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CONCESSIONÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
REQUISITOS
AUTO-ESTRADA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILISÃO
Sumário
1. A concessionária de uma autoestrada só consegue elidir a sua presunção de culpa nos acidentes devidos a objetos surgidos na faixa de rodagem (art. 12 da Lei 24/2007, de 18 de julho) se provar que o facto que deu origem ao acidente se deveu à intervenção de outrem, e de tal forma que, mesmo tomando a concessionária todas as medidas razoáveis de cautela para evitar o acidente, ele teria igualmente ocorrido devido a essa intervenção, ainda que meramente negligente. 2. Neste caso, a concessionária terá de demonstrar qual o facto independente da sua ação de vigilância que não deixou que ela tivesse tido sucesso: por exemplo, se foi uma lamela que surgiu na faixa de rodagem, e provocou o acidente, a concessionária teria de demonstrar que a lamela foi lá colocada deliberadamente ou negligentemente, por ação humana ou por evento da natureza, independentemente de todos os cuidados que a concessionária pudesse ter tomado para vigiar a segurança da autoestrada. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
O Tribunal de Comarca de V… julgou improcedente a ação intentada por L, Veículos e .., Lda (autora, recorrente) contra B, S.A. (1ª ré, 1ª recorrida) e em que teve intervenção principal provocada a Companhia de Seguros.., S.A. (2ª ré, 2ª recorrida), e assim absolveu as rés do seguinte pedido: condenação na quantia de € 21.030,58, com juros legais vincendos, por um acidente de viação ocorrido em 2007.12…. na A1, concelho de ….
Recorreu a autora, pedindo que se altere a decisão de absolvição, condenando-se as rés no pedido.
Ambas as rés, em contra-alegações separadas, pediram que se confirme a sentença.
Cumpre decidir se deve considerar-se não provada a matéria constante dos factos 1 a 20, tal como constam da sentença, se deve considerar-se provada matéria constante dos factos 21, 23, 26, 27 e 28 do requerimento inicial, e se, em consequência, devem as rés ser condenadas no pedido.
Fundamentos
Factos
O Tribunalrecorrido julgou provados os seguintes factos:
1) A autora é uma sociedade que se dedica à actividade entre outras actividades, à venda de veículos, embarcações de recreio, máquinas e diversos equipamentos (cfr. artigo 1º da Petição Inicial).
2) No dia … de Dezembro de 2007, pelas …, o veículo T, com a matrícula …-…-…, propriedade da autora, circulava na autoestrada A1, no sentido Norte-Sul, ou seja, V… – A…, ao Km …, conduzido por AG, funcionário da autora (cfr. artigo 2º da Petição Inicial).
3) O veículo T seguia na hemi-faixa esquerda atento o seu sentido de marcha (cfr. artigo 3º da Petição Inicial).
4) O veículo T circulava a cerca de 100-110 km/hora (cfr. artigo 4º da Petição Inicial).
5) No local do sinistro a estrada configura uma recta, a qual é antecedida por uma curva à direita atento o sentido de marcha do veículo (cfr. artigo 6º da Petição Inicial).
6) No local do acidente, a A1 configura uma recta (cfr. artigo 6º da Petição Inicial).
7) A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida em três hemi-faixas de rodagem em cada um dos sentidos, Norte/Sul, separadas por um separador central, destinando-se as hemi-faixas de rodagem ao trânsito de veículos em cada um dos sentidos (cfr. artigo 7º da Petição Inicial).
8) O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e seco (cfr. artigo 8º da Petição Inicial).
9) O condutor da viatura da autora seguia na faixa da esquerda atrás de um veículo pesado, sendo que na hemi-faixa da direita se encontrava com uma fila de trânsito (cfr. artigo 9º da Petição Inicial).
10) Ao acercar-se do km …, o condutor do veículo automóvel de marca T perdeu o controlo do mesmo e foi embater no separador central e veio-se a imobilizar junto à berma do lado direita da hemi-faixa atento o sentido que seguia (cfr. resposta aos artigos 10º a 13 da Petição Inicial).
11) O condutor do veículo automóvel de marca T apresentou ao agente da Guarda Nacional Republicana que tomou conta da ocorrência uma lamela verde, alegando que tinha sido a mesma a dar causa ao acidente (cfr. resposta ao artigo 20 da Petição Inicial).
12) Na sequência do embate sofrido pelo referido veículo da autora, este sofreu danos materiais, (cfr. resposta ao art. 21 da Petição Inicial).
13) A autora interpelou, por diversas vezes, a ré no sentido de esta proceder ou à reparação da viatura ou ao pagamento de todos os danos sofridos pela autora, sem que tivesse obtido qualquer resposta (cfr. resposta ao artigo 22 da Petição Inicial).
14) A autora mandou reparar a viatura em questão, tendo despendido quantia não concretamente apurada (cfr. resposta ao art. 23 da Petição Inicial).
15) A viatura em causa destina-se ao exercício da actividade comercial da autora, sendo utilizada pelos seus funcionários como o condutor da viatura supra identificado, no exercício das suas funções comerciais, tais como visitas que tem de efectuar aos clientes, no acompanhamento de projectos, etc. (cfr. resposta dada ao artigo 25 da Petição Inicial).
16) Enquanto a viatura acidentada da autora esteve a reparar, a autora alugou uma outra viatura de substituição para o exercício da sua actividade (cf. resposta ao art. 27 da Petição Inicial).
17) A B, S.A., é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração das autoestradas referidas na Base I anexa ao Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, e, de entre as autoestradas ali referidas, conta-se a Autoestrada A1 (cfr. resposta dada ao artigo 2º da contestação da ré B).
18) Por causa das indemnizações que, nos termos da lei, em consequência das actividades da concessão, sejam devidas a terceiros, a B, S.A., por contrato de seguro, garantiu a sua responsabilidade civil até ao montante de € 750.000, pelas indemnizações que, de conformidade com a lei, possam ser-lhe exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A1, conforme se alcança da apólice nº 87/38.299 (cfr. resposta dada ao artigo 3º da contestação da ré B).
19) Pelo referido contrato de seguro, a F garantiu, até ao montante de € 750.000, a responsabilidade civil pelas indemnizações que, nos termos da legislação em vigor, sejam exigidas à B, S.A., por prejuízos causados a terceiros na sua integridade física ou no seu património, quando resultantes de actos ou factos que integrem a responsabilidade civil coberta pelo seguro (cfr. resposta dada ao artigo 4º da contestação da ré B).
20) Às 11 horas e 2 minutos, o portageiro informou a central da B da ocorrência, sendo de imediato accionados os meios para o local – B Assistência Rodoviária e Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (cfr. resposta dada ao artigo 8º da contestação da ré B).
21) A B, ao longo das suas autoestradas, em todas elas, efectua vigilância constante, cadenciada e permanente, através das suas patrulhas, para detecção e verificação de situações anómalas, pondo termo às mesmas (cfr. resposta dada ao artigo 9º da contestação da ré B).
22) De facto, a ré B tem ao seu dispor meios efectivos de fiscalização, compostos por veículos automóveis que, constantemente, 24 sobre 24 horas, circulam pelas várias autoestradas do país, compreendidas no contrato de concessão, a fiscalizar, a verificar e a solucionar eventuais problemas que surjam e a prestar assistência aos demais utentes dessas mesmas vias (cfr. resposta dada ao artigo 10º da contestação da ré B).
23) A última patrulha da ré B com passagem pelo local do acidente verificou-se cerca das 10 horas e 20 minutos, e foi efectuada pelo mecânico EA.. (cfr. resposta dada ao artigo 11 da contestação da ré B).
24) Nessa altura nada se encontrava na via (cfr. resposta dada ao artigo 12 da contestação da ré B).
25) Que estava completamente limpa (cfr. resposta dada ao artigo 13 da contestação da ré B).
26) A B remove sempre, com a máxima brevidade possível, todo o obstáculo à boa circulação (cfr. resposta dada ao artigo 14 da contestação da ré B).
27) A ré B não foi informada da alegada presença na via de uma lamela (cfr. resposta dada ao artigo 16 da contestação da ré B).
28) No dia 11 de Dezembro de 2007, antes do acidente a ré B efectuou, no local, os patrulhamentos habituais de rotina, com a frequência regular, passando a patrulha com intervalos de 2 horas/2 horas e 30 minutos em cada ponto quilométrico da A1, no troço compreendido entre Sacavém e vila Franca (cfr. resposta dada ao artigo 25 da contestação da ré B).
29) Um objecto pode, instantaneamente, surgir na faixa de rodagem (cfr. resposta dada ao artigo 26 da contestação da ré B).
30) O pessoal de vigilância e de vigilância e de manutenção da B não detectou nesse local, antes do acidente, a presença de qualquer objecto na faixa de rodagem (cfr. resposta dada ao artigo 28 da contestação da ré B).
31) Também a Guarda Nacional Republicana não detectou, em tais circunstâncias de tempo e lugar, a presença do obstáculo na via (cfr. resposta dada ao artigo 29 da contestação da ré B).
32) Porque à semelhança da ré B, a Guarda Nacional Republicana - Brigada de Trânsito procede ao patrulhamento constante das autoestradas da concessão, 24 horas sobre 24 horas (cfr. resposta dada ao artigo 30 da contestação da ré B).
33) Não foi, igualmente, comunicada à B por nenhum utente a presença de qualquer objecto na autoestrada (cfr. resposta dada ao artigo 31 da contestação da ré B).
34) O auto de ocorrência elaborado pelo agente da Guarda Nacional Republicana foi elaborado de acordo com o que viu no local do acidente e com base nas declarações do interveniente (cfr. resposta dada ao artigo 42 da contestação da ré B).
35) O contrato de seguro celebrado entre as duas rés ficou sujeito a uma franquia ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo da ré B de Esc. 150.000$00, ou € 748,20, por sinistro (cfr. resposta dada ao artigo 2º da Contestação da ré F).
36) A autora é sujeita passiva de IVA (cfr. resposta dada ao artigo 8º da Contestação da ré F).
Análise jurídica Considerações do Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:
No caso em apreço, pretende a autora ser indemnizada pelos danos que alegadamente sofreu em consequência do acidente de viação que descreve e que atribui à existência de uma lamela na autoestrada.
O crescimento exponencial da rede de autoestradas, acompanhado do crescimento, também exponencial, dos acidentes aí ocorridos, provocados, grande parte das vezes, pelo atravessamento inopinado de animais e acompanhado do aumento significativo das acções de indemnização interpostas pelos automobilistas sinistrados contra a concessionária B, despoletou a “acesa discussão” que se tem travado, nos últimos anos, nos tribunais portugueses, sobre a natureza da responsabilidade civil a que essa concessionária fica sujeita perante os utentes das suas autoestradas - contratual ou extracontratual?
…
Da mesma forma, não se ignora que a controvérsia “agitada” que se tem feito sentir sobre a natureza desta responsabilidade centra toda a sua relevância na questão crucial da distribuição do ónus da prova.
Com efeito, não é de todo indiferente colocar o ónus da prova da culpa da produção do resultado danoso na esfera do lesado - o utente - ou fazer pender esse ónus sobre a concessionária, a quem incumbe o dever de velar pela segurança da circulação rodoviária nas autoestradas.
Têm sido aventadas pela Jurisprudência e Doutrina três soluções distintas:
a) Responsabilidade contratual, apontando à presunção de culpa da concessionária no incumprimento de obrigações de segurança, nos termos do artigo 799, nº 1, do Código Civil, pressupondo a prova do incumprimento;
b) Responsabilidade extracontratual ou aquiliana, considerando que, na falta de qualquer presunção legal, recai sobre o lesado o ónus de provar não apenas a ilicitude (incumprimento de deveres legais destinados a tutelar terceiros), como a existência de culpa do concessionário, nos termos do artigo 487, do Código Civil; e
c) Uma “terceira via”, um meio-termo entre estas duas, que seria a responsabilidade emergente da existência de um contrato com eficácia de protecção de terceiros.
Sucede que entretanto foi publicada a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, a qual veio definir os direitos dos utentes de autoestradas concessionadas, itinerários principais ou itinerários complementares.
No seu artigo 12, nº 1, prescreve que “Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosa para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Quer dizer, e para o que aqui interessa, perante esta disposição é hoje claro que em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão da presença de objectos nas faixas de rodagem, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Ou seja, este dispositivo pôs fim à polémica relativa ao ónus da prova, remetendo a discussão sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias de autoestradas para fundamentos meramente teórico/académicos.
É certo que anteriormente discutia-se o ónus da prova da culpa e actualmente a lei alude ao ónus da prova do cumprimento. Entende-se, porém ser irrelevante esta particularidade, visto que também na responsabilidade contratual, como decorre do disposto no artigo 799, nº 1, do Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
Resulta desta presunção que ela abrange não só a culpa, mas também a própria ilicitude da acção ou omissão do devedor. Na origem do incumprimento existe sempre uma conduta ilícita do devedor, conduta essa também culposa (vide Professor Carneiro da Frada, in Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, págs. 92 e seguintes e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008 e de 9 de Setembro de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto).
Assim, face à disposição legal supra citada, existindo um objecto na faixa de rodagem de uma autoestrada e tendo o mesmo determinado, em termos de causalidade adequada, o acidente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária, isto é, à ré.
Resulta da Base XXXVI, nº 2 do contrato de concessão (Decreto-lei nº 294/97, de 24 de Outubro) que “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas, quer tenham por si sido construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação, sujeitas ou não ao regime de portagem”.
No que toca a caso de força maior excludente da responsabilidade da concessionária na manutenção das autoestradas em boas condições de comodidade e segurança, deve sublinhar-se que o conceito de «caso de força maior» não aparece definido naquela Base. Porém, a Base XLVII, nº 2, a propósito de isenção de responsabilidade da concessionária em razão da falta, deficiência ou atraso na execução do contrato, define o «caso de força maior», dizendo que “...se consideram casos de força maior unicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou circunstâncias pessoais da concessionárias, nomeadamente actos de guerra e subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos de concessão”.
Em sentido idêntico estabelece o nº 3 do artigo 12 da mencionada Lei nº 24/2007 que são excluídos da responsabilidade da concessionária “os casos de força maior que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Face ao estabelecido nesta Lei, pode dizer-se que hoje é permitido à concessionária a elisão da presunção de incumprimento em todos os casos e não apenas nos casos de força maior.
Para o que aqui interessa, importa apenas ter em conta a presunção de incumprimento das obrigações de segurança com que o nº 1 do referido artigo 12 passou a onerar a concessionária.
No caso em apreço resultou, em síntese, provado que:
1) No dia … de Dezembro de 2007, pelas …, o veículo T, com a matrícula …-…-…, propriedade da autora, circulava na autoestrada A1, no sentido Norte-Sul, ou seja, V… – A…, ao Km …, conduzido por AG, funcionário da autora.
2) O veículo T seguia na hemi-faixa esquerda atento o seu sentido de marcha, circulando a cerca de 100-110 km/hora.
3) No local do sinistro a estrada configura uma recta, a qual é antecedida por uma curva à direita atento o sentido de marcha do veículo.
4) A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida em três hemi-faixas de rodagem em cada um dos sentidos, Norte/Sul, separadas por um separador central, destinando-se as hemi-faixas de rodagem ao trânsito de veículos em cada um dos sentidos.
5) O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e seco.
6) O condutor da viatura da autora seguia na faixa da esquerda atrás de um veículo pesado, sendo que na hemi-faixa da direita se encontrava com uma fila de trânsito.
7) Ao acercar-se do km 21,580, o condutor do veículo automóvel de marca T perdeu o controlo do mesmo e foi embater no separador central e veio-se a imobilizar junto à berma do lado direita da hemi-faixa atento o sentido que seguia.
8) Na sequência do embate sofrido pelo referido veículo da autora, este sofreu danos materiais.
9) A B, ao longo das suas autoestradas, em todas elas, efectua vigilância constante, cadenciada e permanente, através das suas patrulhas, para detecção e verificação de situações anómalas, pondo termo às mesmas.
10) De facto, a ré B tem ao seu dispor meios efectivos de fiscalização, compostos por veículos automóveis que, constantemente, 24 sobre 24 horas, circulam pelas várias autoestradas do país, compreendidas no contrato de concessão, a fiscalizar, a verificar e a solucionar eventuais problemas que surjam e a prestar assistência aos demais utentes dessas mesmas vias.
11) A última patrulha da ré B com passagem pelo local do acidente verificou-se cerca das 10 horas e 20 minutos, e foi efectuada pelo mecânico EA.
12) Nessa altura nada se encontrava na via, que estava completamente limpa.
13) A B remove sempre, com a máxima brevidade possível, todo o obstáculo à boa circulação.
14) A ré B não foi informada da alegada presença na via de uma lamela.
15) No dia … de Dezembro de 2007, antes do acidente a ré B efectuou, no local, os patrulhamentos habituais de rotina, com a frequência regular, passando a patrulha com intervalos de 2 horas/2 horas e 30 minutos em cada ponto quilométrico da A1, no troço compreendido entre S… e V….
16) Um objecto pode, instantaneamente, surgir na faixa de rodagem.
17) O pessoal de vigilância e de vigilância e de manutenção da B não detectou nesse local, antes do acidente, a presença de qualquer objecto na faia de rodagem.
18) Também a Guarda Nacional Republicana não detectou, em tais circunstâncias de tempo e lugar, a presença do obstáculo na via.
19) Porque à semelhança da ré B, a Guarda Nacional Republicana -Brigada de Trânsito procede ao patrulhamento constante das autoestradas da concessão, 24 horas sobre 24 horas.
20) Não foi, igualmente, comunicada à B por nenhum utente a presença de qualquer objecto na autoestrada.
A questão é, pois, a de saber, se perante este quadro de facto, a ré logrou ou não elidir a presunção de incumprimento que sobre si impende, provando que actuou com diligência e sem qualquer culpa de sua parte.
Ora, salvo o devido respeito por entendimento contrário, é de entender que, no caso vertente, a resposta deve ser positiva.
Com efeito, a ré B CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A., provou que a produção do acidente não se ficou a dever a falta sua, nomeadamente à existência de um objecto na via e que neste caso tenha violado qualquer um dos seus deveres. Isto é, resulta da prova produzida em audiência que o acidente em que esteve envolvido o veículo automóvel da autora se ficou a dever ao facto do respectivo condutor ter perdido o controlo do mesmo e ido embater no separador central.
Consequentemente, torna-se impossível imputar o evento danoso em causa a um comportamento negligente por parte da ré B CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A., inexistindo, por isso, o necessário título para fazer repercutir na sua esfera jurídica os danos verificados (e subsequentemente na esfera jurídica da ré Companhia de Seguros F, S.A.).
Improcede, assim, a acção.
Conclusões do recorrente
A isto, opõe a recorrente L Lda as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao apreciar a prova produzida nos autos, e ao considerar provados os factos 1) a 20) tal como constam da douta sentença, a páginas 17 e 18.
2. Quanto à dinâmica do acidente, em detrimento do que se encontra alegado na petição inicial, o Tribunal a quo apenas considerou provado que “...ao acercar-se do km 21,580, o condutor do veículo automóvel de marca T perdeu o controle do mesmo e foi embater no separador central e veio-se a imobilizar junto à berma do lado direito da hemi-faixa atento o sentido que seguia.”, e nada mais.
3. Salvo o devido respeito as provas não foram analisadas pelo Tribunal a quo da forma mais correta! Nem quanto ao depoimento da testemunha AG, nem quanto à análise da lamela, cujas fotografias foram juntas com a petição inicial como Docs. 4 a 6, e que foi exibida na audiência de discussão e julgamento de 17 de fevereiro de 2012, tal como consta da própria ata, e confrontação com o depoimento das outras testemunhas.
4. A testemunha AG foi inequívoca quanto à forma como o acidente se deu, e quanto ao causa do mesmo, não se percebendo qual o motivo que levou o Tribunal a quo a não valorar o seu depoimento!
5. Ora, o artigo 396 do Código Civil estabelece que o depoimento das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, mas isto não determina a arbitrariedade na apreciação da prova, a valoração ou não dos depoimentos têm de ser fundamentados. E salvo o devido respeito a fundamentação do Tribunal a quo para a não valoração do depoimento da testemunha AG é obscura e duvidosa, como supra se deixou referido.
6. O Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas AGA e de EA, para desacreditar o depoimento da testemunha AG, contudo, o depoimento destas testemunhas é contrário à prova física, que é a lamela, que se encontra junta ao processo.
7. De facto o Tribunal a quo diz: “... bem como pela análise do objecto em questão, o qual se encontra seriamente amolgado e com marcas de vários pneus.”. Esta análise vai, portanto, contra o depoimento prestado por estas mesmas testemunhas, que afirmaram não existir nenhuma lamela na via quando fizeram o seu patrulhamento.
8. Da mesma forma, deveria ter sido valorado o depoimento da testemunha CR, porque coincidente com o depoimento da testemunha AG, mas que parece ter sido completamente ignorado pelo Tribunal a quo. Mas o Tribunal desvalorizou os depoimentos das testemunhas da Autora, sem que para tal tenha apresentado fundamentação coerente.
9. Há evidente contradição entre as provas apresentadas em Tribunal, nomeadamente as fotografias que foram juntas aos autos com a petição como DOC. 4 a 6, e a lamela apresentada em Tribunal de acordo com a ata de audiência de julgamento, de 17 de fevereiro de 2012, e as testemunhas das Recorridas, AGA e EA.
10.De facto, pela análise da lamela – fotografias juntas com a petição inicial como Docs. 4 a 6 e da própria lamela apresentada em Tribunal na audiência de 17 de fevereiro de 2012, conforme ata de audiência de julgamento – , só podemos concluir que, neste caso concreto, a mesma se encontrava na via há algum tempo – não podendo apurar-se quando!
11. A testemunha EA pretende fazer crer que numa patrulha efetuada sozinho numa viatura, que circula a oitenta quilómetros por hora, na faixa mais à direita, consegue ver todos os objetos que se encontrem na faixa mais à esquerda! Isto num local onde existem três faixas, e conhecido pelo seu volume de intenso trânsito a qualquer hora do dia – próximo do nó de A.. – o que torna o seu depoimento inverosímil e por tal facto, não deveria ter sido valorado pelo Tribunal
12.Assim como o que se encontra referido na própria resposta à matéria de facto pelo Tribunal a quo:
“IV: Exame de duas lamelas, uma das quais foi recolhida pela testemunha AG após o acidente e que apresenta marcas de pneus de diferentes viaturas, o que implica que várias viaturas passaram por cima da mesma.”
13. Fica contrariada, com os depoimentos das Testemunhas AGA e EA, transcritos supra, a impossibilidade de o acidente ter ocorrido da forma como se encontra descrito na petição inicial, ou seja, que se ficou a dever à presença da lamela na via, que provocou o despiste da viatura com a matrícula …-…-…, e confirmado pela testemunha AG, e também assim, o entendimento do Tribunal a quo de que a 1ª Recorrida logrou elidir a presunção de incumprimento das obrigações de segurança.
14. Na resposta à matéria de facto, quanto aos que constam da petição inicial, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:
“21. Em consequência directa e necessária do acidente em apreço, resultaram diversos danos na viatura …-…-…, nomeadamente aqueles melhor descritos no orçamento e factura que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, cuja reparação importou o valor de € 15.866,79 – conforme Docs. nºs 7 e 8 que se juntam e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.” (...)
“23. Sem qualquer resposta por parte da R. a A. teve, por conseguinte, de despender o montante de € 15.866,79 com a reparação da viatura, essencial ao exercício da sua actividade, que a Autora pagou à oficina que procedeu à reparação, conforme factura (cfr. Doc. junto com o no 8) e recibo de pagamento que se junta como Doc. nº 10.”
(...)
“26. Por esse motivo, e para além dos referidos prejuízos com os danos da viatura acidentada, a A. teve ainda que suportar prejuízos enquanto aquela esteve paralisada, desde a data do acidente e até à efectiva reparação da mesma, pois que a viatura acidentada era necessária ao exercício das funções profissionais do condutor, funcionário da A. como se disse supra.”
“27. Daí que, enquanto a viatura em causa se encontrou imobilizada, a A. teve que alugar, desde 11/12/2007 a 18/04/2008, outra viatura de substituição para o exercício da sua actividade com a qual despendeu os montantes correspondentes ao pagamento dos respectivos alugueres.”
“28. Os montantes assim despendidos pela A. com o referido aluguer cifraram-se no valor total de €5.163,79, conforme facturas e recibos que se juntam e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido – Docs. Nos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.”
15.A testemunha AG, que esteve diretamente envolvido no acidente, conseguiu, inequivocamente, descrever os danos sofridos pela viatura com a matrícula …-…-….
16. A testemunha, JC, na qualidade de funcionário da empresa que efetuou a reparação da viatura sinistrada com a matrícula …-…-…, teve também um depoimento coerente, descrevendo não só os danos da viatura, mas também a forma de elaboração do orçamento e respetiva faturação.
17.Ficou demonstrado que o pedido da Recorrente, na condenação das recorridas no pagamento da quantia de € 15.866,79, está devidamente comprovada, nomeadamente pelos documentos 7, 8, 10 e 11 juntos com a petição inicial.
18. A testemunha, CR, esteve presente no local do acidente, no dia em que ocorreu, tendo presenciado o estado em que a viatura com a matrícula …-…-… ficou após o acidente.
19. A Recorrente juntou aos presentes autos os documentos 7, 8, 10 e 11 juntos com a petição inicial. Os quais provam a quantificação dos prejuízos sofridos pela Recorrente. Aliás outro meio de prova não existe para prova do quantum dos danos, senão por meio de documentos.
20.Quanto à fatura, junta como Doc. nº 8 , e o orçamento junto como Doc. nº 7, a testemunha JC, cujo depoimento se encontra transcrito supra, explicou a divergência quanto ao número do orçamento e o que consta da fatura. Efetivamente, e como é do senso comum, na faturação há dados mais importantes que a referência ao orçamento, tais como a identificação da viatura, o que consta da mesma: matrícula, número do chassis, contagem de quilómetros.
21. Quanto ao aluguer de uma viatura de substituição, da viatura identificada no parágrafo anterior, também se encontram devidamente demonstrados e provados, pelos documentos juntos com a petição inicial, sob os nºs 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18. Sendo certo que, quanto a estes prejuízos também não existe outro meio de prova, que não a junção de faturas, não obstante as testemunhas terem sido perentórias em afirmar que o funcionário da Recorrente usou outra viatura, tendo mesmo sido comprovado que a viatura sinistrada ficou em estado que impossibilitava a sua circulação.
22. Ficou provado que na sequência do acidente, a viatura com a matrícula …-…-… ficou impossibilitada de circular, pelo que a Recorrente teve de alugar uma viatura para a sua substituição, tendo suportado os custos que constam das faturas juntas com a petição inicial como Docs. 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18. Prejuízos, esses, que ascendem à quantia de € 5.163,79.
23. Pelo que, na resposta à matéria de facto, o Tribunal a quo deveria ter respondido, quanto aos quesitos da petição inicial:
r) Artigo 21: Provado. (...)
t) Artigo 23: Provado. (...)
w) Artigo 26: Provado.
x) Artigo 27: Provado.
y) Artigo 28: Provado.
25. As Recorridas devem ser condenadas no pagamento da quantia de € 15.866,79, pelo prejuízos sofridos e suportados pela recorrente com a reparação da viatura com a matrícula …-…-…, como resulta dos documentos 7, 8, 10 e 11 juntos com a petição inicial, assim como no pagamento da quantia de € 5.163,79, como resulta dos documentos 12 a 18 juntos com a petição inicial, pelos prejuízos sofridos pela recorrente com o aluguer de uma viatura de substituição, tal para que o seu funcionário AG pudesse continuar a exercer as suas funções.
26. A decisão do Tribunal a quo deveria ter sido a condenação das recorridas no pagamento da quantia total de € 21.030,58, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, tal como peticionado pela ora Recorrente.
27. A norma legal do artigo 12 da Lei no 12/2007 de 18 de julho não foi corretamente aplicada nos autos em que agora se apresenta recurso. Sobre a 1ª Recorrida impendia o ónus de demonstrar inequivocamente o cumprimento do seu dever de vigilância das vias que lhe estão concessionadas, o que não conseguiu, face aos depoimentos transcritos supra das testemunhas AGA e EA.
28. O nº 2 do artigo 350 do Código Civil, estabelece que todas as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, mas, nem a 1ª Recorrida conseguiu fazer prova do contrário, nem o Tribunal a quo apreciou a prova de acordo com o que devia.
29. De facto, o próprio Tribunal a quo, na resposta à matéria de facto, última página, escreve:
“IV: Exame de duas lamelas, uma das quais foi recolhida pela testemunha AG após o acidente e que apresenta marcas de pneus de diferentes viaturas, o que implica que várias viaturas passaram por cima da mesma.”
30. Considerar que a 1a Recorrida conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre si recai e esta conclusão na apreciação da prova carreada para o processo, nomeadamente a lamela apresentada em audiência de discussão e julgamento, conforme ata de 17 de fevereiro de 2012, entram em completa contradição. Ao ser junto um meio de prova, e tendo o Tribunal a quo considerado que várias viaturas terão passado por cima da lamela que se encontrava na via, e que por isso mesmo tem de ter estado bastante tempo na via, não pode considerar que a 1ª Recorrida fez prova do cumprimento do seu dever de vigilância, só porque alegou que a Guarda Nacional Republicana - Brigada de Trânsito procede ao patrulhamento 24 horas sobre 24 horas, e que existe um patrulhamento habituais de rotina de 2 horas /2 horas e 30 minutos.
31. Desta forma, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que se transcreve parte do sumário:
“Perante o art. 12 da Lei 24/2007 de 18/7 é hoje claro que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.”
“Esta norma tem o carácter de interpretativa pelo que deve ter aplicação imediata.” “Face à presunção de incumprimento que sobre si impende, a Concessionária só afastará essa presunção, se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento.” – in processo no 08A2094 de 16 de setembro de 2009, www.dgsi.pt.
32. Também assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que se transcreve o sumário:
“I - Perante o art. 12 da Lei nº 24/2007 de 18-07 é hoje claro que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.”
“II - Esta norma tem o carácter de interpretativa pelo que deve ter aplicação imediata.”
“III - Entendemos ser impróprio falar-se que a Lei introduziu a responsabilidade objectiva para a concessionária. Não o fez, apesar de se considerar, face ao nosso entendimento, ter-se tornado mais difícil, mas não impossível, o afastamento da presunção de incumprimento que impende sobre si.”
“IV - A Concessionária só afastará essa presunção, se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento.”, in processo no 08P1856 de 9 de setembro de 2008, www.dgsi.pt.
33. A 1ª Recorrida não conseguiu demonstrar, de todo em todo, que a lamela que se encontrava na via, e junta na audiência de 17 de fevereiro de 2012, conforme a ata da audiência, não lhe é de modo algum imputável, assim como, não conseguiu demonstrar que o acidente se deveu a outro fator que não a presença da referida lamela na via. Pelo que, nunca poderia o Tribunal a quo decidir no sentido de que a 1ª Recorrida conseguiu ilidir a presunção de incumprimento que sobre si impende.
Conclusões da recorrida B S.A.
Mas a recorrida B S.A. objeta o seguinte:
Conclusões da recorrida F
E a recorrida F:
Pretende a recorrente alterar a matéria de facto julgada provada e, em consequência, que seja proferido Acórdão que julgue a acção procedente e condene os demandados no pedido.
Não tem a recorrente razão, devendo a sentença recorrida ser confirmada.
Na verdade, nenhuma censura merece a resposta dada à matéria de facto, tendo ficado suficientemente claro por que razão aquela, e não outra foi dada como assente e, sobretudo, porque razão não foi dado como provado que o acidente dos autos haja tido lugar em consequência da existência de uma lamela no pavimento que tenha sido pisada pelo veículo da A.
A este propósito lê-se no despacho que decidiu a matéria de facto:
(...) o Tribunal não considerou a versão da primeira testemunha quanto à causa do acidente se ter ficado a dever à existência de uma lamela na via, atento não só a isto ter sido negado pelas outras duas testemunhas, bem como pela análise do objecto em questão, o qual se encontra seriamente amolgado e com marcas de vários pneus.
«Ora, analisando o depoimento da testemunha AG, não se entende como é que o seu veículo passa com uma roda sobre a lamela em questão e não perde o controlo do mesmo e só quando passa com o rodado traseiro é que essa perda de controlo acontece. Ora, fazia todo o sentido que essa perda tivesse acontecido com a passagem da primeira roda, já que esta é da direcção da viatura.
«Além disso, nenhuma outra testemunha suportou a versão desta testemunha e nessa medida face às dúvidas suscitadas, não se pode considerar a versão da mesma quanto à causa da produção do acidente.»
Do que resulta por evidente que não pode considerar-se: primeiro, que existisse uma lamela na estrada ou que a exibida no Tribunal correspondesse a um objecto existente na via no momento do acidente; segundo, e menos ainda, que o acidente haja sido produzido por tal lamela.
Acrescendo ainda que, a existir uma qualquer lamela, a mesma sempre poderia ter sido projectada para a faixa de rodagem em consequência do embate do veículo da recorrente no separador central...
Na improcedência do recurso sobres estes concretos pontos da matéria de facto, há que considerar aqueles que, com relevância para a dinâmica do acidente, resultaram assentes nos autos:
8) O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e seco.
9) O condutor da viatura da autora seguia na faixa da esquerda atrás de um veículo pesado, sendo que na hemi-faixa da direita se encontrava com uma fila de trânsito.
10) Ao acercar-se do km 21,580, o condutor do veículo automóvel de marca T perdeu o controlo do mesmo e foi embater no separador central e veio-se a imobilizar junto à berma do lado direita da hemi-faixa atento o sentido que seguia.
11) O condutor do veículo automóvel de marca T apresentou ao agente da Guarda Nacional Republicana que tomou conta da ocorrência uma lamela verde, alegando que tinha sido a mesma a dar causa ao acidente.
Deste circunstancialismo importa considerar não poder concluir-se pela aplicação nos autos do disposto no art. 12, nº 1, do Decreto-Lei no 24/2007, de 18 de Julho.
Na verdade, não se demonstrou nos autos existirem objectos nas faixas de rodagem (arremessados ou não) e, muito menos, antes ou na ocasião do acidente; que existissem animais a atravessarem a via ou a presença de líquidos na via (o que, de resto, não foi sequer alegado).
Assim, não cabia a qualquer das demandadas qualquer «ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança» estabelecidas no contrato de concessão.
De resto, acrescenta o nº 2 daquela norma que «a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente». O que não aconteceu.
Assim, e para que a acção pudesse proceder sempre seria necessário demonstrar-se a existência de uma lamela na via, o que a recorrente não logrou fazer.
Do mesmo modo, e para que a ora recorrente pudesse beneficiar da inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações a cargo da R. B, sempre teria que resultar demonstrado que a GNR presente no local tivesse verificado no local ter sido essa a causa do acidente dos autos. O que a recorrente não logrou fazer, resultando até de fls. 26 dos autos estar em branco o campo da Participação de Acidente relativa a «Causas Prováveis» do acidente.
Assim, na falta da existência de qualquer lamela na estrada antes ou no momento do acidente, há que concluir ter o acidente resultado apenas e tão só da perda de controlo do veículo pelo condutor deste.
Responsabilidade que, de resto, se presume nos termos do arto 503, nº 3, primeira parte, do C. Civil.
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Factos que a recorrente pretende terem sido provados: arts. 21, 23, 26, 27 e 28 da p.i.
A recorrente L Lda pretende que se dê como provado os seguintes factos invocados na petição inicial (conclusões 14 e 23):
“21. Em consequência directa e necessária do acidente em apreço, resultaram diversos danos na viatura …-…-…, nomeadamente aqueles melhor descritos no orçamento e factura que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, cuja reparação importou o valor de € 15.866,79 – conforme Docs. nºs 7 e 8 que se juntam e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.” (...)
“23. Sem qualquer resposta por parte da R. a A. teve, por conseguinte, de despender o montante de € 15.866,79 com a reparação da viatura, essencial ao exercício da sua actividade, que a Autora pagou à oficina que procedeu à reparação, conforme factura (cfr. Doc. junto com o nº 8) e recibo de pagamento que se junta como Doc. nº 10.”
(...)
“26. Por esse motivo, e para além dos referidos prejuízos com os danos da viatura acidentada, a A. teve ainda que suportar prejuízos enquanto aquela esteve paralisada, desde a data do acidente e até à efectiva reparação da mesma, pois que a viatura acidentada era necessária ao exercício das funções profissionais do condutor, funcionário da A. como se disse supra.”
“27. Daí que, enquanto a viatura em causa se encontrou imobilizada, a A. teve que alugar, desde 11/12/2007 a 18/04/2008, outra viatura de substituição para o exercício da sua actividade com a qual despendeu os montantes correspondentes ao pagamento dos respectivos alugueres.”
“28. Os montantes assim despendidos pela A. com o referido aluguer cifraram-se no valor total de €5.163,79, conforme facturas e recibos que se juntam e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido – Docs. Nos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.”
A este respeito, o Tribunal recorrido deu como não provados os arts. 26 e 28 e, quanto aos restantes, julgou provado o seguinte:
12. Na sequência do embate sofrido pelo referido veículo da autora, este sofreu danos materiais (resposta ao art. 21 da p.i.).
14. A autora mandou reparar a viatura em questão, tendo despendido quantia não concretamen-te apurada (resposta ao art. 23 da p.i.)
16. Enquanto a viatura acidentada da autora esteve a reparar, a autora alugou uma outra viatura de substituição para o exercício da sua atividade (resposta ao art. 27 da p.i.)
Fundamentando as respostas relativas aos danos sofridos, o Tribunal observou que deles não foi feita prova cabal: “Com efeito, os documentos relativos a esses danos, mais precisamente à reparação da viatura acidentada apresentam discrepâncias que a testemunha JC não soube explicar. A isto acresce que os mesmos foram impugnados pelas rés, não tendo a autora produzido prova suficiaente que atestasse os mesmos”.
O despacho não explicita quais foram essas discrepâncias. Mas, tendo examinado aqueles documentos e ouvido o registo do depoimento de JC, podemos perceber que a fls. 34-39 foi apresentado um orçamento nº … de …, e a fls. 40 foi apresentada uma factura “Referente ao Nosso Orçamento nº …, de CA (L..); o total no orçamento nº … e na factura é o mesmo (€15.866,79). A testemunha não soube explicar a discrepância dos números dos orçamentos, embora tivesse dito que era a mesma reparação e não outra. Mas o seu depoimento foi isento e seguro.
Apreciando essa discrepância, só podemos concluir que tem de haver um lapso de escrita na factura, que refere o orçamento nº …, quando devia referir o orçamento nº …, sendo certo que o montante da reparação da factura condiz com aquele orçamento.
Assim, consideramos provado que o custo da reparação foi de € 15.866,79, conforme referido no orçamento 65 (fls. 39) e na factura (fls. 40), e no depoimento da testemunha JC, pagos pela autora (fls. 45) . Este valor é aliás confirmado pela peritagem de fls. 48. Rectificando-se a este respeito a matéria de facto, conforme consta dos factos provados 12 e 14.
Por outro lado, quanto ao período de imobilização da viatura para reparação, há que notar o seguinte: o acidente ocorreu em 11 de dezembro de 2007, mas só houve ordem de reparação em 13 de março de 2008. O orçamento nº 65 está datado de 3 de abril de 2008 (fls. 34). São quase 4 meses à espera de reparação. Mas a reparação propriamente dita só demorou 20 dias (factura de fls. 40).
Esta demora de 4 meses não parece excessiva a quem já tem experiência de recurso a uma grande oficina, sempre com grande lista de espera, como é a SC. Assim, julgamos provada a despesa de € 5.163,79 com a viatura de substituição utilizada pela autora, no período entre 11.dez.2007 e 18.abr.2008, conforme alegado nos parágrafos 27 e 28 da petição inicial, e que aqui foram considerados no facto provado 16, acima retificado (docs. de fls. 52 a 58).
Factos que a recorrente pretende terem sido provados: arts. 10 a 13 da petição inicial
Nos arts. 10 a 13 da petição inicial, a autora descreve a dinâmica do acidente, alegando que o condutor da sua viatura foi surpreendido porque havia uma lamela na hemi-faixa por onde seguia, da qual não teve tempo de se desviar, fazendo-o entrar em despiste.
A recorrente pede que se dê inteiramente como provados estes artigos (recurso a fls. 361, última linha, e conclusão 33), que são os seguintes:
10. Quando ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o sinistro, junto ao km 21,580, ocondutor do veículo é surpreendido por um objeto, um lamela, que se encontrava na hemi-faixa por onde seguia, o qual apenas se tornou visível para o condutor do veículo acidentado depois que o veículo pesado que seguia à sua frente passou por esse mesmo objeto.
11. (...) o condutor do veículo acidentado não teve tempo para se desviar do objeto, sendo certo que também não tinha espaço para se desviar, uma vez que do seu lado esquerdo existia o separador central e do seu lado direito a via estava ocupada com uma fila de trânsito.
12. E assim, as rodas do lado esquerdo do veículo acidentado passaram por cima do referido obstáculo, após o que o veículo entrou imediatamente em despiste, tendo perdido imediatamente a direção e rebentado um pneu do lado esquerdo da viatura.
13. E, a partir daí, com o veículo em despiste, o condutor não mais conseguiu ter qualquer controlo sobre a viatura, a qual se veio a imobilizar junto à berma do lado direito da hemi-faixa, atento o sentido que seguia.
Mas a este respeito o Tribunal recorrido julgou provado apenas o seguinte:
10) Ao acercar-se do km 21,580, o condutor do veículo automóvel de marca T perdeu o controlo do mesmo e foi embater no separador central e veio-se a imobilizar junto à berma do lado direita da hemi-faixa atento o sentido que seguia (cfr. resposta aos artigos 10º a 13 da Petição Inicial).
11) O condutor do veículo automóvel de marca T apresentou ao agente da Guarda Nacional Republicana que tomou conta da ocorrência uma lamela verde, alegando que tinha sido a mesma a dar causa ao acidente (cfr. resposta ao artigo 20 da Petição Inicial).
E fundamentou a resposta nos seguintes termos:
o Tribunal não considerou a versão da primeira testemunha [AG] quanto à causa do acidente se ter ficado a dever à existência de uma lamela na via, atento não só a isto ter sido negado pelas outras duas testemunhas [AGA e EA], bem como pela análise do objeto em questão, o qual se encontra seriamente amolgado e com marcas de vários pneus.
Ora, analisando o depoimento da testemunha AG, não se entende como é que o seu veículo passa com uma roda sobre a lamela em questão e não perde o controlo do mesmo e só quando passa com o rodado traseiro é que essa perda de controlo acontece. Ora, fazia todo o sentido que essa perda tivesse acontecido com a passagem da primeira roda, já que esta é da direção da viatura.
Além disso, nenhuma outra testemunha suportou a versão desta testemunha e nessa medida face às dúvidas suscitadas, não se pode considerar a versão da mesma quanto à causa da produção do acidente.
A testemunha AG ia a conduzir a viatura acidentada. A testemunha EA é o funcionário da B na altura encarregado de vigiar pelo estado de segurança da auto-estrada; a testemunha AGA é o militar da GNR que tomou conta da ocorrência (só viu a lamela depois de o condutor a ter recolhido na via). Mesmo admitindo que a testemunha EA não tivesse visto a lamela na altura em que tinha passado no local (cerca de uma horas antes – factos 1 e 23), isso não significa que a lamela não estivesse lá: podia um pesado ir a passar por cima da lamela na altura, impedindo-o de a ver; e, mesmo que não estivesse na faixa de rodagem às 10.20, podia ter caído na faixa de rodagem entre as 10:20 e as 11:15, hora do acidente. Estes depoimentos não contradizem o do condutor da viatura sinistrada
Por outro lado, a dúvida que se pode levantar é se o veículo da autora pisou a lamela e se despistou, ou antes se se despistou primeiro, bateu no separador central e fez depois cair a lamela. Mas se a viatura tivesse batido na lamela, fazendo-a cair, ela não iria cair na faixa onde a viatura da autora ia a circular; teria sido projetada para o outro sentido da circulação da auto-estrada, e seria difícil à testemunha ir buscá-la ao outro lado da auto-estrada, que está dividido pelo muro. De qualquer modo, se a lamela tivesse saltado com o choque da viatura no separador central, não estaria certamente calcada pelo rodado de viaturas, como se verifica a fls. 31-32 (não haveria tempo para isso).
Não é incompreensível que o condutor só tivesse sentido perder o controlo da viatura ao pisar a lamela com a roda de trás: pisa a lamela com a roda da frente e perde o controlo quando há um momentâneo desnível, essa roda deixa de estar em contato com o solo e a lamela é calcada pela roda de trás, como disse a testemunha AG.
Tudo isto faz-nos concluir pela total verosimilhança da versão desta testemunha AG, que não foi posta em causa pelos depoimentos das testemunhas AGA e EA, ao contrário do que observa a 1ª instância. Não havendo razões para duvidar dos três depoimentos, que foram isentos e seguros e não são contraditórios entre si, demos como provados os artigos 10 a 13 da p.i., que passaram a constituir os factos 37 e 38.
A matéria de facto apurada por esta Relação
Em consequência do que antecede, esta Relação altera a matéria de facto apurada pelo Tribunal recorrido, nos seguintes termos.
Os números 14) e 16) dos factos provados passam a ter a seguinte redação:
14) A autora mandou reparar a viatura em questão, tendo para tal despendido o montante de € 15.866,79 (cfr. acima decidido por este Tribunal da Relação; e fls. 39, 40 e 45).
16) Enquanto a viatura acidentada da autora esteve a reparar, a autora alugou uma outra viatura de substituição para o exercício da sua actividade, com o que despendeu a quantia de € 5.163,79 (cf. acima decidido por esta Tribunal da Relação, docs. de fls. 52 a 58; e resposta dada ao artigo 27 da Petição Inicial).
São acrescentados à matéria de facto os seguintes números 37) e 38):
37) No local onde veio a ocorrer o sinistro, junto ao km 21,580, estava caída uma lamela plástica oval oca de 72×22×6 que apenas se tornou visível para o condutor do veículo acidentado depois de o veículo pesado que seguia à sua frente por ela ter passado (fls. 286 e depoimento da testemunha AG);
38) O condutor do veículo acidentado não teve tempo para se desviar, e assim as rodas do veículo passaram por cima da lamela e entrou imediatamente em despiste, tendo perdido a direção e rebentado um pneu do lado esquerdo da viatura, imobilizando-se junto à berma do lado direito da hemi-faixa, atento o sentido que seguia (depoimento das testemunhas AG e AGA).
Em consequência, não foi elidida a presunção de culpa da ré B no acidente
Enquanto concessionária da autoestrada, a B tinha o ónus da prova de cumprimento das obrigações de segurança – base XXXVI.2 do contrato de concessão, DL 294/97, de 24 de outubro. Embora tivesse montado um serviço de vigilância para evitar a presença de objetos arremessados para a via, a verdade é que o acidente só pôde verificar-se porque aquele serviço de vigilância não esteve no local entre as 10:20 e as 11.15 horas do dia do acidente e não detetou a lamela que deu origem ao acidente – art. 12.1 da Lei 24/2007, de 18 de julho. Assim, não se verificou aqui uma das situações de exclusão de responsabilidade, constantes do art. 12.3 da mesma Lei.
É verdade que a Lei 24/2007 não introduziu o regime de responsabilidade objetiva para a concessionária em caso de acidentes em autoestradas; mas tornou tão difícil elidir essa presunção de culpa da concessionária, que se pode falar num regime de responsabilidade quase objetiva, ou quase de responsabilidade pelo risco. A concessionária só afastará essa presunção de culpa se conseguir provar que o facto que esteve na origem do acidente se deveu à intervenção de outrem, de tal forma que, mesmo tomando todas as medidas raoáveis de cautela para evitar o acidente, ele teria igualmente ocorrido devido a essa intervenção, ainda que meramente negligente. Terá de demonstrar qual o facto independente da sua acção de vigilância que não deixou que ela tivesse tido sucesso – cf. Ac.STJ de 9.set.2008, Proc. 08P156, www.dgsi.pt.
Por exemplo, no caso da lamela surgida na faixa de rodagem (que deu causa ao acidente), teria de demonstrar que ela foi lá colocada deliberada ou negligentemente por ação humana ou por evento da natureza, independentemente de todos os cuidados razoáveis que a concessionária pudesse ter tomado para vigiar a segurança da autoestrada.
Não foi aqui o caso: a lamela surgiu sabe-se lá porquê, e por muito atenta que tivesse sido a vistoria, passada de hora a hora ou mesmo de quarto em quarto de hora, o acidente teria igualmente ocorrido. Há uma relação de causalidade entre o aparecimento da lamela, o acidente, os prejuízos e as despesas com a reparação do carro e a sua substituição por outro durante essa reparação. Que são da responsabilidade da ré B. E a recorrida F é responsável como seguradora
Por isso, o seguro de responsabilidade civil tem de avançar indemnizando as vítimas de acidentes deste tipo. A indemnização por estes acidentes representa, afinal, uma despesa relativamente pequena nestes prejuízos, que são transferidos habitualmente do automobilista para o concessionário da autoestrada, e deste para a seguradora. No fundo, a legitimação para esta responsabilidade não assenta diretamente na culpa pela negligência em prevenir o acidente, mas sim na inexistência de causa de elisão de ónus da prova.
Mas como se justifica este regime legal aparentemente tão desfavorável para a concessionária e a sua seguradora? Para o entendermos, há que fazer aqui uma breve incursão pela análise eonómica do direito do urbanismo e do direito rodoviário. É o que faremos em seguida. Introdução à teoria jurídica do urbanismo
A teoria jurídica do urbanismo examina a distribuição espacial das populações entre o campo e as cidades, e as medidas legislativas para fazer face a esse processo de distribuição espacial. Nesse sentido, a teoria jurídica do urbanismo é tributária da teoria económica do urbanismo e da história económica da urbanização, exames que em muitos aspetos são até indestrinçáveis.
A teoria jurídica do urbanismo é, no fundo, a análise das externalidades associadas às relações jurídicas de vizinhança, de habitação e de comércio, e às correspondentes falhas de mercado.
As cidades no mundo moderno crescem porque o processo de desenvolvimento capitalista incentiva a produção e o consumo em espaços limitados (cf. O'Sullivan 2011, Piketty 2013 – ver as Referências abaixo indicadas). Assim, por necessidade de economias de escala, as cidades adquirem altas densidades populacionais, trânsito congestionado das respetivas populações e, como consequência, preços cada vez mais elevados dos locais de habitação e comércio – ao mesmo tempo que a indústria e a população industrial são relegadas para a periferia das cidades.
Em Portugal, como em outros países envolvidos na via do desenvolvimento capitalista, o processo de urbanização ao longo dos séculos XIX e XX levou à concentração de populações de baixos recursos nos subúrbios, isto é, na periferia das cidades, enquanto as populações de mais altos rendimentos se instalavam nos centros urbanos.
No primeiro censo demográfico que se fez em Portugal (1864), Lisboa e Porto reuniam em conjunto 6% da população nacional: respetivamente 170.000 e 90.000 habitantes (Carlos Medeiros 2000:241). Nessa altura o coeficiente de urbanização de todas as cidades do país era apenas de 11%, tendo crescido para 16% em 1911.
A macrocefalia de Lisboa não era só populacional, como nota Fernando Rosas (Rosas 2010:19). A administração pública gizada por Mouzinho da Silveira e aplicada pela Regeneração criou um estado essencialmente assente no caciquismo administrativo; e o Estado Novo reforçou essa máquina burocrática de funcionários públicos: no centro, o Terreiro do Paço, o Chiado, o Rossio; na orla os bairros residenciais e operários de Campo de Ourique, Alcântara, Maria Pia, Madre de Deus; e finalmente na periferia os subúrbios, Algés, Cacilhas, Buraca, Amadora.
Mas depois foi-se verificando uma redução de escala nas cidades. É certo que Lisboa e Porto concentravam 26,5% da população de Portugal em 1970, e 45% em 1981. Em 1991, Lisboa e Porto (centros urbanos) viram a sua população subir respetivamente para mais de 600.000 habitantes, e o Porto para cerca de 300.000: concentravam mesmo assim apenas 9,9 % da população nacional. Mas os subúrbios de Lisboa e Porto cresciam a uma escala nunca vista. A área Metropolitana de Lisboa (18 concelhos) cresceu quase um milhão de habitantes entre 1960 e 1981. E em 1991 já havia atingido 2,5 milhões de habitantes; a área metropolitana do Porto também cresceu bastante.
Suzanne Daveau notava em 2005 que, em consequência deste processo de concentração demo-gráfica, “a maior parte dos adultos de Lisboa passa diariamente longas horas em transportes públicos para ir trabalhar nos dias úteis, e para ir à praia nos fins de semana de verão” (Daveau 2005:211)
Este crescimento vertiginoso da necessidade de transportes públicos teve como resposta dos sucessivos governos uma explosão da rede rodoviária, sobretudo autoestradas, entre o centro urbano e a periferia (porque cedo se abandonou a opção inicial pelas vias férreas). E, com a maior facilidade inicial de transportes, um crescente congestionamento das excelentes autoestradas entretanto construídas.
O congestionamento sempre crescente das autoestradas, apesar da sua qualidade também crescente é um exemplo de escola da chamada tragédia dos comuns: é essa melhor qualidade que atrai justamente um aumento proporcional da procura, o aumento de velocidade dos condutores e um agravamento contínuo dos acidentes; assim como a melhoria da rede hospitalar parece fazer que acorram cada vez mais doentes aos serviços de saúde, que continuam superlotados. Deste modo, um melhoramento progressivo de condições objetivas envolve contraditoriamente a contínua degradação dos serviços, e não o contrário. É o aumento da oferta que atrai o aumento da procura.,
O direito rodoviário como capítulo do direito urbanístico
Este congestionamento crescente da rede de transportes rodoviários trouxe em si mesmo o aumento de acidentes de trânsito e a necessidade de regulamentar / atualizar a questão da responsabilidade civil, considerando o valor cada vez maior dos meios de transportes particulares utilizados, o número cada vez maior de acidentes, e portanto os prejuízos cada vez mais elevados deles decorrentes.
A noção de responsabilité civile não se encontrava no Code Civil napoleónico de 1804, que apenas tratava de délits et quasi-délits de natureza civil, no art. 1382 e seguintes. A responsa-bilidade civil foi uma construção dos tribunais franceses ao longo de um século (encimados pela Cour de Cassation), a partir de algumas disposições daquele código. Essa responsabilidade apoiava-se sobre as noções de causalidade e de imputação típicas da Europa das Luzes. A revolução industrial, os automóveis, as máquinas voadoras, tudo isso forçou os juízes a inventar uma responsabilidade pelo risco que não estava no texto legal, mas respondia aos problemas constantes da vida moderna.
O Código Civil de 1867 (Seabra) não previa a responsabiidade civil por acidentes de viação. Aí, o art. 2394 apenas estabelecia que “aquelle, cujos animaes ou outras cousas suas, prejudicarem a outrem, será responsável pela satisfação do prejuízo, excepto provando-se que não houve da sua parte culpa, ou negligencia”. Mais adiante, previa-se no art. 2398 que “as companhias, ou individuos constructores de estradas, e de caminhos de ferro, (…) bem como os emprezarios de viação por vapor, ou por qualquer outro sistema de transporte, serão responsaveis, não só pelos damnos, ou prejuizos causados á propriedade alheia, mas tambem pelo accidentes, que, por culpa sua ou de agentes seus, occorrerem à pessoa de alguém (…)”. Esta responsbilidade assentava pois na culpa, não se pondo sequer a possibilidade de responsabilidade objetiva.
Ainda um século mais tarde, o Código Civil de 1966 mantinha uma lógica essencialmente romanista-novecentista, ao encarar a responsabilidade civil pelos acidentes de viação: causalidade, culpa, nexo de imputação. Mas agora introduzia, a par dela, a noção de responsabilidade pelo risco aprendida da experiência judiciária francesa, prescindindo das considerações de culpa nos acidentes causados por veículos, salvo quando o acidente fosse imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou resultasse de força maior estranha ao funcionamento do veículo – art. 505 :CC.
Surgia então, em estreita ligação com estas considerações, a questão do seguro de responsabili-dade civil. O responsável pelos danos podia transferir para uma seguradora a sua responsabili-dade, livrando-se assim do pesadelo das elevadas indemnizações que os acidentes podiam envolver. Estavam estabelecidos limites máximos de indemnização sem culpa.
A análise económica da responsabilidade civil rodoviária
A moderna análise económica do direito desloca a questão da responsabilidade civil, do regime do tratamento do comportamento dos indivíduos para o regime do tratamento do próprio sistema de justiça que é chamado a intervir em situações de conflito.
Põe-se assim a questão não só de reparar a situação particular, o conflito que é levado à apreciação do tribunal, mas sobretudo a questão de corrigir o sistema legal e de justiça que intervém em situações de conflito. A análise económica do direito é, pois, desde logo uma prática crítica do direito.
Esta análise crítica parte das considerações da teoria económica do bem-estar, ela própria um ramo importante da micro-economia (a micro-economia é a parte da análise económica que se refere à tomada de decisões por pequenos grupos: indivíduos, famílias, associações, empresas, organismos do Estado; estuda o modo como os recursos escassos são por eles atribuídos em situações de utilização alternativa).
A análise micro-económica assume que os indivíduos, nessa tomada de decisões, se movem por considerações racionais. No entanto, só é possível um desenvolvimento jurídico destes pressupostos económicos nos limites e no quadro do direito vigente. Os indivíduos actuam normalmente nesse quadro jurídico como actores racionais.
Sobretudo, a primeira preocupação da análise económica do direito é eliminar os regimes jurídicos economicamente ineficientes. Aqui, o dispositivo legal da responsabilidade civil do nosso direito civil revela-se em muitos domínios economicamente ineficiente porque não contém um mecanismo suficientemente dissuasor da prática de ilícitos.
O direito da responsabilidade civil por acidentes rodoviários foi construído sobre o conceito de responsabilidade por facto ilícito civil nos direitos continentais.
O termo responsabilis não aparece nos dicionários de latim clássico. O que lá existe é respondeo, responder, refutar. O termo responsável, não ainda responsabilidade, só aparece na linguagem corrente, por volta de 1300, e depois é recebido no direito medieval francês: responsable. Éa posição de quem é chamado a responder em tribunal.
Em vão procuraremos responsibility nos dicionários jurídicos de língua inglesa: é uma noção da filosofia e não do direito. O que há no direito anglo-saxónico a liability, sujeição ou situação passiva, decorrente de um contrato, de um tort (ilícito) ou da lei.
A análise económica do direito, de matriz anglo-saxónica, estrutura-se a partir da law of torts que se constrói à volta das ideias de justiça, culpa, e redução dos prejuízos da vítima dos acidentes. Tort (torto, no antigo direito português medieval) é um legal wrong contra uma pessoa ou uma propriedade, na ausência de contrato: tort-feasor é o wrong-doer, aquele que tem de compensar outrem pelo tort praticado. Um economista do direito categorizado como Posner considera esta compensação ao mesmo tempo custosa e incompleta, logo ilusória (Posner 2003:201). Assim, a análise económica do direito procura colocar aqui a questão em termos do custo social dos acidentes e da sua redução, logo em termos de eficiência económica. (Richard Posner é Juiz do Tribunal Federal de Recursos dos EUA, 7º Círculo, 7th Circuit Court of Appeals – Illinois, Indiana, Wisconsin, com sede em Chicago).
A análise económica dos acidentes de trânsito surgiu, logo com os primeiros passos da law and economics, pela mão de Calabresi (1970), no seguimento do estudo pioneiro de Coase sobre o problema do custo social (Coase 1960) – que daria a este último o Prémio Nobel da Economia em 1991 – , depois batizado por G. Stigler como Teorema de Coase. Seguimos aqui a lição de Hirsch (1999:199-206).
Calabresi identificou três principais métodos de distribuição de riscos, como influenciando a frequência e gravidade dos acidentes de viação: risk-spreading, deep-pocket e deterrence. Risk-spreading, ou difusão do risco, resulta de generosos esquemas de segurança social, que fazem recair sobre a sociedade em geral os custos dos acidentes: e, assim, ninguém é levado a tomar medidas sérias para preveni-los. Uma modalidade de difusão de risco é a da responsabilidade das empresas: imputando a estas os prejuízos decorrentes dos acidentes, os condutores sentem-se exonerados da necessidade de evitá-los. Deep-pocket consiste em fazer recair as perdas sobre aqueles que têm melhores condições económicas para suportá-las. Há aqui, pois, um método de redistribuição de rendimentos, como as contribuições da segurança social. Deterrence, ou dissuasão, consiste em fazer recair as perdas sobre as atividades que causam os acidentes. Este método procura decidir qual a atividade que dá causa aos acidentes e em seguida deixa o mercado determinar se essas atividades justificam o custo social de compensar as perdas daí decorrentes. Assim, os custos dos acidentes são tratados como um dos custos em que incorre o condutor que sofre o acidente, condutor que terá de fazer o balanço entre os benefícios de utilizar uma viatura de determinado tipo e os custos daí decorrentes, como a oficina, o combustível e os eventuais acidentes. O condutor é, portanto, colocado perante um problema típico da economia de bem-estar. A solução conduz, em condições ideais a uma atribuição ótima dos recursos no mercado. Mas as eventuais falhas de mercado (monopólio, desemprego, distribuição desigual de rendimentos e outros factores) poderão impedir que se alcance aqui o ótimo de Pareto.
O sistema adotado pela nossa Lei 24/2007, que faz recair sobre as concessionárias, em larga medida, a responsabilidade pelos acidentes em autoestradas, responsabilizando-as quase sempre pelos acidentes aí ocorridos, mas permitindo-lhes transferir para uma seguradora a respetiva responsabilidade, é, ao fim e ao cabo, um sistema de risk-spreading mas disfarçado de deep- -pocket. Ao fim e ao cabo, quem suporta o risco não é a concessionária, mas sim a seguradora, e isso explica o zelo com que a F, chamada à ação, veio aqui acorrer em defesa da posição da B.
Mas, no fundo, quem socialmente suporta aqui os prejuízos dos acidentes nas autoestradas, não é a concessionária, e não é sequer a seguradora, é a sociedade no seu conjunto, isto é, os cidadãos que pagam os seus impostos e em particular os segurados que pagam os prémios dos seguros.
Este sistema só pode ser ponderado a partir de dados estatísticos sobre os seus efeitos, dados que não podemos analisar aqui. Só a ponderação dos resultados poderá fazer-nos partir para a análise crítica da solução legislativa encontrada. Mas pode desde já adiantar-se que o sistema de dissuasão praticado nos Estados Unidos levou a uma redução significativa de acidentes nas autoestradas – de 56.278 em 1972, para 40.300 em 1992. É preciso ter em conta que outros factores intervieram também aqui, como o uso de cintos de segurança, uma melhor regulamentação da construção de autoestradas, redução de taxas de alcoolemia (Hirsch 1999:201). Retomaremos esta questão, noutra oportunidade.
Referências
1960. RH. Coase, “The problem of social cost” – Journal of Law and Economics 3:1-44.
1970. G. Calabresi, The costs of accidents: a legal and economic analysis. Yale Univ. Press, New Haven, Conn.
1974. G.S. Tolley. The wellfare economics of city bigness. – J. Urban Economics 1974:1(3): 324-345.
1998. P. Mieszkowski, “Urban economics”. – The New Palgrave Dictionary of Economics. Vol 4:756-761.
1999. Werner Z. Hirsch, Law and economics. An introductory analysis. 358 pp., Academic Press, N.York
2000. Carlos Medeiros, Geografia de Portugal. Ambiente material e ocupação humana. Uma introdução. 279 pp., Ed. Estampa, Lisboa.
2003. R. Posner, Economic analysis of law. 6ª ed.,Little, Brown, Boston.
2005. Suzanne Daveau, Portugal geográfico. 228 pp., Sá da Costa, Lisboa.
2010. Fernando Rosas, Lisboa revolucionária, 1908-1975. 189 pp., Tinta da China, Lisboa.
2011. A. O'Sullivan, Urban economics. 8ª ed., 528 pp., McGraw-Hill/Irwin. N.York.
2013. Th. Piketty, Le capital au XXIe siècle. 970 pp., Seuil, Paris.
Decisão
Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso e, revogando a sentença recorrida, condenar as rés no pedido.
Custas pelas rés, em ambas as instâncias.
Lisboa, 2014.05.27