512.º do CPC, tem de ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da data da notificação às partes do despacho saneador;

2.º - A lei não distingue os casos em que há reclamação da selecção da matéria de facto feita no saneador para fixar o prazo de 15 dias a partir da notificação do referido despacho;

   3.º Sendo alterada a matéria de facto seleccionada, seja em resultado da reclamação apresentada pelas partes ao despacho saneador, seja na sequência da apresentação de articulado superveniente ou do aditamento feito em audiência de julgamento pelo tribunal, o requerimento probatório poderá ser, nessa altura, alterado e adequado;

   4.º - Esse mesmo fundamento que justifica que logo com a petição inicial e a contestação possa ser indicado o rol de testemunhas, numa altura em que pouca ou nenhuma ideia ainda se tem quanto aos factos que será necessário provar;

   5.ª A A. foi notificada do despacho saneador em 15 de Março de 2013 e o requerimento probatório foi apresentado em 7 de Maio de 2013, muito para além do prazo legal de 15 dias;

   6.ª – Tendo em conta que a A. não alegou nem provou qualquer justo impedimento, deve ter-se por extemporâneo o requerimento probatório por ela apresentado. 

2. A apelada apresentou contra-alegações, a pugnar pela manutenção do despacho recorrido, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - Existindo reclamação do despacho saneador, o prazo para apresentação dos meios de prova, previsto no artigo 512.º, só começa a correr depois de proferida a decisão sobre as reclamações.

2.ª - Esta é a solução que melhor se coaduna com os princípios da economia e celeridade processual. Ela permite evitar a duplicação de requerimentos probatórios que se sabe, de antemão, serem, muito provavelmente, provisórios.

3.ª - Não é, aliás, por acaso que o prazo para reclamar do despacho saneador é inferior ao prazo para apresentar os meios de prova (10 dias vs. 15 dias). Visasse, precisamente, permitir que a parte só apresente os seus meios de prova depois de conhecer a versão definitiva do saneador.

4.ª - Como tal, deve o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente, devendo ser mantida a decisão recorrida – a de admitir os meios de prova apresentados pela Recorrida; 

5.ª - Em todo o caso, cumpre referir que em 8 de abril de 2013 (dentro dos 15 dias da primeira notificação do despacho saneador) o mandatário da Recorrida assinou e enviou eletronicamente para o Tribunal recorrido, através do sistema “Citius” o seu requerimento de prova. A informação dada pelo sistema “Citius” foi a de que o requerimento fora entregue.

6.ª - Foi com surpresa que o mandatário subscritor detetou, em 3 de maio, ao fazer uma consulta online a vários processos que se lhe encontravam confiados, que no âmbito dos presentes autos não constava o requerimento probatório que fez entrar nem tão-pouco qualquer registo dos intervenientes associados (testemunhas).

7.ª - Donde resulta que ainda que se entendesse não assistir razão ao Tribunal recorrido – o que se concebe por mera cautela de patrocínio sem conceder –, a verdade é que o requerimento probatório foi remetido ao Tribunal dentro dos 15 dias subsequentes à notificação da primeira versão do despacho saneador, devendo, pois, em qualquer caso, considerar-se que o mesmo foi entregue em tempo.

8.ª - Pelo que mesmo que não se atribuísse razão à sentença recorrida – no que não se concede – deve, em todo o caso, o recurso interposto pela ré ser julgado totalmente improcedente.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

         II – Delimitação do objecto do recurso

         Como é sabido, o objecto do recurso, no que aqui releva, é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, bem como pelo recorrido em sede de ampliação, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3, 636.º, n.º 1 e 2, e 639.º, n.º 1 e 2, do CPC na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.

         Dentro de tais parâmetros, as questões a resolver consistem no seguinte:

(i) – Em primeiro lugar, determinar qual o prazo legal para a ré apresentar o rol de testemunhas e a partir de que momento esse prazo deve ser contado; 

(ii) – Seguidamente, ajuizar sobre a tempestividade do rol apresentado pela mesma.

         III – Fundamentação    

        

         1. Contexto processual relevante

Dos autos colhem-se os seguintes elementos:

1.1. No âmbito da acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, de que os presentes autos foram extraídos, em que é autora a sociedade FRES, S.A., ora apelada, e ré PLUR Internacional, S.A., ora apelante, em 11/03/2013, foi dispensada a audiência preliminar e proferido, por escrito, despacho saneador e de selecção da matéria de facto tida por relevante, com a organização da base instrutória, ordenando-se o cumprimento do disposto no art.º 512.º do CPC, conforme fls. 18 a 20;

         1.2. As partes foram notificadas, nos termos do art.º 512.º do CPC, para apresentar o rol de testemunhas, requerer outras provas e alterar os requerimentos probatórios que tivessem apresentado, por via CITIUS, tendo as notificações sido elaboradas em 12-03-2013, conforme fls. 81 e 82;

         1.3. A autora e ora apelada apresentou, também por via electrónica, o requerimento probatório reproduzido a fls. 37-39;

1.4. Em anexo a esse requerimento consta o “Índice de Peça Processual” de fls. 41, o qual contém, as seguintes menções:

   - Na parte superior:

   “Anexo n.º 1 – Requerimento

   Anexo n.º 2 – Doc. 1

   Na parte inferior:

   “Documento assinado electronicamente

   Esta assinatura electrónica substitui a assinatura autografa

   Terça-feira, o7 de Maio de 2013 – 13:30:39 GMT+0100”;    

1.5. Em 9/05/2013, a ré e ora apelante apresentou o requerimento reproduzido a fls. 43-47 a arguir a extemporaneidade do rol apresentado pela autora;

1.6. Por sua vez, a autora e ora apelada respondeu a tal arguição, através do requerimento de fls. 32-36, a sustentar a tempestividade do referido rol, pedindo, subsidiariamente, o apuramento de anomalia que teria ocorrido na transmissão da mensagem.

         1.7. Subsequentemente, foi proferido o despacho reproduzido a fls. 53, datado de 11/06/2013, aqui impugnado, com o seguinte teor:

            Rol de testemunhas de fls. 389 (ré) e 543 (autora).

O rol de testemunhas da autora é tempestivo, uma vez que, havendo reclamações contra a selecção da matéria de facto, como foi o caso, esse prazo apenas se inicia com a decisão dessas reclamações (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Maio de 2007, in www.dgsi.pt).

Assim, por tempestivo e regular, admito os róis de testemunhas em epígrafe. 

            2. Apreciação

Como acima ficou enunciado, a primeira questão que se coloca é a de determinar qual o prazo legal para a autora apresentar o seu rol de testemunhas e a partir de que momento se conta tal prazo.

O Tribunal a quo, contornando a questão controvertida da data da expedição do requerimento probatório apresentado pela autora e ancorando-se no aresto desta Relação, de 03/05/2007[1], considerou que o prazo então previsto no art.º 512.º do CPC, em caso de haver reclamação, como no caso houve, se iniciava com a decisão sobre essa reclamação, concluindo assim pela tempestividade do rol apresentado.  

Sobre esta questão, a apelante sustenta que aquele prazo era de 15 dias a contar da notificação às partes do despacho saneador, sem prejuízo da faculdade de alterar o mesmo em decorrência da decisão sobre as reclamações eventualmente deduzidas sobre a selecção da matéria de facto.

Por seu lado, a apelada contrapõe, no essencial, a tese perfilhada pelo despacho recorrido, ancorando-se no indicado aresto do Tribunal da Relação de Lisboa e ainda no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-05-2013, proferido no processo n.º 310/12.4TCGMR-A.G1[2].

Vejamos de que lado estará a razão.

Ao caso dos autos é aplicável o regime do CPC em vigor antes da Reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Antes, porém, importa ter presente que, no domínio do CPC em vigor antes da Revisão de 95/96, introduzida pelos Decretos-Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-09, o artigo 512.º, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 242/85, de 09-07, prescrevia o seguinte:

Na notificação da falta de reclamações contra a especificação e o questionário ou do despacho que decidir as reclamações, a secretaria, independentemente de despacho, advertirá as partes para, em 10 dias, apresentarem o rol de testemunhas e requererem outras provas ou alterarem o requerimento das provas que hajam feito nos articulados.

         Como é sabido, no quadro desse regime, a fase de saneamento e condensação culminava na prolação escrita, sob a forma de peça única, do despacho saneador e da especificação e questionário, cuja notificação às partes abria o prazo para as reclamações contra a especificação e questionário (então art.º 511.º, n.º 3).

Não tendo sido apresentadas quaisquer reclamações ou decididas as que tivessem sido deduzidas, seguia-se então a notificação oficiosa prevista no artigo 512.º acima transcrito para a apresentação pelas partes dos requerimentos probatórios ou alteração dos já porventura oferecidos com os articulados.     

         Nessa conformidade, nunca se colocava então a questão de eventual alteração dos requerimentos probatórios como mera decorrência da decisão das reclamações, já que o prazo geral para a apresentação de tais requerimentos só se iniciava depois de esgotado o prazo para a dedução das reclamações, não as havendo, ou da decisão proferida sobre as que tivessem sido apresentadas. Só em caso de dedução de articulados supervenientes que implicasse aditamento do questionário é que às partes era concedido o direito de apresentarem novas provas que deviam ser logo oferecidas com tais articulados e respectivas respostas (então art.º 506.º, n.º 3, in fine).

   Sucede que este regime foi profundamente alterado com a sobredita Revisão de 95/96, passando então as reclamações e a apresentação dos requerimentos probatórios a ter lugar, concentradamente, na audiência preliminar, quando a ela houvesse lugar, salvo se alguma das partes, com fundadas razões, requeresse a fixação de prazo para a apresentação das provas, nos termos do artigo 508.º-A, n.º 1, alínea e), e n.º 2, alínea a), do CPC.

No entanto, quando não houvesse lugar a audiência preliminar, as reclamações contra a selecção da matéria de facto poderiam ser deduzidas no início da audiência final, como se previa na redacção originária do art.º 508.º-B, n.º 2, do referido Código.

         Por sua vez, o n.º 1 do então artigo 512.º prescrevia que:

   Quando o processo houver de prosseguir e se não tenha realizado a audiência preliminar, a secretaria notifica as partes do despacho saneador e para, em quinze dias, apresentarem o rol de testemunhas, requererem outras provas, ou alterarem os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados, e requererem a gravação da audiência final.

         A par disso, o art.º 512.º-A consignava que:

   1. O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.

   2. Incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do adicionamento ou alteração do rol previsto no número anterior.

E também o artigo 650.º, n.º 2, alínea f), 3 e 5, previa, em sede de audiência final, a hipótese de ampliação da base instrutória, a reclamação das partes contra essa ampliação e, nessa decorrência, a faculdade de indicarem outros meios de prova, respeitando os limites para a prova testemunhal, fazendo-o imediatamente ou, não sendo isto possível, no prazo de 10 dias.   

Relativamente aos articulados supervenientes que implicassem aditamento da base instrutória, mantinha-se a regra do oferecimento das provas com o respectivo articulado e com a resposta (então art.º 506.º, n.º 5).

Torna-se assim evidente que o legislador de 95/96, movido por razões de economia e de celeridade processual, não só concentrou os mecanismos de reclamação contra a selecção da matéria de facto e de apresentação das provas na audiência preliminar, como também, em caso de dispensa desta, mormente através da redacção dada ao artigo 512.º, deixou de fazer depender o prazo para a apresentação das provas do esgotamento prévio do procedimento de reclamação, sem prejuízo da faculdade concedida às partes de alterarem o rol de testemunhas, fosse por via do art.º 512.º-A, fosse ao abrigo do art.º 650.º, n.º 3.   

Posteriormente, quiçá para evitar a perturbação gerada na dedução de reclamações contra a selecção da matéria de facto em sede de audiência final, o Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08-03, veio dar nova redacção ao n.º 2 do artigo 508.º-A, prescrevendo que, em caso de dispensa da audiência preliminar, as reclamações fossem, após contraditório, logo decididas, sem alterar, no entanto, nesta parte, o preceituado no artigo 512.º, n.º 1. De referir que, nestes casos, as reclamações contra a selecção da matéria de facto com base em qualquer dos fundamentos previstos no n.º 2 do art.º 511.º devem ser deduzidas no prazo geral de 10 dias estabelecido no art. 153.º do CPC, a contar da notificação do despacho saneador e de condensação.   

Essa alteração, fazendo recuar o mecanismo das reclamações, levava a que a necessidade de alteração do rol de testemunhas em decorrência da decisão sobre as reclamações apresentadas se fizesse sentir já antes da audiência final, esvaziando, nessa medida, a aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 650.º, nos casos em que o aditamento à base instrutória resultasse daquela decisão e sem que se previsse norma expressa para tal vicissitude.     

Por outro lado, a faculdade de alteração do rol de testemunhas prevista no art.º 512.º-A não responde cabalmente a essa necessidade, porquanto, não estando necessariamente associada à decisão sobre as reclamações, contém até um regime mais gravoso como é o ónus de as partes apresentarem as novas testemunhas indicadas.   

Este era, pois, o regime estabelecido à data dos factos aqui em causa.

Ora, perante esse quadro normativo, a solução adoptada pelo citado acórdão desta Relação, de 03/05/2007, secundada pelo acórdão da Relação de Guimarães, de 07/05/2013, proferido no processo 310/12.4TCGMR-A.G1, perfilhada pelo tribunal recorrido e sufragada pela apelada, foi a de considerar que, havendo reclamações, o prazo previsto no artigo 512.º, n.º 1, do CPC teria como termo a quo a data da notificação do despacho que incide sobre as reclamações.

Salvo devido respeito, não se afigura que esse seja o entendimento mais consentâneo com a lei pelas razões que se seguem.

Em primeiro lugar, tal como ficou acima dito, o legislador de 95/96 deixou bem claro, na então nova redacção do n.º 1 do artigo 512.º, que, em caso de dispensa de audiência preliminar, o início do prazo ali estabelecido para a apresentação dos requerimentos probatórios, incluindo o rol de testemunhas, passava a não depender do mecanismo das reclamações contra a selecção da matéria de facto, mas simplesmente da notificação do despacho saneador. Pretender agora que, nesses casos, tal prazo se conte a partir da notificação da decisão das reclamações deduzidas é afinal repristinar o regime pregresso da apresentação da prova só depois de fixado o questionário, o que o legislador bem quis liquidar[3].     

Assim, à luz do regime introduzido pela Revisão de 95/96, para efeitos de interpretação do artigo 512.º, n.º 1, há que distinguir, por um lado, o direito/ónus das partes de apresentarem as provas ali previsto e por outro, a faculdade de alterarem posteriormente os requerimentos probatórios nesse contexto apresentados, nomeadamente em consequência de aditamento à base instrutória decorrente de decisão sobre as reclamações.  

De resto, tem de se reconhecer que nem sempre as reclamações sobre a selecção da matéria se reconduzirão a aditamento da base instrutória, podendo, por exemplo, consistir apenas na mera inclusão de factos assentes omitidos ou na simples clarificação ou concretização de factos já vertidos na base instrutória[4]. Nessa medida, fazer depender o início do prazo previsto no n.º 1 do artigo 512.º da apresentação de qualquer reclamação contra a selecção da matéria de facto parece traduzir-se numa generalização excessiva de deferimento daquele prazo, tão claramente contrariada pelo legislador de 95/96.

Acresce que, ficando esse prazo dependente de apresentação de reclamação por qualquer das partes, tornar-se-á, à partida, mais incerto o início de contagem do mesmo, o que pode até redundar nalguma vantagem para a parte reclamante em detrimento da que não pretenda reclamar. Basta pensar que, quando uma das partes só deduza a sua reclamação no terceiro dia útil subsequente ao termo do respectivo prazo, a outra parte, que não pretenda reclamar, só nessa altura é que saberia que afinal o prazo para apresentar as provas se estenderia, enquanto que aquela já teria por certa tal extensão. Nem se afigura justo que, nesses casos, só a parte reclamante beneficiasse de uma tal extensão.    

Não se ignora que a parte reclamante não possa ser prejudicada também no seu direito a apresentar prova em vista da decisão da sua reclamação, mas daqui não se segue que este direito passe por lhe deferir o prazo de apresentação de todas as provas para 15 dias a contar da notificação da decisão da reclamação; bastará atribuir-lhe o direito de alterar os requerimentos probatórios já apresentados em tempo, tanto mais que o resultado que lhe possa ser favorável da decisão da reclamação será episódico e parcelar. Aliás, é também o que sucede nos casos de apresentação de articulados supervenientes e de ampliação da base instrutória na audiência final, como foi dito.

Em suma, face ao citado artigo 512.º, n.º 1, a situação com que nos deparamos é, de certo modo, com uma espécie de lacuna de fixação legal de prazo para alterar os requerimentos probatórios apresentados nos termos desse normativo, nos casos em que ocorra aditamento da base instrutória por decorrência de reclamação contra a selecção da matéria de facto, ressalvada, obviamente, a faculdade de alterar o rol de testemunhas na hipótese e com as condicionantes previstas no art.º 512.º-A do CPC.

Ora, a integração dessa lacuna deverá ser feita, em primeira linha, por apelo à norma aplicável a casos análogos, à luz das razões subjacentes ao caso previsto que se justifiquem para o caso omisso, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 e 2, do CC.    

Nessa linha, pelas razões já expostas, não se vê que a dedução de reclamação contra a selecção da matéria de facto, quando não haja lugar a audiência preliminar, justifique, sem mais, o deferimento do início do prazo estabelecido no n.º 1 do art.º 512.º para o momento da notificação da decisão sobre a reclamação apresentada.

Mais adequada parece ser a solução consagrada no art.º 650.º, n.º 3, do CPC para os casos em que ocorra ampliação da base instrutória na audiência final, ou seja, conferir às partes o direito de, no prazo de 10 dias a contar da decisão da reclamação, alterarem os requerimentos probatórios apresentados para prova dos factos aditados, sem prejuízo, porém, do disposto no citado art.º 512.º-A.  

No caso presente, a autora apresentou o rol de testemunhas reproduzido a fls. 39, cujo data de expedição constante de fls. 41 é de 07/05/ 2013 e portanto muito para além do termo do prazo iniciado com a notificação para tal efeito elaborada em 12/03/2013 e presumidamente ocorrida em 15/03/2013, nos termos da versão actualizada do art.º 21.º-A, n.º 5, da Portaria n.º 114/2008, de 06-02, e do art.º 254.º, n.º 5, do CPC, pelo que tal prazo terminaria em 08/04/2013.

Todavia, a mesma autora o que veio então alegar que teria havido lapso na transmissão dessa mensagem, apresentando o documento de fls. 40, com vista a demonstrar que a mensagem foi expedida em 08/04/2013. Note-se que nem a autora sustentou então a tese de que tal prazo só se contaria a partir da notificação da decisão de reclamação, questão que só agora suscita no âmbito deste recurso.

Nestas circunstâncias, perfilhada aqui como foi a orientação de que a reclamação deduzida contra a selecção da matéria de facto não defere o início do prazo previsto no art.º 512.º, n.º 1, do CPC para o momento da notificação da decisão dessa reclamação, o que há que apurar é precisamente qual a data efectiva em que a mensagem foi expedida pela autora por via do CITIUS: se em 07/05/2013, como consta de fls. 41, ou em 08/04/2013, como sustenta a apelada.

Sucede que os presentes autos não contêm os elementos necessários para tal apuramento ou mesmo para ponderar a necessidade de realização de alguma diligência com vista a esse apuramento.

Assim sendo, resta apenas revogar o despacho recorrido e ordenar que sejam apreciados os elementos de prova existentes nos autos principais, com eventual recolha de informação sobre a alegada anomalia, de modo a decidir se o rol de testemunhas apresentado pela autora foi expedido para o tribunal dentro do prazo de 15 dias, incluindo os três dias úteis subsequentes ao seu termo com penalização, a contar da notificação do despacho saneador, nos termos do art.º 512.º, n.º 1, do CPC.    

 

IV - Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e, em sua substituição, ordenando-se que seja apreciada a prova constante dos autos, ou que se mostre ainda necessário e viável colher, com vista a decidir se o rol de testemunhas apresentado pela autora é tempestivo, atento o prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho saneador. 

As custas do recurso ficam a cargo da parte que ficar vencida na questão em apreço.        

 Lisboa, 20 de Maio de 2014

Manuel Tomé Soares Gomes

 Maria do Rosário Oliveira Morgado   

 Rosa Maria Ribeiro Coelho


[1] Ac. do TRL, de 03-05-2007, relatado pela então Exm.ª Juíza Desembargadora Ana Paula Boularot, no processo 2593/2007-2, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jtrl.
[2] Relatado pela Exm.ª Juíza Desembargadora Manuela Bento Fialho disponível na Internet – http:// www.dgsi.pt/jtrg.
[3] Neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-03-2014, relatado pelo Exm.º Juiz Desembargador José Carvalho, no processo n.º 494/11.9TBSTS-B.P1, disponível na Internet - http:// www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Sobre este ponto, vide o acórdão citado na nota precedente.