PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
REGIME PROCESSUAL
APLICAÇÃO ANALÓGICA
PROVA TESTEMUNHAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I- Não havendo norma expressa que o regule, deve aplicar-se ao procedimento cautelar o regime processual previsto na acção declarativa, ainda que por analogia, adequando-o às especificidades do procedimento cautelar e seus princípios norteadores, e desde que esse regime geral não contrarie as regras próprias deste processo urgente;
II- Nessa perspectiva, a parte no procedimento cautelar não está impedida de substituir a testemunha por si oferecida, em conformidade com o disposto no art. 629, nºs 1 e 3, do C.P.C. de 1961, desde que se verifiquem os requisitos exigidos para essa substituição e no contexto de um processo urgente;
III- Cabe ao recorrente que impugne a matéria de facto, sob pena de rejeição imediata do recurso, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões) e especificar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos;
IV- Não resultando apurada a probabilidade séria da existência do direito ameaçado, requisito essencial do procedimento cautelar comum, não pode decretar-se qualquer providência destinada a assegurar a sua efectividade.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:

AC veio propor contra F, S.A., em 12.7.2013, providência cautelar de arbitramento de reparação provisória pedindo, em síntese, a condenação da requerida, com quem celebrou um contrato de seguro de vida e acidentes pessoais que cobrem a morte ou invalidez permanente até € 200.000,00, a pagar-lhe “uma quantia provisória de € 1.600,00” até ser proferida decisão final na acção principal. Invoca para tanto, e em síntese, que no dia 9.10.2010, quando descia umas escadas de ferro de um prédio com o intuito de observar a parede de um outro edifício, sofreu uma aparatosa queda de cerca de 3 metros de altura, quando as ditas escadas abateram, batendo com a cabeça no solo da cave do prédio onde ficou caído. Mais refere que, em consequência, sofreu traumatismo craniano e ficou afectado, física e psicologicamente, de modo que jamais voltou a reunir condições de saúde que lhe permitam trabalhar, encontrando-se actualmente, com 60 anos de idade, reformado por invalidez., auferindo uma pensão de reforma no valor de € 274,79. Diz ainda que, continuando sujeito a tratamentos médicos, tal valor constitui o único sustento do agregado familiar, composto por si e pela mulher que não trabalha, dispensando-lhe a mesma os cuidados de apoio diário de que passou a necessitar.

Contestou a Ré, dizendo que a p.i. é inepta, por haver contradição entre o pedido e a causa de pedir, na medida em que o procedimento cautelar em apreço respeita a acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil extracontratual, estando aqui em causa apenas o cumprimento de um contrato celebrado entre o requerente e a requerida. Mais refere que, com o mesmo fundamento, sempre deverá considerar-se inviável o procedimento, por inexistir fundamento que o justifique. Impugna ainda a factualidade alegada, sustentando que, em todo o caso, o contrato de seguro firmado não cobre o sinistro dos autos tendo em vista o grau de incapacidade de que o requerente ficou efectivamente a padecer. Conclui pela improcedência da providência requerida.

O requerente respondeu às excepções invocadas, defendendo que o arbitramento de reparação provisória é também aplicável à responsabilidade civil contratual, e termina como na p.i..

Por decisão proferida em 28.10.2013, entendeu-se que a providência requerida não podia ser decretada, o que se ordenou.

Interposto recurso pelo requerente, determinou-se, por Acordão desta Relação de 28.1.2014, a fls. 160 e ss., o prosseguimento dos autos de acordo com a tramitação do procedimento cautelar comum e a aplicação oportuna, sendo o caso, da medida “antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.

Realizada a audiência final em 17.3.2014 e depois de inquiridas as testemunhas, foi proferida sentença que não decretou a providência por entender não estar verificada a probabilidade séria da existência do direito do requerente.

Uma vez mais inconformado, interpôs novo recurso o Requerente, apresentando as respectivas alegações que culmina com as seguintes conclusões:


a) Face conteúdo da douta sentença, terá que concluir-se que o Digníssimo Tribunal não apreciou a factualidade referida nos autos e, nomeadamente o facto do ora Recorrente, por virtude exclusiva das lesões sofridas com a queda, ter ficado impossibilitado de exercer qualquer atividade.
b) Desde o acidente ocorrido em 09-10-2010, que o Recorrente não pode trabalhar por incapacidade absoluta para o exercício profissional, decorrente das limitações produzidas e em consequência da queda sofrida.
c) Acresce que esta situação decorre exclusivamente do acidente e o tem impossibilitado de obter qualquer outro rendimento, além da reforma que recebe por invalidez da Segurança Social.
d) Esta reforma de € 274,79 (Duzentos e setenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos) é manifestamente insuficiente para sobreviver, manter os tratamentos e acompanhamento médico de que necessita frequentemente.
e) Esta situação teve e tem um impacto na vida presente e futura do ora Recorrente e mulher, ambos na faixa etária dos 60 anos, ele doente e ela sem disponibilidade para efetuar qualquer trabalho remunerado, ambos sem qualquer outro recurso e vivendo apenas da pensão atrás referida e da ajuda do filho e amigos.
f) Decorrente do estado de necessidade reportado, vem requerer-se a condenação da seguradora no pagamento de determinada quantia mensal ao ora Recorrente e que pode ser arbitrada em sede de Providencia cautelar comum.
g) O Digníssimo Tribunal identifica o que está em causa quando diz; “É a realização pela requerida da prestação a que se obrigou que está em causa nos presentes autos”, afigurando-se, que tal constatação, sem as devidas consequências, viola o consagrado no artigo 8º do Código Civil.
h) Acresce e reforça o entendimento atrás referido o facto de ser expresso na sentença “A testemunha VJ, avaliando a incapacidade de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, concluiu pela existência de problemas cognitivos menores (código NA0310).”, Sem ter fundamentado como chegou a tal conclusão.
i) No sentido de exercer o contraditório e contribuir para o esclarecimento de todas as questões, aberta a audiência, foi pelo Ilustre Mandatário do Recorrente pedida a palavra e sendo-lhe concedida, no uso da mesma requereu; “«Relativamente às duas testemunhas faltosas cuja comparência o Recorrente se comprometeu a apresentar, prescinde-se, neste momento, dos respectivos depoimentos. Quanto à testemunha faltosa, requer-se alteração do rol e substituição da mesma pelo Sr. Dr. RC, psiquiatra, que se encontra neste momento no Tribunal e cujo depoimento poderá ser importante, visto tratar-se de médico com conhecimento e experiência dos factos em questão.»”
j) Tendo de seguida a Mmª Juiz indeferido a pretensão e proferido o seguinte despacho; “«O disposto no art. 629º do CPC anterior, não é aplicável ao procedimento cautelar, sendo de salientar que consta expressamente do citado artigo que a faculdade de substituir testemunhas assiste às partes “findo o prazo a que alude o nº 1 do artigo 512º-A”. Assim, e sendo certo que os artigos 303º, 304º e 386º do CPC anterior, não prevêem a substituição de testemunhas, indefiro a substituição requerida na presente audiência.”
k) Ora, a este propósito refere o Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo: 10540/2008-6 de 09-12-2008; “Sumário: Nos procedimentos cautelares, a parte que seja confrontada com a impossibilidade temporária da prestação de depoimento por testemunha tempestivamente arrolada e aceite, pode substituir a respectiva testemunha, em conformidade com a faculdade prevista no art. 629.º, n.º 3, alínea b), do CPC.”
l) Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 478/07-3, de 17-05-2007; “ Sumário:….. II – Constatada a impossibilidade de inquirição das testemunhas arroladas, será se admitir a sua substituição.”
m) Assim, a impossibilidade de fazer substituir a testemunha faltosa fere os termos posteriores de nulidade, por impossibilitar o exercício do contraditório e dado que a audição da testemunha apontada sempre se revelaria essencial para a descoberta da verdade;
n) Sem prescindir, a ultima das testemunhas faltosas não foi prescindida pelo que, ainda que fosse impossível a sua substituição sempre teria de interromper-se a audiência, designando-se nova data para a sua continuação;
o) Por outro lado, com o devido respeito, verifica-se uma clara omissão de pronuncia na sentença em crise que prejudica de forma grosseira o ora Recorrente, nomeadamente sem se atender e considerar as dificuldades notórias por que terá de passar até uma decisão final.
p) Acresce, que no decurso do depoimento da testemunha VJ, foi pela Mmª Juiz proferido o seguinte, despacho; «Nos termos do artigo 535º do CPC anterior, requisito à testemunha VJ, cópia da avaliação neuropsicológica por si referida durante o seu depoimento.”
q) Face ao relatório apresentado e tendo sido facultada cópia aos ilustres mandatários das partes, conforme ordenado pela Mmª Juiz, o Recorrente viu-se sem capacidade para reagir face à ausência de conhecimentos técnicos próprios que lhe permitissem analisar os termos e conclusões técnicas especializadas ali vertidas e ficou em manifesta desvantagem.
r) De referir ainda que se estranha o facto de a Mmª Juiz ter ordenado imediatamente a junção de um documento que apenas ouviu ler ou comentar pela testemunha quando, não sendo médica nem estando a ler o documento em causa, se considera, no mínimo, incompreensível o motivo que levou a requisitar de imediato o referido documento.
s) Posteriormente e já fora da sala de audiência, compulsado melhor o referido relatório, este não se mostra assinado pelo testemunha e perito da Requerida, constatando-se que comentou um relatório de outro médico, lacónico e pouco explícito para quem é estranho à matéria, desconhecendo-se aliás se houve alguma intervenção da testemunha no referido relatório.
t) A testemunha VJ, médico e que presta à requerida serviços de consultadoria na área psiquiátrica, tendo examinado o Recorrente em Agosto de 2012, afirmou que o atestado médico de incapacidade enferma de “erro” técnico por valorar duas vezes a mesma lesão, não fundamentando.
u) Sem especificar se o erro a que se refere é relativo aos anexos I ou II do DL 352/2007, de 23 de Outubro, e se na tabela em apreço as ponderações são admitidas, apenas não o admitirão no anexo II.
v) Confirmando, ainda o médico da Requerida que caso fossem aferidas rigorosamente as incapacidades reportadas no relatório “MU” e de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, no caso de perturbações da memória (“perturbações associando esquecimentos frequentes, condicionando a vida corrente com necessidade de auxiliares de memória, falsos reconhecimentos, eventualmente fabulações, dificuldades de aprendizagem e alterações da capacidade de evocação”), só as “perturbações graves, com reduzida ou nula capacidade para as AVD, requerendo vigilância e cuidados permanentes” (código …), poderiam ser avaliadas em mais de 50 pontos.
w) No entanto, a testemunha da Requerida, sem fundamentar, atribuiu danos menores ao estado clínico do Recorrente e um grau de desvalorização de 10 pontos, porque entendeu em causa própria que eram menores, omitindo as consequências deste diagnóstico na capacidade de trabalho do Recorrente com 60 anos de idade.
x) E acrescenta o mesmo médico; “Podendo salientar-se que a testemunha VJ referiu na sala de audiência, sem contraditório, que já devia existir um processo degenerativo em curso à data da queda, uma vez que do documento de fls. 36, datado de 13 de Novembro de 2010, constam “sinais de atrofia cerebral cortical difusa”.
y) Outra afirmação, não sustentada no relatório que foi requisitado pelo Tribunal ou em qualquer outro documento transmitido ao ora Recorrente.
z) Nesta conformidade, o Recorrente necessitava de poder exercer o contraditório técnico sobre os novos e diversos factos trazidos pelo perito da testemunha à lide.
aa) Face a tudo o que antecede e estranhamente na sentença não é feita qualquer valorização à prova documental, nomeadamente relatórios clínicos, junta com o pedido, apenas é valorado o depoimento do perito indicado pela companhia de seguros F, tendo, incompreensivelmente sido recusada a admissão, em substituição de testemunha faltosa, do perito do Recorrente.
bb) Finalmente, conforme consta da própria decisão, mas também dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo Requerente, o mesmo sofre tratamentos persistentes, prolongados no tempo e de custo elevado para as suas possibilidades financeiras, factos estes que indiciam a gravidade das lesões sofridas e o perigo na demora de uma assistência condigna e suficiente para acautelar os tratamentos das diversas lesões sofridas.”
Não se mostra apresentada resposta por parte da Seguradora requerida.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, concluindo-se pela inexistência da arguida nulidade da decisão.

Já nesta instância, veio o requerente, em 2.6.2014, requerer a junção aos autos de carta, datada de 25.3.2014, por si dirigida ao Centro de Saúde de   e “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” entretanto realizado em 12.5.2014 (já depois de proferida a sentença e apresentadas as alegações de recurso), a seu pedido, para prova da desvalorização de que padece. Pede a repetição do julgamento, remetendo para as alegações por si apresentadas.

A requerida impugna os documentos e opõe-se à sua junção, por intempestiva, mais salientando que o dito “Atestado” não põe em crise a prova produzida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                                        ***

II- Fundamentos de Facto:
A 1ª instância considerou sumariamente provada a seguinte factualidade:
1) Pela apólice nº AP …, o requerente transferiu para a requerida o risco de acidentes pessoais, pelo prazo de um ano, renovável, com início a 22 de Junho de 2010, mediante o pagamento de um prémio mensal.
2) Conforme estipulado, o capital seguro era, em caso de invalidez permanente por acidente, de € 200.000,00.
3) Consta das condições gerais, entre outras, a seguinte cláusula:

“O que está seguro…

Pagamento do capital seguro em caso de morte ou de invalidez permanente por acidente, neste último caso desde que o grau de desvalorização da Pessoa Segura, determinado por aplicação da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, seja superior a 50 pontos”.
4) A 9 de Outubro de 2010, o requerente deu uma queda de uma escada e bateu com a cabeça, tendo sofrido um traumatismo craniano com perda de conhecimento.
5) O requerente aufere uma pensão por invalidez no montante de € 274,79.
6) A esposa do requerente presta o apoio diário que o requerente necessita.
7) O rendimento referido no ponto 5 é o único rendimento do agregado familiar formado pelo requerente e esposa.
8) O requerente despende a quantia mensal de cerca de € 115,00 em medicamentos.

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III- Fundamentos de Direito:
Cumpre apreciar do objecto do recurso.
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões supra transcritas, cumpre apreciar:
- da nulidade da decisão;
- da pretendida substituição da testemunha (despacho proferido em audiência) e da falta de audição de testemunha oferecida pelo requerente;
- do documento requisitado em audiência pelo tribunal, do depoimento prestado pela testemunha VJ e, em geral, da valoração da prova produzida pelo Tribunal.

Antes, porém, passamos a considerar a solicitada junção de documentos em 2.6.2014, já nesta instância.
Relembramos, por outro lado, que tendo a presente providência sido interposta em 12.7.2013, faremos doravante aplicação do Código de Processo Civil de 1961, na versão aprovada pelo DL nº 303/2007, de 24.8, posto que o novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.6, e entrado em vigor no passado dia 1.9.2013, não é aplicável aos procedimentos cautelares instaurados antes desta data (cfr. art. 7, nº 2, da dita Lei nº 41/2013).

            A) Da junção de documentos:

Como vimos, o requerente veio solicitar, junto desta Relação, a junção aos autos de carta datada de 25.3.2014 por si dirigida ao Centro de Saúde de   e de um “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” entretanto realizado em 12.5.2014 (já depois de proferida a sentença e apresentadas as alegações de recurso), a seu pedido, para prova da desvalorização de que padece. Invoca que não foi possível apresentá-los em data anterior. Pede a repetição do julgamento, remetendo para as alegações por si apresentadas.

A requerida impugna os documentos e opõe-se à junção, por intempestiva, mais salientando que o dito “Atestado” não põe em crise a prova produzida.
Dispõe o art. 693-B do C.P.C. de 1961, sob a epígrafe “junção de documentos”, que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção apenas se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do art. 691.”. Por outro lado, estabelece o referido art. 524 do C.P.C. que: “1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. 2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.”
Da leitura dos preceitos indicados resulta, em particular do art. 693-B e tendo por referência e comparação o revogado art. 706 que lhe correspondia no anterior regime dos recursos, que a junção de documentos não será possível em momento posterior ao da apresentação das alegações ou das contra-alegações([1]), tal como hoje prevê o art. art. 651 do C.P.C. de 2013.
Na verdade, a regra é a de que a junção de prova documental ocorra em 1ª instância, visto que os documentos se destinam à demonstração de factos antes que o tribunal proceda à subsequente integração jurídica. Por isso mesmo, os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes e só depois a título excepcional, conforme previsto nos arts. 523 e 524 do C.P.C. de 1961.
As partes podem juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento ou se a junção se tiver tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, para além dos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do art. 691.
Alguma doutrina consente a possibilidade de junção de documentos em instância de recurso, após a apresentação das alegações ou da resposta, mas, ainda assim, apenas no caso da prova de factos posteriores à própria alegação ou resposta, que sejam instrumentais e não constitutivos do direito invocado([2]).
Ora, o apelante veio requerer a junção dos documentos já depois de apresentadas as alegações de recurso e não com as mesmas, visando a prova de facto por si alegado no requerimento inicial e essencial à apreciação da providência.
Por outro lado, e conforme observa a recorrida, é falacioso o argumento de que não pode antes juntar tal documento aos autos. Trata-se de atestado médico que apenas foi emitido em 12.5.2014 porque apenas em 25.3.2014, já depois de proferida a sentença, o requerente a solicitou, como este afirma e resulta do primeiro dos dois documentos oferecidos. Ou seja, estando em causa a avaliação da situação clínica do requerente que deve ser reportada à data da instauração do procedimento, não faria sentido considerar nova avaliação médica que veio a ser realizada já depois de encerrada a discussão da causa no procedimento cautelar.
E não se diga que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (art. 651, nº 1, parte final), posto que o Tribunal apreciou a prova produzida a tal propósito e ajuizou sobre o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” datado de 11.7.2012 que o requerente logo juntara com o requerimento inicial (como doc. 16), não podendo o mesmo requerente argumentar a favor da sua pretensão com a discordância sobre o juízo que a análise de tal documento mereceu ao Tribunal.
Indefere-se, por isso, sem necessidade de outros considerandos, por manifesta intempestividade, a junção aos autos dos documentos requerida pelo apelante já nesta instância, depois de apresentadas as alegações de recurso.

B) Da nulidade da decisão:
Diz o apelante, nas conclusões g) e h) do recurso que o Tribunal a quo afirma que “É a realização pela requerida da prestação a que se obrigou que está em causa nos presentes autos”, mas daí não retira consequências em violação do art. 8 do C.C., e que também refere, sem fundamentar, que “A testemunha VJ, avaliando a incapacidade de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, concluiu pela existência de problemas cognitivos menores (código NA0310)”.

Aparentemente, o requerente reporta-se, nas aludidas conclusões do seu recurso, à nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.
A sentença será apenas nula apenas quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do art. 659.” (art. 668, nº 1, do C.P.C. de 1961, na redacção aplicável ao caso).
No que se refere à ausência de fundamentação (al. b) do nº 1 do art. 668 do C.P.C.), temos que a razão de ser da sanção desta nulidade é a circunstância da motivação, quer de facto quer de direito, constituir pilar essencial da sentença ou, em geral, de uma qualquer decisão. Como explica J. Alberto dos Reis a tal propósito([3]): “Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos.”
Também Antunes Varela([4]) refere que a falta de fundamentação, de facto ou de direito, que motiva a nulidade da sentença é a falta absoluta.
Já no que respeita à omissão de pronúncia, a al. d) do nº 1 do art. 6685 do C.P.C. deve conjugar-se com o nº 2 do art. 660 do mesmo Código, constituindo a nulidade da sentença a sanção para a inobservância deste último normativo. Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nessa medida, se o mesmo deixar de pronunciar-se sobre questões que, nos moldes indicados, devia apreciar, a sentença é nula.
Tais questões são, em todo o caso, os problemas concretos a decidir e não os argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições ou muito menos os factos que hão-de justificar a decisão. Como explica J. Alberto dos Reis([5]): “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Como também se refere no Ac. do STJ de 6.5.2004([6]), “A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, como válidos argumentos e como fundamentos da decisão sobre tal questão. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor ou mais desejável fundamentação da sua sentença ou acórdão, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá apenas fundamentação pobre ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.”. E, mais adiante: “E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.”
Do que deixamos dito resulta evidente que nenhuma razão assiste ao apelante.
Não há dúvida de que o Tribunal a quo apreciou as questões que lhe foram colocadas e fundamentou a decisão, de facto e de direito – elencou os factos que considerou provados e fez a respectiva subsunção jurídica – justificando ainda de forma desenvolvida a resposta dada à matéria de facto.
Por conseguinte, parece-nos evidente que a decisão em análise não padece dos vícios formais que o apelante lhe assaca.
O que sucede é que este discorda do que foi sentenciado, mas tal reporta-se a um eventual erro de julgamento e não a qualquer deficiência formal da decisão respectiva.
Em suma, não se verificam as nulidades arguidas, improcedendo o recurso nesta parte.

C) Da pretendida substituição da testemunha (despacho proferido em audiência) e da falta de audição de testemunha oferecida pelo requerente:
Impugna o apelante no recurso despacho que foi proferido na audiência realizada em 17.3.2014.
Diz que não foi admitida a substituição de uma testemunha, conforme então requereu, nem foi ouvida, em nova data, a testemunha faltosa, com o que foi cometida nulidade processual.
Consta da Acta de fls. 182 e ss. que foram consideradas ausentes na audiência de julgamento “As testemunhas arroladas pelo Requerente MC (não notificado), EC e AF (ambas a apresentar).”
Em consequência, no início da audiência requereu o mandatário do recorrente: “Relativamente às duas testemunhas faltosas cuja comparência o Requerente se comprometeu a apresentar, prescinde-se, neste momento, dos respectivos depoimentos. Quanto à testemunha faltosa, requer-se alteração do rol e substituição da mesma pelo Sr. Dr. RC, psiquiatra, que se encontra neste momento no Tribunal e cujo depoimento poderá ser importante, visto tratar-se de médico com conhecimento e experiência dos factos em questão.”
A requerida opôs-se à substituição, tendo, de seguida, sido proferido o seguinte despacho: “O disposto no art. 629º do CPC anterior, não é aplicável ao procedimento cautelar, sendo de salientar que consta expressamente do citado artigo que a faculdade de substituir testemunhas assiste às partes «findo o prazo a que alude o nº 1 do artigo 512º-A».
Assim, e sendo certo que os artigos 303º, 304º e 386º do CPC anterior, não prevêem a substituição de testemunhas, indefiro a substituição requerida na presente audiência.
Notifique.”
É este despacho que o apelante impugna no recurso.
Vejamos.
De acordo com o art. 384, nº 3, do C.P.C. de 1961, é subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos arts. 302 a 304 do mesmo Código (respeitante aos incidentes da instância). Assim, os meios de prova devem ser oferecidos com o requerimento inicial e com a oposição (art. 303, nº 1), não havendo especial limitação aos meios probatórios indicados que não seja determinada pelas necessidades do caso concreto e pelo objectivo da celeridade que caracteriza o procedimento cautelar([7]).
Naturalmente, a simples remissão constante do nº 3 do art. 384 a que atrás aludimos, ou a aplicação directa de outros normativos do C.P.C. (como os arts. 151, nº 2, 234, nº 4, al. b), ou 234-A) não resolve todas as questões processuais surgidas ao longo do procedimento cautelar – como sejam as relativas à instrução do processo (apresentação de documentos ou inquirição de testemunhas, por exemplo) – sendo certo que não considerando este como um processo especial, não poderá recorrer-se directamente ao disposto no art. 463, nº 1, do C.P.C.([8]).
Parece-nos, pois, inevitável que cumprirá fazer apelo, quando necessário, ao regime processual previsto na acção declarativa, ainda que por analogia, adequando-o às especificidades do procedimento cautelar e aos seus princípios norteadores, e desde que esse regime não contrarie as regras directamente aplicáveis ao procedimento cautelar.
A questão ganha pertinência no domínio da produção da prova, como já referimos, não havendo dúvidas de que, e na medida em que tal não se mostre especialmente regulado, sobre a junção de documentos no procedimento cautelar haverá que atender ao estipulado nos arts. 523 e ss. do C.P.C. e quanto à audição de testemunhas cumprirá ter por referência o disposto nos arts. 616 e ss. do mesmo Código. Falamos, nomeadamente, da notificação ou da impugnação de documentos, dos impedimentos das testemunhas ou do regime do respectivo depoimento.
Podemos, pois, concluir que v.g. em matéria de instrução, e desde que não haja norma especial, cumprirá aplicar ao procedimento cautelar, com as devidas adaptações, o regime processual previsto na acção declarativa([9]).
Assim sendo, e sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 386 do C.P.C., temos de discordar do despacho sob recurso que entendeu simplesmente inaplicável ao procedimento cautelar o disposto no art. 629 do C.P.C. de 1961 (que regula as consequências do não comparecimento de testemunhas)([10]).
Não estará, deste modo, a parte impedida, no procedimento cautelar, de substituir a testemunha por si oferecida, em conformidade com o disposto neste normativo, desde que se verifiquem os requisitos exigidos para essa substituição e no contexto de um processo urgente. Até porque o dispositivo, em si mesmo, não contraria os fins do procedimento cautelar, se tivermos designadamente em conta a previsão contida no nº 3 do art. 386 do C.P.C.([11]).
Resta saber, por isso, se, fazendo aplicação do preceito ao caso, devia ter sido atendida a pretensão do requerente.
Dispõe o nº 3 deste art. 629 do C.P.C. que: “No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observar-se-á o seguinte:
a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substitui-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída.”
Nos termos deste normativo, uma vez confrontada com a falta de uma testemunha à audiência de julgamento, a parte que a indicou deverá esclarecer se prescinde ou não do seu depoimento. Se não prescindir do depoimento da testemunha faltosa, a parte pode substitui-la, invocando a verificação de qualquer das situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 3 deste art. 629([12]).
Por outro lado, estabelece o art. 631 do mesmo C.P.C., sob a epígrafe “Substituição de testemunhas”, no seu nº 1, que: “No caso de substituição de alguma das testemunhas, não é admissível a prestação do depoimento sem que hajam decorrido cinco dias sobre a data em que à parte contrária foi notificada a substituição, salvo se esta prescindir do prazo; se não for legalmente possível o adiamento da inquirição, de modo a respeitar aquele prazo, fica a substituição sem efeito, a requerimento da parte contrária.”
Na situação em análise, o mandatário do ora apelante requereu no início da audiência: “Relativamente às duas testemunhas faltosas cuja comparência o Requerente se comprometeu a apresentar, prescinde-se, neste momento, dos respectivos depoimentos. Quanto à testemunha faltosa, requer-se alteração do rol e substituição da mesma pelo Sr. Dr. RC, psiquiatra, que se encontra neste momento no Tribunal e cujo depoimento poderá ser importante, visto tratar-se de médico com conhecimento e experiência dos factos em questão.”
Por seu turno, a Seguradora requerida opôs-se à substituição solicitada.
Constata-se, deste modo, que o requerente não indicou o fundamento legal para a sua pretensão, referindo-se, ao mesmo tempo, a uma “alteração do rol e substituição” da testemunha, sem justificar em que circunstâncias requeria essa substituição, designadamente nas condições e para os fins previstos no nº 3 do art. 629 do C.P.C.. De resto, o aqui apelante nem sequer mencionou expressamente, como lhe competia, que não prescindia da testemunha faltosa.
Acresce que a contraparte se opôs à pretensão, o que sempre seria bastante para impedir, pelo menos, a imediata prestação do depoimento da nova testemunha, tendo em vista o disposto no art. 631, nº 1, do C.P.C.([13]).
Por conseguinte, a rejeição da solicitada substituição sempre encontraria justificação no infundado da pretensão e na oposição da requerida, sendo, por isso, de manter.
Mas o apelante invoca igualmente que, não tendo sido admitida a substituição, não foi ouvida a testemunha faltosa que não foi prescindida, interrompendo-se a audiência e designando-se nova data para sua continuação.
Não lhe assiste qualquer razão.
Se, por um lado, como vimos, o requerente não mencionou de forma expressa que não prescindia da testemunha, é manifesto que também não requereu o adiamento da inquirição respectiva, em alternativa à opção da substituição, conforme previsto na al. b) do nº 3 do referido art. 629 do C.P.C.. E se não o fez logo no início da audiência, não o veio tão pouco a fazer na sequência do despacho que indeferiu esse pedido de substituição.
Assim sendo, não competia ao Tribunal tomar qualquer outra decisão sobre a inquirição da testemunha faltosa.
Não se mostra cometida nulidade processual que inquine os ulteriores termos do processo e de que aqui deva tomar-se conhecimento.
É, pois, de manter, embora com fundamento diverso, o despacho que indeferiu a substituição da testemunha requerida em audiência.

D) Do documento requisitado em audiência pelo tribunal, do depoimento prestado pela testemunha VJ e, em geral, da valoração da prova produzida pelo Tribunal:
Nas conclusões enumeradas sob os pontos p) e seguintes do recurso, o apelante faz, no essencial, considerações sobre o depoimento prestado pela testemunha VJ e sobre o modo como o Tribunal a quo valorou ou desconsiderou os meios de prova produzidos, manifestando o seu desacordo quanto aos juízos formulados e até estranheza quanto à iniciativa do Tribunal em requisitar certo documento em poder de uma testemunha com fundamento no art. 535 do C.P.C. de 1961.
No entanto, não retira o recorrente concreto efeito das considerações tecidas, não pondo em causa a decisão proferida quanto à matéria de facto nem reclamando quanto à mesma específica alteração. Quer isto significar que se compreende com dificuldade a própria discordância que motiva o recurso, posto que não se mostra validamente impugnada a decisão quanto à matéria de facto nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 685-B e 712 do C.P.C..
Com efeito, os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto ocorre, no domínio do C.P.C. de 1961, nas condições previstas no art. 712, sendo certo que, nos termos do art. 685-B do mesmo Código, caberá ao recorrente que impugne a matéria de facto, sob pena de rejeição imediata do recurso, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões) e especificar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos (cfr. art. 685-B do C.P.C.)([14]).
No essencial, o legislador recusou uma efectiva repetição do julgamento ou a possibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, optando pela admissão de “revisão de concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pela parte recorrente”([15]). Anota-se que tal regra é igualmente seguida no regime dos recursos previsto no C.P.C. aprovado pela Lei nº 41/2013, como resulta do seu art. 640([16]).
Ora, é manifesto que o apelante não observa o disposto no referido art. 685-B, não enunciando ou concretizando que pontos considera indevidamente julgados, o sentido da resposta proposto e os meios probatórios que o justificam. Isto é, o apelante não identifica quais os factos alegados que, em seu entender, devem considerar-se provados ou que, tendo sido julgados provados, deveriam considerar-se não provados, com indispensável referência ao articulado e/ou aos exactos pontos assinalados na sentença como provados e não provado visto que está em causa procedimento cautelar, logo, sem base instrutória.
Se o recorrente jamais questiona as concretas respostas dadas pelo Tribunal, muito menos conclui por um concreto pedido de alteração da matéria de facto, como claramente resulta das conclusões do seu recurso acima transcritas.
Dir-se-á que é possível, ainda assim, descortinar que o apelante discorda da decisão quanto à matéria de facto e quais os pontos a que se refere essa discordância, mas pensamos que tal tarefa não caberá a esta instância. Ao estabelecer, no art. 685-B, nº 1, al. a), do C.P.C. de 1961, o particular formalismo a que deve obedecer a impugnação da matéria de facto, o legislador pretendeu justamente evitar que fosse o Tribunal de recurso a interpretar a abrangência do desacordo do recorrente.
Tornam-se, em conclusão, inteiramente irrelevantes todas as considerações tecidas pelo apelante no recurso sobre a prova produzida ou sobre a apreciação que dela se fez em 1ª instância, não podendo de tais considerações retirar-se que tenha sido validamente impugnada a decisão proferida quanto à matéria de facto.
Não se mostrando impugnada, na forma devida, a decisão de facto que fundamentou a decisão recorrida, deve a mesma manter-se inalterada, sendo à luz desta, e não de qualquer outra, que deverá ponderar-se a verificação, em concreto, dos requisitos necessários à decretação da providência adequada ao caso.

Como bem sabemos, constituem requisitos essenciais das providências cautelares não especificadas (procedimento cautelar comum), o fundado receio de que outrem, antes de proposta a acção principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito do requerente, probabilidade séria da existência do direito ameaçado, adequação da providência solicitada para evitar a lesão e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar (cfr. arts. 381 e 387 do C.P.C. de 1961).

Como resulta da sentença em análise, não se provou que, em virtude da queda, o requerente tenha sofrido uma desvalorização superior a 50 pontos.

Tal significa que ficou por demonstrar a probabilidade séria da existência do direito ameaçado.
Assim sendo, tem de manter-se a decisão sob recurso que recusou a decretação da providência.

                                                                          ***
IV- Decisão:
Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo as duas decisões recorridas.
Custas pelo requerente.
Notifique.

                                                                       ***

Lisboa, 1.7.2014

Maria da Conceição Saavedra

Cristina Coelho

Roque Nogueira

[1] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil -Novo Regime”, 2ª ed., pág. 229.
[2] Ver, a este propósito, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, Tomo I, 2ª ed., págs. 99 a 101, e vol. 2º, 2ª ed., pág. 458 (em anotação ao art. 524).

[3] “Código de Processo Civil anotado”, 1984, vol. V, pág. 139.
[4] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 687/688.
[5] Ob. cit., vol. V, pág. 143.
[6] Proc. 04B1409, em www.dgsi.pt.
[7] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, voI. III, 3ª ed., pág. 223.
[8] Ver, quanto aos requisitos da petição, o que nos diz Abrantes Geraldes, ainda em “Temas da Reforma do Processo Civil”, voI. III, 3ª ed., págs. 163/164.
[9] No Acordão da RL de 29.6.2006, Proc. 556/2006-2, julgaram-se aplicáveis aos incidentes da instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas em acção declarativa previstas nos artigos 512-A e 629 do C.P.C..
[10] Acompanhando, nessa posição, a jurisprudência citada pelo apelante.
[11] Estabelece este nº 3 do art. 368 do C.P.C. de 1961 que: “A falta de alguma pessoa convocada e de cujo depoimento se não prescinda, bem como a necessidade de realizar qualquer diligência probatória no decurso da audiência, apenas determinam a suspensão desta na altura conveniente, designando-se logo data para a sua continuação.”
[12] Cfr. Ac. da RL de 22.11.2012, Proc. 2738/09.8TJLSB-A.L1-6, em www.dgsi.pt.
[13] No Ac. da RL de 3.12.1992, Proc. 0048466, com sumário em www.dgsi.pt, defendeu-se que: “A substituição de testemunhas, requerida no próprio dia do julgamento, será indeferida se a parte contrária se pronunciar nesse sentido.”
[14] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed., págs. 140/141.
[15] Ainda Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed., pág. 137.
[16] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 124.