Para que a resolução extrajudicial de negócio em benefício de massa insolvente opere, nos termos do artº 120º e 121º b) do CIRE, é indispensável que o administrador remeta declaração resolutória a todos os intervenientes no negócio, mesmo a terceiros e independentemente de se tratar de resolução incondicional.
A declaração resolutiva é uma declaração receptícia sujeita ao regime do artº 224º do CC, pelo que para produzir efeitos tem de chegar ao poder do destinatário ou ser dele conhecida.
Não basta remeter a carta resolutiva para a morada conhecida do destinatário, que a não reclama, e por isso é devolvida, para que se considere eficaz a declaração.
Nos termos do disposto no artº 224º nº 2 é necessário que se prove quando o declaratário não recebeu a declaração por razões que lhe são imputáveis.
Inexistindo presunção de culpa em tal caso é ao declarante que incumbe fazer a prova da culpa do declaratário no não recebimento da declaração (artº 342º nº 1 do CC)
A culpa deve ser apreciada casuisticamente, relevando as circunstancias especiais e gerais da situação concreta e em função do critério do bonus pater famílias.
(sumário elaborado pela relatora)
Por apenso aos respetivos autos de insolvência, vieram A (apenso G), B ( apenso H) e a C (apenso I),intentar a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente das doações celebradas a seu favor em 20.03.2009 e em 16.04.2009.
Impugnaram as razões pelas quais a resolução foi efetuada tendo ainda o B e a C alegado não terem sido notificados pelo sr administrador da insolvência.
A massa insolvente contestou por impugnação requerendo a confirmação da resolução das escrituras de doação em causa nos autos.
Invocou a má fé presumida quanto à impugnação da C, sustentada no alegação de que esta conhecia a situação de incumprimento dos insolventes aquando do negócio realizado..
Pede seja declarada ineficaz a hipoteca registada sobre os prédios objeto de doação e de que beneficia a impugnante C.
Após tramitação legal e em julgamento foram declarados assentes os seguintes factos:
1. Por sentença transitada em julgado proferida em 13.10.2010 constante de fls. 384 a 404 do processo principal foram A e D declarados insolventes.
2. Na Assembleia realizada no dia 31.01.2011 foi deliberada a liquidação imediata da massa insolvente (fls. 533 a 535 do p. principal).
3. Por carta datada de 15/04/2011, o Sr. Administrador de Insolvência notificou o A. A para a R. ... que, pela dita, “dada a natureza gratuita dos negócios celebrados entre as partes, nos termos dos art.ºs 120.º e 121.º, n.º1, al. b) do CIRE declaram-se incondicionalmente resolvidas e ineficazes as escrituras de doação, celebradas em 20.03.2009 e 16.04.2009 entre os insolventes A e de D na qualidade de doadores e os seus filhos B e A, na qualidade de donatários, devendo para o efeito, o património objeto das mesmas voltar para a esfera patrimonial dos insolventes” (doc. 1 de fls. 11).
4. Nessa carta o Sr.º Administrador invoca ainda os seguintes fundamentos:
-todos os outorgantes das escrituras mencionadas, em virtude de coabitarem trabalharem juntos, tinham plena consciência da situação económica e financeira dos insolventes;
-celebraram as escrituras mencionadas na altura em que os insolventes deixaram de ter capacidade para solver as suas dívidas vencidas ao ... e ..., cujo capital ascendia a cerca de €2.222.939,13.
-Com o intuito de que do seu ato iria resultar manifesto prejuízo para os credores dos insolventes, tanto mais que as transmissões foram gratuitas.
-pois que, com tal atuação retiravam da esfera patrimonial do insolvente o património imobiliário descrito.
-dadas as circunstâncias dos laços familiares entre os doadores e os donatários, em ambas as escrituras, não podia ser desconhecida a situação de incumprimento dos insolventes e da importância de tal ativo para os credores destes.
-os outorgantes das escrituras de 10.03.2009 e 16.04.2009 bem sabiam que dos seus atos advinham um significativa diminuição do valor patrimonial dos insolventes e, consequentemente, a manifesta impossibilidade dos credores obterem ressarcimento dos respetivos créditos, através do produto da venda de todos os prédios de que os insolventes eram detentores.
-que tais escrituras de doação implicavam para os credores uma diminuição de garantia patrimonial.
5. Carta idêntica à referida em 1 e 2 foi enviada em 15.04.2011 pelo Sr.º Administrador ao impugnante B para a R. ..., carta essa que veio devolvida, cfr. fls. 124 a 128 do apenso H).
6. Pelas escrituras sobre as quais é pretendida a resolução, os A. A. e irmãos, A e B , receberam em doação o prédio misto denominado ... e Moinho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com os nºs 1509 da freguesia de S. Salvador (artº 2º da secção EE) e 982 da freguesia de Santa Maria (doc de fls. 64 e ss ),
7. E o prédio urbano composto de moradia geminada, sito na Rua ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... com o nº 9433 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artº 2758º da freguesia de ... (doc. de fls. 69 e ss).
8. As escrituras de doação ocorreram respetivamente em 10.03.2009 e 16.04.2009.
9. Nas doações os doadores, pais dos donatários, fizeram constar cláusulas de incomunicabilidade aos cônjuges dos donatários.
10. Os imóveis foram doados com condição de ser inalienável no prazo de 30 anos e com a previsão de reverterem para o doador em caso de morte de qualquer dos donatários.
11. O doador A havia recebido o bem doado referido em 6. por herança de seu pai, cfr. certidão de registo predial junta a fls. 142 e ss.
12. A maioria das dívidas que os doadores tinham eram resultantes de empréstimos mutuários contraídos junto da Banca pelas empresas E; F e G conforme factos provados na sentença que declarou a insolvência em 4 a 7 e lista de credores junta pelo Sr.º Administrador nos autos principais a fls. 437 e ss.
13. Sendo que, essas dívidas, recaíam na esfera jurídica do doador em consequência dos avales por si prestados às ditas sociedades, conforme os mesmos factos dados como provados na sentença.
14. Para garantia de créditos mutuados foram constituídas hipotecas sobre o património que lhes deu origem cfr. lista de credores junta pelo administrador de insolvência nos autos principais a fls. 437 e ss.
15. No dia 05.04.2007 entre a H e A foi celebrado o contrato promessa de compra e venda junto a fls. 15 e ss.
16. Tratava-se da promessa de alienação e compra do prédio misto com 194, 525 Hectares denominado “Alcaria” e “Alcaria do Alto” sito na freguesia de Santa Maria, Concelho de ..., descrito na CRP de ... com o nº 00983 e inscrito na matriz predial sob os artigos 2º-C da freguesia de Santa Maria; 100º-C da freguesia de São Teotónio; 9º-HH da freguesia de Salvador e 781º da freguesia de Santa Maria, propriedade do insolvente.
17. A venda desse terreno foi prometida ser feita pelo valor de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), tendo ficado acordado que a escritura realizar-se-ia em 31.12.2010.
18. Valor a ser recebido em parcelas mediante reforços de sinal e o restante na escritura relativa ao contrato prometido:
a) A té 2 de Maio de 2007 promitente compradora entregaria €1.000.000,00;
b) Trinta dias após a aprovação do estudo de informação prévia e emissão da declaração do Estudo de Impacto Ambiental, mas nunca depois de 31 de Dezembro de 2008 a promitente compradora entregará a título de reforço de sinal e continuação de pagamento, a quantia de €600.000,00.
c) Trinta dias após a provação do projeto de arquitetura mas nunca depois de 31.12.2009 a título de reforço de sinal e continuação de pagamento, a quantia de €1.700,00,00;
d) Trinta dias após a emissão da licença de construção ou instrumento similar que permita a primeira contraente iniciar legalmente a construção do empreendimento, mas nunca depois de 31.12.2010, entregará a quantia de €2.700.000,00 no momento da outorga da escritura (doc. 2 junto a fls. 17 e ss).
19. o referido contrato promessa foi assinado em 2007, tendo o promitente vendedor recebido a título de sinal e princípio de pagamento, € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
20. Posteriormente à promessa de venda, a empresa promitente - compradora conseguiu aprovar para o local um projeto imobiliário, projeto esse classificado de interesse nacional.
21. E é um ativo patrimonial da massa insolvente.
22. A promitente compradora deixou de cumprir com o pagamento do reforço de sinal no montante de seiscentos mil euros, reforço esse que, nos termos contratuais estava previsto ser feito após aprovação do Estudo de Informação Prévia e da emissão da Declaração do Estudo de Impacto Ambiental, fases que as partes tinham calculado ser possível estar alcançada até 31/12/2008. (cfr. nº 2, alínea b) da Cláusula 2ª do Contrato Promessa).
23. A impugnante C é uma instituição especial de crédito, sob a forma de cooperativa, cujo objeto é o exercício de funções de crédito a favor dos seus associados, bem como a prática de quaisquer atos inerentes à atividade bancária.
24. Entre a C e B e A foi celebrada a escritura pública de Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança lavrada em 30.09.2010, pela qual a primeira abriu a favor dos segundos um crédito até ao montante de €1.570.000,00 (cfr. doc. junto a fls. 11 e ss), crédito esse que se destinava a liquidar responsabilidades para com a referida caixa quer dos insolventes quer dos filhos/mutuários.
25. Para garantia do referido crédito os B e A constituíram hipoteca sobre o prédio misto referido em 6. a favor da C.
26. A hipoteca foi registada a favor da C até ao montante de€2.532.410,00, cfr. docs juntos a fls. 34 e ss do Apenso I).
27. Os terceiros outorgantes, insolventes, A e D constituíram fiadores e principais pagadores do empréstimo referido em 21 contraído pelos B e A , tendo renunciado ao benefício de excussão prévia.
28. O contrato de abertura de crédito referido em 24 a 27 foi utilizado da seguinte forma: pela proposta de crédito n.º 58020441960 apresentada e assinada pelos devedores e pelos fiadores foi solicitado um crédito no valor de €1.710.000,00 nas condições constantes da proposta de crédito, nomeadamente no que se refere à taxa de juros e nas condições gerais e plano de reembolso convencionado em 18 prestações semestrais e sucessivas no valor de € 139.534,01 com início em 30.09.2012 e a última no valor de €136.915,12 em 30.09.2030 tendo sido creditada tal quantia em 30.09.2010, na conta DO n.º 0045 6332 40185270693 69 pertencente aos mutuários B e A (doc. Juntos a fls. 21 a 28 do apenso I.).
29. (…) ainda a titular este empréstimo foi celebrado contrato de empréstimo garantido por hipoteca e fiança, com assinaturas notarialmente reconhecidas em que os mutuários e fiadores se confessaram devedores da quantia mutuada, respetivos juros e despesas junto a fls. 29 e ss do apenso I).
30. Entre a o ..., SA e B e A foi celebrada a escritura pública mútuo com Hipoteca e Fiança pela qual a primeira emprestou aos segundos o montante de €138.000,00.
31. Para garantia do referido crédito os segundos constituíram hipoteca sobre o prédio misto referido em 6, a qual foi já cancelada.
32. Na data das escrituras de doação tanto os insolventes como o donatário A declararam residir na Rua Visconde da Atouguia, n.º3, em ....
33. Em relação ao impugnante B foi declarado que residia na Rua Josefina Silva, n.º 67 , Vivenda 2, …, ....
34. Na reclamação de créditos cuja cópia se mostra junta a fls. 73 e ss do Apenso H) os donatários/reclamantes, incluindo o B, indicaram como morada a Rua Visconde de Atouguia, n.º 3, ..., reclamação essa recebida em 7.12.2010 pelo Sr.º Administrador, pela qual os reclamantes reclamam um crédito sobre os insolventes de €615.415,30 relativo a quantia que os mesmos pagaram à impugnante C em 30.09.2010, pagamento que fez extinguir pelo pagamento os saldos devedores das contas referidas em 2. .
35. Os doadores e os donatários tinham entre si relações comerciais.
36. Os donatários detêm a totalidade do capital social da G, sociedade Administrada pelo insolvente marido.
37. O Administrador de Insolvência I apresentou no processo de insolvência dos doadores que constitui os autos principais o relatório junto a fls. 74 a 85.
38. Conjuntamente com esse relatório o Sr.º Administrador apresentou a Lista dos credores que reclamaram créditos a fls. 86 a 95, na qual resulta que as dívidas ao … referida nos pontos 1. c e d, estão vencidas desde 13.02.2009, e ao Banco Espírito Santo, SA referidas nos pontos 2. a., b., e g. estavam vencidas respetivamente desde 09.04.2009 e 08.06.2009.
39. O Sr.º Administrador de insolvência não notificou a C da resolução das doações a benefício da massa.
40. A mesma desconhecia à data da feitura dos contratos referidos em 24 a 29 a existência da acção de insolvência tendo como intervenientes os insolventes dos autos principais.
41. Através da carta junta a fls. 148 e ss datada de 18.10.2010 a C foi citada nos autos principais de insolvência para reclamar créditos.
42. A C emitiu a declaração junta a fls. 84 onde se lê que “todos os empréstimos em nome de A e D foram liquidados pelos filhos B e irmão. As únicas responsabilidades que continuam nesta instituição dos referidos clientes são na condição de avalistas de empresas que detém capital.” (doc. de fls. 84 do apenso I).
43. O insolvente A é gerente da empresa e Menezes, …, Lda e da Geo, …, Lda.
44. Pela Ap. 4991 de 2009/08/05 foi inscrita ação de declaração de ineficácia da doação sobre o prédio referido em 7. (cfr. certidão de fls. 96 a 98).
Após fundamentação jurídica tida por pertinente a sentença ora impugnada decidiu:
a) Julgar improcedente a impugnação da resolução interposta pelos impugnantes A e B das escrituras de doação celebradas a seu favor pelas quais haviam recebido em doação o prédio misto denominado ... e Moinho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com os nºs 1509 da freguesia de S. Salvador (artº 2º da secção EE) e 982 da freguesia de Santa Maria (doc de fls. 64 e ss ) e o prédio urbano composto de moradia geminada, sito na Rua ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... com o nº 9433 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artº 2758º da freguesia de ... (doc. de fls. 69 e ss).
b) Julgar procedente a impugnação da resolução interposta pela C e declarar a inoponibilidade em relação a esta da resolução da doação celebrada em 10.03.2009 relativa ao prédio misto denominado ... e Moinho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com os nºs 1509 da freguesia de S. Salvador (artº 2º da secção EE) e 982 da freguesia de Santa Maria, mantendo-se válida a escritura de abertura de crédito com hipoteca e Fiança lavrada em 30.09.2010 e bem assim a hipoteca constituída a favor da impugnante pela AP. 3817 de 2010/10/06.
Desta sentença apelaram o impugnante B e o ... credor reclamante.
O apelante B lavrou as conclusões, ao adiante, em síntese:
a- Mediante a prova produzida não se apurou que a declaração resolutiva remetida pelo sr administrador da insolvência tivesse chegado ao poder do destinatário.
b- O não recebimento desta carta de resolução não se deve a culpa do impugnante que como resulta da escritura nesta declarou que à data da doação residia na rua Josefina Silva nº 67 vivenda 2 aldeia … ....
c- Resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas que esta era a morada do impugnante.
d- Requereu a renovação dos meios de prova quanto ao facto dado como não provado de que « o impugnante não residisse à data do envio da carta de resolução na morada para que esta foi remetida: Av Visconde de Atouguia nº 3 em ...».
e- Não foi cumprido o prazo de caducidade de seis meses legalmente previsto para o efeito uma vez que a carta que o sr administrador dirigiu ao impugnante apenas foi enviada a 15.04. 2011 enquanto a sentença que decretou a insolvência é de 13.10.2010.
f- Reclama pela revogação da sentença e declaração de ineficácia da resolução das doações dos autos no que a si diz respeito.
Recurso do ...
. O Banco …., Credor Reclamante apelou da sentença na parte em que julgou “procedente a impugnação da resolução interposta pela C e declarou a inoponibilidade em relação a ela da resolução da doação celebrada em 10.03.2009 relativa ao prédio misto denominado ... e Moinho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com os nºs 1509 da freguesia de S. Salvador (artº 2º da secção EE) e 982 da freguesia de Santa Maria, mantendo-se válida a escritura de abertura de crédito com hipoteca e Fiança lavrada em 30.09.2010 e bem assim a hipoteca constituída a favor da impugnante pela AP. 3817 de 2010/10/06”.
Lavrou as conclusões que seguem:
In casu estamos perante uma resolução incondicional, devidamente fundamentada, conforme a douta decisão em crise reconhece e como resolução incondicional, a mesma dispensa o requisito da má fé e consagra uma presunção inilidível da prejudicialidade para a massa insolvente dos atos de natureza gratuita em causa nos autos.
Porém a douta sentença em crise, na apreciação da impugnação da resolução a benefício da massa insolvente da C., chamando à colação o vertido no artigo 124º do CIRE, entendeu que “decorre do n.º 2 do artigo [124º] que o n.º 1 se aplica a terceiros que beneficiem de direitos constituídos sobre os bens transmitidos” e que “existindo hipoteca registada a favor da impugnante, conhecida do mesmo, impunha-se ao administrador de insolvência notificar a mesma, porque interessada na resolução por si operada, atenta a eventual oponibilidade da mesma à impugnante, o que não fez»
Prosseguindo, afirmando que “na carta de resolução, além de não lhe ter sido notificada, nem sequer são indicados quaisquer factos relativos à impugnante e à sua má fé, requisito necessário para que a resolução lhe fosse oponível.”.
Ora, desde logo, a decisão sobre a matéria de facto contida nos pontos 24 a 29, é elucidativa e contradiz o entendimento de que a instituição de crédito em causa desconhecia o estado insolvente dos devedores, na medida em que concedeu os empréstimos que titulam a hipoteca para pagamento das suas dívidas.
Por outro lado, o processo de insolvência visa a satisfação igualitária dos direitos dos credores, não sendo admissível a concessão de vantagens especiais a qualquer deles a partir do momento em que a situação de insolvência do devedor vem a ser conhecida.
No caso da resolução incondicional a que se reporta o art. 121º do CIRE os requisitos gerais da resolução são dispensados.
Estamos perante a denominada “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente dos actos indicados nas várias alíneas do artigo 121º.
In casu ocorreu, todos os atos subsequentes ao ato resolvido, por via da eficácia retroativa conferida pelo artigo 126º serão tidos como inexistentes.
Por outro lado, nas situações elencadas no n.º 1 do artigo 121º, a resolubilidade do ato prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má fé do terceiro interveniente no ato objeto de resolução (n.º 4 do artº 120º).
A lei não impõe nem dela resulta fundamento que sustente o argumento contido na douta decisão em crise [por maioria de razão], a necessidade de comunicar a terceiros não intervenientes no ato resolvido, a declaração resolutória.
A eficácia da declaração resolutória trataria de, de acordo com as disposições citadas, de fazer “cair” os atos subsequentes in casu a prestação da garantia hipotecária.
E o regime estatuído no artigo 124º do CIRE cede, quanto à necessidade de prova da má fé do terceiro, perante o regime estabelecido e supra explanado, da resolução incondicional que, conforme doutamente expressa a sentença em crise, dispensa o requisito da má fé e consagra uma presunção inilidível da prejudicialidade para a massa insolvente dos atos de natureza gratuita.
Acresce que a solução encontrada determina um resultado jurídico inaceitável e contraditório na medida em que decretando-se a resolução da doação e consequentemente revertendo a titularidade do bem imóvel para a massa insolvente, determina concomitantemente, a manutenção de um direito real de garantia, constituído por quem, por decisão judicial, deixou de ser titular do bem onerado, pela razão de o ter adquirido em violação de normas imperativas expressas.
Nesse medida, entende o Banco Apelante que o fundamento incondicional da resolução operado, validado pela douta sentença em crise, deverá estender-se de forma absoluta a todos os atos subsequentes à doação, determinando assim, por via da eficácia retroativa da resolução, que os mesmos atos subsequentes não possam subsistir na ordem jurídica.
Decidindo como decidiu a douta decisão em crise violou o disposto nos artigos 120º, 121º, 123, 124º e 126º todos do CIRE. deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão em crise, julgando-se improcedente a impugnação da resolução interposta pela C
Objeto dos recursos:
São as conclusões que delimitam a matéria a conhecer por este Tribunal, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que cumpra apreciar. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respetivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B358 e art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º nº 2, do mesmo diploma legal e 639 e 640 do NCPC (lei 41/2013).
O recurso do impugnante B coloca como questões a resolver:
Recurso da matéria de facto no que toca à impugnação do ponto da sentença que deu como não provado que o impugnante não residisse …
Eficácia da declaração resolutiva remetida pelo srº administrador da insolvência ao impugnante e recorrente.
Caducidade do direito de proceder à resolução, por decurso do prazo.
O recurso do impugnante ... coloca como questão a resolver:
a- Desnecessidade de declaração resolutiva quanto a terceiro interveniente em negócio do insolvente afetado pela resolução
b- Requisito da má fé de terceiro nos casos em que trata de resolução incondicional.
Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
Fundamentação de direito:
Recurso do impugnante B:
I Da impugnação da matéria de facto:
Liminarmente, neste passo, do recurso do apelante B temos por assente que o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto terá de cumprir o ónus de alegação que lhe é imposto pelo artigo 640º do CPC sem o que verá o seu recurso ser rejeitado.
Efectivamente, o artigo 640º do CPC (ao que nos interessa) prescreve que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 …”
Da simples leitura do corpo da norma surge claro que o recurso deve ser rejeitado, se, designadamente falta a posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.(alínea c))
Ora, este resultado pretendido a que a lei alude consiste na forma como no entender do recorrente deve ser alterada a matéria de facto impugnada e a nova redação que como tal a resposta questionada deve merecer.
Sucede que o recorrente, nem no corpo da alegações nem nas conclusões, cumpre este ónus que lhe é imposto pela alinea c) do artº 640º limitando-se a requerer a «renovação da prova» quanto à factualidade impugnada.
Donde que, o seu recurso é rejeitado de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 e c) do CPC.
II Mais pretende o apelante que são não demonstrou que o sr administrador tenha efetivamente comunicado a resolução dos negócios jurídicos em causa ao apelante o que nos remete para a apreciação do regime legal da declaração resolutiva e da sua eficácia.
De acordo com com o art. 123º, nº 1 do CIRE, nos seis meses após o conhecimento do acto, ainda que nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência, pode a resolução ser efetuada pelo administrador da insolvência, por carta registada com aviso de receção, e, também, por via de exceção, pode a resolução ser declarada sem dependência de prazo enquanto o negócio não estiver cumprido (n.º 2 do mesmo artigo).
( Só por mera dialética refira-se, no seguimento de Rosário Epifânio, que mesmo não tendo decorrido ainda os seis meses após o conhecimento do acto (ou, até, que o negócio não se encontre cumprido), a resolução encontra um limite intransponível: uma vez que ao abrigo do art. 233º, n.º 1, al. a), cessam todos os efeitos da declaração de insolvência, com o encerramento do processo de insolvência e assim se preclude a possibilidade de resolução do acto. Cfr. AC. STJ 30.09.08 (Cardoso de Albuquerque).
Por outro lado, “a forma de efetuar a resolução prevista no art. 123º (CIRE) vale tanto para os negócios não formais, como formais, como é o caso de estarmos em presença de um contrato de compra e venda de imóveis, celebrado entre o impugnante e insolvente, então necessariamente sujeito a escritura pública”.
Muito embora o artigo 123º do CIRE não refira a quem deve ser dirigida a carta registada com aviso de receção afigura-se-nos fora de dúvida que a mesma terá de ter como destinatária a contraparte do negócio celebrado com o insolvente, já que estamos na presença de uma declaração de carater receticio. Neste mesmo sentido Gravato Morais a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, p 150.
A declaração resolutiva deve conter a específica motivação e expor os fundamentos que lhe deram origem. Vde Ac do STJ de 17.9.2009 (Mário Cruz).
Ora, porque a carta registada com ar dirigida ao impugnante foi devolvida há que apreciar a situação em face do disposto no nº 2 do artº 224º do CC, isto tendo ainda presente que como foi afirmado no Ac do TRC de 21.05.2013 in 928/11.2TBFIG-J.C2 (Falcão de Magalhães) «De harmonia com a jurisprudência maioritária, a ação de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma ação de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com o plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv».
Cabendo no fundamento da respetiva impugnação tanto a matéria substantiva quanto a matéria formal ligada à resolução, há pois que sindicar a sentença proferida no segmento de apreciar se a massa insolvente logrou provar que o impugnante não recebeu a declaração resolutiva por sua culpa exclusiva.
São pertinentes para aqui os seguintes factos apurados pelo tribunal «à quo» e constantes do relatório supra e com o teor que segue:
O nº 5 Carta idêntica à referida em 1 e 2 foi enviada em 15.04.2011 pelo Sr.º Administrador ao impugnante B para a R. ..., carta essa que veio devolvida, cfr. fls. 124 a 128 do apenso H).
O nº 32. Na data das escrituras de doação tanto os insolventes como o donatário A declararam residir na Rua Visconde da Atouguia, n.º3, em ....
O nº 33. Em relação ao impugnante B foi declarado que residia na Rua Josefina Silva, n.º 67 , Vivenda 2, …., ....
O nº 34. Na reclamação de créditos cuja cópia se mostra junta a fls. 73 e ss do Apenso H) os donatários/reclamantes, incluindo o B, indicaram como morada a Rua Visconde de Atouguia, n.º 3, ..., reclamação essa recebida em 7.12.2010 pelo Sr.º Administrador, pela qual os reclamantes reclamam um crédito sobre os insolventes de €615.415,30 relativo a quantia que os mesmos pagaram à impugnante C em 30.09.2010, pagamento que fez extinguir pelo pagamento os saldos devedores das contas referidas em . .
Destes factos assentes se retira desde logo que o sr administrador remeteu a declaração de resolução para a morada que o próprio impugnante lhe forneceu aquando da reclamação de créditos apresentada.
Será que tanto basta para se ter como assente a culpa exclusiva do impugnante no não recebimento da comunicação?
O disposto no art. 224º do CC traduz a assunção da teoria da receção, de tal modo que a eficácia da declaração negocial (ainda que de natureza resolutiva) depende do seu recebimento pelo destinatário, a tal equivalendo também a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência. Heinrich Höster Höster, sustentou a tal respeito que a “solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando, nesta medida, a teoria da receção (“… logo que chega ao poder …”) com a teoria do conhecimento (“ … logo que … é dele conhecida”). In Rev. de Direito e Economia, nº 9, pág. 135. «Sobre a formação do contrato segundo os arts. 217º e 218º. 224º a 226º e 228º a 235º do CC».
Não obstante, o legislador salvaguardou outras situações, atribuindo também eficácia à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida (art. 224º, nº 2, do CC), previsão que nos aproxima da chamada teoria da expedição, se bem que o acto de recebimento significa, nos termos da teoria da recepção, chegada ao poder.cfra Heinrich Höster, na Rev. de Direito e Economia cit., pág. 137.
Neste sentido se entendeu que « O artigo 224º, nº 2, do Código Civil consagra a Teoria da Recetação, mas numa forma mista. : O declaratário fica vinculado não só quando o conteúdo da declaração chega efectivamente ao seu poder e conhecimento, mas ainda quando ela seja colocada ao seu alcance e só uma atitude sua o impediu de dela tomar conhecimento. AC 1370/02-3 de TRE, 07.11. 2002 (Gaito das Neves).
A culpa e a exclusividade da culpa enquanto conceitos indeterminados impõem uma apreciação casuistica, ponderando designadamente o específico contexto em que os factos negociais ocorreram; pelo que, a dificuldade residirá sempre na valoração dos comportamentos (ações ou omissões) do destinatário suscetíveis de integrarem tal situação.
Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjetivo deve ser concretamente aferido através do recurso ao «bónus pater famílias» critério que nos remete para o padrão do cidadão médio, uma vez que a situação dos autos não cabe no âmbito da responsabilidade contratual.
É que será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, ou noutro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais, de casos como o presente em que inexiste qualquer relação relevante entre o emissor da declaração e o destinatário.
Nesta mesma senda Pedro Pais de Vasconcelos in Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., págs. 458 refere que a previsão legal do nº 2 do art. 224º do CC reflete “ser necessário demonstrar que, sem ação ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebido. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou não receção da declaração”.
Assim é que, quanto ao nº 2 do art. 224º do CC, no Ac. do STJ, de 14.11.06, CJSTJ, tomo III, pág. 109 (Moreira Alves) se entendeu que tendo sido “devolvida a carta registada, com aviso de receção, através da qual foi comunicada a resolução do contrato à outra parte, a eficácia dessa resolução só opera se a não receção da carta se tiver ficado a dever exclusivamente a comportamento culposo do seu destinatário”. (Em tal situação, a ineficácia da declaração resolutiva fundara-se no facto de a carta registada ter sido remetida para o local correspondente às antigas instalações da contraparte, verificando-se ainda que, em data anterior, a destinatária da comunicação colocara nas faturas e envelopes que dirigira à remetente vinhetas indicativas das novas instalações, não havendo nas antigas instalações para onde a comunicação fora remetida autorização para o recebimento de correspondência registada com aviso de receção. Por estes motivos conjugado se concluiu em tal aresto pela ineficácia da declaração, já que a responsabilidade pelo não recebimento não era exclusivamente imputável a comportamento negligente da destinatária).
Outra situação foi objecto do Ac. do STJ 8.6.06, CJSTJ, tomo II, pág. 113 (Moreira Alves), considerando-se também ineficaz a declaração remetida. (Tratava-se de declaração respeitante à designação de data para a celebração de escritura pública de compra e venda enviada por carta registada para o endereço constante do contrato-promessa, a qual não foi rececionada. Tendo sido deixado aviso para o destinatário proceder ao seu levantamento na estação dos correios, tal não foi feito, o que levou a contraparte a considerar definitivamente incumprido o contrato-promessa).
- Já no Ac. de 3.5.07 (www.dgsi.pt, Bettencourt de Faria) se considerou eficaz a notificação efectuada pela seguradora por carta que foi depositada na caixa de correio da única residência conhecida
O Ac de 11.12.2003 (www dgsi. Quirino Soares) entendeu que « Para os efeitos previstos no art. 224, CC (de eficácia da declaração negocial) a entrada da carta na caixa do correio da casa ou do andar onde o destinatário vive faz, em princípio, as vezes da consciente leitura do texto da declaração negocial emitida por aquele meio. Se a carta contendo a comunicação para preferência não chega a ser entregue ao destinatário, a comunicação só será eficaz, se, como prescreve o n. 2, do art. 224, citado, o destinatário foi o exclusivo culpado da não entrega do segurado.
Decidiu que tendo sido devolvida a carta com a indicação escrita de desconhecimento do destinatário, sem que o remetente tivesse efetuado qualquer diligência adicional para que a comunicação se efetivasse, não havia culpa exclusiva daquele que permitisse afirmar a eficácia da declaração.
A diversidade de respostas dadas pela jurisprudência não se funda tanto na diversa interpretação do preceituado no art. 224º, nº 2, do CC, mas na diversidade das circunstâncias relevantes em cada um dos casos e da necessidade de preencher conceitos indeterminados.
Isto posto, a declaração receptícia ou recipienda é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário é eficaz nos casos seguintes:
- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida; -quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida.
Sendo a declaração dos autos uma declaração recipienda, não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão.
Todavia, é plenamente justificável que se considere eficaz uma declaração que só não foi recebida por culpa do destinatário. E isso poderia suceder no caso sub judice, se, por exemplo, o carteiro tivesse avisado o impugnante que tinha uma carta registada para levantar, ou, com maior evidência, se esta se tivesse recusado expressamente a recebê-la.
Nos autos não existe qualquer prova que o impugnante tenha sido avisado. Nem o facto de não existir prova em sentido contrario legitima tal conclusão.
É que como se decidiu no Ac. desta Relação de 9.5.2006 (www dgsi Pimentel ) «Em casos como este, o normal é que o carteiro deixe aviso. Mas, por uma qualquer razão, tal poderá não ter acontecido no caso concreto, que é o que nos interessa considerar. Há que ter em consideração que, por exemplo, nos grandes centros urbanos, por simples lapso, o aviso pode ser deixado na caixa do correio do vizinho, o que, por vezes, acontece, como é do conhecimento comum. Mas sempre temos de admitir que a carta não foi deixada em termos de poder ser recebida pela destinatária. Não temos nenhuma prova nesse sentido. O simples facto de constar do envelope que a carta não foi reclamada não faz prova de que o recorrente teve ou podia ter conhecimento de que a mesma se encontrou à sua disposição. Nada nos garante que o destinatário foi procurado para assinar o A/R ou mesmo que o tal aviso foi colocado à sua disposição. E não existe qualquer presunção de conhecimento ou sequer de que esse mesmo conhecimento era possível. A única prova que existe nos autos é a de que a carta foi enviada para a morada em referência e que a mesma não foi recebida.
Competia então ao sr. administrador provar que a carta só não foi recebida pelo destinatário por sua culpa. É que não estamos perante nenhum caso de inversão do ónus da prova. Tanto mais que existia uma outra morada a constante da escritura de doação como sendo a do impugnante. Perante a devolução da primeira carta a comunicar a resolução caberia ao sr. administrador remeter nova carta agora para a morada constante da escritura de doação.
Tal porém não foi feito.
Pelo que não tendo sido demonstrado que o aviso foi efetivamente entregue na morada do destino e que nesta efetivamente era residente o destinatário não se pode presumir pela simples emissão da carta para aquela morada que a mesma não foi recebida por culpa exclusiva do destinatário.
Procede em tais termos a apelação considerando-se ineficaz a resolução da doação quanto a este impugnante.
Questiona ainda o mesmo o decurso do prazo de caducidade para a resolução com assento no facto de a sentença de insolvência ter sido decretada a 13.10.2010 e a carta resolutiva ter sido remetida ao impugnante apenas em 15.04.2011, mais de seis meses após aquela data pois.
Vamos ver.
Sob a epígrafe “Forma de resolução e prescrição do direito”, o art.º 123º do CIRE, preceitua no seu n.º 1 que “A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”.
Por sua vez, o art.º 298º n.º 2 do CC dispõe que «quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente prescrição».
Ora, não obstante a referência à prescrição que consta da epígrafe do citado art.º 123º, não parece que nessa norma se estabeleça outra coisa senão um prazo de caducidade do direito de requerer a resolução do ato.
Tanto o apelante como o tribunal recorrido qualificam como de caducidade o prazo em causa, portanto trata-se uma não questão. No entanto há que notar que para a cabal alegação da caducidade que é matéria de exceção no presente caso, seria, no mínimo, indispensável que o impugnante, ora recorrente tivesse alegado a data em que o sr. administrador tomou conhecimento do negócio jurídico a resolver. E bem assim haveria que alegar-se os factos atinentes à caducidade em causa posto o que importaria alegar - e, subsequentemente, provar - para contar como termo “a quo” desse prazo, não era a mera data em que o sr. administrador tomou conhecimento do negócio jurídico em causa, mas sim a data em que aquele tomou conhecimento das circunstâncias que habilitavam a resolvê-lo, vde no Ac TRPorto, de 26/11/2012 ( www.trp Carlos Gil Apelação nº1056/09.6TBLSD-D.P1) «O conhecimento do ato não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do ato em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do ato sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.».
Só na posse de tais factos seria possível proceder à contagem do prazo de seis meses a que a lei alude em conjugação com a data da carta que remeteu pelo correio a fim de se concluir que esta comunicação foi ou não efetuada fora do termo de tal prazo.
Sucede que o apelante apenas faz coincidir este conhecimento pelo sr administrador da insolvência com a data em que a mesma foi declarada por sentença.
È manifesta pois a insuficiência desta alegação fatica para a conclusão que se pretende retirar de ter decorrido o prazo de caducidade
Improcede por tais razões e sem mais nesta parte o recurso.
Recurso do ...:
A desnecessidade da declaração resolutiva quanto a terceiro interveniente em negócio do insolvente afetado pela resolução.
Quando genericamente tratamos da resolução temos em vista o exercício do direito potestativo que consiste em por ato unilateral (art 436º )e com fundamento em motivo constante da lei ou de convenção (artº 432º do CC) fazer extinguir com eficácia ex tunc (artº 433 do CC) um determinado jurídico.
Como refere Brandão Proença « A Resolução do Contrato no Direito Civil 2006-74 “ A resolução consiste no poder unilateral de fazer extinguir um contrato válido em virtude de circunstancias posteriores à sua conclusão e frustrantes (…) do interesse na resolução contratual ou desequilibradoras (…) da relação de equivalência económica desencadeando uma normal liquidação retroativa”
O principio constante do artº 436º nº 1 é o de que o direito de resolução se concretiza pela mera comunicação à outra parte.
A retroatividade dos efeitos da declaração resolutiva deriva da equiparação que a lei faz destes aos que decorrem da anulabilidade.
Retroatividade porém que sofre as acomodações prescritas nos artº 434º e 435º do CC.
Destas desde logo avulta a natureza relativa do efeito resolutivo.
A resolução tem o seu espaço de eficácia em princípio confinado às partes não atingindo os direitos de terceiros que com origem num dos polos desta relação hajam “medio tempore” adquirido.
Esta exceção ao principio da plena retroatividade que se prevê no art.º 435º nº 1 do CC implica que a resolução se detenha em face daqueles direitos de terceiros constituídos entretanto, impedindo que possa ter lugar a restituição integral.
Tal só não acontecerá quando se tratando de direitos sujeitos registo a resolução for operada por via judicial e a ação respetiva for registada antes do registo da transmissão a terceiros de tais direitos. (exceção prevista no nº 2 do artº 435º do CC).
Ora a licitude e reconhecimento da resolução provocada por ato unilateral depende em relação a ela da verificação dos factos que servem de fundamento legal ou convencional.
Não oferece duvida que no âmbito do processo de insolvência trate-se de uma resolução condicional ou de uma resolução incondicional, presumida ou não presumida, em relação a ela a sua validade depende sempre da verificação de determinados pressupostos de facto objetivos e subjetivos que têm de ser expressamente invocados até para permitirem a respetiva impugnação.
Mal se concebe que em tal caso e atenta a natureza declaratória da declaração extrajudicial esta pudesse valer sem mais quanto a terceiros mercê da simples comunicação ao primeiro contratante.
Nem releva para aqui o facto de alegadamente ser dispensada a má-fé in casu do terceiro porquanto como se deixou referido o facto concretizador desta dispensa tem de ser invocado na declaração resolutiva ao interveniente a que se opõe, por aquele “in casu” o sr. administrador que pretende fazer-se valer da mesma.
Tão pouco substitui esta declaração expressa a alegação na ação de impugnação dos fundamentos que não foram prestados na comunicação resolutiva.
Do que vem de expor-se se retira a necessidade de comunicação à apelante C da declaração resolutiva e respetivos fundamentos, só então cessa o vínculo contratual em vigor com este terceiro contratante, com todas as consequências legais.
Não tendo o sr administrador remetido carta à C a comunicar-lhe a resolução e bem assim os concretos fundamentos invocados temos que a mesma não operou em relação a esta.
Improcede nesta parte a apelação do recorrente ...
A segunda questão :
Está claramente prejudicada uma vez que como vem de expôr-se só seria lícito à massa falida vir invocar e provar os factos constitutivos ou da má-fé ou da sua dispensa ( aqui os requisitos legais) caso os tivesse feito constar de comunicação extrajudicial.
Seja como for como dispõe o art.º 124.º n.º 1 do CIRE a resolução, em benefício da massa insolvente, dos actos praticados pelo devedor, só é oponível a transmissários/ terceiros posteriores, quando estes estão de má fé, salvo se forem sucessores a título universal ou se a nova transmissão tiver ocorrido a título gratuito.
Não estando a C na previsão da ultima parte do artº 124º nº 1 do CIRE impõe-se que se verifique, quanto a si, facto constitutivo da má-fé, (os indicados no nº 5 do artº 120º) mesmo quando se trata de resolução incondicional.
Nada se tendo provado a tal respeito sempre seria de improceder a apelação também por aqui.
Segue deliberação:
Procede a apelação do recorrente B pelo que vai revogada a sentença nesta parte declarando-se a ineficácia da resolução em benefício da massa falida das doações em discussão e a que estes autos respeitam.
Improcede a apelação do ... mantendo-se a sentença apelada.
Custas na proporção do decaimento.
Lisboa, 23 de Outubro de 2014
Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Otávia Viegas