1. Num contrato promessa, só depois de convertida a mora em incumprimento definitivo, tem, pois, o promitente fiel direito à resolução do contrato com fundamento naquele incumprimento.
2. A interpelação admonitória é uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo, devendo, pois, a interpelação intimar, expressamente, para o cumprimento, fixar um prazo peremptório para o mesmo, e cominar que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não ocorrer o cumprimento dentro daquele prazo.
3. A perda do interesse na prestação do devedor deve ser objectiva e concretamente demonstrada pelo credor, não se bastando com a mera alegação deste nesse sentido, tendo de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, e aferindo-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite).
4. Os efeitos que decorrem do contrato promessa não se confundem com os que decorrem do contrato prometido, que só se concretizarão com a realização deste.
5. Num contrato promessa de compra e venda de imóvel, a tradição do imóvel que constitui o objecto do contrato-promessa, embora surja frequentemente associada à celebração da promessa, não é um efeito necessário desta, mas um efeito da eficácia translativa do direito própria do contrato prometido., pelo que, ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado.
6. Sendo uma convenção complementar ao contrato promessa, geralmente é verbal, não lhe sendo aplicáveis as cláusulas insertas no contrato promessa.
(Sumário da Relatora)
RELATÓRIO.
Eduardo e Patrícia intentaram contra Manuel e Maria acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhes: a) a quantia de € 71.883,14 a título de benfeitorias/despesas que os AA. fizeram no imóvel prometido comprar e vender, ou b) a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 92.000 correspondente ao valor que os RR. atribuem às benfeitorias, e c) apreciando e declarando a culpa dos RR. pela não celebração do contrato promessa celebrado entre as partes, a quantia de € 60.000, correspondente ao sinal em dobro, e, ainda, d) a quantia de € 5.000, a título de danos morais, bem como e) juros de mora sobre o valor de € 60.000 desde a citação e até efectivo pagamento.
A fundamentar o peticionado, alegam, em síntese:
Através de mediadora imobiliária, AA. e RR., em 20.05.2010, celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda de uma moradia inacabada sita em …, freguesia e concelho de …, pelo preço de € 158.000, tendo dado 30.000€ de sinal, devendo o resto do preço ser pago no acto de escritura, que deveria ser realizada no prazo de 180 dias.
Na data de celebração do contrato promessa, porque o imóvel prometido vender estava com infiltrações e a necessitar de obras e mudança de fechadura, os RR. autorizaram logo os AA. a ficar com as chaves e a prosseguir com as obras, bem como a requerer a renovação da licença, já caducada, o que os AA. fizeram no valor peticionado e foram dando conhecimento aos RR., que as aprovou e autorizou, tendo as obras sido realizadas durante o Verão de 2010 e até Dezembro desse ano.
Em Novembro de 2010 o A. explicou ao R. que existia um problema na concessão do crédito bancário, o qual se encontrava em fase de resolução e que a escritura definitiva só poderia ser celebrada em Fevereiro ou Março de 2011, tendo este dito que não haveria qualquer problema.
Contudo, em 15 de Dezembro de 2010, os AA. foram confrontados com uma carta dos RR. a marcar prazo para a celebração da escritura, e a dizer que consideravam abusiva a ocupação do imóvel pelos AA., bem como as obras, solicitando a sua desocupação.
Os AA. ainda tentaram falar com os RR. mas sem qualquer sucesso, pelo que pararam as obras em curso, tendo recebido notificação judicial avulsa dos RR. e carta de resolução do contrato, invocando a perda de interesse e incumprimento do negócio pelos AA.
E tentado obter um acordo com os RR., estes afirmaram que o preço já não seria o constante do contrato promessa, mas sim 250.000€, valor, aliás, pelo qual estão a tentar vender o imóvel.
A situação criada pelos RR. tem criado angústia aos AA., que no início de vida vêm as suas expectativas goradas, provocando-lhes nervos, ansiedade e terror face às dívidas existentes resultantes desta situação.
Regularmente citados, os RR. contestaram, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção, e deduziram reconvenção pedindo a condenação dos AA. a pagarem-lhes a quantia de € 30.000.
A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese:
O prédio objecto da acção estava equipado com instalação de aquecimento central que os AA. destruíram com as obras que realizaram, causando aos RR. /reconvintes um prejuízo não inferior a € 10.000.
No prédio os RR. construíram uma piscina, ainda em fase de acabamento, que os AA. aterraram, causando aos RR. /reconvintes um prejuízo não inferior a € 20.000.
Os AA. replicaram propugnando pela sua absolvição dos pedidos reconvencionais deduzidos.
Foi proferido despacho saneador, admitido o pedido reconvencional, e seleccionadas matéria de facto assente e base instrutória, as quais sofreram reclamação, que foi atendida.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou os réus: a) a pagar aos AA. o valor de 60.000€ (sessenta mil euros) correspondente ao dobro do sinal entregue, com juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; b) a pagar aos AA. o valor de 71.883,14€ (setenta e um mil oitocentos e oitenta e três euros e catorze cêntimos) correspondente ao valor das obras efectuadas pelos AA. no imóvel objecto do contrato promessa; c) como litigantes de má fé na multa de 3 UC’s.
Inconformadas com a decisão, dela apelaram os RR., formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1- AA. e RR em 20-05-2010 subscreveram o documento particular, cuja cópia se encontra junta a fls. 39 a 41, que denominaram contrato promessa de compra e venda, mediante o qual aqueles prometeram comprar e estes vender, o imóvel identificado, pelo preço de 158.000,00 €.
2- A titulo de sinal e principio de pagamento os AA. entregaram o valor de 30.000,00€.
3- Mais acordaram conforme cláusula quarta do contrato que a escritura seria realizada no prazo de cento e oitenta dias a contar da data da celebração do contrato promessa ou seja a escritura deveria ter sido realizada até 16 de Novembro de 2010.
4- No dia 15 de Dezembro de 2010, os AA. recebem dos RR., uma carta subscrita pelo seu mandatário, concedendo-lhes quinze dias para marcarem a escritura.
5- Não obstante os AA. terem respondido à carta, não marcaram a escritura.
6- No dia 24 de Fevereiro, cada um dos AA. são notificados, através de notificação judicial avulsa, na qual se refere que o prazo inicial previsto no contrato promessa não foi cumprido, ou seja até 16 de Novembro de 2010 e que a prorrogação até 01 de Janeiro de 2011 também não e por isso, havia perdido o interesse no negócio, considerando o contrato resolvido por incumprimento definitivo do mesmo, e tendo o sinal entregue.
7- Dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver – artº. 405/1 Cód. Civil.
8- O contrato promessa é definitivo no artº. 410/1 do Cód. Civil, traduzindo-se na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um contrato definitivo.
9- Contrato promessa é a fonte de obrigações de contratar, da obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
10- O contrato promessa é um contrato autónomo, distinto do contrato definitivo, cuja função consiste em impor a celebração de um anterior contrato definitivo.
11- Do contrato promessa nasce a obrigação de estipular no futuro um determinado contrato definitivo, exercendo, relativamente a este, função instrumental e preparatória.
12- O efeito do contrato promessa consiste na obrigação de celebrar o contrato prometido, sendo, por isso, fonte de prestação e facere.
13- O contrato promessa fixa os elementos essenciais do contrato, definitivo, determinando o seu conteúdo, no entanto é o contrato definitivo e que é translativo e constitutivo de direitos.
14- Atento os factos assentes, na esteira da liberdade contratual que lhes assiste, entre os AA. e os RR., foi celebrado, em 20-05-2010, um contrato promessa referente a um prédio rústico , com uma moradia T3 com 5 divisões assoalhadas, anexo com garagem e arrecadação, inscrito na matriz sob o artº. … da secção F e descrito na Conservatória sob o nº. …/950324 da freguesia e concelho de ….
15- Nele estipularam o preço de 158.000,00 € a pagar, a título de sinal e princípio de pagamento, com a assinatura do contrato, 30.000,00 €; o remanescente, a quantia de 128.000,00 € a pagar no acto da escritura pública de compra e venda.
16- Mais acordaram que a escritura de compra e venda seria marcada pelos promitentes compradores no prazo máximo de 180 dias.
17- Acordaram ainda que qualquer alteração ao disposto no presente contrato promessa só seria válida se consagrada por escrito e assinado por todos os outorgantes, do qual conste a indicação expressa das cláusulas que forem supridas e a nova redacção das aditadas ou modificadas, cabendo aos AA. comunicarem, com 15 dias de antecedência, indicando o local, dia e hora.
18- Os RR / apelantes receberam dos AA / apenas a título de sinal a quantia de € 30.000,00.
19- Dispõe o art.º. 442 do Cód. Civil que a coisa entregue a título de sinal deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não foi possível (nº. 1).
20- Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a prestação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (…) (nº. 2).
21- A indemnização que o promitente vendedor deve pagar é a quantia de montante igual ao sinal em dobro.
22- Devendo-se a incumprimento ao promitente comprador tem o promitente vendedor a faculdade de fazer sua a coisa entregue.
23- A simples mora constitui o dever de reparar os danos causados, sendo certo que o devedor só ficado constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – artº. 804/1 e 805/1 do Cód. Civil.
24- Estipulado o nº. 2 al. a) da mesma disposição legal que “há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo.”.
25- Quer isto dizer tendo a obrigação prazo certo não é necessário a interpelação para que haja mora.
26- Mas mesmo assim, os RR/ apelantes a 15 de Dezembro de 2010, isto decorrido quase trinta dias para além da data acordada para a realização da escritura sem que esta se tivesse realizado contaram os AA / apelados concedendo-lhe o prazo de quinze dias para marcarem a escritura.
27- Prazo que consideraram razoável em função do tempo decorrido e termos de mora no cumprimento.
28- Os AA. apelados não marcaram a escritura no prazo fixado.
29- No dia 24 de Fevereiro os apelados foram notificados pelos apelantes que consideravam resolvido o contrato promessa celebrado, por incumprimento definitivo e perda de interesse dos vendedores, com a consequentemente perda do sinal a seu favor.
30- Destes factos contacta-se que os AA/ apelados incorreram em mora quando da interpelação por parte dos RR/ apelantes para a realização da escritura de compra e venda do prédio objecto do contrato promessa.
31- A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte – artº. 436/1 do Cód. Civil.
32- A declaração negocial que tem um destinatário tornar-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecido; ou outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada – artº. 224/1 Cód. Civil.
33- Daqui resulta que a lei faz depender a eficácia da declaração resolutória da circunstância de essa declaração chegar ao poder ou ao conhecimento do destinatário.
34- Ora, nos autos está demonstrado que o AA/ apelados receberam a notificação na qual os RR apelantes lhes comunicaram a resolução do contrato.
35- Destarte, atentos os factos apurados constata-se que os AA/ apelados incorreram em mora por falta de cumprimento do prazo estipulado para a realização do contrato prometido, convertendo-se esta em não cumprimento definitivo, atenta a interpelação efectuada para a realizada.
36- Assim, verificando-se o incumprimento definitivo do contrato promessa, têm os RR/apelantes o direito de fazer seu o valor do sinal entregue.
37- O Tribunal a quo deu como provado que o R/ Apelante concordou em Novembro de 2010 que a escritura teria de ser adiada para meados de Fevereiro ou Março de 2011.
38- Como também deu como provado esta “alteração” não foi feita por escrito.
39- Ora nos termos da cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, qualquer alteração ao disposto presente contrato só será válida se consagrada por escrito e assinado por todos os outorgantes, do qual consta a indicação expressa das cláusulas que foram supridas e a nova redacção das aditadas ou modificadas.
40- Assim, tal alteração não é válida.
41- Mas mesmo que assim não se entenda nunca a Ré/ apelante acordou na alteração do contrato, pois o que se deu como provado foi que a R. concordou que a escritura teria de ser adiada para meados de Fevereiro ou Março de 2011.
42- O tribunal deu como do provado que os AA/ apelados com o conhecimento e autorização dos RR/ apelantes fizeram diversas obras no imóvel objecto do contrato.
43- No contrato promessa celebrado entre as partes nada consta sobre a realização de obras, isto é as partes nada acordaram sobre a necessidade da realização de obras no imóvel, autorização para a realização das mesmas.
44- O que constitui uma alteração posterior ao contrato, tendo em atenção que conforme resulta da matéria dada como provada essa alteração contratual terá ocorrido em meados de Outubro de 2010.
45- As alterações ao contrato só seriam válidas por escrito, o que não se verificou.
46- Assim, as obras não foram autorizadas, pelo que nunca o R/ apelante poderia ser condenado a pagar o custo das mesmas.
47- Salientando que a Ré não concordou nem autorizou a realização das mesmas.
48- Artº. 640 nº. 1 al. a) CPC. Os concretos factos que o recorrente considera incorrectamente julgados são o valor de 43.050,00 € relativamente aos Agosto com o pedreiros, que os apelados com o conhecimento e autorização dos RR. fizeram obras, que mereceram do tribunal mas respostas que constam da decisão sobre a matéria de facto e que aqui se dá por reproduzida por razões de economia processual, decisão que desde já se deixa impugnada para todos os legais efeitos.
49- Artº. 640 nº. 1 al. b) do CPC. Os concretos meios probatórios que impõem tal decisão, ou seja não provados são os seguintes:
Testemunhas:
- João;
- Pedro.
Cujos depoimentos se encontram gravados no sistema informático em vigor neste
Tribunal.
50- Atento tais meios probatórios e tendo em conta tudo quanto se expõe nestas alegações, entende o recorrente que à matéria de facto referida na antecedente conclusão deve ser dada resposta negativa ou não provada o que respeitosamente requer a este Tribunal.
51- Tendo decidido como decidiu relativamente à apontada matéria de facto, o Tribunal à quo fez errada apreciação de provada no sentido da resposta negativa a tal matéria.
52- Foi violado o artº. 805 nºs 1 e 2 al. a) e 808 nº. 1 do Cód. Civil.
Terminam pedindo que se julgue procedente o recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC) as questões a decidir são:
a) do incumprimento pelos AA. do contrato promessa; da alteração verbal do contrato promessa;
b) da falta de acordo escrito quanto à realização de obras e da invalidade de tal acordo;
c) da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou assentes os seguintes factos:
1. Os AA. através da RM - …, Lda., sita na Rua …, nº 21, …, …, tiveram conhecimento de um imóvel pertencente aos RR., que se encontrava à venda por € 158.000,00 (al. A);
2. Por intermédio da mediadora referida, a 20/05/2010, AA. e RR. subscreveram o documento particular cuja cópia se encontra junta a fls. 39 a 41 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual AA. e RR. prometeram comprar e vender o imóvel – prédio rústico, com uma moradia T3 com 5 divisões assoalhadas, anexo com garagem e arrecadação, que se encontram inacabadas, inscrito na matriz respectiva sob o art. 34 da secção F, e descrito na conservatória sob o nº …/… da freguesia e concelho de …, pelo preço de 158.000€, tendo os AA. entregue a título de sinal e princípio de pagamento o valor de 30.000€ (al. B);
3. A escritura seria celebrada no prazo de 180 dias a contar da data da celebração do contrato promessa -cláusula quinta - prevendo-se o pagamento de juros à taxa legal em vigor sobre o montante em falta, existindo causa imputável aos promitentes compradores (al. C);
4. Na data do contrato promessa as licenças de construção do imóvel em causa já haviam caducado, existindo um projecto na Câmara Municipal de … com o nº … com o alvará nº …, caducado (al. D);
5. Um Gabinete de arquitectura, situado no …, realizou relativamente ao imóvel novos projectos e estes foram submetidos a 24 de Junho de 2010, nos termos do Termo de responsabilidade junto a fls. 47 e doc. de fls. 48 a 50 cujo teor se reproduz (al. E);
6. Subscrito pelo RR. foi feito um requerimento de licenciamento da obra em causa à Câmara Municipal de…, que deu entrada a 24/06/2010 (al. F);
7. Em nome dos RR. a Câmara Municipal de … emitiu com data de 15/10/2010 o alvará de obras com o nº 33/2010, junto a fls. 54 e cujo teor se reproduz (al. G);
8. Os AA. após a celebração do contrato promessa em causa colocaram uma porta nova na entrada principal (al. H);
9. A 15 de Dezembro de 2010, os AA. recebem do mandatário dos RR., a carta que se junta a fls. 134 e 135 e cujo teor se reproduz, nos termos da qual, além do mais, os RR.[1] concediam aos AA. 15 dias para marcarem a escritura, dizendo ainda que os clientes – ora RR. – consideravam abusiva a ocupação do imóvel, bem como consideravam abusivas as obras em curso e ordenando que os AA. se abstivessem de ocupar o imóvel, e que parassem as obras em curso (al. I);
10. Os AA. responderam ao mandatário dos RR. por carta datada de 7/01/2011 e junta a fls. 136 e 137, cujo teor se reproduz (al. J);
11. A 24 de Fevereiro recebem, cada um dos AA. a notificação judicial avulsa que se junta a fls. 174 e ss. e cujo teor se reproduz, e nessa notificação os RR. juntam cartas de resolução do contrato promessa que enviaram aos AA. e que estes não levantaram, e na qual os RR. referem que o prazo inicial previsto no contrato promessa não foi cumprido – o de 16 de Novembro de 2010; e que a prorrogação até 1 de Janeiro de 2011 também não, e que por isso, haviam perdido o interesse no negócio, considerando o contrato resolvido por incumprimento definitivo do mesmo, retendo o sinal entregue (al. L);
12. Os AA. enviaram ao mandatário dos RR. a carta que se junta a fls. 143 que foi recebida a 1/02/2011, afirmando uma vez mais, que a escritura seria marcada brevemente (al. M);
13. Na reunião em que se celebrou o contrato promessa, em que estavam presente os outorgantes e o agente Imobiliário, o Réu Manuel, referiu aos ora AA. a necessidade de mudarem as fechaduras, uma vez que o anexo onde estavam restos de materiais da construção que estava parada, desde meados de 2005, já tinha sido arrombado, e também porque a entrada principal não tinha porta (art. 1º da BI);
14. Nessa reunião também se falou nas infiltrações que o imóvel tinha, e que o estavam a danificar cada vez mais, como por exemplo o chão e a placa (art. 2º da BI);
15. E nessa altura o Réu Manuel ordenou ao agente imobiliário que fornecesse aos AA. as chaves da porta do anexo e da porta da cozinha que se situa na traseira do imóvel (art. 3º da BI);
16. Após a celebração do contrato promessa e com o consentimento dos RR. os AA. iniciaram todo o processo que permitisse a renovação da licença de obras e o começo das mesmas (art. 4º da BI);
17. O fumeiro da moradia em causa tinha-se partido e caído para cima das telhas, partindo quer as telhas quer as vigas, e uma vez que lhes tinham sido fornecidas as chaves por ordens do R. Manuel, os AA. procederam, ainda no Verão de 2010, às obras necessárias para colocarem o telhado em condições e protegerem o imóvel (art. 5º da BI);
18. O Agente Imobiliário da agência contratada pelos RR. para venda do imóvel em causa, foi, após o contrato, instruindo alguns processos de simulação da concessão de crédito, necessário para a compra pelos AA. (art. 6º da BI);
19. Na sequência do referido em 6., em Outubro, os AA. dirigiram-se à Câmara, e lá foram informados que já havia sido enviada carta, no dia 1/10/2010, para levantamento do respectivo alvará de obras, para casa dos RR. (art. 7º da BI);
20. Os RR. nada disseram sobre terem recebido a carta de notificação para poder levantar o alvará de obras, embora soubessem que a existência de um alvará de obras válido era indispensável para instruir o processo de concessão do crédito e marcação da escritura de compra e venda (art. 8º da BI);
21. Em meados de Outubro de 2010, os AA., deslocaram-se, na companhia do agente imobiliário, a casa dos RR. buscar a carta da Câmara para poderem levantar o alvará de obras e nessa altura falou-se então da necessidade de se proceder a mais obras como sendo as relativas aos tacos de madeira do chão dos quartos (art. 9º da BI);
22. Bem como as relativas aos tectos dos corredores que estavam com péssimo aspecto, com o estuque a desfazer-se em virtude das infiltrações de água pelos telhados (art. 10º da BI);
23. E ainda as relativas às paredes interiores e exteriores, pois tinham diversas rachas, em virtude de se tratar de um imóvel com a construção deixada a meio e há cerca de dez anos em abandono (art. 11º da BI);
24. Foi ainda dito ao réu que aprovou e autorizou, que para a obtenção do crédito cujo processo estava em curso, teriam que ser feitas avaliações, sendo mais fácil o crédito se o imóvel estivesse com obras realizadas (art. 12º da BI);
25. Foi na sequência da aprovação pelo R. que foi levantado pelos AA. o alvará de obras referido em 7. (art. 13º da BI);
26. O imóvel aquando do contrato promessa tinha as seguintes anomalias:
a) rachas nas paredes, interiores e exteriores;
b) fumeiro, telhas e vigas partidas;
c) acessos em terra batida;
d) telhas cheias de musgo e verdete;
e) interiores cheios de humidade e lixo variado;
f) chaminés entupidas com lixo;
g) tectos interiores e exteriores cheios de humidade e verdete;
h) sótão e placas cheios de água e danificados;
i) a caixa de ar, situada por baixo do imóvel, cheia de água (art. 14º da BI);
27. Os AA., com conhecimento e autorização dos RR. fizeram as seguintes obras: acimentaram os acessos ao imóvel, dado que os mesmos eram muito difíceis porque se enchiam de lama, tendo gasto com a brita € 140,72 (art. 15º da BI);
28. E os AA. colocaram uma porta na entrada principal, a respectiva fechadura e substituíram a porta do anexo ao imóvel, que se encontrava arrombada, e colocaram vitrais na entrada principal, tendo gasto a quantia de € 804,00 (art. 16º da BI);
29. Colocaram ainda isolamento no sótão, que se enchia de água provinda dos telhados colocando Wall Mate, tendo gasto € 1.226,29 (art. 17º da BI);
30. Relativamente ao sótão, igualmente fizeram os AA. a abertura para que se lhe pudesse aceder (art. 18º da BI);
31. Igualmente com o objectivo de protegerem o imóvel das humidades provenientes do solo, colocaram poliuretano projectando-o na caixa de ar por baixo do imóvel, pelo valor de € 2.361,60 (art. 19º da BI);
32. Colocaram tectos falsos nos locais em que a humidade já havia feito demasiados danos na placa e no estuque, tendo gasto a quantia de € 3.929,85 (art. 20º da BI);
33. Com canalizações, tubagens e torneiras, interiores e exteriores gastaram € 1.205,77 (art. 21º da BI);
34. Os AA. aplicaram o painel de energia solar, constante do projecto aprovado, tendo gasto € 3.796,80 (art. 22º da BI);
35. No motor do poço do quintal e acessórios gastaram os AA. € 389,33 (art. 23º da BI);
36. Em azulejos aplicados os AA. gastaram a quantia de € 210,27, em louças de sanitários, que lá estão no imóvel, a quantia de € 1.754,28 (art. 24º da BI);
37. No recuperador de calor, gastaram a importância de € 2.070,00 (art. 25º da BI);
38. Em tintas, isolantes e tratamentos de paredes, interiores e exteriores gastaram € 5.304,01, tendo gasto com pintores a quantia de €5.000,00 (art. 26º da BI);
39. Com projectores colocados nos tectos falsos gastaram os AA. a quantia de € 3.584,00 (art. 27º da BI);
40. O A. Eduardo, electricista de profissão, foi quem fez toda a instalação eléctrica, interior e exterior, como sendo a instalação dos fios para alarme; para a câmara de videovigilância; da campainha; da iluminação exterior do muro; instalação da casinha do motor do poço; toda a iluminação interior e respectivas tomadas e fichas e dos estores eléctricas na fachada da frente, tendo gasto o equivalente a € 2.000,00 (art. 28º da BI);
41. Em pedreiro que lá andou muitos dias, a colocar os materiais, a reparar os defeitos, como múltiplas rachas nas paredes, arranjo do muro da propriedade, acimentar o chão e arranjo do telhado, foi gasto pelos AA. o valor de € 43.050,00 (art. 29º da BI);
42. Com o arquitecto pagaram os AA. a quantia de € 1.920,00 e com o levantamento da licença, já caducada, gastaram € 120,00 (art. 30º da BI);
43. A parte de baixo da casa, na caixa de ar, aquando do contrato promessa, estava toda cheia de água, pelo que de imediato os AA. viram que se tornava urgente providenciar pelo seu escoamento e prevenir que a situação se voltasse a repetir (resp. ao art. 31º da BI);
44. Após consultarem vários profissionais, incluindo os técnicos responsáveis pelos projectos de construção, optaram os AA. pela solução de escavarem um complexo de valas, por baixo do imóvel, por onde então as águas pudessem, quer infiltrar-se mais rapidamente, quer correrem livres sem afectarem o imóvel (art. 32º da BI);
45. Pelo que os AA. após abrirem as valas, colocaram brita e um complexo de tubagem para drenar a água que entretanto extravasasse as valas de contenção, estimando-se o valor do trabalho efectuado em € 2.100,00 (art. 33º da BI);
46. Os AA. mandaram fazer móveis para a cozinha que foram feitos à medida, no total de € 8.216,40 (art. 34º da BI);
47. Todas obras referidas e os respectivos materiais, com excepção dos móveis da cozinha, foram aplicados no imóvel de Junho a Dezembro de 2010, sem que os RR. fizessem qualquer tipo de objecção até à carta de 15/12/2010 aludida (art. 35º da BI);
48. Enquanto as obras e reparações decorriam, os AA. tiveram conhecimento que havia sido detectado por um dos bancos a que havia sido solicitada uma simulação do crédito, um problema com o nome da A. Patrícia, no Banco de Portugal (art. 36º da BI);
49. Mas a ficha da A. no Banco de Portugal só ficaria sem qualquer registo de incidente, dois meses mais tarde, pelo que os AA. em Novembro de 2010, comunicaram ao Réu Manuel e explicarem o que se passava com a obtenção do crédito, informando assim, que não poderiam respeitar o prazo inicial (art. 37º da BI);
50. Tendo o R. concordado que a escritura teria de ser adiada para meados de Fevereiro ou Março de 2011 (art. 38º da BI);
51. Face à notificação aludida em 11. os AA. de imediato pararam as obras, ficando a pintura e o sistema de remoção das águas da caixa de ar, a meio (art. 39º da BI);
52. No início de Janeiro de 2011, o Banco comunicava aos AA. que iria ser efectuada a avaliação do imóvel, sendo necessário agendar a mesma o que foi comunicado ao mandatário dos RR. o qual garantiu que autorizava a avaliação do imóvel e manifestando a intenção de estar presente (art. 40º da BI);
53. Os AA. após a notificação referida em 11. propuseram pagar mais € 10.000,00 e celebrarem a escritura, com a aprovação do crédito, que ocorreu a 14 de Março de 2011 (art. 41º da BI);
54. Os RR. em resposta queriam pelo imóvel o valor de € 250.000,00 (art. 42º da BI);
55. Os RR. mudaram as fechaduras do imóvel, estando no local os materiais comprados pelos AA., como por exemplo caixas, andaimes e outros materiais que pertencem aos pintores (art. 43º da BI);
56. Os RR. em 2011 tinham o imóvel à venda pelo valor de 250.000,00€, sendo o valor comercial do mesmo no estado actual de 162.720€, caso as obras tivessem sido todas efectuadas o valor seria de cerca de 200.000€ e na ausência de tais obras o valor seria de 128.250€ (art. 45º da BI);
57. Os RR. no imóvel haviam iniciado a construção de uma piscina (art. 48º da BI).
58. Em virtude da resolução do contrato pelos RR. e toda a situação em causa nos autos os AA. têm-se coibido de viver de acordo com a sua idade e rendimentos já que, sem o crédito que iria custear as obras e restantes despesas conexas com a aquisição do imóvel, andam a pagar com os seus salários e ajuda dos familiares, aos fornecedores de tais obras emitindo facturas em conformidade bem como a custear com o presente processo e providência cautelar (art. 49º da BI);
59. Os nervos, ansiedade dos AA. de terem de pedir ajuda de familiares e terem de enfrentar todos os prestadores de serviços relativos às obras em causa, negociando com os mesmos o pagamento faseado e liquidação das dívidas, provocou nos mesmos momentos de terror pela previsão de como jovem casal verem as suas vidas hipotecadas pelo pagamento de tais dívidas (art. 51º da BI);
60. Decorrente desta situação os AA. passaram muitas noites em claro (art. 52º da BI).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A presente apelação tem por objecto a condenação dos apelantes pelo tribunal recorrido no pagamento aos apelados, por um lado, do sinal em dobro por incumprimento do contrato promessa com estes celebrado, e, por outro, do montante correspondente ao valor das obras efectuadas pelos apelados no imóvel objecto daquele contrato.
Analisemos cada uma das questões pela ordem indicada.
1. Concluiu o tribunal recorrido que os apelantes incumpriram, definitivamente, o contrato promessa entre as partes celebrado, pelo que estão obrigados à restituição do sinal em dobro.
Insurgem-se os apelantes contra tal entendimento sustentando que quem incumpriu o contrato promessa foram os apelados, porquanto não marcaram a escritura no prazo estipulado no contrato promessa, nem no prazo que os apelantes lhes concederam posteriormente para o efeito, pelo que a resolução do contrato promessa por estes efectuada foi válida tendo os apelantes direito a fazer seu o sinal recebido.
Mais referem que o acordo verbal de adiamento da escritura que foi dado como provado [2], consubstancia uma alteração ao contrato promessa que só seria válida se consagrada por escrito e assinada por todos os outorgantes, pelo que não pode valer, ao contrário do decidido [3].
A questão essencial a apreciar neste recurso é a de saber se, como sustentam os apelantes, os apelados incumpriram definitivamente o contrato promessa objecto dos autos por não terem marcado a escritura de compra e venda quer no prazo estipulado no contrato, quer no prazo fixado pelos apelantes, ou seja, se depois de terem entrado em mora por não terem marcado a escritura no prazo convencionado no contrato promessa, tal mora se tornou em incumprimento definitivo ao não a terem marcado no prazo fixado pelos apelantes por carta de 15.12.2010.
Essa foi, de resto, a questão analisada pelo tribunal recorrido, que, ao contrário do que parecem sustentar os apelantes, não entendeu que entre as partes tinha sido validamente acordado, posterior e verbalmente, um novo prazo para a outorga da escritura definitiva de compra e venda do imóvel, mas antes concluiu que a carta enviada a fixar data para a realização da escritura não reúne os requisitos de declaração admonitória, motivo pelo qual não teve a susceptibilidade de transformar a mora dos devedores em incumprimento definitivo, de forma a poder fundamentar a resolução do contrato promessa pelos apelantes.
O que o tribunal recorrido entendeu foi que o facto dado como provado sob o ponto 50 da fundamentação de facto, em conjunto com o restante circunstancialismo fáctico que concretiza, era relevante para aquilatar da perda do interesse dos apelantes na outorga do contrato definitivo por estes alegada na comunicação de resolução do contrato promessa [4], o que é essencialmente diferente.
Mas vejamos.
Aquando da celebração do contrato promessa, acordaram as partes, para além do mais, que a escritura do contrato definitivo (de compra e venda) deveria ser celebrada no prazo máximo de 180 dias (ou seja, até 18.11.2010), devendo os promitentes-compradores avisar os promitentes-vendedores da data, hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 15 dias, sendo que, se a escritura não se realizasse dentro do prazo previsto por causa imputável aos promitentes-compradores, estes pagariam juros de mora sobre o valor em dívida (€128.000) à taxa legal em vigor (cláusula 5ª).
Decorrido o referido prazo, os apelados não marcaram a escritura, conforme estipulado no contrato promessa, constituindo-se, pois, em mora, uma vez que, por causa que lhes é imputável, a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido – art. 804º, n.º 2 do CC.
A simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor – art. 804º, n.º 1 do CC -, não levando, só por si, à resolução do contrato e respectivas consequências, o que só se verifica em caso de não cumprimento ou incumprimento definitivo.
Como vem sendo maioritariamente entendido na jurisprudência, as sanções previstas no art. 442º do CC (antes ou depois da redacção dada pelo DL. 379/86 de 11.11) só se aplicam no caso de incumprimento definitivo e não no caso de simples mora (cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ de 6.10.11, P. 2434/08.3TBSTS.P1.S1, rel. Cons. Lopes do Rego, in www.dgsi.pt).
Contudo, a lei, no art. 808º, nº 1 do CC, equipara a mora ao não cumprimento definitivo, ao estabelecer que “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
A perda do interesse é apreciada objectivamente, nos termos do nº 2 do referido artigo, e, muitas vezes, resulta da própria natureza da obrigação assumida, podendo advir de um termo essencial.
Independentemente da perda de interesse na prestação por parte do credor, este, de acordo com o mencionado artigo, tem, também, à sua disposição o mecanismo da interpelação admonitória, para converter a mora em incumprimento definitivo.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 08.05.07, P. 07A932, rel. Cons. Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt, que “precisando o disposto no nº 1 do art. 808º do Código Civil, e como acima se acenou, a perda do interesse do credor, sequente à mora do devedor cria uma situação de incumprimento paralela ao não acatamento da interpelação admonitória. Daí que este preceito coloque essas situações em alternativa (“... perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada ...”). São duas realidades distintas, já que se é fixado um prazo suplementar é porque ainda há interesse na prestação; desaparecido este a inexecução existe desde logo. O único elemento comum é a mora, pois é este atraso que provoca ou o desinteresse ou a fixação de prazo suplementar fatal para cumprir”.
No que à interpelação admonitória diz respeito, dizia Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, em Obra dispersa, pág. 160, que se trata de um remédio concedido por lei ao credor para os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial, nem ele possa alegar, de modo objectivamente fundado, perda de interesse na prestação por efeito da mora.
E Brandão Proença, in A resolução do Contrato no Direito Civil, pág. 119, refere que “com esta possibilidade (...), o legislador procurou um justo equilíbrio entre dois interesses divergentes, ou seja, entre o interesse do credor em resolver o contrato (condicionado ao “agravamento” da mora), mas aceitando ainda um cumprimento tardio preclusivo (mesmo que o incumprimento resulte de uma cláusula resolutiva), e o interesse do devedor em conservá-lo, cumprindo ainda durante o prazo fixado”.
Só depois de convertida a mora em incumprimento definitivo, tem, pois, o promitente fiel direito à resolução do contrato com fundamento naquele incumprimento – só o incumprimento definitivo, por causa imputável ao devedor, pode dar direito à resolução do contrato (art. 801º, n.º 2 do CC).
A interpelação admonitória é uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo (Baptista Machado, in loc. cit.).
A interpelação deve, pois, expressamente, intimar para o cumprimento, fixar um prazo peremptório para o mesmo, e cominar que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não ocorrer o cumprimento dentro daquele prazo.
Como refere Antunes Varela in RLJ ano 128, pág. 138, “… têm os autores entendido – e bem! -, em face do espírito e do próprio texto da lei, que, para o devedor em mora ficar nessa situação de faltoso em definitivo, se torna necessário mesmo que na interpelação feita pelo credor, ao abrigo do disposto no artigo 808º, se inclua expressamente a advertência de que, não cumprindo o devedor dentro do prazo suplementar fixado, a obrigação se terá para todos os efeitos por não cumprida” [5].
Ora, como referiu o tribunal recorrido, analisando a missiva enviada pelos apelantes aos apelados em 15.12.2010 (junta a fls. 134 e 135), não obstante tenham concedido um (novo) prazo de 15 dias para os apelados marcarem a escritura de compra e venda, não fizeram incluir na mesma qualquer advertência expressa quanto às consequências de não cumprimento no prazo fixado, nomeadamente de que o mesmo implicava que se tivesse a obrigação por definitivamente não cumprida.
Estamos, assim, de acordo com a conclusão do tribunal recorrido de que tal missiva não pode ser considerada como intimação formal com vista a converter a mora em incumprimento definitivo, ou seja, como interpelação admonitória, nos termos do mencionado dispositivo legal.
Sempre se dirá, ainda, que também se nos afigura que se teria de concluir que os RR. não fixaram aos AA. um prazo razoável para a realização da escritura do contrato prometido.
“O prazo é razoável se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar” (Ac. do STJ de 07.02.08, P. 07A4437, rel. Cons. Paulo Sá, in www.dgsi.pt).
Ora, face ao circunstancialismo dado como provado - os RR. sabiam que os AA. estavam a recorrer a crédito bancário para poderem efectuar a compra definitiva do imóvel (pontos 21 a 24 da fundamentação de facto), e souberam das vicissitudes que entretanto ocorreram no âmbito daquele (pontos 48 e 49 da fundamentação de facto), e que determinaram a impossibilidade de cumprir no prazo inicial fixado, tendo o R. acordado que a escritura teria de ser adiada para meados de Fevereiro ou Março de 2011 (ponto 50 da fundamentação de facto) – afigura-se-nos que o prazo de 15 dias fixado (que terminava no dia 1.1.2011) não pode, de forma alguma, ser considerado como razoável, respeitando o sentido e objectivo da lei [6].
Em conclusão, concluiu bem o tribunal recorrido que a notificação enviada em 15.12.2010 pelos apelantes aos apelados não teve a virtualidade de converter a mora destes em incumprimento definitivo, motivo pelo qual a resolução posteriormente efectuada com fundamento no não cumprimento no prazo estipulado, carece de fundamento legal, ao contrário do pretendido pelos apelantes.
E assentando a falta de interesse na prestação invocada na carta de resolução, apenas, no decurso dos prazos (inicial e fixado na carta de 15.12.2010), não se mostra objectivamente fundamentada tal falta de interesse, como concluiu o tribunal recorrido e os apelantes não põem em causa.
A perda do interesse na prestação do devedor deve ser objectiva e concretamente demonstrada pelo credor (art. 342º, nº 1 do CC), não se bastando com a mera alegação do credor nesse sentido, tendo de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, e aferindo-se em função da “utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas” (referido Ac. do STJ de 07.02.08).
Numa ponderação global do caso, para aferição da perda de interesse, haverá que entrar em linha de conta com a duração da mora, o comportamento do devedor e o propósito subjectivo do credor, tendo o julgador, necessariamente, de atender ao comportamento deste na relação contratual, só podendo concluir pela perda de interesse se a sua conduta se pautou pelos ditames da boa fé (art. 762º, nº 2 do CC).
Ora, face à factualidade dada provada, concordamos com o tribunal recorrido que a falta de interesse na prestação dos apelantes não resultou, objectivamente, demonstrada.
Não incumpriram, pois, os apelados o contrato promessa, como pretendem os apelantes, verificando-se, sim, o incumprimento definitivo do mesmo pelos RR., como concluiu o tribunal recorrido e face à factualidade dada como provada sob os pontos 52 a 56 da fundamentação de facto, questão que os apelantes também não puseram, directamente, em causa no recurso, remetendo-se, assim, para a fundamentação da sentença recorrida nesta matéria, por nada haver a acrescentar ao que aí se escreveu.
Improcede, pois, nesta parte a apelação, nada havendo a censurar à sentença recorrida.
2. A segunda questão que os apelantes pretendem ver apreciada neste recurso é a da sua condenação a pagarem aos apelados a quantia de 71.883,14€, correspondente ao valor das obras efectuadas pelos apelados no imóvel objecto daquele contrato, insurgindo-se contra tal condenação sustentando que:
- tal quantia não é devida porquanto não existe qualquer acordo escrito quanto à realização daquelas obras, em violação do consignado na cláusula 8ª do contrato promessa, pelo que tal acordo não se pode ter por válido;
- em todo o caso, não podia o tribunal recorrido ter dado como provado que a R. Maria autorizou que fossem feitas obras, atento o depoimento da testemunha Pedro, pelo que pede a reapreciação da decisão sobre o ponto 27 da fundamentação de facto nesta parte;
- não podem os apelantes ser condenados a pagar o valor de € 43.050,00 relativamente aos gastos com o pedreiro, atento o depoimento da testemunha João, pedindo a reapreciação da decisão sobre o ponto 41 da fundamentação de facto.
Apreciemos as questões suscitadas, pela ordem indicada.
Como supra referido, sustentam os apelantes que a quantia que foram condenados a pagar aos apelados correspondente ao valor das obras efectuadas por estes no imóvel objecto do contrato promessa, não é devida porquanto não existe qualquer acordo escrito quanto à realização daquelas obras, em violação do consignado na cláusula 8ª do contrato promessa, pelo que tal acordo não se pode ter por válido.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que não lhes assiste razão.
Como referem os apelantes, o contrato-promessa tem por objecto a celebração de um outro contrato, o contrato prometido, pelo que os deveres (principais) que decorrem daquele para os promitentes são os deveres de emitirem as declarações de vontade necessárias à concretização da promessa feita, celebrando o contrato prometido.
Assim sendo, os efeitos que decorrem desse contrato promessa não se confundem com os que decorrem do contrato prometido, que só se concretizarão com a realização deste.
Num contrato promessa de compra e venda de imóvel, a tradição do imóvel que constitui o objecto do contrato-promessa, embora surja frequentemente associada à celebração da promessa, não é um efeito necessário desta, mas um efeito da eficácia translativa do direito própria do contrato prometido.
“Nesse sentido, ainda que coexista com o contrato-promessa, a tradição da coisa não é efeito deste, mas resultado de uma convenção negocial complementar ao contrato-promessa através da qual os promitentes antecipam os efeitos do contrato prometido, naturalmente na expectativa e com a confiança de que este irá ser celebrado. Os efeitos jurídicos da tradição da coisa encontram-se assim indexados ao regime e às vicissitudes do contrato prometido, de cujos efeitos são uma convenção negocial antecipatória, e não do contrato-promessa, ainda que a sua existência não deixe de interferir e condicionar o regime do contrato-promessa” [7].
Sendo uma convenção complementar ao contrato promessa, geralmente é verbal, como sucedeu no caso, não lhe sendo aplicáveis as cláusulas insertas no contrato promessa, nomeadamente a de que a autorização de realização de obras no imóvel [8] tivesse de ser feita por escrito, assinada por todos os outorgantes do contrato.
É, pois, válido, o acordo entre AA. e RR. quanto à entrega do imóvel e realização no mesmo das obras, improcedendo, também nesta parte, a apelação.
E tal acordo não foi dado pela R., como sustentam os apelantes, face ao teor do depoimento da testemunha Pedro, devendo alterar-se em conformidade o ponto 27 da fundamentação de facto [9] ?
Os apelantes deram cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 2 do art. 640º do CPC nada obstando à reapreciação pretendida.
Ouvida a prova e ponderada a mesma, desde logo se dirá que nenhuma razão assiste aos apelantes.
E isto porque a pretensão dos apelantes se sustenta, apenas, no depoimento da referida testemunha, que, para além de dever ser analisado globalmente e não de forma fragmentada como os apelantes o fazem, deve ser conjugado com a demais prova produzida, e ponderadas as regras da experiência, como, aliás, o tribunal recorrido fez.
Quanto ao depoimento da testemunha (agente imobiliário que acompanhou toda a situação), começou a mesma por dizer que a R. tinha conhecimento do estado em que estava o imóvel, tanto mais que foi com ela que a testemunha fez a primeira visita àquele, em Setembro de 2009.
Por outro lado, várias vezes afirmou, expressamente, que os RR. sabiam que os AA. iam fazer obras e as consentiram, tendo em vista a obtenção do financiamento bancário pelos AA.
Por outro lado, e ao contrário do que sustentam os apelantes que omitem parte do depoimento da testemunha, esta não foi peremptória em afirmar que a R. não assistiu à conversa sobre as obras e entrega das chaves.
Embora tenha começado, de facto, por dizer que a R. só chegou a seguir para assinar o contrato promessa e mais nada, logo de seguida referiu que “muito sinceramente não me recordo se ela ouviu a conversa toda”, para, mais adiante, referir que a conversa em causa “foi com o Sr. Manuel, com o Eduardo, com a Patrícia, com a senhora Maria, com todas as pessoas que estavam lá no dia do contrato”.
Acresce referir que a R. [10] assinou, conjuntamente com o R., o requerimento de licenciamento de obras à Câmara Municipal a que se alude no ponto 6 da fundamentação de facto, tendo sido ela, segundo a testemunha Pedro, que entregou, depois, a notificação da Câmara junta a fls. 52 dos autos ao A.
Conjugada toda esta prova afigura-se-nos nada haver a censurar à decisão do tribunal recorrido sobre o ponto 27 da fundamentação de facto, que se mantém, improcedendo, nesta parte, a apelação.
Por último, cumpre proceder à reapreciação da decisão sobre o ponto 41 da fundamentação de facto, a tal nada obstando, uma vez que os apelantes deram cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 2 do art. 640º do CPC.
Pretendem os apelantes que seja dada como não provada a factualidade constante do referido ponto, com base no depoimento da testemunha João, que, alegam, referiu não ter executado todas as obras constantes do orçamento apresentado, nomeadamente não completou o acesso ao sótão, não alterou a disposição da casa de banho, não executou acabamentos nas duas casa de banho, não alterou o sítio de tubagem da casa das máquinas, não colocou rodapé na sala, não abriu roços nas paredes para aplicação de torneiras e canalizações de água e luz, para além de a factura emitida se referir a trabalhos de carpinteiro.
Deu-se como provado no ponto 41 da fundamentação de facto que “em pedreiro que lá andou muitos dias, a colocar os materiais, a reparar os defeitos, como múltiplas rachas nas paredes, arranjo do muro da propriedade, acimentar o chão e arranjo do telhado, foi gasto pelos AA. o valor de € 43.050,00”.
É o seguinte o teor da fundamentação da factualidade tida por assente pelo tribunal recorrido: “Em relação a documentos juntos, os AA. juntaram documentos comprovativos das despesas com as obras, a saber, …, orçamento das obras discriminadas a fls. 68 e 69, no valor de 40.000€, o orçamento e as obras efectivamente efectuadas foram confirmadas ainda pelo depoimento da testemunha João, pessoa que subscreveu tal orçamento e que realizou as obras a pedido do A. Com efeito, esta testemunha confirmou a emissão da factura no valor de 35.000€ mais IVA, a qual foi junta a fls. 70, afirmado que a mesma diz respeito a toda a obra pelo mesmo efectuada no imóvel, e que os AA. apenas efectuaram ainda o pagamento do IVA, faltando o restante mas a cargo dos AA., dado que diz respeito a obra realizada no imóvel a pedido destes, de Junho a Dezembro de 2010, confirmando ainda o arranjo do telhado, sótão, rampa de entrada, valas para permitir o escoar das águas”.
Ouvido o depoimento desta testemunha, conjugando-o com o teor dos documentos juntos a fls. 68 a 70, mais uma vez se conclui que o tribunal recorrido analisou de forma correcta a prova produzida, não assistindo qualquer razão aos apelantes.
Em momento algum do seu depoimento referiu a testemunha que não tinha efectuado as obras mencionadas pelos apelantes e que supra se reproduziram, antes tendo confirmado que tinha efectuado todas as obras orçamentadas, o que o levou a emitir a factura junta a fls. 70 dos autos, sendo certo, porém, que acabou por facturar o trabalho por valor inferior ao orçamentado, uma vez que este era de € 40.000 mais IVA, e o valor facturado foi de €35.000,00 mais IVA.
Por outro lado, é irrelevante que na referida factura se faça referência, também, a trabalhos de carpinteiro, quando a testemunha confirmou que os trabalhos facturados foram os pela sua empresa efectuados na moradia em causa a pedido do A. e que foram os orçamentados.
Nenhum fundamento existe, pois, para alterar a factualidade dada como provada, improcedendo, na totalidade, a apelação.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
*
Lisboa, 2014.09.16
(Cristina Coelho)
(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
[1] Alterado por existir manifesto lapso de escrita ao escrever-se os “AA.”.
[2] Sob o ponto 50 da fundamentação de facto.
[3] Recorde-se que na cláusula 8ª do contrato promessa estipularam as partes que “qualquer alteração ao disposto no presente contrato só será válida se consagrada por escrito e assinado por todos os outorgantes, do qual conste a indicação expressa das cláusulas que forem supridas e a nova redacção das aditadas ou modificadas”.
[4] Cfr. fls. 766.
[5] Esclarecendo em nota de rodapé que não é necessário, porém, que a advertência do credor vá até ao ponto de ameaçar o devedor com a resolução imediata do contrato, quer porque o credor, com a interpelação admonitória, pode pretender apenas tornar mais clara e segura a possibilidade de realização coactiva da prestação, com a indemnização correspondente, quer porque mesmo quando a intenção do credor interpelante seja a de promover a resolução do contrato se o devedor não cumprir dentro do prazo fixado, e esse propósito constar da interpelação, nada impede que, frustrada a interpelação, o credor decida optar pelo recurso à realização coactiva da prestação.
[6] A comprová-lo o teor da carta datada de 7.1.2011 junta a fls. 136 dos autos - ponto 10 da fundamentação de facto -, bem como o constante do ponto 53 da referida fundamentação.
[7] Ac. da RP de 3.4.2012, P. 4949/10.4TBVFR.P1, rel. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida, in www.dgsi.pt.
[8] Que se mostravam necessárias para possibilitar a concessão de empréstimo bancário e para cuja realização os RR. também colaboraram, mostrando interesse na sua realização – pontos 4 a 7, 13 a 16 e 19 a 25 da fundamentação de facto.
[9] Embora nas conclusões de recurso os apelantes não concretizem ser parte do facto 27 da fundamentação de facto aquele que impugnam, resulta das alegações que é este o facto impugnado e, apenas, no que respeita à R.
[10] A quem a testemunha Pedro se referiu como “esposa” do R.