- O casamento exige a vontade de duas pessoas e não apenas a de uma ou a imposição de uma sobre a outra. Inexistindo esse consenso, essa vontade, e não querendo uma delas manter esse vínculo, não pode o Tribunal desvalorizar essa vontade, minimizá-la ou anulá-la.
- Actualmente, a Nova Lei do Divórcio, Lei nº 61/2008, de 31/10, alterou profundamente o regime jurídico do divórcio litigioso até então vigente, permitindo que o divórcio seja decretado com fundamento na ruptura definitiva do casamento, independentemente de culpa.
I – 1. M...Instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra:N...Pedindo o divórcio.
Alegou, para tanto, que A. e R. contraíram casamento em 11/7/1992, porém, durante os anos de casamento o R. por diversas vezes agrediu física e psicologicamente a Autora. Daí que esta, na sequência de uma agressão ocorrida no início de Janeiro de 2012, saiu de casa com o filho e não pretende retomar a vida em comum com o R.
Como causa de divórcio invoca a separação de facto há mais de um ano e a ruptura em definitivo da vida comum.
2. Foi efectuada tentativa de conciliação, a qual se frustrou. E o R. contestou, argumentando, em síntese, que ambos continuam a viver juntos e que foi a Autora que saiu de casa sem ter havido qualquer discussão ou agressão, porquanto reencontrou, ao fim de todos estes anos, colegas da sua antiga escola, com quem passou a conviver e a sair de casa, fazendo vida de solteira.
Razão pela qual a acção deve ser julgada improcedente.
3. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença na qual o Tribunal “a quo” julgou a acção improcedente, não decretando o divórcio, nem pondo termo ao casamento celebrado entre a Autora e o Réu.
4. Inconformada a Autora Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida merece censura quer quanto à matéria de facto quer quanto à aplicação do direito
2. Quanto à matéria de facto o Tribunal “a quo” deu erradamente como provado (nº 21 da sentença recorrida) que “O réu sustenta o agregado familiar, composto pela autora réu e filho, pagando todas as suas despesas, cuidando da sua alimentação, fazendo o almoço e o jantar e preparando as suas refeições” e, por outro lado, deu erradamente como não provado os seguintes factos, que constam sob os números 9, 10 e 11, na sentença recorrida: “O filho de A. e R. tem problemas psicológicos, o que contribuiu para a decisão da A. regressar a casa; - Não há da parte da A. o propósito de retomar a vida em comum com o R.; - A. e R. fazem vidas completamente separadas”.
3. Porque foram incorrectamente julgados, como resulta claramente da prova testemunhal, deverá o Venerando Tribunal “ad quem” proferir decisão que venha a considerar não provado o facto constante no nº 21 da sentença recorrida (dado como provado) e por outro lado os constantes nos nºs 9, 10 e 11 (dados como não provados), passem a provados.
4. A factualidade vertida nos autos e considerada na sentença recorrida, a que acrescem as alterações ora preconizadas, conduzirá necessariamente à conclusão que Recorrente e Recorrido estão separados de facto há mais de um ano, situação que constitui fundamento de divórcio nos termos do art. 1781º, alínea a), do CC, conforme alegado pela ora Recorrente no seu requerimento de divórcio.
5. Com efeito, é reconhecido pelo Tribunal “a quo” que à data da interposição da acção, 23/01/2013, se encontrava verificado o fundamento do divórcio, ou seja, a separação de facto há mais de um ano, pois foi dado como provado que a Recorrente saiu de casa no dia 2 de Janeiro de 2012, tendo regressado no dia 1 de Agosto de 2013 (vide nºs 18 e 20 dos factos provados).
6. Errou o Tribunal “a quo” quanto ao alegado “regresso” da Recorrente a casa e às consequências deste, e quando entendeu que “Nestes termos, houve uma separação de facto por mais de um ano, mas que terminou com o regresso da A. a casa em Agosto de 2013, o que não permite a verificação do fundamento previsto na al. a) do art. 1781º do CC.”
7. Face ao que o art. 1782º do CC esclarece dever ser entendido por separação de facto, verificada esta há mais de um ano, era necessário apurar se os cônjuges voltaram à comunhão de vida ou se algum deles ou ambos mantêm o propósito de não a restabelecer, pois como é jurisprudência unânime e é reconhecido na própria sentença recorrida, a unidade residencial ou habitacional não é suficiente para concluir pela comunhão de vida entre os cônjuges.
8. Para que o pedido de divórcio improcedesse, o regresso da A. à casa, tinha que significar o restabelecimento da comunhão de vida do casal e esta efectivamente não aconteceu e, pelo menos a A./Recorrente, não pretende restabelecer essa comunhão, razão pela qual prosseguiu com o divórcio.
9. O regresso a casa da Recorrente justificou-se, como resulta da prova, com o facto desta estar desempregada, e não poder custear uma renda e por causa do filho e a pedido deste.
10. O que a prova produzida demonstra é que os cônjuges, Recorrente e Recorrido, fazem vidas separadas, como se casados não fossem. A Recorrente passa grande parte dos dias e noites em casa dos pais, convive e sai com os amigos sem ser acompanhada pelo Recorrido. Não comparecem a festividades juntos, nomeadamente às consideradas de família; não são vistos juntos pelos familiares, nem existe comunhão de leito entre os mesmos. Esta situação resulta dos depoimentos de A..., minuto 3’58”, minuto 12’53, J..., minuto 8’56” e M..., minuto 20’53”
11. É jurisprudência unânime que a residência em comum dos cônjuges não é facto suficiente para concluir que existe entre os mesmos comunhão de vida. Vide, entre outras, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo 1783/06.0TMLSB.L1-7, datada de 13-09-2011, consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.: “I – É certo que, por via de regra, à separação corresponderá a habitação em residências diferentes, todavia, nada impede que, apesar de habitarem na mesma casa, não exista comunhão de vida entre os cônjuges, designadamente, por não tomarem refeições em comum e dormirem deliberadamente em apartamentos separados, como se casados não fossem.”
12. Ou a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, no processo 550/10.0TMSTB.E1, datada de 14-11-2013, consultável em http://www.dgsi.pt/jtre: “II – A separação de facto pelo período de um ano consecutivo como fundamento de divórcio previsto na al. a), do art. 1781º, do Código Civil, exige, em primeiro lugar, a verificação de um elemento objectivo, constituído pela falta de vida em comum dos cônjuges, a que acresce um elemento subjectivo, que consiste no propósito, da parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial”.
13. Nos presentes autos, comprovado que os cônjuges estiveram a residir separados mais de um ano, o facto da Recorrente ter voltado à casa de morada de família não significa a interrupção dessa separação, porquanto o regresso não teve por finalidade restabelecer a vida em comum com o Recorrido, mas foram outras circunstâncias que determinaram o seu regresso.
14. Encontra-se preenchido e verificado o elemento objectivo a que alude o acórdão supra referido, tal como se encontra verificado o elemento subjectivo, dado que a A./Recorrente não pretende restabelecer a comunhão de vida com o Recorrido, como resulta logo do facto de prosseguir com o divórcio
15. A sentença recorrida viola, assim, as previsões dos artigos 1781º alínea a) e 1782º do Código Civil.
16. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a matéria de facto, nos termos como se encontra impugnada e, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida substituindo-se por outra que decrete o divórcio.
5. Foram apresentadas contra-alegações nos termos que os autos documentam.
7. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II – ENQUADRAMENTO FÁCTICO-JURÍDICO:
- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se:
1. Deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto;
2. Existem fundamentos para ser decretado o divórcio entre a Autora/Recorrente e o Réu/Recorrido, já que o Tribunal “a quo” julgou a presente acção improcedente por ter entendido que não existem fundamentos jurídicos para tal.
Desde já se anota a nossa discordância perante o teor da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, cuja decisão se mostra fundamentada fáctica e juridicamente de forma contraditória, o que só por si seria suficiente para determinar a sua revogação e a procedência da presente Apelação.
Porém, tendo sido interposto recurso da decisão relativa à matéria de facto, impõe-se, antes de mais, reapreciar a prova produzida para posterior aplicação do direito, prova que sairá por certo reforçada se os depoimentos produzidos tiverem sido bastante expressivos e clarificadores quanto a alguns pontos que o Tribunal “a quo” considerou controvertidos e que, no quadro fáctico descrito nos autos, não valorizou.
Repete-se, contudo, que os autos já contêm em si, nos termos em que se apresentam, elementos de prova suficientes para que o Tribunal “a quo” não tivesse denegado a pretensão da Autora e tivesse decretado o divórcio, como se impunha, nos termos peticionados e em função dos factos que julgou provados.
Vejamos porquê.
1. Quanto à matéria de facto:
1.1. Segundo a Autora, o ponto 22º integrante da matéria de facto que o Tribunal “a quo” julgou provado deve ser considerado como não provado, e deverão consignar-se como provados os factos que integram os pontos 9) a 11), dos factos não provados.
Decidindo.
1.2. Da prova produzida constata-se que o Tribunal “a quo” considerou provado o ponto fáctico 22º, com o seguinte conteúdo:
“O Réu e Autora voltaram a partilhar tecto e mesa”.
E como não provados verteu nos pontos 10) e 11) o seguinte circunstancialismo:
“10 -Não há da parte da A. o propósito de retomar a vida em comum com o R.
11 - A e R. fazem vidas completamente separadas”.
Sobre estes pontos foram ouvidas diversas testemunhas em audiência de julgamento, tendo deposto em termos que não permitem que se mantenham tais factos como provados/e não provados, porquanto o que resultou dos depoimentos das testemunhas, que mereceram credibilidade, foi exactamente o contrário do que o Tribunal recorrido exarou ao proferir a sua decisão sobre a matéria de facto.
Com efeito, verifica-se que:
a) A testemunha A... – irmã da Autora – quando questionada em audiência de julgamento, declarou, em síntese, relativamente aos factos que mais interessam para a discussão da causa, que:
“Convivi durante uns tempos com ele (o Réu). A minha opinião não é das melhores sobre ele…Conheci-o quando casaram, era uma pessoa “lunática” … (…), com pensamentos muito formatados, estranhos, não eram da época… ele depois decidiu ir viver com a minha irmã para o Porto, porque não queria que a minha irmã se desse com ninguém…
Ele teve um esgotamento e fez um tratamento... Depois vieram para Lisboa, ele (Réu) agrediu-a, em casa da sogra (mãe do Réu) … isso foi há cerca de 18 anos… Quando íamos lá a casa as conversas dele não tinham jeito nenhum… E relativamente à minha irmã ele tinha um comportamento obsessivo. Ele não aceita a opinião de ninguém…
Ela (Autora) saiu de casa e foi para casa dos meus pais e esteve lá algum tempo desde Janeiro de 2012 até ao ano seguinte…
O meu sobrinho (filho da Autora e do Réu) não estava a passar um bom momento… eu não gostei do que vi… e a minha irmã voltou para casa (onde vivia com o Réu) por causa do filho…
Mas não reataram a vida de casal… ela faz vida à parte.
Ele esteve em casa do meu pai a passar o Natal mas só ele… a minha irmã não foi…
Este é um casamento acabado… ela já saiu de casa por isso… para pôr fim a isto”…
Esclareceu ainda, a instâncias da ilustre mandatária da parte contrária, que:
“Eu ia lá (a casa deles) sei lá… talvez uma vez por mês, … mas depois deixei de ir… a última vez que lá estive foi em Dezembro de 2012 no aniversário do filho da minha irmã, do meu sobrinho… ia passar um bocado da tarde, ia à piscina com os meus filhos… e lá, quem via mais vezes, em casa da minha irmã, era a madrinha dela… quando ia lá à piscina…
À pergunta de como era ele (o Réu) no trato?, respondeu:
“As conversas dele eram despropositadas… ele é o primeiro sempre a servir-se e a sair da mesa, … não faz nada em casa … é só ele e mais ele…
Ela não trabalhava mais porque ele não deixava… ele não queria que ela trabalhasse… e ela não se podia dar com ninguém… por isso foram para o Porto… ela sempre tentou trabalhar… (enumerou alguns locais onde trabalhou) mas ele não queria… não lhe deixava trabalhar…”
b) A testemunha A... – pai da Autora – à pergunta sobre o que ele achava do casamento da sua filha, respondeu:
“Este casamento nunca foi do meu agrado ele foi sempre violento por causa da doença que tem… Ele tem uma doença psiquiátrica e os médicos não dizem a verdade… (mas nunca referiu de que doença padecia o Réu).
Ele foi sempre agressivo… nas discussões, e forma de estar… logo quando ela estava grávida deu-lhe um pontapé …
Ele teve um problema psiquiátrico e foi internado e depois foram para casa dos pais dele… e nessa altura ele bateu-lhe, bateu à minha filha, e partiu o nariz à mulher (aqui Autora) … ela depois veio embora para a minha casa…
Há 3 ou 4 anos voltou a bater-lhe, quem me disse não foi ela, mas sim o meu neto, o filho, que nessa altura já tinha 18 anos… Em Janeiro de 2012 ela veio mais o filho (para minha casa), saíram de casa e vieram para minha casa e ela aí ficou até Agosto de 2013… mais de um ano que esteve fora de casa…
Ela agora vai e vem. Da casa dele para a nossa (dos pais) …
Ela fica 3 dias e vem outra vez para nossa casa. Fica 4 dias e depois vem para nossa casa, ela vem à quinta feira para nossa casa fica lá até domingo… e depois volta para a casa dela e depois ela fica lá até quarta feira e ela na quinta feira volta para casa dos pais…
Ela não quer viver com ele… é o filho que quer que ela volte e fique com ele… e ela vai porque o filho também “não está a bater bem”…para ver se lhe dá (ao filho) estabilidade pois ele não anda a passar bem…
Ele (o Réu) é violento e deve ser “maluco”, … andou em tratamento… sim, psiquiátrico…
A minha filha quer-se divorciar”…
A instâncias da ilustre mandatária da parte contrária esclareceu que:
“Ele tem certas atitudes…
Quando ela foi para a nossa casa viver, ele mudou de casa, mudou-se de uma casa onde viviam na Beloura, para outra, e tempos depois voltou a mudar outra vez para a primeira casa… pois não sei lá o que se passou…
A minha filha está desempregada e eu todos os meses dou lhes 300 Euros, à minha filha dou 200 para ela e 100 para ele (o filho, meu neto) … e ainda lhe dou mais dinheiro… mas a mãe, a minha mulher, não pode saber pois não quer isso…até lhe dou dinheiro para as compras, cabeleireiro, …
Ela, a minha filha, já me disse várias vezes que não quer viver com ele…
Eles fizeram dívidas… uma no Corte Inglês e outra no BPI e fui eu que lhes paguei… Têm problemas económicos … eles viviam acima das suas possibilidades… E compraram uma casa de férias no Algarve e depois ele teve que a vender… Compraram um barco e depois venderam logo a seguir, por muito pouco e a perder dinheiro… enfim…
A doença dele é assim… e ela (a Autora) assina tudo o que ele compra… e depois sou eu que tenho que lhe pagar as dívidas… é uma loucura…”
c) J... – amigo da Autora – conhece-a desde os anos 80 e ao Réu só o conhece talvez desde 2010…Referiu, no que releva, que:
“Nós estudámos juntos e depois só revi a Marta depois da escola num jantar que houve de antigos colegas e nessa altura conheci o marido…
Ele vem de uma família tradicional… é católico, … fundamentalista… e por aquilo que percebi não se quer divorciar… Mas o casamento deve ser um acto consensual e os dois têm que estar de acordo e não ser só um a querer…
Contacto com eles, nas passagens de ano, convívios, e falo muito com ela ao telefone…quase todos os dias…
Soube depois que ela (a Autora) saiu de casa onde vivia com o marido. Falámos sobre isso e a Marta contou-me algumas coisas sobre o seu casamento, disse-me que ele é obsessivo e possessivo, … e é violento…
Ela neste momento regressou…
E disse-me que não se reconciliou com o marido, que não dorme com ele, mas regressou a casa, porque o relacionamento com a mãe dela não é fácil, e não queria manter-se em casa dos pais, … mas ela também não quer continuar com este casamento… e voltou também porque há problemas com o filho…
Ele está sempre em cima dela – vai levar a Marta e vai buscá-la… e foi comentado isso entre nós, amigos, porque não é uma situação normal…Ele é quase a sombra da M… Sempre atrás dela, … nervoso e com um ar possessivo…Ele não vai (às festas e almoços do grupo), mas controla-a em tudo. Até quando está ao telefone…
Ela não quer viver mais com ele.
Sou confidente dela e sei que ela está aflita, quer se ver livre deste casamento…
Ele gosta dela. Ela não gosta dele…
Ele é possessivo… trata-a como se fosse algo que é dele…”
d) M... – mãe do Réu – depoimento que consideramos parcial e pouco convincente, porquanto conhecedora das relações conjugais entre o filho (Réu) e a nora (Autora), limitou-se a responder às perguntas sobre esse relacionamento com evasivas… “sim, sim, tiveram as suas discussões… como qualquer casal…”
E às perguntas directas sobre se tinham existido agressões do Réu para com a Autora, também respondeu laconicamente: “ai não sei…” e sobre o temperamento do filho e a forma de ser, respondeu nos seguintes termos: “ele não é um “panhonhas”… tem o seu feitio… mas não vi nada de agressões… sei que também o filho (do Réu e da Autora) tem o seu feitio… agora agressões, não sei… “
Como se fosse credível que estando o seu filho casado há mais 20 anos ela, sua mãe, desconhecesse o relacionamento conflituoso que existia entre o casal, tanto mais que viveram ambos em casa dela durante um período, altura em que, de acordo com o depoimento de outras testemunhas, o Réu, seu filho, até agrediu a Autora, o que fez com que, nessa data, a A. se tivesse refugiado em casa dos pais.
1.3. Tão pouco se compreende tanto desconhecimento por parte da testemunha relativamente ao casamento do seu filho e a um casal que, nestes últimos anos, se tem mostrado bastante desavindo, a ponto de a Autora – segundo o pai desta – passar o tempo “no entra e sai”…
Igualmente não nos parece credível que a mãe do Réu, com quem este tem um relacionamento próximo, a ponto de ela lhe lavar a roupa e ir até buscá-la a casa do Réu, não soubesse do relacionamento de ambos, desconhecesse as razões das desavenças e não se pronunciasse sobre o feitio e forma de ser do Réu, seu filho, ou sobre qualquer eventual doença, v.g., esgotamento, etc.
Não nos parece minimamente credível que esta testemunha refira em Tribunal que não sabe se ele, Réu, alguma vez agrediu a Autora, nem que demonstre reiterado desconhecimento sobre as razões alegadas para tais desavenças.
Repare-se que quando a instâncias da Ilustre Advogada da parte contrária, lhe foi perguntado, directamente: “mas o seu neto não fez uma queixa na polícia contra o pai (o seu filho), ” (por causa das agressões à mãe?), a testemunha respondeu nos mesmos termos evasivos: “não sei, ele (o neto) andava também muito excitado… mas não sei de nada… eles é que sabem” …
Ou seja: a testemunha – que é a avó, e uma avó presente – sabe que o neto “andava muito excitado” (estamos a falar de um rapaz de 18/19 anos naquela data), sabe que ele, seu neto, sai de casa conjuntamente com a sua mãe, abandonando a casa de morada da família e deixando o pai sozinho, mas mesmo assim continuou a invocar desconhecimento sobre as razões que terão motivado tal tomada de atitude e a que se ficou a dever toda essa “excitação”…
Trata-se, pois, de um depoimento que não merece qualquer credibilidade, pois além de não convincente, foi sempre bastante evasivo e lacunar.
Salienta-se ainda que a testemunha referiu que: “ela, a M... (a Autora), esteve fora um ano e depois voltou… mas eu agora não vou tanto lá a casa…”
Para depois concluir, conforme se referiu supra, que “sou eu que lavo a roupa ao meu filho… e vou lá buscar a roupa…”, reportando-se ao momento actual.
2. A prova produzida foi esclarecedora: das 4 testemunhas que depuseram em audiência de julgamento – três foram arroladas pela Autora – e apenas uma pelo Réu – a citada testemunha M..., sua mãe. E conforme se concluiu no ponto anterior, o depoimento produzido por esta última testemunha, e única do Réu, não mereceu credibilidade, pelas razões aduzidas supra.
Destarte, a prova que se fez em julgamento foi a da versão apresentada pela Autora que requereu o seu divórcio com fundamento, também, na ruptura definitiva do casamento, dada a sua vontade em não retomar a vida de casada com o Réu e de pôr fim definitivamente ao casamento que une ambos entre si.
3. Provados os factos que os autos retractam dúvidas não se levantam sobre a justeza da pretensão da Autora de ver alterada a matéria de facto em face da prova produzida.
Dela resulta, de forma inequívoca, que:
1. A Autora não quer viver mais com o Réu, nem manter a sua situação de casada;
2. A Autora faz vida independente do Réu – e não partilha cama com ele – nem tem o propósito de retomar a vida em comum com o Réu, enquanto marido e mulher;
3. A Autora não lava a roupa do Réu;
4. A Autora desloca-se a casa dos seus familiares – seus pais – onde pernoita, dormindo e comendo durante dias, e muitas vezes, com ou sem o filho, mas nunca com o Réu;
5. A Autora só voltou para casa por causa do filho e se encontrar desempregada;
6. O pai da Autora dá-lhe mensalmente dinheiro, a esta e ao filho, para assegurar as suas despesas;
7. Pouco tempo após o casamento, o Réu teve comportamentos agressivos contra a Autora, chegando a agredi-la;
8. Em Janeiro de 2012, a A., com receio de ser agredida, mais o seu filho, decidiu abandonar a casa de morada de família.
Tais factos, porque provados, serão aditados à matéria de facto e ajustados os restantes factos que com eles colidam, bem como eliminados os que se mostram em oposição.
4. Em face do que antecede, não se pode manter o ponto 22º, porquanto além de não se ter provado, o seu teor mostra-se contraditório e em oposição ao circunstancialismo fáctico apurado e até em colisão com a propositura da presente acção.
A maior prova de que a Autora não pretende manter a vida em comum com o Réu, nem o casamento que os une, extrai-se da própria essência da razão de ser da presente acção. Caso contrário, não faria sentido que tivesse vindo a juízo requerer o seu próprio divórcio e que reiterasse a sua vontade de se divorciar – cf. requerimento junto aos autos de fls. 109, datado de 10/12/2013.
E essa manifestação livre de vontade, numa coragem que é de realçar, para quem depende ainda economicamente do seu próprio marido, e com quem até ainda partilha a casa, vivendo debaixo do mesmo tecto, nas circunstâncias que se apuraram, não pode o Tribunal escamoteá-la ou deixar de extrair o respectivo alcance.
O casamento, conforme uma das testemunhas que depôs bem salientou, alertando, desse modo, o Tribunal “a quo” para tal facto, exige a vontade de duas pessoas e não apenas a de uma, ou a imposição de uma sobre a outra.
Inexistindo esse consenso, essa vontade, não querendo uma delas manter esse vínculo, não pode o Tribunal desvalorizar essa vontade, minimizá-la ou anulá-la.
Estamos no âmbito do foro pessoal, da intimidade das pessoas e, por conseguinte, não pode o Estado deixar de exercer o seu papel de dirimir os conflitos, regulando-os e pondo-lhes fim, para que não atinjam proporções maiores ou redundem em situações dramáticas e irremediáveis…
Se já anteriormente às alterações da lei do divórcio estes princípios se mostravam basilares, actualmente, com a nova lei, interpretação diversa daquela que aqui assumimos constitui violação frontal à ratio e à letra da lei, que, como é sabido, alterou profundamente o paradigma então vigente quanto ao fim e ruptura do casamento, introduzindo mudanças significativas no regime jurídico do divórcio litigioso.
A ponto de legalmente se permitir que seja decretado o divórcio quando se verifique a ruptura definitiva do casamento independentemente de culpa.
Por isso se estranha que, não exigindo hoje a lei – a Nova Lei do Divórcio, Lei nº n.º 61/2008, de 31 de Outubro – a ideia de culpa, pois aboliu no divórcio litigioso a necessidade da prova da culpa, para dissolução do casamento por divórcio, numa demonstração clara de que a manifestação de vontade do cônjuge, que não pretende manter o vínculo conjugal, é relevante, queira o Tribunal “a quo”, através da sua decisão, manter um casamento que, de acordo com o quadro fáctico provado, já nem existe enquanto tal, porquanto as partes não dormem um com o outro, e fazem vida independente um do outro.
5. Com efeito, de acordo com a Nova Lei do Divórcio, o legislador consagrou a ruptura definitiva do casamento – como fundamento e causa de obtenção do consequente divórcio – mesmo sem consentimento de um dos cônjuges, nomeadamente quando:
1. Exista separação de facto por um ano consecutivo – cf. nova redacção do art. 1781º do CC, e sua alínea a);
2. Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento – cf. alínea d) da citada norma do CC.
Ora, em sede de audiência de tentativa de conciliação, a própria Autora declarou em Tribunal que “não faz vida em comum com o Réu. Ficou desempregada e não tem como pagar uma renda, assim voltou para a casa de morada de família” – cf. fls. 100.
O retorno a casa aconteceu, não para viver com o Réu – já que não faz vida em comum com ele – mas sim por não ter um espaço para viver, por impossibilidade de pagar uma renda e por causa do filho.
E reiterou o seu desejo de se divorciar do Réu quando declarou no seu requerimento de fls. 109, que “a Autora e o Réu não fazem vida de casal, dormem em quartos separados e cada um segue a sua vida como bem entende”.
Quer isto dizer que o regresso a casa por parte da Autora, nas circunstâncias apuradas – estar desempregada, não ter dinheiro para pagar uma renda, e o seu filho precisar do seu apoio – não pode servir para anular a vontade da Autora, aqui reiterada, e bem expressa, no sentido de que não faz vida com o Réu, nem a quer fazer.
Por conseguinte, no quadro fáctico e legal descrito nos autos, o Tribunal “a quo“ não carecia de mais elementos para decretar o divórcio requerido.
E não o tendo feito, a sentença terá de ser revogada, procedendo o presente recurso.
7 – Como factos provados fixam-se os seguintes:
1. A. e Réu contraíram matrimónio no dia 11 de Julho de 1992.
2. A A. foi agredida pelo Réu quando se encontrava grávida do filho de ambos, o qual tem presentemente mais de 19 anos de idade e foi agredida numa outra data não concretamente apurada, quando o filho teria entre 2 a 4 anos de idade.
3. E da primeira vez, deu até entrada no Hospital de Cascais para ser assistida.
4. No dia 3 de Janeiro de 2012, a A. saiu da casa de morada de família e a ela regressou a 1/8/2013.
5. Para proporcionar conforto familiar, o R. contraiu dívidas que ascendem aos 570.000 euros, dos quais, 435.000 euros referentes à hipoteca da casa da Beloura, 90.000 euros da hipoteca de um terreno em Bicesse, 35.000 euros do veículo automóvel do Réu e 16.000 euros de um veículo automóvel que o Réu adquiriu para o filho Duarte.
6. Acresce que, para além das dívidas referidas supra, o pai do Réu teve de vender a casa de S. João do Estoril que era sua para comprar o terreno da moradia onde o Réu construiu, por administração directa na Quinta da Beloura II, Rua ...
7. Para financiar a vida de quase 11 anos na Quinta da Beloura II, o pai do R. teve de vender uma casa em S. Pedro do Estoril que entretanto construiu e o terreno ao lado da casa da Quinta da Beloura II que também era seu.
8. Desde a mudança do agregado familiar para a moradia na Quinta da Beloura, há cerca de 11 anos, que a Autora e o filho levaram uma vida de grandes gastos económicos.
9. Para além destes gastos, o Réu e a Autora passaram a trocar de carro regularmente.
10. O Réu, por amor, habituou a Autora a uma vida de conforto que, com a actual crise económica viu-se obrigado a mudar.
11. Perante as dificuldades económicas sentidas, o R. pediu à Autora e ao filho para irem trabalhar em empregos que o R. tentaria arranjar através do cunhado.
12. A Autora reencontrou antigos colegas de escola secundária, da Escola ...
13. A Autora passou a contactar com esses colegas, passando a conviver regularmente com estes.
14. A Autora começou a fazer vida como se não fosse casada com o Réu, saindo à noite, navegando na Internet.
15. Na passagem do ano de 2011, a Autora insistiu com o Réu e o filho, para irem passar essa noite com o grupo dos seus antigos colegas de escola.
16. Réu e filho acederam ao pedido, tendo ido passar a referida noite com o grupo dos amigos da Autora na Costa da Caparica.
17. No dia 2 de Janeiro de 2012, sem dar qualquer explicação ao Réu, a Autora saiu de casa.
18. Réu e filho continuam a residir na casa da Quinta da Beloura II, Rua ...
19. No dia 1 de Agosto de 2013 a Autora regressou a casa onde residia com o Réu.
20. O Réu suporta despesas do agregado familiar, e cuida da sua alimentação, fazendo o almoço e o jantar, e preparando as suas refeições.
21. A A. está desempregada.
22. A. e R. dormem em quartos separados.
23. Pouco tempo após o casamento, o Réu teve comportamentos agressivos contra a Autora, chegando a agredi-la.
24. Em Janeiro de 2012, a A., com receio de ser agredida, mais o seu filho, decidiu abandonar a casa de morada de família.
25. A Autora não quer viver mais com o Réu, nem manter a sua situação de casada.
26. A Autora faz vida independente do Réu, e não partilha cama com ele.
27. A Autora não lava a roupa do Réu.
28. A Autora desloca-se a casa dos seus familiares – seus pais – onde pernoita, dormindo e comendo durante dias, e por vezes com o filho, mas nunca com o Réu.
29. O pai da Autora dá-lhe mensalmente dinheiro, a esta e ao filho (seu neto), para assegurar as suas despesas.
30. A Autora só voltou para casa por causa do filho e se encontrar desempregada.
III – O Direito
Os factos provados são reveladores da vontade inequívoca da Autora pôr termo à sua relação conjugal com o Réu e ao seu casamento.
Essa vontade, no quadro fáctico descrito, e nos termos legais já salientados em pontos anteriores, para cuja fundamentação, nesta parte se remete, não podem deixar de ser valorados pelo Tribunal e dão direito à Autora a obter o divórcio, por força do preceituado na Nova Lei do Divórcio, Lei nº n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que alterou a redacção do art. 1781º do CC, maxime, a sua alínea d).
Razão pela qual se impõe a revogação da sentença recorrida e se julga procedente o recurso interposto pela Autora, com as legais consequências: decretando-se o divórcio da Autora com fundamento na ruptura definitiva do casamento independentemente de culpa.
IV – Em Conclusão:
1. O casamento exige a vontade de duas pessoas e não apenas a de uma ou a imposição de uma sobre a outra. Inexistindo esse consenso, essa vontade, e não querendo uma delas manter esse vínculo, não pode o Tribunal desvalorizar essa vontade, minimizá-la ou anulá-la.
2. Actualmente, a Nova Lei do Divórcio, Lei nº n.º 61/2008, de 31/10, alterou profundamente o regime jurídico do divórcio litigioso até então vigente, permitindo que o divórcio seja decretado com fundamento na ruptura definitiva do casamento, independentemente de culpa.
V – Decisão:
- Termos em que se acorda em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e decreta-se o divórcio entre a Autora e o Réu, identificados nos presentes autos, pondo fim ao casamento celebrado entre ambos.
- Custas da Apelação a cargo do Réu.
Lisboa, 30 de Outubro de 2014.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins