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JOGOS DE FORTUNA E AZAR
Sumário
I- Os jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente da sorte e que estão tipificados no artº 4º, nº 1 do D.L. 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL 10/95, de1/10, significando que fora desta descrição, modalidades de jogos cujos resultados também dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não constituem, no quadro da lei, jogos de fortuna ou azar, mas modalidades afins, a sancionar como contra-ordenação. II. Constitui jogo de fortuna ou azar, e não modalidade afim, nos termos do citado artº 4º, nº 1, o jogo desenvolvido em máquina automática no qual o jogador introduz uma moeda e, rodando o manípulo, faz sair de forma aleatória um feixe luminoso que fazendo quatro ou cinco voltas pode fixar-se num dos vários pontos do mostrador, mas em que só oito estão legendados com a pontuação de 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200, e que permite a acumulação de pontuação obtida em cada jogada, convertida depois num prémio, nomeadamente monetário.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I-RELATÓRIO.
1. No processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, procedente da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra -Juízo de Média Instância Criminal- 2ª secção, Juízo 3, o arguido A... foi condenado, por sentença proferida em 21/11/2013, como autor material, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelo artigo 108º nº 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, na pena de 3 meses de prisãoena pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 euros, tendo sido substituída a pena de prisão aplicada pela pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 €, ficando o arguido condenado numa pena única de 180 dias de multa à mesma razão diária, num total de 1.080,00 euros.
2. O arguido, não se conformando com esta decisão, dela veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“I. Na douta decisão recorrida os factos provados sob os números 1, 2, 14, 16, 17, 18 e 19 deveriam ter sido dados como não provados. Impõem-se a renovação da prova testemunhal de S... e a reanálise do exame de fls. 80 a 84. O facto provado em 14 traduz-se numa presunção sem suporte probatório. Os factos provados 16, 17 e 19 não tem na sua apreciação qualquer prova, mas antes a explicação de que está enraizada no cidadão comum a proibição de jogos que atribuam dinheiro, sendo certo que não foi feita prova de que o aparelho destes autos atribua dinheiro, pois que do exame de fls. 80 a 84 não se menciona a qualquer mecanismo de atribuição ou distribuição de moedas ou dinheiro em função dos pontos obtidos.
II. A sentença recorrida violou o artº 108º, nºs. 1 e 2 do DL 422/89, 127º do CPP e artº 374º do CPP.
III. A sentença recorrida é nula porque utiliza a perícia para qualificar o jogo e a máquina como proibida e ao mesmo tempo usa regras de experiência comum para imputar esse mesmo conhecimento específico ao recorrente, considerando demonstrado o preenchimento do elemento subjectivo do tipo do crime.
IV.A sentença recorrida é nula remete para um testemunho que em si não é esclarecedor, é pouco claro, incoerente e impreciso, pois resulta da prova produzida em audiência de julgamento total esquecimento dos factos e a ocorrência por banda da testemunha, considerando demonstrado o crime apenas com a conformação da assinatura do auto pelo órgão de polícia criminal, sem mais nenhuma testemunha.
V. A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar (...).
VI. A decisão recorrida é nula porque não cuidou de avaliar as condições actuais de vida, profissionais e familiares do recorrente, não existindo relatório social nos autos que acautele esta omissão, para a decisão de direito no que toca à aplicação da pena e ao seu cômputo, pois tal matéria é essencial à justificação da boa decisão da causa em ordem ao cumprimento dos arts. 97º e nº 4 do artº 20º da CRP –encontra-se, por esta omissão, verificado o vício previsto no artº 410º, nº 2, al. a) do CPP.
VII. A falta do mencionado elemento, determinará a anulação da decisão recorrida e a reabertura do julgamento para essa avaliação e nova decisão de facto, que depois motivará a decisão de direito quanto á medida da pena.
VIII. Mostram-se violados os arts. 70º e 71º do CP, pois a pena aplicada não teve em conta as condições de vida do recorrente.
IX. Caso assim se não entenda, sempre se dirá que a pena aplicada é exagerada e deverá ser reduzida, pois após a data destes factos o recorrente não teve nova condenação, o que é sintomático de que se encontra conforme com a lei, e tal constitui uma atenuante a ter em conta no cálculo da medida da pena.
X. A pena aplicada ao recorrente deveria ter-se situado entre próximo do limite mínimo e bem assim a pena de multa deveria ter-se situado nos limites mínimos não devendo ter ultrapassado 50 dias de multa (o recorrente não praticou crimes posteriormente à data dos factos 2009).
Pelo exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que absolva o recorrente da prática do crime e pelo qual foi condenado ou caso assim não se entenda deve o tribunal ordenar a repetição do julgamento para reapreciação das condições de vida do recorrente a fim de fundamentar a aplicação de uma pena ao recorrente, ou caso assim se não entenda, deve a pena ser reduzida para os limites mínimos”.
3. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. despacho de fls. 269).
4. O Ministério Público veio responder ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“1. A máquina apreendida ao recorrente foi alvo de exame pericial, concluindo-se que desenvolvia jogo de fortuna ou azar, uma vez que os resultados das jogadas dependiam exclusivamente da sorte, independentemente da perícia ou destreza do jogador, o qual não tem qualquer tipo resultado final do jogo analisado.
2. O arguido, como comerciante, explorava o estabelecimento dos autos, pelo que não podia ignorar a ilicitude da sua conduta, ainda que a título de dolo eventual, já que sabia bem o tipo de máquinas que expunha no seu estabelecimento, disso tirando proveito económico, prevendo como possível a ilicitude do jogo, e conformando-se com o resultado.
3. O jogo desenvolvido pela máquina, descrita nos primeiros pontos da matéria de facto, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos, que depois seriam convertidos em dinheiro, sendo a destreza e experiência do jogador completamente indiferentes para o resultado do jogo.
4. A máquina apreendida apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, encontrando-se abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, onde se inclui nos jogos de fortuna ou azar.
5. O facto do agente autuante ter sido confrontado com o Auto de notícia a fim de lhe ser avivada a memória, não torna o seu depoimento menos credível, uma vez que não é exigível a uma testemunha que, no âmbito das suas funções, elabora um auto e nele verte os factos que presenciou em 2009, tenha ainda de memória os pormenores das circunstâncias em que o Auto de notícia foi lavrado, tanto mais se atendermos á frequência deste tipo de fiscalização aos estabelecimentos de restauração.
6. Tendo sido aplicada ao recorrente pena de prisão substituída pela pena de multa, cuja taxa diária foi fixada junto do limite mínimo exigido por lei, pelo que o Tribunal não vislumbrou necessidade de produção de demais prova para fundamentar a opção pela pena não privativa da liberdade e o seu doseamento.
7. Assim, e porque em momento algum a decisão recorrida violou qualquer normativo legal, tendo decidido de forma correcta, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se aquela decisão, assim se fazendo a costumada Justiça!”
5. Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu o parecer que consta de fls. 284 e 285, concluindo pela confirmação da sentença recorrida, aderindo à argumentação do Magistrado do Mº Pº da 1ª instância, sublinhando que em face da específica natureza e modo de funcionamento da máquina em causa nos autos - detalhadamente descritos na decisão – é inequívoco tratar-se de um jogo de fortuna e azar.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, sem que tenha sido oferecida qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II-Fundamentação.
1. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal superior tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentando nas conclusões apresentada as questões colocadas no recurso são as seguintes:
-Da nulidade da sentença.
-Do enquadramento jurídico dos factos.
-Da medida da pena.
2. Da decisão recorrida.
2.1. Para bem apreciar as questões suscitadas, importa conhecer os factos que o Tribunal recorrido considerou provados:
“Factos provados:
1.O arguido, em 6 de Junho de 2009, explorava comercialmente o estabelecimento comercial denominado "O ... ", sito na ..., nºs ..., Sintra.
2.Nesse dia, pelas 15.00 horas, o arguido tinha, para a respectiva exploração, no interior do mencionado estabelecimento, visível e acessível ao público, ligado à corrente eléctrica, uma máquina, sem qualquer designação e sem referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou de série, consistente num móvel tipo portátil, com estrutura em contraplacado, tendo na parte frontal um painel em vidro acrílico.
3.No lado direito encontrava-se o mecanismo de introdução e de recuperação de moedas de 0,50€, 1€ e 2€.
4.Na parte frontal, encontrava-se um painel em vidro acrílico, onde se situava um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio, eram identificados pelas legendas 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20, e 200.
5.No enfiamento de cada número, situava-se um orifício, que se iluminava à passagem de um sinal luminoso que girava, quando a máquina desenvolvia uma jogada.
6.O mostrador circular encontrava-se dividido em pontos luminosos equidistantes, sendo que, apenas oito estavam identificados, conforme supra descrito, e os restantes não tinham qualquer identificação.
7.Após a introdução de uma moeda, automaticamente era disparado um ponto luminoso que percorria os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem.
8.O ponto luminoso iniciava o seu movimento giratório animado de grande velocidade que ia perdendo gradualmente até parar ao fim de quatro ou cinco voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados.
9.Neste ponto duas situações podiam acontecer: o orifício em que parava o ponto luminoso correspondia a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador tinha direito aos pontos correspondentes, que oscilavam entre 1 e 200 e que eram registados, no display central; ou o ponto luminoso parava num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não tinha direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas de 0,50€, 1€ ou 2€.
10.Se o jogador obtivesse jogadas premiadas e optasse por apostar os pontos ganhos, existia, para essa função, um botão no painel lateral esquerdo.
11.Pressionado esse mesmo botão, o jogador apostava um ponto, decrementando um ponto no mostrador existente no centro da roleta, e tinha direito a duas jogadas.
12.No lado direito da máquina, junto ao moedeiro, existia um botão.
13.Pressionado esse mesmo botão, apagava os créditos existentes na janela que se encontrava no centro do mostrador circular, onde eram registados os créditos ganhos nas várias jogadas premiadas.
14.Os pontos ganhos, durante o desenvolvimento do jogo descrito, e que o jogador não pretendia reinvestir, eram convertidos em qualquer outro prémio convencionado pelo explorador, nomeadamente, monetário.
15. Face à descrição que antecede, estava-se em presença de um jogo de fortuna ou azar em que o objectivo era o de conseguir que o ponto luminoso se imobilizasse num dos orifícios com direito a prémio, resultado esse que dependia em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador, já que a sua única intervenção se traduzia na introdução da moeda no respectivo mecanismo, dependendo exclusivamente da sorte a determinação do orifício em que o ponto luminoso se detinha.
16. O arguido guardava para si as quantias monetárias introduzidas na máquina supra referida pelos jogadores.
17. Bem sabia o arguido da natureza da máquina e do respectivo modo de funcionamento, bem como de que não tinha a devida autorização legal para tal.
18. Agiu o arguido de forma livre e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
19. O arguido não tem antecedentes criminais”.
2.2. Na fundamentação sobre a matéria de facto, o Tribunal consignou o seguinte:
“O tribunal formou a sua convicção no depoimento da testemunha S... inquirida em audiência de julgamento, no teor do auto de notícia de fls. 22 a 25, das fotos de fls. 26 e 27, do auto de apreensão de fls. 28, dos autos de arrombamento de fls. 29 e 30 e das fotos de fls. 31 a 39 e no teor do relatório de fls. 80 a 84, tendo toda a prova sido apreciada nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
No caso dos autos, o arguido remeteu-se ao silêncio.
Por seu turno, a testemunha S..., militar da Guarda Nacional Republicana que procedeu à fiscalização do estabelecimento dos autos, prestou declarações de forma sincera, tendo confirmado que se deslocou ao mesmo e que nele encontrou as máquinas em causa. Mais referiu que não se recordava se a máquina referida na acusação estava ligada ou não e não se recordava se o arguido era a pessoa que explorava o estabelecimento.
Porém, a testemunha, na sua qualidade de agente autuante, confirmou o teor do auto de notícia de fls. 22 a 25, que foi elaborado e assinado por si, relativamente aos factos que presenciou naquele estabelecimento.
Ora, analisado o auto de notícia em causa, nele consta que a máquina referida na acusação estava ligada e que o arguido era o responsável pela exploração do estabelecimento.
Mais se notou que arguido assinou os expedientes relativos ao auto de apreensão e ao auto de arrombamento, na qualidade de detentor da máquina em causa.
Assim, sendo natural que a testemunha não se recorde de certos aspectos, atento o elevado número de fiscalizações que os agentes de autoridade fazem ao longo dos anos de profissão, a verdade é que o auto de notícia é inequívoco quanto aos factos dos autos, e o mesmo foi confirmado na íntegra pela agente autuante, que na altura, com a memória viva, relatou os factos dos autos por si presenciados.
Deste modo, analisando conjugadamente estes elementos de prova, que não foram infirmados por quaisquer outros em audiência de julgamento, o Tribunal ficou convencido que o arguido praticou os factos de que vem acusado, pelo que os deu como provados, sendo que quanto ao funcionamento da máquina teve ainda em atenção o relatório pericial supra mencionado.
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em consideração o certificado de registo criminal junto aos autos”.
3. Apreciando.
3.1. Da nulidade da sentença.
O recorrente veio arguir a nulidade da sentença em várias vertentes, designadamente, insurgindo-se com o facto de o Tribunal a quo ter valorado o depoimento da testemunha S..., aceitando como válida a confirmação que ela fez em audiência do auto de notícia, alegando que o depoimento desta testemunha revelou um conhecimento impreciso e incoerente dos factos, não esclarecendo quem explorava o estabelecimento ou o modo de funcionamento da máquina em causa, assim concluindo que o auto de notícia, consultado em audiência pela testemunha, não podia sobrepor-se ao que foi o depoimento da testemunha.
Mas o recorrente não tem razão neste ataque que faz à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido.
A verdade é que a testemunha, no âmbito das suas funções, elaborou o auto de notícia que consta dos autos e nele verteu os factos que presenciou, nada afectando o seu depoimento o facto de ter consultado em audiência o auto de notícia para reavivar a sua memória, não sendo exigível que a testemunha tenha de memória todos os pormenores e circunstâncias em que o auto de notícia foi lavrado. E neste sentido, o tribunal na fundamentação, a propósito do depoimento desta testemunha, esclareceu ser “natural que a testemunha não se recorde de certos aspectos, atento o elevado número de fiscalizações que os agentes de autoridade fazem ao longo dos anos de profissão”, e considerando tal depoimento coerente e lógico, nenhuma razão havia para considerar tal depoimento como menos credível.
Vem igualmente arguir a nulidade da sentença, considerando que ela padece de uma natural incompatibilidade na motivação, uma vez que utiliza a perícia como meio de prova para qualificar a máquina em causa, mas já fundamenta o conhecimento do arguido quanto ao modo de funcionamento da máquina em regras de experiência comum.
Na perspectiva do recorrente, mostra-se incompatível dar-se como provado, assente em regras de experiência comum, que o arguido tinha conhecimento do modo de funcionamento do jogo inserto na máquina, quando tal conhecimento só é alcançável através de prova pericial e o arguido não tem os específicos conhecimentos de um perito.
O recorrente pretende deste modo demonstrar que desconhecia a ilicitude da sua conduta.
Vejamos
Quanto a esta questão importa referir que “a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” (artº 151º, CPP). A perícia é assim uma interpretação dos factos feita por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. O legislador inscreve a prova pericial entre os meios de prova que como sabemos se caracterizam por serem, por si mesmos, fonte de convencimento do tribunal.
No caso em apreço, a actividade desenvolvida no processo consistiu numa actividade técnica levada a cabo por perito no sentido comum de pessoa especialista nesta matéria (expert), e não no sentido estrito de quem intervém nos termos dos artsº 151º e seguintes.
A afirmação de que se trata de jogo de fortuna ou azar não é uma informação de factos, regras de experiência ou conclusões, mas uma apreciação jurídica e autónoma da competência do tribunal. Naturalmente que o tribunal recorrido em tal apreciação jurídica teve em conta o exame pericial constante dos autos, que depois de descrever detalhadamente o modo de funcionamento do jogo, concluiu trata-se de “um jogo de fortuna ou azar”, considerando que a máquina desenvolvia um jogo em que os resultado das jogadas dependia exclusivamente da sorte, sendo independente da perícia ou destreza do julgador.
Mas o recorrente, ao contrário do que afirma, para conhecer a natureza do jogo desenvolvido pela máquina não necessitava de previamente ter tido acesso a qualquer prova pericial. Bastava-lhe saber o modo de funcionamento do jogo inserido na máquina, designadamente que a pontuação obtida pelo jogador era aleatória, que o jogo lhe permitia retirar proveitos económicos, sabendo que não era detentor de qualquer autorização da DGJ para a exploração daquela máquina. E o recorrente, sendo comerciante, não podia deixar de conhecer o modo de funcionamento do jogo que expunha no seu estabelecimento para ser jogado pelos seus clientes, assim o ditam as regras de experiência comum. A perícia depois realizada no âmbito dos autos apenas veio confirmar de um ponto de vista técnico o que o arguido sempre soube.
Deste modo se conclui pela inexistência de qualquer incompatibilidade na motivação decorrente dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, não merecendo por isso qualquer censura á fundamentação da sentença recorrida.
Improcede, assim, nesta parte o recurso.
3.2. Do enquadramento jurídico dos factos.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos arts 1º, 4º, nº 1 e 108º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei 10/95, de 19 de Janeiro (Lei do Jogo).
O recorrente discorda da integração dos factos na categoria de ilícito criminal, previsto no citado artº 108º do D.L. nº 422/89, de 2 de Dezembro, defendendo que o jogo em causa, mesmo a existirem prémios em dinheiro, poderia quando muito ser classificado como uma “modalidade afim” de fortuna ou azar, o que implica o carácter contra-ordenacional do comportamento.
Argumenta ainda o recorrente que o jogo em questão, embora tivesse o resultado dependente da sorte e não da perícia do utilizador, tinha prémios previamente fixados, e o número de jogadores podia ser indeterminado, não relevando o facto de poderem, ou não, ser atribuídos prémios em dinheiro, pois não sendo permitido nos termos do artº 163º, nº 3 também não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios.
Em síntese, conclui que ao jogo em causa faltam as características essenciais que permitem qualificar o jogo como de fortuna ou azar, nos termos descritos no artº 4º, nº 1 do DL 422/89, não ocorrendo uma qualquer potencialidade de viciação, tratando-se de uma forma de sorteio que tem como característica o conhecimento prévio pelo jogador dos prémios a que se pode habilitar, jogando.
A questão a decidir é a de saber se a conduta do arguido, ora recorrente, afinal não integra o crime de exploração ilícita de jogo, previsto no artº 108º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo DL 10/95 de 19 de Janeiro, sendo o jogo em causa apenas uma “modalidade afim” dos jogos de fortuna ou azar a que se reporta o artº 159º, nº 1 e 2, do mesmo diploma, devendo o arguido ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.
Vejamos:
A disciplina dos jogos de fortuna ou azar mostra-se regulada pelo Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, revisto pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro.
Da extensa legislação sobre o jogo, desde 1927, o legislador, embora sem qualquer conotação ética, sempre entendeu a necessidade de o jogo, enquanto actividade humana, “…ser devidamente regulamentado e objecto de rigorosa fiscalização, com vista à minimização dos resultados que, da sua prática descontrolada, decorrem para a sociedade” (cfr. se escreveu no preâmbulo do DL. nº 22/85, de 17/01, percursor do diploma actual revisto).
E com esta necessidade de regulamentação, tem o legislador criado um sistema com apertadas condições para a prática dos jogos de fortuna ou azar, com a definição das modalidades autorizadas, com a delimitação e concessão das chamadas zonas de jogo, vindo a tipificar e sancionar comportamentos proibidos nesta matéria.
Com este objectivo estabelecem-se no diploma actual três categorias de jogos: os jogos de fortuna ou azar, as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e os jogos de diversão.
A cada categoria fez o legislador corresponder uma regulamentação específica, norteada pela natureza do jogo e pelos riscos inerentes da sua prática.
Deste modo, a prática de jogos de fortuna ou azar fora das zonas próprias em violação da tipicidade prevista nos artigos 108º a 117º, constituem ilícitos criminais, e a prática de jogos afins fora das condições legais constituem meros ilícitos contra-ordenacionais, cuja tipicidade vem prevista nos artigos 158º a 163º do mesmo diploma.
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar surge como essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”.
Vejamos então mais de perto os normativos legais com maior relevo para a decisão do caso em apreço.
Desde logo o artº 1º do DL 422/89 começa por fornecer uma fórmula geral, definindo os jogos de fortuna ou azar como “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Depois no artº 4º sob a epígrafe “Tipos de jogo de fortuna e azar” faz-se uma enumeração exemplificativa e descritiva do que são jogos de fortuna ou azar.
Dispõe tal preceito o seguinte: “1.Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: a)Jogos bancados em bancas simples ou duplas…. (….). f)Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas; g)Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
Apenas podem ser explorados e praticados nos casinos, ou excepcionalmente em locais determinados previamente autorizados, em locais de interesse turístico (cfr. arts. 3º, 6º e 7º).
A respectiva exploração e prática fora dos locais autorizados é sancionada como crime (cfr. arts. 108 e 110º).
E assim estabelece o artº 108º pelo qual o arguido foi condenado que “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias…”
Por sua vez, o artº 159º, nº 1 do mesmo diploma define “modalidades afins” dos jogos de fortuna ou azar estipulando o seguinte: “1.Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte e que atribuem como prémios coisas com valor económico”. 2.São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”
E como elemento negativo de delimitação estipula o nº 3 do artº 161º que “as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159º, não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas, os prémios atribuídos”.
A exploração das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar fica dependente de autorização sendo a violação deste regime qualificado como contra-ordenação e punido em conformidade (arts. 160º a 163º).
Como sabemos têm surgido divergências na jurisprudência quanto à interpretação destes conceitos, designadamente, em torno do critério de distinção entre jogos de fortuna ou azar e jogos afins.
Podemos numa primeira aproximação dizer que são jogos de fortuna ou azar aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente da sorte (cfr. artº 1º do DL 422/89, de 2/12).
Mas sabemos que o cerne da distinção entre os jogos de fortuna ou azar e modalidades afins não está na aleatoridade do resultado, isto porque, também nas modalidades afins de jogo de fortuna e azar, em face do disposto no citado artº 159º, o resultado pode também estar “somente na sorte”. Mas seja como for, o patamar de risco num caso e noutro é diverso: enquanto nos jogos de fortuna ou azar, apenas autorizados em estabelecimentos concessionados, os prémios que podem proporcionar, de forma predominantemente aleatória, induz o jogador, na procura do ganho imediato e fácil, a assumir riscos não controláveis, ao passo que nos “jogos afins” o patamar de risco é muito moderado, em regra com prémios pré definidos.
Podemos dizer que o valor protegido com a incriminação dos jogos de fortuna e azar é primordialmente a prevenção de dependência que as características do jogo podem provocar, com a pulsão de continuidade no jogo quer para inverter uma situação de perda quer para conseguir parar quando estão a ganhar.
Também a natureza do prémio não configura critério distintivo.
Sabemos que esta questão gerou alguma controvérsia, perfilhando alguma jurisprudência, com a entrada em vigor do diploma revisto, o entendimento de que o cerne da distinção entre crime e contra-ordenação passou a colocar-se, não já na relevância da sorte ou azar para a obtenção do resultado, mas antes na natureza dos prémios atribuídos. E assim, quando os prémios consistissem em dinheiro (ou fichas para o receber) estar-se-ia perante ilícito criminal, pelo contrário, a atribuição de prémios de outra natureza (ainda que de valor económico) caracterizaria o ilícito contra-ordenacional.
Esta distinção acabou por ser abandonada quanto julgamos saber, desde logo por não resultar da conjugação das normas legais em causa, onde nenhuma referência vem feita à natureza dos prémios na diferenciação destas modalidades de jogos, além de que a atribuição de prémios em dinheiro ou em coisas com valor económico não retira a natureza de “jogo afim”.
Posto isto podemos então olhar com mais segurança para a questão colocada.
E podemos dizer, considerando a hermenêutica dos preceitos atrás citados, e seguindo de perto, com a devida vénia, os fundamentos do Acórdão do STJ de 28/11/2007 (relatado pelo Consº Henriques Gaspar, consultável na CJSTJ, 2007, tomo III, pág. 256 e no sitio www.dgsi.pt), que o conteúdo normativo da noção de jogos de fortuna e azar, por si e na delimitação com as restantes modalidades que a lei prevê, colhe-se da previsão do artº 1º do DL 422/89 que define uma fórmula geral conjuntamente com os elementos que identificam e descrevem as diversas espécies de jogos.
Assim, os jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente da sorte e que estão tipificados no artº 4º, nº 1 do D.L. 422/89, de 2 de Dezembro. O que significa, que fora desta descrição, modalidades de jogos cujos resultados também dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não constituem, no quadro da lei, jogos de fortuna ou azar, mas modalidades afins, a sancionar como contra-ordenação.
Neste sentido aponta mais recentemente o STJ no acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, de 2.02.2010 (in DR, 1ª série, nº 46, de 8/03) quando refere na sua fundamentação o seguinte:
“Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, reverte para as modalidades afins (…)”
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
E, reportando-se à modalidade afim, fixou a seguinte jurisprudência: “Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159º, nº 1, 161º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL 10/95, de 19/01, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando o manípulo, faz sair de forma aleatória, uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nele inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.
No caso relatado no presente acórdão de fixação, embora com resultados dependentes da sorte e não da perícia do utilizador, o jogo não explora temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem paga directamente prémios em fichas ou moedas, antes constituindo uma espécie de sorteio por meio de senhas, estando os prémios delimitados, faltando-lhe, assim, as características essenciais que permitem qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos no citado artº 4º, nº 1 do DL 422/89, de 2/12.
Revertendo para o caso dos autos, a máquina em causa tem as características que detalhadamente constam da matéria de facto apurada, encontrava-se exposta ao público num estabelecimento de Café, sem autorização da DGJ.
Resumidamente, o jogador introduz a moeda, sendo automaticamente disparado um ponto luminoso que percorria vários orifícios existentes no mostrador circular. Se o orifício em que parava o ponto luminoso correspondia a um dos oito identificados, neste caso, o jogador tinha direito aos pontos correspondentes, que oscilavam entre 1 e 200 e que eram registados, no display central; ou o ponto luminoso parava num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não tinha direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas de 0,50€, 1€ ou 2€.
Se o jogador obtivesse jogadas premiadas e optasse por apostar os pontos ganhos, existia, para essa função, um botão no painel lateral esquerdo.
O jogador podia acumular créditos, que depois seriam convertidos em dinheiro.
A máquina apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, em que a actuação do jogador se limita à introdução da moeda, sendo a sua destreza e experiência completamente indiferentes para o resultado do jogo. O jogador podia auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio.
Resulta assim que o jogo em causa apresenta como resultado pontuação dependente exclusivamente da sorte e corresponde às características descritas e tipificadas no artº 4º, nº1, al. g) do citado diploma legal, incluindo-se nos jogos de fortuna ou azar não só os “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar”, mas também aqueles que “apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”, como é o caso.
Por outro lado, como acima referimos, a natureza do jogo e os riscos inerentes da sua prática tem norteado a distinção destes jogos, e o desenvolvimento do jogo no caso dos autos aponta igualmente para um jogo de fortuna ou azar, dada a inerente potencialidade de viciação, decorrente do mecanismo de acumulação de pontos, não estando os prémios pré-delimitados, gerando no jogador a tal pulsão de continuidade no jogo, quer para procurar o ganho fácil quer para inverter uma situação de perda.
Face ao que se deixa exposto, entendemos não poder o jogo em causa ser considerado uma modalidade afim, como pretende o recorrente, enquadrando-se na modalidade de jogo de fortuna ou azar, nos termos previstos no artº 4º, nº 1 al. g) do mesmo diploma.
A sentença recorrida procedeu assim a um correcto enquadramento jurídico dos factos, não merecendo por isso qualquer reparo.
Improcede o recurso nesta parte.
3.3. Da medida da pena.
O recorrente insurge-se quanto à medida da pena que tem por excessiva, considerando que o tribunal proferiu uma decisão de direito sem qualquer suporte na matéria de facto, aplicando ao arguido uma pena de 3 meses de prisão, substituída por multa de 90 dias à razão de €6 e mais 90 dias de multa à mesma razão diária, mas sem cuidar de apurar as suas condição de vida, designadamente a sua condição económica.
Invoca assim, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre esta questão essencial à aplicação da pena ao arguido, pugnando pela repetição do julgamento para a apreciação das suas condições de vida.
Olhando à factualidade apurada, vemos que o tribunal não deu por assente as condições de vida do arguido, designadamente a sua situação económica e familiar, sendo que o arguido esteve presente na audiência, e mesmo remetendo-se ao silêncio, poderia ter prestado declarações sobre a suas condições de vida.
Na determinação da pena, naturalmente que o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, “as condições pessoais do agente e a sua situação económica”, com relevância específica na determinação da pena de multa (artº 71º, nº 2, do CP).
No caso dos autos, como vimos, o tribunal, (numa moldura de prisão até 2 anos e multa até 200 dias) aplicou ao arguidoa pena de 3 meses de prisão e a pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 euros, substituindo a pena de prisão aplicada pela pena de 90 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 540 €, ficando o arguido condenado numa pena única de 180 dias de multa à mesma razão diária, num total de 1.080,00 euros.
Como sabemos e resulta do disposto nos artigos 40º e 71º, nº 1, do Código Penal, a moldura da pena é sempre feita em função das categorias da prevençãoe da culpasendo a culpa uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude de desvalor relativamente a certo facto, indicando sempre o limite máximo da pena. Por sua vez, o limite mínimo decorrerá de considerações ligadas á necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. In casu, atendendo ao conjunto dos factos apurados, as penas aplicadas mostram-se fixadas com ponderação, pouco acima do seu limite mínimo, não deixando o tribunal de substituir a pena de prisão por pena não privativa da liberdade, mostrando-se acauteladas quer as exigências de prevenção geral aqui em causa, quer as diminutas exigência de prevenção especial, não possuindo o arguido antecedentes criminais.
E se a situação económica do arguido tem uma relevância específica na determinação do quantum diário da pena de multa, o que vemos é que o o tribunal fixou a taxa diária junto do limite mínimo exigido por lei.
Nestes termos, atento os factos provados, a pena mostra-se fixada com ponderação, mostrando-se justa e adequada, não se descortiando por isso, e em face do que vem alegado pelo recorrente, razões para a produção de prova suplemantar, ou seja, para determinar para esse efeito a nulidade da sentença.
Improcede assim na totalidade o recurso.
*
III-Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando em 4 Uc a taxa de justiça (cfr. arts. 513º do CPP e artº 8º, nº 9 do RCP (redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 13/02). Notifique.
Lisboa, 24/09/2014.
Relatora Conceição Gonçalves:
Presidente da Secção: Teresa Féria.
Adjunta: Maria Elisa Marques, com voto de vencido, nos termos seguintes:
“Votei vencida por entender não configurar o jogo em causa nos presentes autos o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar.
Porque inteiramente aplicável passa-se a reproduzir o que a propósito da distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins foi escrito no Acórdão deste Tribunal e secção — processo n° 6/07.9SXLSB.L1, datado de 23.4.2014, que a ora subscritora relatou:
«Para a decisão a tomar não pode prescindir-se da consideração do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n°4/2010 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e publicado no DR do dia 8 de Março de 2010, ainda que a máquina ora em causa apresente diferenças relativamente aquelas sobre as quais se debruçou o referido Acórdão.
Nesse Acórdão foi fixada a seguinte jurisprudência obrigatória: "Constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159° n°1, 161°, 162° e 163° do do DL n.° 422 / 89, de 2/12, na redacção do DL n.° 10 / 95, de 19 /1, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz ao público".
Desse acórdão considerando os seus fundamentos, é permitido concluir, a nosso ver que:
A categoria de jogos de fortuna e azar está definida na lei através de uma fórmula «generalizadora» "aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte" [art.° 1.° do Decreto-Lei n.° 422/89] conjuntamente com os elementos que identificam e descrevem as diversas espécies [exemplificadas e especificadas no art.° 4.°, n.° 1, do mesmo DL de maneira «tendencialmente completa»], os quais permitem dar conteúdo normativo à fórmula geral, por uma banda, e, por outra, delimitá-los das restantes modalidades de jogos previstas na lei.
No caso dos jogos em máquinas — as que relevam para o caso — o artigo 4.°, n.° 1, alíneas f) e g), do Decreto-Lei n.° 422/89 considera de jogos de fortuna e azar: os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou dinheiro» (al.f), ou «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte" — (al.g).
Fora desta descrição ficam todos os demais jogos em máquinas ainda que dependendo exclusiva ou predominantemente da sorte (sublinhado nosso, os quais «revertem para as modalidades afins».
Estas são nos termos do art.° 159.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 422/89, «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémio coisas com valor económico», nas quais se incluem com exemplifica a lei "nomeadamente" rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários concursos de conhecimentos e passatempos" (n° 2 do art.° 159, do mesmo diploma).
Por outro lado não podem desenvolver temas característicos de jogos de fortuna ou azar, "nomeadamente, o póquer, frutos campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos" — n° 3 do art.° 162 do mesmo Decreto-Lei.
Em suma, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência veio, do nosso ponto de vista, no que respeita aos jogos em máquinas, estabelecer os seguintes critérios de distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins:
- ou as máquinas pagam directamente prémios em fichas ou moedas;
- ou desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar.»
Revertendo para o caso em apreço, constata-se que o jogo proporcionado pela máquina, apresenta os seguintes traços distintivos:
- os resultados dependem da sorte e não da perícia do jogador;
- não desenvolve temas característicos dos jogos de fortuna ou azar; — não paga directamente prémios ou fichas em dinheiro.
Tais características, não permitem, do meu ponto de vista, qualificar o jogo como de fortuna ou azar, mas modalidade afim dos jogos de fortuna e azar - art.° 159.° do Decreto-Lei n.° 422/89.
Do que vem de ser dito teria concluído não integrarem os factos o crime imputado ao arguido.