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ARROLAMENTO
DEPOSITÁRIO
Sumário
- O arrolamento, que consiste na descrição, avaliação e depósito de bens, tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando a sua conservação. - No arrolamento preliminar do divórcio são arrolados o bens que pertencem ao casal. - Embora pretenda prevenir o perigo de extravio ou dissipação de bens pertencentes ao património do casal, atento o seu fim especial, atinge o seu objectivo com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário. - O arrolamento de depósitos bancários não invalida a sua possível movimentação pelo seu titular, já que este arrolamento especial não pretende impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas obviar ao seu extravio ou dissipação, o que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens. - Assim, deve ser nomeado depositário o titular da conta bancária. (sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A intentou contra seu marido, B , procedimento cautelar especificado de arrolamento como preliminar a acção de divórcio
Pediu o arrolamento da casa de morada de família: benfeitorias urbanas em prédio urbano que identifica, recheio da casa de morada de família, que discrimina, de automóveis, e de contas bancárias, sem a audição prévia do requerido, que frustraria o fito da providência.
Alegou que ser casada com o requerido em regime de comunhão de adquiridos desde 10 de Setembro de 1993, tem filhos menores, e pretende a dissolução do seu casamento porque o marido teve relacionamentos extraconjugais, agrediu-a fisica e psicologicamente, como aos filhos, pelo que a requerente já saiu da casa de família com os filhos, além de que o requerido levantou dinheiro das contas sem o aplicar em proveito comum do casal nem dos filhos, antes em seu proveito dele, e sem conhecimento ou autorização da requerente.
Foi proferida decisão que decretou o arrolamento dos bens indicados, a. saber: casa de morada de família: benfeitorias urbanas no prédio urbano que identifica, - recheio da casa de morada de família, que discrimina, . - automóveis identificados, - e saldos das contas bancárias: tudo identificado de folhas onze a doze, e cinquenta e sete a cinquenta e oito.
Inconformado, B recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
1.Face ao que está plenamente provado nos autos(Certidões do Registo Automóvel) o Recorrente/Requerido é o presumível proprietário dos veículos C e D e esse direito de propriedade compreende o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição dos veículos automóveis
2.Pelo que, nada tendo a Recorrida/Requerente alegado sobre qual dos cônjuges era o possuidor ou detentor dos veículos, face a supra referida presunção de propriedade, nada permitia ao Tribunal recorrido concluir que não fosse o. Recorrente /Requerido o possuidor dos veículos,
3.Por esse motivo, deveria ser o Recorrente /Requerido nomeado depositário dos veículos aí arrolados. Só assim não seria se fosse reconhecida a existência de manifesto inconveniente em que lhe fossem entregues, de acordo com o disposto no n.° 1 do art.º 408.°.
4./Sucede que tal manifesto inconveniente não foi sequer invocado, não sendo para tal suficiente o genericamente afirmado no n.°s 27 e 29 do requerimento inicial (a requerente receia que o Requerido /Recorrente venda os veículos).
5.Ora, a sentença recorrida nada adianta sobre a questão, sendo certo que não basta um qualquer inconveniente, presumido ou potencial, exigindo-se que este seja manifesto.
6.Os elementos de facto constantes dos autos permitem, assim, concluir pela preterição do critério legal de deferimento do cargo de depositário, estabelecido no n.° 1 do artº 408.° do CPC., quanto aos veículos automóveis.
7.Deve por isso a sentença recorrida ser revogada determinando-se a substituição da Recorrida/Requerente pelo Recorrente/Requerido no cargo de depositário dos veículos automóveis arrolados nos autos
8.Por outro lado,
9.0 art. 406.º n.° 1 do CPC, determina que o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.
10. Com a Providência Cautelar de Arrolamento, no concreto enfoque de preliminar ou incidente da acção de divórcio, pese embora visar e prevenir eventualmente o perigo de extravio ou dissipação dos bens pertencentes ao património do casal, considera-se satisfeito, atento o seu fim essencial, com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário.
11.0 arrolamento constitui assim uma operação descritiva e relacionativa de bens pertencentes aos cônjuges, existentes em determinado momento, concretamente na ocasião do auto de arrolamento - art. 406.°, nº2, do CPC -, donde resulta que não tem como finalidade, nem principal nem secundária uma apreensão efectiva destes bens, com a consequente retirada do domínio efectivo dos respectivos titulares,
12. O decretamento de uma Providência Cautelar de Arrolamento como preliminar ou incidente de uma acção de divórcio não impede que os conjugues possam continuar a dispor dos bens arrolados, no caso concreto dos saldos das contas. Os possuidores ou detentores dos bens, serão o/os titular/titulares da conta / contas a arrolar.
13. Por isso, atento a particularidade do arrolamento em causa, instaurado como preliminar da acção de divórcio, não será de aplicar, quando haja arrolamento de contas bancárias, o art. 780 do CPC,.
14. Deste modo, podemos retirar do normativo citado (n.° 2 do art. 406.°), que o possuidor ou detentor dos bens será o próprio titular da conta, ficando este corno depositário.- Ele ou eles(os titulares) serão os responsáveis e sobre ele ou eles recaem os deveres impostos pelos artigos 1187º do CC, 760.° n.°1.e 76l.° do CPC.
15. Assim o facto de as contas estarem arroladas, não impossibilita os seus titulares de as movimentarem. É que a providência de arrolamento de bens ,como preliminar ou incidente de acção de divorcio, tem como escopo último a descrição e determinação da existência dos bens arrolados e não evitar o gozo e utilização desses mesmos bens.
16. Os depósitos bancários, para ficarem arrolados, não necessitam de ser colocados à ordem do tribunal, pois tal implicaria que os cônjuges ficassem impedidos de os utilizar.
17. Assim, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a Recorrida/Requerente como depositária dos bens arrolados que estão nas instituições bancárias, concluindo-se pela possibilidade de o respectivo titular (neste caso o Recorrente/Requerido),movimentar as contas e respectivos saldos bancários,
Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida.
Cumpre decidir
O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando a sua conservação. Segundo Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, vol.II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 1981, pág. 105 « se uma pessoa pretende tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forme definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (...) do arrolamento »
No arrolamento preliminar do divórcio, são arrolados os bens que o requerente alega pertencerem ao casal, sendo descritos para conservação os bens existentes à data da sua realização, podendo ser requerido como preliminar ou incidente da acção de divórcio.
Nos temos do art. 427, nº1, do CPC qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro, não sendo necessário demonstrar o justo receio de extravio, ocultação e dissipação (art. 427, nº3, do CPC).
O arrolamento tem ainda como objectivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no caso de se proceder a inventário, em que o auto de arrolamento serve de descrição, conforme estipula o art. 426, nº3, do CPC.
A providência cautelar de arrolamento, no concreto enfoque de preliminar da acção de divórcio, pese embora visar prevenir o perigo de extravio ou dissipação de bens pertencentes ao património do casal, considera-se satisfeito, atento o seu fim essencial, com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário.
Consiste assim numa operação descritiva e arrolativa de bens pertencentes aos cônjuges, existentes em determinado momento, concretamente na ocasião do auto de arrolamento (art, 424 do CPC, não tendo por finalidade uma apreensão efectiva dos bens, com a consequente retirada do domínio efectivo dos respectivos titulares.
O arrolamento dos bens de cônjuges, designadamente de depósitos bancários, não inviabiliza a sua possível movimentação pelo seu titular. Com este arrolamento especial não se pretendeu impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas apenas obviar o seu extravio ou dissipação, que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens.
Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 123, diz que : “há dois interesses em conflito: o do requerente, no sentido de se proceder à apreensão judicial dos bens ; o do possuidor ou detentor, no sentido de se manter o statu quo. Se o interesse do primeiro merece protecção, não a merece menos o interesse do segundo. É dizer que, se é justo o decretamento do arrolamento necessário, é igualmente justo que não se autorize uma apreensão de bens sem base séria. Arrolar bens quando não haja receio de extravio ou dissipação é impor ao possuidor uma violência injustificada.”
Com o arrolamento não se pode pretender prejudicar o gozo e utilização normal que os bens possibilitam, daí que o depositário seja sempre o seu possuidor ou detentor. Só em casos excepcionais, havendo manifesto inconveniente, é que os bens são retirados da disponibilidade do seu possuidor.
Pode assim dizer-se que, em regra, no arrolamento, os bens continuam a prestar ao seu detentor o gozo e utilidade que os caracteriza.
Quem tem interesse em opor-se à providência é o possuidor ou detentor, uma vez que, com o arrolamento, deixará de possuir o bem arrolado em nome próprio, passando a detê-lo em nome alheio e com especiais deveres (art. 843º do C.Civil) (Cfr Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, pág. 170, donde decorre que considera que nos casos abrangidos pelo art. 426, nº2, do CPC, é depositário possuidor ou detentor dos bens, o requerido no procedimento cautelar, a menos que tal seja manifestamente inconveniente.
Rodrigues Bastos , em Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 3ª edição, pág.206, diz que o depositário, em regra, deve ser o outro cônjuge, face à sua qualidade de administrador dos bem arrolados, independentemente de vir a a exercer ou não as funções de cabeça de casal no eventual inventário subsequente ao divórcio.
O arrolamento preliminar do processo de divórcio a lei prescinde da alegação e prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (art. 427 do CPC), tendo em vista com a descrição, avaliação e depósito dos bens, não deixando estes de produzir as utilidades para que estão vocacionados nem havendo lugar à privação da sua posse.
Sendo arrolados veículos, não podem ser apreendidos os respectivos documentos nem pode ser proibida a sua circulação.
No Ac R.P. De 29.09.93, CJ 2003, IV, pág. 167, foi decidido que “Arrolado um veículo automóvel em procedimento cautelar preliminar de acção de divórcio, de que o requerido foi constituído depositário, não podem ser apreendidos a este os documentos desse veículo, nem ele ser proibido de o conduzir.
Apesar do art. 424, nº5, do CPC estipular que ao arrolamento são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta subsecção ou a diversa natureza das providências, dado as características especiais deste arrolamento, que se basta com o cumprimento do disposto no nº1, do art. 424 do CPC, descrição, avaliação e depósito dos bens, não se aplica o disposto no art. 851, nº2, do CPC.
Na penhora de depósitos bancários vigora o estabelecido no art. 861-A do CPC, que, por sua vez, remete para as normas da penhora de créditos do art. 856 do CPC
O art. 426, nº1, do CPC indica como depositário dos bens arrolados a pessoa a quem deve caber a função de cabeça de casal, quando haja de proceder a inventário a pessoa a quem deve caber a função de cabeça de casal e, segundo o nº2 do mesmo artigo, nos outros casos, o depositário será o próprio possuidor ou detentor dos bens. No caso de depósitos bancários, os possuidores ou detentores dos bens, serão o titular/titulares da conta ou contas a arrolar.
Atenta a especial particularidade do arrolamento prelimar da acção de divórcio, não será de aplicar, quando haja arrolamento de contas bancárias, o art. 861- A do CPC, designadamente, as suas alíneas 5, 8 e 9.
Assim, resulta do art. 424 , nº2, do CPC que o possuidor ou detentor dos bens, será o titular ou os titulares da conta, ficando este ou estes como depositário, sendo o responsável e sobre quem recai os deveres impostos pelos artigos 1187º do CC e 843, nº1 e 845 do CPC.
Como é referido no Ac. RP de 31 de Maio de 2004, CJ, Tomo IV, pág. 186, com este arrolamento não pretendeu o legislador impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos cônjuges, isto é, não se pretendeu que os bens ficassem impedidos de os utilizar, levantando ou movimentando as quantias depositadas , podendo os cônjuges continuar a dispor dos bens arrolados ainda que depositados em contas bancárias.
O arrolamento das contas bancárias consiste na descrição e avaliação das contas e saldos das mesmas, sendo determinado e fixado o montante existente nas contas bancárias à data do arrolamento.
O titular da conta, o cônjuge depositário, prestará contas da sua função de depositário, na medida em que as contas bancárias, nos termos do art. 1187 do C.C e 843, nº1 e 845, do CPC.
Assim deve o titular das contas bancárias ser nomeado depositário.
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, nomeando depositário das contas o Recorrente.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 12 de Novembro de 2014