I - Quando numa execução pendente se extinga a sociedade executada por dissolução e liquidação, não há que suspender a instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (ou, no caso da dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, a habilitação dos membros do anterior orgão de administração), antes devendo aqueles, ou estes, substituírem-se automaticamente à sociedade executada.
II - Demandados pelos credores ao abrigo do art 163º CSCom para pagamento do passivo superveniente, cabe a uns ou aos outros, provar, através de outros meios que não a declaração referente à inexistência de activo e de passivo, que nada receberem na partilha.
I – Na execução que em 20/7/2007 o Ministério Público intentou contra Unisorta – Sociedade Fabril de Matérias Plásticas, S.A. para pagamento de custas no montante de 130.228,00 € foi, logo de início, requerida a penhora dos bens móveis encontrados na sede/estabelecimento da executada, designadamente dinheiro, máquinas, material informático etc, livres e desonerados.
Não foi conseguida essa penhora, tendo o oficial de justiça referido no auto junto a fls 29 e datado de 18/4/2008 que «não foi possível levar a efeito a penhora ordenada, visto ter-me deslocado à morada em viatura própria em dias e horas diferentes tendo-a encontrado fechada ninguém ter respondido aos meus chamamentos, porém apurei junto da vizinhança que o executado já ali não labora há vários anos, encontrando-se parte das instalações em ruína e outra parte ocupada pelos Bombeiros de Amora».
Foi verificado depois, junta a respectiva certidão do registo comercial, que a executada entrou em liquidação em 11/4/2011, encontrando-se a liquidação encerrada, sendo o registo de encerramento e o de cancelamento da matrícula de 24/10/2011.
Tendo sido dada vista ao MP o mesmo referiu: «… resulta que a executada foi dissolvida em data posterior à da entrada em juízo dos presentes autos, assim ao abrigo do art 162º CSC os presentes autos prosseguirão sendo a executada representada pelos sócios gerentes. Requer-se se solicite à DGCI informação se entre o período compreendido entre Julho de 2007 até á data em que se operou a dissolução da executada, existiram bens registados em nome da executada».
Foi proferido despacho solicitando a informação requerida e solicitando ainda à CRCom certidão de teor relativa à executada, bem como informação se no processo de dissolução fora apurado activo ou passivo a partilhar.
A CRCom juntou o Despacho Final, proferido em 28/9/2011 relativo à dissolução administrativa oficiosa da executada com o seguinte teor:
«Despacho final
Na sequência de comunicação da Administração Tributaria de declaração oficiosa da cessação de actividade da sociedade nos termos da legislação tributária relativa à entidade comercial "UNISOTRA-SOCIEDADE FABRIL DE MATÉRIAS PLASTICAS S.A.", com o NIPC 500293317, verifiquei que existe fundamento de dissolução administrativa oficiosa conforme o disposto na alínea c) do artigo 5.° do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais aprovado pelo n° 3 do artigo 1. do DL nº 76-A/2006 de 29-3 (doravante designado por RJPADLEC).
O presente procedimento administrativo foi autuado sob o n.° 5831/2011.
Foi cumprido o disposto nos números 4, 5 e 8 do artigo 8.° do RJPADLEC. e nestes termos, a sociedade supra identificada, os respectivos membros, um gerente ou administrador, bem como os seus credores, foram notificados por aviso electrónico, e feita a comunicação por carta registada à entidade e membros que constam do registo, com a informação da realização da publicação.
A Conservatória é competente e o processo é o próprio.
Não há excepções ou questões prévias para apreciar, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Dos factos:
Feitas as notificações supra referenciadas e decorridos os respectivos prazos de contestação nem a entidade comercial e respectivos membros, nem credores e Trabalhadores se pronunciaram até à presente data.
Do direito:
Analisada a matéria de facto e não contestada, considera-se provado o preenchimento dos requisitos constantes da alínea c) do artigo5º do RJPADLEC.
Do procedimento resulta a não existência de activo e passivo a liquidar, conforme dispõe o n° 4 do artigo 11° do RJPADLEC.
Pelo supra exposto, decido o presente procedimento administrativo procedente por provado e consequentemente, declaro a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade "UNISOTRA-SOCIEDADE FABRIL DE MATERIAS PLASTICAS S.A.", nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 11º e 12º ambos do RJPADLEC.
Notifique-se os diversos interessados da presente decisão, de que dispõem do prazo de 10 dias para impugnar judicialmente a presente decisão, nos termos do artigo 12º do RJPADLEC.
Decorrido o prazo de dez dias, sem que a presente decisão tenha sido impugnada judicialmente, proceda-se à feitura do registo de dissolução e encerramento da liquidação da entidade comercial em anàlise, com a consequente extinção da mesma».
Junta cópia certificada do contrato de sociedade da ora executada requereu o Exmo Magistrado do Ministério Público:
1 - Nos termos do disposto no artigo 780º CPC, requer-se se oficie ao Banco de Portugal informação sobre a identificação das Instituições de Credito onde a executada foi titular ou co-titular de contas bancárias, durante os anos de exercício da sua actividade Comercial.
2- P. solicite à DGCI o envio de cópias das declarações de rendimentos apresentadas pelos accionistas identificados no contrato de sociedade nos anos de 2010, 2011 e 2012.
3-P. solicite ainda o envio de DGCI da última declaração de IRC apresentada pela Sociedade executada.
4- Relativamente ao capital social da sociedade executada consta do art 5º do contrato de sociedade que é composto de cinco mil acções de valor nominal de
cem mil escudos cada uma, subscritas pelos seguintes accionistas: Sociedade de Transacções Sobral Limitada; United Developmert Assoc; Francisco Bahia dos Santos: Francisco José Araújo Rebelo de Andrade; Emílio Alberto BurnaY; Sebastião Rafael Perestrelo; Francisco Xavier dos Santos Silva; Augusto Rebelo de Andrade; Fernando Lopes da Silva e António Moreira de Almeida.
5-Assim, tendo em vista a concretização da penhora das acções (artigo 781º do CPC) p. se notifique os fundadores da sociedade identificados a fls. 77 in fine e 78 para no prazo de dez dias identificarem nos autos os liquidatários da sociedade – cfr fls 88 - a fim de informarem do destino das acções».
Foi então proferido o seguinte despacho:
«Na sequência da inscrição da dissolução e liquidação da Sociedade Executada, vem a Digna Exequente requerer a realização de várias diligências.
A dissolução é uma mera modificação da situação jurídica da sociedade que se caracteriza pela sua entrada em liquidação.
A sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação (artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), momento que marca o termo de personalidade jurídica.
Após o registo do encerramento da liquidação deixa de ser possível prosseguir a lide com a sociedade dissolvida e liquidada, por falta de personalidade judiciária.
Conforme foi decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, tratando-se de uma acção declarativa, extinguindo-se por dissolução a sociedade demandada, aplica-se o regime do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais: a sociedade demandada é substituída pela generalidade dos sócios, não se suspendendo a instância nem sendo necessário a habilitação dos sucessores. Mas, tratando-se de uma execução, a norma do referido artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais cede perante as normas especiais dos artigos 55.º e 56.º do Código de Processo Civil, pelo que deve suspender-se a instância e proceder-se à habilitação dos sucessores da sociedade extinta (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/05/2006, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, Tomo III, páginas 282-283).
Importa também ter em atenção que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha, pelo que o Exequente terá que justificar, no requerimento inicial da habilitação, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía activo e que o mesmo foi distribuído ou partilhado pelos sócios ou sócio demandado, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 269.º, n.º 3 do Novo Código de Processo Civil. Do despacho final do procedimento administrativo consta a inexistência de activo e passivo a liquidar. Acresce que das diligências realizadas nos autos, iniciados em 2007, não se localizaram até à data quaisquer bens penhoráveis, não se mostrando verosímil, face à extinção da sociedade e aos elementos que constam dos autos, que existam e/ou sejam localizados bens. Nos termos do disposto no artigo 269.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não há lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando se mostre impossível ou inútil a continuação da lide.
Nas circunstâncias expostas, entendemos que a presente acção executiva deixa de revestir qualquer utilidade, não se mostrando viável a satisfação da pretensão da Exequente.
Face ao exposto, nos termos da al. e) do artigo 277.º e 849.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil, declaro extinta por inutilidade superveniente da lide»
II - É desse despacho que MP apela, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1 – A sentença que declarou extinta por inutilidade superveniente da lide a presente instancia, nos termos do disposto nos artigos 277º alínea e) e 849º nº 1 ambos do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 146º nº 2; 160º; e 162º nº 2 do CSC; artigos 269º nº1 alínea a) e, 11º nº 2 ambos do Código de Processo Civil.
2 - Com efeito, após o registo do encerramento da liquidação que a sociedade perde a sua personalidade jurídica, assim como a sua personalidade judiciária
3 - Embora já dissolvida, enquanto perdurar a liquidação a sociedade mantém a personalidade jurídica, que só finda com a sua extinção, o que ocorre com o registo de encerramento da liquidação.
4 - Ora, a presente lide executiva deu entrada em Juízo no dia 20 de Julho de 2007 e o encerramento da liquidação ocorreu posteriormente no dia 24.10.2011 ( cfr, fls. 64 a 67, certidão enviada pela Conservatória do Registo Comercial do Seixal ).
5- Verificada a circunstância de facto ou a decisão que desencadeia a dissolução, a sociedade fica ainda a ter existência jurídica, com vista a liquidação do seu património – apuramento do activo, pagamento do passivo, e partilha do saldo.
6 - Na dissolução e liquidação deliberadas pelos sócios, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido, os administradores da sociedade passam a ser liquidatários (art. 151°, n° 1 do CSC) competindo-lhes ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir o dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artigo 152º,nº 3) com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade (artigo 157º, nº 1) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais, nº 1).
7- Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação (artigo 160°, nº 1 do CSC) e é com este registo que, finalmente, a sociedade se considera extinta (artigo 160°, nº ° 2).
8 - Após a sua extinção com o registo da liquidação encerrada, a sociedade se considera substituída pela generalidade dos s6cios, sendo estes que têm de ser demandados directamente, na pessoa dos liquidatár1os, com vista a efectivar a sua responsabilidade pelos débitos sociais dentro dos limites consignados no artigo 163°, nº 1, do CSC.
9 - Com efeito, estando pendente a presente lide executiva no momento em que ocorre o encerramento da liquidação e o cancelamento da matrícula da sociedade executada (em 2011.10.24), a acção não deve ser suspensa, tal como o são as acções em que falece o executado pessoa singular, muito menos deve ser extinta, devendo ao invés, prosseguir contra os seus sócios, representados pelos liquidatários, sem necessidade de qualquer habilitação prévia.
10 - Neste aspecto, comentava Raul Ventura (in Dissolução e Liquidação das Sociedades Comerciais) de Livraria Almedina, pág. 16 e 17, que a extinção da sociedade não reconduz á extinção da instancia nas acções em que a sociedade…. As acções continuam); “ Em princípio, a sociedade como relação e como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve, outros factos devendo produzir-se para que a extinção se verifique”. Tornar-se necessário, ainda proceder á cobrança de créditos, pagamentos das dívidas e partilha dos bens sociais sobrantes pelo que, em regra, após a dissolução a sociedade entrará imediatamente em liquidação (nº 1 do artigo 146º do CSC).
11 - Termos em que a dissolução da sociedade executada, anterior à presente lide, não impede, o prosseguimento da acção executiva, nem mesmo cancelamento da matrícula posterior determinará a extinção, mas antes, a habilitação automática dos sócios.
12 – Em face do exposto, a sentença ora em crise, violou, assim, os legais preceitos estabelecidos s nos, artigos s 146., nº2, e 160º°, n.º2, 162º e 163º do CSC e, artigos 269 nº 1 alínea a) e artigo 11º, nº. 2, ambos do Código de Processo Civil.
13 - Deverá, assim, a sentença ser revogada e substituída por outra que ordene prosseguimento da acção executiva, bem como a habilitação dos seus sócios, devendo ser concedido provimento ao presente recurso.
III – Atento o circunstancialismo fáctico processual acima descrito, e colhidos os vistos, cumpre decidir.
IV – A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se perante o registo da dissolução e do encerramento da liquidação da executada e da circunstância de no processo da respectiva dissolução administrativa constar a inexistência de activo e passivo a liquidar, a execução não deveria ter sido declarada extinta por inutilidade (ou impossibilidade) na prossecução da respectiva lid,e nos termos do art 269º/3 NCPC, mas prosseguir contra os sócios daquela sociedade.
Como se constata do despacho recorrido, o entendimento do Exmo Juiz a quo foi o de que a prossecução da execução implicava que a respectiva instância fosse suspensa para habilitação dos sucessores da sociedade extinta – os respectivos sócios - e porque cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha, o exequente teria que justificar no requerimento inicial dessa habilitação que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía activo e que o mesmo fora distribuído ou partilhado pelos sócios ou sócio demandado. E, na medida em que do procedimento administrativo utilizado consta a inexistência de activo e passivo a liquidar, e que, até à data, não se localizaram na execução bens penhoráveis, não se mostraria verosímil a localização de bens, pelo que se imporia nos termos do artigo 269º/3 do NCPC a extinção da instância executiva por se mostrar (impossível) ou inútil a continuação da lide, motivo por que, ao abrigo dos artigos 277º alínea e) e 849º nº 1 do Código de Processo Civil, foi declarada extinta a execução.
È sabido que, entre outras situações, a sociedade se dissolve por deliberação dos sócios – al b) do nº do art. 141º CSCom. - marcando a dissolução o momento a partir do qual se reconhece que a sociedade esgotou a sua função.
Mas, como é posto em relevo quer no despacho recorrido, quer nas conclusões do presente recurso, a sociedade dissolvida não se extingue de imediato, pressupondo que se lhe siga um processo de liquidação e partilha do acervo de direitos sociais existentes no seu património, consoante decorre dos arts 146º e 147º CSCom.
A sociedade em liquidação não é uma nova sociedade, mantendo a personalidade jurídica de que gozava a sociedade antes de dissolvida. È o próprio art 146º/2 CSCom que refere que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e lhe continuam a ser aplicáveis as disposições que regem as sociedades não dissolvidas. Apenas ocorre uma mudança orgânica, passando a existir um órgão de liquidação em vez do anterior órgão de administração, ficando os liquidatários a ser os representantes legais da sociedade em liquidação – arts 151º e 152º CSCom. Só com o registo de encerramento da liquidação - nº 2 do art. 160º CSCom-
é que a sociedade perde a personalidade jurídica e, consequentemente, a personalidade judiciária.
Na fase de liquidação incumbe aos liquidatários pagar as dívidas da sociedade e, relativamente às dívidas litigiosas, acautelar através de caução, os eventuais direitos do credor - art. 154º/1 e 3 CSCom. - tornando-se pessoalmente responsáveis perante os mesmos se falsamente fizerem constar do relatório final a apresentar aos sócios, ou falsamente declararem no acto de dissolução da sociedade que todos esses créditos estão efectivamente acautelados, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 158º CSCom.
Deste modo, pode-se dizer, como o reflete Raul Ventura [1] , que as finalidades visadas com a liquidação são quanto ao sócios, «evitar que as relações sociais quer activas, quer passivas, passem a constituir relações pessoais dos sócios, ou em contitularidade ou individualmente, e no que respeita aos credores, obter a satisfação dos seus créditos enquanto permanece o ente juridicamente devedor».
De todo o modo, a responsabilidade pessoal dos liquidatários para com os credores sociais só se verificará nos termos do art 163º CSCom, e com as respectivas limitações, podendo as acções necessárias para os fins dessa norma serem propostas contra a generalidade dos sócios na pessoa dos liquidatários como resulta do seu nº 2.
Porém, se o registo do encerramento da liquidação da sociedade se verifica na pendência de acção, não obstante a extinção da sociedade nos termos acima referidos, decorre dos arts 160º/1 e 162º CSCom a continuação da acção com a generalidade dos sócios que são representados pelos liquidatários, sendo que a continuação da acção terá lugar sem suspensão da instância e sem necessidade de habilitação – nº 2 do art 161º - o que só pode significar que para tutela dos credores sociais, não obstante a extinção da sociedade, o legislador entende que não se extingue a sua responsabilidade pelas dividas sociais.
Com efeito, e como mecanismo de protecção dos credores, o legislador consagrou a responsabilidade dos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado nos termos do art 163º, de acordo com o qual os sócios sucedem na titularidade da relação jurídica, embora num âmbito limitado.
O que é natural, pois os sócios da sociedade accionada não poderiam desconhecer a existência da divida litigiosa aquando da dissolução da sociedade, pelo que se justifica que sejam responsáveis pela mesma enquanto sucessores da extinta sociedade, embora apenas até ao montante do que tenham recebido em partilha, nos termos do referido art 163º/1 CSCom.
Além de que seria descabido que com a extinção da sociedade os credores deixassem de ter direito aos seus créditos, visto que se assim fosse os sócios poderiam utilizar a liquidação como meio de escape às dívidas da sociedade.
«O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social». [2]
Feitas estas considerações genéricas, vejamos o que sucede quando seja utilizado o mecanismo de dissolução concretamente utilizado na situação dos autos e que se reconduz à dissolução administrativa oficiosa, em que é causa da dissolução a declaração do conservador do registo comercial em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional – arts 143 e 5º a) a e) do RJPADL.
Esta dissolução administrativa determinada pelo conservador «veio substituir por principio a dissolução voluntaria determinada pelo tribunal – a anteriormente denominada dissolução judicial (diferida), prevista na red anterior dos arts 142º/1 e 144º: esta “desjudicialização” (e correspondente substituição da competência do juiz por um conjunto de poderes atribuídos ao conservador) foi justamente a principal novidade da reforma societária de 2006 (DL 76-A/2006)»[3]
Ora um dos pressupostos para a utilização deste procedimento é o da inexistência, quer de activo, quer de passivo a liquidar.
E resulta deste mecanismo, a supressão «de modo radical de toda e qualquer operação de liquidação», representando, portanto, «a consagração legal de uma dissolução sem fase de liquidação».
Ora, como é comentado por Carolina Cunha, «não é curial ignorarmos que este procedimento se presta a uma utilização fraudulenta em detrimento dos credores sociais, tanto mais que – ao contrário do que sucede na partilha imediata prevista no art 147º - o regime legal dispensa aqui claramente a prestação de contas do art 149º».
Como é evidente, também nestas situações os credores sociais têm acção contra os antigos sócios nos termos do art 163º do CSC. «Mas a utilidade deste regime para a satisfação dos credores é, na hipótese que curamos, marginal: segundo o disposto no art 163º/1 a responsabilidade dos sócios pelo passivo social superveniente tem como limite o montante que receberam na partilha. Ora, justamente, a declaração que fundou o procedimento acelerado de extinção do ente societário atestava igualmente a inexistência de activo, pelo que é frequente os antigos sócios alegarem que nada foi partilhado e que nada receberam, assim logrando esvaziar totalmente a sua responsabilidade. Note-se, todavia, que não parece curial que os sócios se possam valer apenas de uma declaração feita por eles próprios e desprovida de fiscalização para demonstrarem que nada receberam em partilha - tanto mais que a declaração se veio a revelar falsa no que ao passivo concerne - o que confere um golpe decisivo na sua (já escassa) credibilidade quanto à inexistência de activo».
Para concluir que, «em termos processuais, portanto, demandados pelos credores ao abrigo do art 163º para pagamento do passivo superveniente, cabe aos sócios provar, através de outros meios que não a referida declaração, que nada receberem na partilha (cfr aliás o art 342º/2 CC)». [4]
Ponto de vista este que tendemos a partilhar, na medida em que, o de fazer impender sobre os credores o ónus da prova de que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, implica que lhes resulte exigida uma prova que supõe o conhecimento da situação económica da sociedade a que eles, muito dificilmente, terão acesso.
Por isso se prefere abertamente o entendimento de que o credor apenas está obrigado a provar o seu direito sobre a sociedade, cabendo aos sócios provar, nos termos do art. 342º/2 do CC, que da liquidação da sociedade não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente para satisfazer o crédito peticionado[5].
Sabe-se, no entanto, que não é pacífico este ponto de vista, antes jurisprudencialmente parecendo recolher maior adesão o contrário[6].
Na situação do recurso esta referida questão do ónus da prova não se coloca directamente.
Terá no entanto, tanto quanto se crê, reflexo na questão, essa sim, objecto ainda do recurso, de saber se na execução, e ao contrário do que incontroversamente sucede no processo declarativo, terá de haver suspensão da instância para que a exequente habilite o credor ou credores que tenham recebido bens em consequência da liquidação da executada, como surge defendido na decisão recorrida, na esteira do Ac RG de 31/5/2006[7] .
Com o devido respeito por opinião diversa, e naturalmente em consequência do ponto de vista defendido na referida matéria do ónus da prova, quer crer-se que tal habilitação não deverá ter lugar também no processo executivo.
Nesse sentido aponta a circunstância do art 162º/1 CSCom referir indistinta e muito peremptoriamente que as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta e que a instância não se suspende não sendo necessária habilitação e de, muito coerentemente, o art 269º/1 al a) NCPC – correspondente ao anterior 276º/1 al a) - exceptuar da suspensão da instância no caso de extinção de alguma das partes «o disposto no art 162º do CSC» e o nº 3 do art 354º do NCPC - a respeito da habilitação no caso da legitimidade ainda não estar reconhecida - referir que «se for parte uma pessoa colectiva ou sociedade que se extinga, a habilitação dos sucessores faz-se em conformidade do disposto neste artigo com as necessárias adaptações», mais uma vez exceptuando o disposto no art 162º do CSC. Acresce que art 56º/1 CPC apenas dispõe para as situações em que entre o momento da formação do título executivo e o da instauração da execução ocorra, do lado activo ou passivo, um fenómeno sucessório, quer mortis causa, quer entre vivos, e não para a situação de se mostrar já pendente execução contra a sociedade que conste do titulo executivo.
Assim, também na acção executiva pendente relativamente a sociedade que se extinga nos termos expostos, não será necessária a suspensão da instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários, melhor, no que respeita à situação concreta dos autos, pelos membros do anterior orgão de administração, visto que a figura dos liquidatários não existe no procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL[8], devendo estes substituírem-se automaticamente à sociedade executada.
Por outro lado, há que fazer notar que na presente execução o exequente apenas pretenderia a realização de diligências tendentes à conclusão de que, ao contrário do que ficou a constar da decisão administrativa de dissolução da executada, existia activo na mesma aquando da sua liquidação. Veja-se que requereu que se oficiasse ao Banco de Portugal informação sobre a identificação das Instituições de Credito onde a executada foi titular ou co-titular de contas bancárias, durante os anos de exercício da sua actividade comercial; se solicitasse à DGCI o envio de cópias das declarações de rendimentos apresentadas pelos accionistas identificados no contrato de sociedade nos anos de 2010, 2011 e 2012; se solicitasse ainda o envio de DGCI da última declaração de IRC apresentada pela Sociedade executada; se notificassem os fundadores da sociedade identificados a fls. 77 in fine e 78 para no prazo de dez dias identificarem nos autos os liquidatários da sociedade – cfr fls 88 - a fim de informarem do destino das acções, visto que relativamente ao capital social da sociedade executada consta do art 5º do contrato de sociedade que é composto de cinco mil acções de valor nominal de cem mil escudos cada uma.
Veja-se ainda que a obtenção dos pretendidos elementos seria tão mais importante na situação dos autos, quanto se entenda – ao contrário do que se defendeu – caber ao credor social a prova da existência de bens na dissolvida sociedade.
Donde se conclui que não era caso para se fazer extinguir a execução por se mostrar inútil ou impossível a respectiva lide nos termos do art 269º/3 NCPC.
Tão pouco na elencagem das causas da extinção da instância executiva constante do art 849º/1 NCPC, consta situação semelhante à dos autos, antes surgindo especificamente elencadas na sua al c) as concretas situações de «inutilidade superveniente da lide» que dão lugar à extinção da execução.
V – Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a decisão recorrida, devendo a execução prosseguir contra os anteriores administradores da sociedade executada, devendo solicitar-se os elementos requeridos pelo exequente.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Junho de 2014
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
Jorge Vilaça
[1] - «Dissolução e Liquidação de Sociedades», Almedina, Coimbra 1993, pág. 218.
[2]- Carolina Cunha, «Código das Sociedades Comerciais em Comentário», IDET Coord por Coutinho de Abreu, II, 689.
[3] - Ricardo Costa, «Código das Sociedades Comerciais em Comentário», IDET Coord por Coutinho de Abreu, II, 569.
[4] - Carolina Cunha, «Código das Sociedades Comerciais em Comentário», IDET Coord por Coutinho de Abreu, II, 631 e ss .
[5]-Neste sentido, Ac TRL15/03/2011, disponível em www.dgsi.pt, estabelecendo que o facto de os sócios não demonstrarem que nada receberem em resultado da liquidação da sociedade não impede a sua condenação.
[6]- Ver por todos Ac STJ 26/6/2008 (Santos Bernardino ) que cita o Ac STJ de 23/4/2008, cujo sumário é o seguinte:
[7]- CJ III , 282/283 ( Carvalho Guerra)
[8] - Neste sentido, Carolina Cunha , obra citada , p 634, nota 33