- O direito de regresso conferido ao garante contra o importador-exportador existe sempre quer este tenha entregue o montante devido às Alfândegas ou não a outro que não o credor garantido.
(sumário elaborado pelo relator)
I - RELATÓRIO
A presente acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias ( valor superior à alçada da 1ª instância ) teve origem em injunção requerida em 18-X-13 por Banco ... contra M... sendo pedida a notificação da Ré para pagar a quantia total de 15.462,35€ (Capital € 13.765,98 Juros de mora € 1.410,45 (...) Outras quantias € 56,42 Taxa de justiça paga € 229,50).
O Banco Autor formulou a seguinte exposição de factos:
O Banco Requerente emitiu, em 3 de Abril de 2006, uma garantia bancária, identificada com o nº 325776, a pedido de J..., até ao montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a favor da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA, para garantia do pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora, pelo qual, no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, seja responsável J.., pessoa colectiva ..., com sede em Lisboa.
Aquele Despachante Oficial procedeu a desalfandegamento de mercadorias a pedido e por conta da Requerida, a que se refere a declaração aduaneira, datada de 2.1.2012.
Porém, nem ele, nem a Requerida, pagaram à Direcção Geral das Alfândegas, os direitos e demais imposições a esta devidas, pelo desalfandegamento das referidas mercadorias, abrangidos pelo sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, no total de € 13.765,98 (treze mil, setecentos e sessenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos).
Por isso, a Direcção Geral das Alfândegas, para ser paga daquele valor, accionou a garantia bancária e o Requerente, honrando a mesma, pagou-lhe aquele montante.
A J..., entidade que solicitou ao Requerente a emissão da garantia bancária, não reembolsou aquele valor ao Requerente, tanto mais que foi declarada insolvente em 23.04.2012, no processo que sob o nº 634/12.0TYLSB, que corre termos pelo 4.° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.
O nº 1 do artigo 2.° do referido Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, prescreve que "no âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante oficial age em nome e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem se declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis".
E, atendendo a essa responsabilidade solidária, veio o nº 2 do artigo 2.° do mesmo diploma estabelecer que o "despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas".
O Requerente por carta de 26 de Junho de 2012 interpelou a Requerida para reembolsar o Requerente do valor de € 13.765,98, que aquele, honrando a garantia bancária, entregou à Direcção Geral das Alfândegas.
A Requerida apesar de ter recebido aquela interpelação, nada pagou, tendo-se constituído em mora.
Citada, a Ré contestou. Alega a Ré que pagou a quantia reclamada, não a pagou à Direcção Geral das Alfândegas mas sim à D... empresa de transitários que trabalhava com o despachante oficial J.... Assim, a Requerida não teve qualquer contacto com aquele despachante.
Alega que no caso, a Garantia Bancária foi accionada pela Direcção Geral das Alfândegas por incumprimento do Despachante Oficial que apesar de receber o valor necessário e suficiente para proceder ao desalfandegamento das mercadorias, não o fez. Assim, e de acordo com o texto da garantia, a mesma foi emitida para assegurar o pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora, pelos quais o Despachante Oficial seja responsável, o que é o caso. O nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, foi especialmente pensado para os casos em que a entidade importadora não pagou os direitos e demais imposições a que estava obrigada. Ora a Ré pagou e pagou em tempo. O Banco Autor ao invocar no seu requerimento inicial o artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto faz uma interpretação deste artigo que peca por ultrapassar o pretendido pelo legislador e ainda a interpretação do preceito feita por alguma jurisprudência sobre esta matéria. Vejamos, feito o desalfandegamento das mercadorias com recurso ao sistema de caução global, o despachante oficial (que age em nome próprio e por conta de outrem) que não procede ao pagamento e o importador da mercadoria (como directa e imediatamente) nos termos daquele diploma constituem-se solidariamente responsáveis pelo pagamento.
Por outro lado, a garantia bancária emitida pelo Banco Autor (garante) a pedido do despachante (devedor) destina-se a assegurar os direitos e demais imposições devidos à Direcção Geral das Alfândegas (credora). Quando o Banco Autor efectua o pagamento às Alfândegas fica sub-rogado nos direitos das Alfândegas. Esse direito é reconhecido pela lei ao Banco Autor conforme se pode verificar pelo nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88 onde se estabelece que o "despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas...". O direito de regresso reconhecido ao Despachante Oficial pressupõe obrigatoriamente que aquele tenha feito esse pagamento à Direcção Geral das Alfândegas mas que não tenha antes recebido tal valor da empresa importadora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-1998, "uma vez que, nas relações entre os co-devedores solidários, são oponíveis os meios de defesa de ordem pessoal, em que se inclui a anterior entrega do dinheiro...".
Não faz sentido, no que respeita ao Banco Autor ou a qualquer entidade garante, que lhes seja atribuído um direito de demanda contra a empresa importadora sem que se verifique o pressuposto da falta de entrega do montante para desalfandegamento. Neste caso, a Ré pagou o montante reclamado mas o despachante não efectuou o pagamento dos referidos direitos, vindo o pagamento a ser feito pelo Banco Autor. O direito de regresso deve pois ser exercido pelo Banco contra o despachante oficial, por conduta ilícita (artigos 483º e 762º, nº2 do Código Civil) e por lhe serem oponíveis as excepções que o importador poderia deduzir contra o despachante (artigo 525º, nº l do Código Civil).
O Banco Autor vem ainda invocar que a sociedade J... foi declarada insolvente e portanto não reembolsou o Requerente dos valores pagos à Direcção Geral das Alfândegas no âmbito da Garantia Bancária emitida a pedido daquele. A Ré desconhece em que fase se encontra o processo de Insolvência e se o Banco Autor reclamou o seu crédito junto daquele processo. Caso tal tenha acontecido (como é provável em situações de normal diligência) o Banco Autor pode vir a receber os valores a que se arroga no âmbito do processo de Insolvência. A ser assim, a decisão sobre a reclamação de créditos no processo de insolvência assume-se como prejudicial relativamente ao presente processo. Deve o Banco Autor juntar aos autos certidão do estado do processo de insolvência.
Em todo o caso, a Ré reitera nada dever ao Banco Autor seja a que título for.
Conclui pela improcedência da pretensão do Banco Autor.
*
O processo seguiu a forma de processo comum. Em sede de audiência prévia foi saneado.
O valor da acção foi fixado em € 15.462,35- fls. 40.
Enunciaram-se os temas da prova.
Em sede de audiência de discussão e julgamento as partes aceitaram factos de entre os alegados. A produção de prova oral foi prescindida. Houve alegações das partes.
Lavrou-se douta sentença.
Deram-se como provados, por acordo prévio das partes (artigo 574.°, nº2 do C.P. Civil) e por relevantes os seguintes factos:
1 - Em 3 de Abril de 2006 o Banco Autor emitiu, a pedido da J... a garantia bancária n° 325 776 junta a fls. 9v, a favor da D.G.A.I.E.C. - D.R.C.C.A. de Lisboa, cujo teor é o seguinte:
GARANTIA BANCÁRIA N°. 325 776
O Banco ..., declara pelo presente documento prestar a favor da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA, uma Fiança Bancária até ao montante de Eur. 1.000.000,00 (Um milhão de euros), para garantia do pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora pelo qual, no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88 de 24 de Agosto, de que seja responsável J..., contrib. Nº…, com sede em Lisboa.
Mais se declara que pela presente garantia se obriga como principal pagador, com expressa renúncia ao beneficio de excussão, comprometendo-se ainda ao primeiro pedido da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA e sem necessidade de qualquer outra consideração, a pagar, no prazo de 8 (oito) dias a contar da data da recepção do referido pedido, todas as quantias cujo pagamento seja da responsabilidade de J....
O valor total da presente garantia é pois de até Eur. 1.000.000.00 (Um milhão de euros) e é válida pelo período de 1 (um) ano, a contar da data da sua emissão, sendo sucessiva e automaticamente renovável por iguais períodos de tempo, salvo denúncia prévia da entidade garante, com a antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.
Lisboa, 3 de Abril de 2006.
...
2 - Em 18-XI-11 a Ré pagou à D... a quantia total de 13.767,73€ (fls. 11) - referente à factura junta a fls. 10v (cujo teor se dá aqui por reproduzido, e relativa a "IVA Importação").
3 - Em 14-XII-11 a D... pagou à J... a quantia total de 87.835,57€ (fls. 12v-13) - onde se incluiu o valor de 15.335,95€ referido na factura junta a fls. 11v (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
4 - A J... procedeu ao desalfandegamento das mercadorias supra, por conta da Ré.
5 - Os direitos devidos pelo desalfandegamento das mercadorias supra não foram pagos à D.G.A. pela J... ou pela Ré.
6 - A D.G.A. accionou a garantia bancária - tendo o Banco Autor pago, em 2- II-12, a quantia total de 13.765,98€ (fls. 10).
7 - A J... não pagou ao Autor a quantia supra - tendo sido declarada insolvente em 23-IV-12 no 4° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.
8 - Em 26 de Junho de 2012 o Banco Autor enviou à Ré a carta junta a fls. 9 a 10 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) - não tendo a Ré efectuado o pagamento.
9 - Em 21 de Novembro de 2012 o Advogado da Ré enviou ao Banco Autor a carta junta a fls. 13v (cujo teor se dá aqui por reproduzido)
*
No final, em sede de aplicação do direito a estes factos, concluiu-se pela obrigação da Ré entregar ao Banco Autor a quantia que este pagou à Alfândega. Considerou-se que a esta quantia acrescem juros de mora, à taxa supletiva comercial, contados desde a data do termo do prazo concedido à R. para pagamento na carta de interpelação (10-VII-12 - ponto 8) até à data de entrada do requerimento de injunção (conforme peticionado) - que se liquidam em 1.359,43€. Acrescentou-se que tanto quanto foi possível verificar, não há lugar ao pagamento de imposto de selo sobre juros de mora (e, a existir, só será devido depois de a Ré efectuar o pagamento de tais juros ao Banco Autor) - pelo que a Ré não deve ser condenada no pagamento da quantia de 56,42€.
E na sequência, no dispositivo da peça, condenou-se a Ré a pagar ao Banco Autor a quantia total de quinze mil cento e vinte e cinco euros e quarenta e um cêntimos.
As custas foram fixadas na proporção dos respectivos decaimentos (CPC 527°).
*
Inconformada, recorre a Rè. O recurso é admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo da decisão – fls. 89.
A Apelante alega.
CONCLUSÕES DO RECURSO da Apelante:
A Apelante conclui assim a motivação da sua apelação:
A. A decisão proferida na 1 ª Instância e de que agora se recorre interpretou e aplicou de forma incorrecta o artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88, de 24 de Agosto e com especial incidência o nº 2 desse artigo.
B.
Entende-se por isso que, feito o desalfandegamento com "utilização do sistema de caução global", o despachante oficial (que age em nome próprio e por conta de outrem mas não procede ao pagamento) e o importador da mercadoria (como directa e imediatamente responsável) fiquem constituídos como "solidariamente responsáveis pelo pagamento ... " (nº 1 do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88 de 24 de Agosto).
C
Da mesma forma, constituída garantia bancária, a favor das Alfândegas, como beneficiária, e em que a entidade garante assegura o pagamento dos direitos e demais imposições, pelos quais seja responsável o despachante oficial, nos termos do artigo 1 º do Decreto-Lei nº 289/88, efectuado o pagamento pela entidade garante, esta goza, de direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogada em todos os direitos das alfândegas (nº 2 do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88), o mesmo acontecendo no caso do despachante efectuar o pagamento mas apenas nos casos em que a entidade importadora não tenha procedido ao pagamento desses valores.
D.
O direito concedido ao despachante naquela disposição legal é, efectivamente, um direito de regresso, e pressupõe, de modo necessário, que ele tenha feito o pagamento à Alfândega (ou à entidade garante) mas que antes não tenha recebido o respectivo montante da importadora, uma vez que, nas relação entre os co-devedores solidários, são oponíveis os meios de defesa de ordem pessoal, em que se inclui a anterior entrega do dinheiro ou pagamento (art. 524º e seguintes do Código Civil).
E.
O direito de contenda concedido ao "despachante oficial ou a entidade garante" contra a importadora pressupõe a falta de entrega do montante necessário para o desalfandegamento por aquela e esse é um pressuposto inultrapassável tanto para o despachante oficial como para a entidade garante (nº2 do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88).
F.
De facto aquela disposição não faz qualquer distinção entre a situação do despachante e a da entidade garante, e neste caso, aquela age em nome ou em substituição do despachante (por conta de quem faz o pagamento), pelo que o incumprimento do despachante oficial faz parte do risco que o Banco assumiu, sendo que a falta de pagamento dos valores correspondentes aos direitos alfandegários por parte da importadora, é também pressuposto inultrapassável e extensivo tanto ao despachante oficial como à entidade garante.
G
Ainda de acordo com o estabelecido no artigo 3º do Decreto - Lei nº 289/88, a caução global para desalfandegamento é prestada sob a forma de fiança bancária ou de seguro caução, ou seja, e como se encontra no texto da denominada "GARANTIA BANCÁRIA Nº. 325 776" a Recorrida prestou uma fiança bancária a favor da D.G.A.I.E.C - Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - D.R.CCA. de Lisboa - Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa para garantia do pagamento dos direitos alfandegários de que seja responsável o despachante oficial, e não a entidade importadora, que neste caso é terceiro.
H.
Também no sentido da posição defendida nestas Alegações de Recurso se pronunciou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, 1998, Volume III, Página 117, onde se concluiu que "o direito de regresso contra o importador de mercadorias desalfandegadas com utilização do "sistema de caução global" depende de esse importador não ter entregue ao despachante oficial o montante necessário ao pagamento dos direitos aduaneiros (art. 2º do Dec-Lei n. º 289/88, de 24/08)". E que ”no caso do importador ter feito a entrega desse montante mas o despachante não haver pago os referidos direitos, vindo o pagamento a ser efectuado pela seguradora, aquele direito de regresso (ou de sub-rogação legal) deve ser exercido por ela contra o despachante oficial, por conduta ilícita (art.s 483º e 782º, n.º 2 do Cód. Civil) e por lhe serem oponíveis as excepções que o importador poderia deduzir contra o despachante (art. 525º, n.º 1 do mesmo Código)".
I.
Nunca se poderia interpretar a norma estabelecida no nº2 do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88 como foi interpretada na decisão recorrida pois o despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ora, no caso, a importadora pagou ao despachante oficial os valores a pagar à DGA, como de resto consta da matéria de facto dada como provada; assim, quando a Recorrida pagou os valores à DGA fê-lo por conta do despachante oficial e não da Recorrente.
J.
A Recorrente pagou todos os valores a que estava obrigada não podendo por isso ser forçada a pagar duas vezes; muito menos poderia ser obrigada a fazê-lo por aplicação do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88, de 24/08 pois tal interpretação não resulta do teor do artigo.
K.
O nº 2 do artigo 2º do Decreto - Lei nº 289/88 apenas estabelece o direito de regresso nas relações imediatas, ou seja, entre garante e despachante ou entre despachante e importador.
L.
O próprio conceito de sub-rogação parece impor essa solução.
A não ser assim, há abuso de direito ou enriquecimento sem causa por parte da Recorrida.
Conclui pela revogação da sentença recorrida, e pela absolvição da ora Ré.
O Banco Apelado contra-motiva.
CONCLUSÕES da contra-motivação do Banco Autor:
O Apelado conclui assim em sua defesa:
1- O nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, estatui que "o despachante oficial ou a entidade garante (no caso dos autos o Autor) gozam de direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas”.
2- O Autor pagou à Direcção Geral das Alfândegas, ao abrigo da garantia bancária emitida para constituir caução global de desalfandegamento, nos termos do diploma citado, o montante de € 13.765,98, de impostos que eram devidos àquela instituição, em virtude do desalfandegamento de mercadorias importadas pela Ré.
3- E, por esse facto, por causa daquele pagamento, o Autor ficou sub-rogado em todos os direitos da Direcção Geral das Alfândegas, nomeadamente dos que vêm previstos no Decreto-Lei referido.
4- Entre eles, ficou sub-rogado no direito das Alfândegas de poderem exigir o pagamento de impostos e direitos aduaneiros devidos pelo desalfandegamento de mercadorias, quer ao despachante oficial, quer à pessoa por conta de quem aquele declara perante as alfândegas a pretensão do desalfandegamento das mercadorias.
5- Isto, porque nos termos do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei a que nos vimos referindo, "no âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante oficial age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis".
6- O direito de regresso dos valores pagos às Alfândegas, que o Autor reclama nos autos, está previsto na lei, mais concretamente no artigo 2º do Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto e, deste, não se pode retirar, de forma alguma, que esse direito fica precludido, caso o importador já tenha entregue os valores em causa ao despachante oficial.
7- Interpretar dessa forma a citada norma, seria lançar mão, como muito bem refere a douta sentença recorrida, de uma interpretação correctiva, que o artigo 9º do Código Civil não permite.
8- A situação é clara: perante a Direcção Geral das Alfândegas são, nos termos do Decreto-Lei referido, solidariamente responsáveis pelo pagamento de impostos e direitos aduaneiros devidos pelo desalfandegamento de mercadorias, duas entidades: o despachante oficial e a entidade por conta da qual este procedeu ao desalfandegamento.
No caso, o despachante oficial J... e a Ré.
Tendo o Banco Autor ficado sub-rogado nos direitos da Direcção Geral das Alfândegas, por ter sido ele a pagar a esta os impostos devidos pelo desalfandegamento das mercadorias feito por conta da Ré, pode exigir o reembolso do valor pago, a uma e/ou à outra entidade, porque ambas são solidariamente responsáveis pelo pagamento.
9- A entrega pela Recorrente do valor em causa ao despachante oficial não teve a virtualidade de constituir, por parte da Recorrente, o cumprimento da sua obrigação de pagamento do imposto à Direcção Geral das Alfândegas.
Como é por demais conhecido, quem paga mal, paga duas vezes.
10- Ora, se a Direcção Geral das Alfândegas podia exigir directamente à Recorrente o pagamento da quantia em causa, não obstante aquela ter entregue a mesma ao despachante oficial, é óbvio que tendo o Banco Autor ficado, por força do pagamento efectuado, sub-rogado em todos os direitos da Direcção Geral das Alfândegas, também ele tem o direito de exigir o pagamento à Recorrente.
Pugna pela manutenção da decisão recorrida.
*
Corridos que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. “Questões” não são razões, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir.
III – objecto do recurso
A questão a decidir implica saber se o Banco Autor pode vir exigir à Ré, importadora, o reembolso do que pagou à Alfândega no âmbito da Fiança Bancária que prestou, para garantia do pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora, no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, de que seja responsável J... sendo certo que a importadora já pagou ao despachante oficial, mas este não pagou à Alfândega, e por sua vez, foi declarado insolvente.
IV – mérito
Os factos a ter em conta são os dados como provados no 1º grau, já supra transcritos, para que se remete.
O DL 289/88, de 24/08, alterado pelo Decreto-Lei nº 294/92 de 30/12 e pelo Decreto-Lei nº 73/2001 de 26/2, e a que se refere ainda o Despacho Normativo Nº 78/88, de 23 de Setembro, veio rever o processo de desalfandegamento de mercadorias com vista a tornar mais célere a importação e a exportação. Nessa perspectiva, instituiu a caução global para o desalfandegamento, a qual veio simplificar o sistema de prestação de garantia e de pagamento dos direitos e demais imposições e, assim, reduzir substancialmente os prazos de entrega das mercadorias.
Nos termos do seu artigo 1º, 1 A caução global para desalfandegamento constitui garantia dos direitos e demais imposições relativos a declarações apresentadas pelo despachante oficial às alfândegas.
Nos termos do artigo 3º A caução global para desalfandegamento é prestada sob a forma de fiança bancária ou de seguro-caução.
Nos termos do artigo 5º, 1 O despachante oficial é responsável pela gestão permanente do saldo da caução global para desalfandegamento, devendo promover o respectivo reforço, nos termos do disposto no artigo seguinte, independentemente de notificação.
Nos termos do artigo 11º O termo de caução global para desalfandegamento, em qualquer das suas modalidades (fiança bancária ou seguro-caução), deverá obedecer ao modelo constante do anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante.
Dispõe o artigo 2° do DL 289/88, de 24-VIII que:
1 - No âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante oficial age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis.
2 - O despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas.
O Banco Autor vem actuar nestes autos o direito de regresso conferido por este dispositivo legal, uma vez que pagou como garante à Alfândega, honrando a garantia prestada no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88 de 24 de Agosto, os direitos e imposições exigíveis e em falta, originados por importações da ora Ré. Uma vez que a Ré entregou esse mesmo montante ao transitário que trabalhava com o despachante oficial, e aquele entregou o montante a este, sem que, por sua vez, este tivesse saldado a dívida junto da Alfândega, e até sido declarado insolvente, é necessário apurar qual o reflexo desta factualidade no exercício daquele direito. Ver notas 1 e 2, infra.
Em sentido técnico, caução designa a garantia destinada a assegurar o cumprimento de obrigações eventuais, ou de amplitude desconhecida. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, 3ª edição, 2006, Almedina, pág. 645, distingue entre caução judicial, convencional e legal, consoante a fonte que está na origem da mesma. No caso trata-se de uma caução legal, prestada por entidade que não é seguradora, uma caução por fiança bancária, uma garantia à primeira interpelação. Na caução legal é a própria lei que fixa o tipo de garantia a prestar, que desenha o seu regime.
Analisemos o nº 1 daquele artigo. Por ele, o despachante oficial e o importador/exportador, isto é, a pessoa por conta de quem aquele age, constituem-se solidariamente responsáveis perante as Alfândegas, pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis.
Interessa agora o lado passivo da obrigação. Uma obrigação pode ser singular, quando tem apenas um devedor, ou plural se tiver mais do que um devedor. No último caso pode ainda ser conjunta ou solidária. Se for conjunta, cada um dos devedores só responde face ao credor, e este só lhe pode exigir, pela sua parte na prestação. Se a obrigação é do lado passivo, plural e solidária, o credor pode demandar ambos os co-devedores, ou só um deles à sua escolha, pela totalidade da prestação. Se o co-devedor demandado cumpre, extingue-se a obrigação.
A nível interno, entre os co-devedores, vigora o artigo 516º do C.Civil.
O regime da solidariedade passiva não é a regra no Direito Civil, só aparecendo se a lei assim dispuser ou as partes o convencionarem – artigo 513º-. No Direito Comercial é a regra – artigo 100º do Código Comercial.
O objectivo é facilitar o crédito na vida mercantil.
Deste modo o credor fica tutelado perante o incumprimento e, principalmente, a insolvência de um dos co-devedores, uma vez que pode exigir a realização da prestação por inteiro, ao outro co-devedor ou outros co-devedores. O credor tem assim à sua disposição para obter a satisfação do seu crédito um número de patrimónios correspondente ao número de co-devedores solidariamente obrigados. Os co-devedores são perante o credor responsáveis pela mesma dívida. Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito das Garantias, Almedina, 2010, pág. 174.
Perante as Alfândegas pelos direitos e demais imposições exigíveis pela operação em causa respondem como co-devedores, em regime de solidariedade passiva, o despachante oficial e a ora Ré.
Não há dúvida que pela guia de cobrança de fls. 10 o despachante oficial foi J..., e o importador declarado, pessoa por quem aquele agiu por conta, é a ora Ré.
Mas nenhum deles liquidou os montantes devidos junto do credor- Alfândegas.
O Banco Autor prestou a caução global para desalfandegamento, por meio de garantia (fiança) bancária, que está a fls. 9, e, face aos seus termos, perante a interpelação das Alfândegas, o Banco Autor pagou à D.G.A., em 2-II-12, a quantia total de 13.765,98€ (fls. 10).
Pelo nº 2 do artigo 2° do DL 289/88 de 24-VIII, o garante, ora Banco Autor, pode em sede de direito de regresso exigir o pagamento desse valor e juros, acessórios do crédito, contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, isto é, sobre a ora Ré. O ora Autor fica sub-rogado em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas.
De igual direito beneficia o despachante oficial que pagou às Alfândegas e não foi reembolsado pelo importador-exportador, em nome de quem actuou. Esta obrigação cujo cumprimento ora se exige, é singular quer do lado passivo, quer do activo.
Mas a Ré efectivamente pagou a terceiro.
Segundo 2 - Em 18-XI-11 a Ré pagou à D... a quantia total de 13.767,73€ (fls. 11) - referente à factura junta a fls. 10v.
E este transitário pagou ao despachante oficial, que por sua vez não pagou às Alfândegas.
Porém, ao agir deste modo, a ora Ré não cumpriu a prestação a que estava obrigada, uma vez que devia ser paga ao credor ou ao seu representante – artigo 769º do C. Civil. Pagou a terceiro, que não ao credor. Este pagamento, em regra, não extingue a obrigação – corpo do artigo 770º do C. Civil. No caso, a Ré não prova que a obrigação tenha sido extinta pelo pagamento – disso tendo o ónus.
Portanto o direito de regresso do nº 2 conferido ao garante contra o importador-exportador existe sempre quer este tenha pago ou não a outro que não o credor garantido. Se pagou ao credor garantido, então o ponto já é de indevido accionamento da caução prestada.
O direito de regresso ora em apreço é conferido ao despachante oficial e ao garante que tenha pago às Alfândegas, contra o importador/exportador. Não é conferido contra o despachante oficial.
Neste mesmo sentido se pronunciou o STJ no Ac. de 23-11-2000, proferido no processo nº 00B2689, Relator Exmo. Cons. Miranda Gusmão, consultável no site da dgsi.net, escrevendo:
Verifica-se que, por um lado, o despachante oficial e a pessoa por conta de que declare perante as alfândegas são responsáveis solidários pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis (nº1 do art. 2º) e, por outro lado, o despachante oficial ou a entidade garante (banco ou seguradora) gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias (nº 2 do art. 2º).
Dado que a sub-rogação e o direito de regresso constituem no sistema legal português, realidades distintas e, em determinado aspecto, mesmo opostas, conforme salientado, haverá que fazer uma interpretação restritiva ao nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88: só o despachante oficial que paga, mercê do regime da solidariedade passiva, é que tem direito de regresso; só a entidade garante (banco ou seguradora) que paga, mercê do termo-caução, é que fica sub-rogado em todos os direitos das Alfândegas relativamente às quantias pagas.
Concretizando o alcance da norma do nº 2º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88:
a) Se o despachante oficial pagar à Alfândega os direitos e demais imposições, gozará, mercê do regime de solidariedade passiva, de direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e imposições.
Assim, o titular do direito de regresso (o despachante-oficial) demandará o seu condevedor solidário (o importador) para pagar por inteiro, podendo, então invocar os meios de defesa pessoal que tenha contra o titular, como seja o de lhe já ter pago.
b) Se a entidade garante (banco ou seguradora) pagar à Alfândega os direitos e demais imposições, mercê dos termos da caução-garantia autónoma à primeira interpelação - ficará sub-rogada em todos os direitos das Alfândegas relativamente às quantias pagas.
- assim, o sub-rogado (entidade garante, banco ou seguradora) demandará o devedor (o importador) para pagar as quantias pagas às Alfândegas, podendo, então, o devedor defender-se com os meios de defesa que tinha contra a Alfândega (como seja o de lhe já ter pago).
Este é o regime estabelecido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, disposição esta que não merece qualquer censura a nível da constituição, uma vez que não ofende quer o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, quer o princípio da proporcionalidade, com assento no artigo 18º nº 2, da Constituição da República, conforme acórdão nº 504/98, do Tribunal Constitucional de 2 de Julho de 1998, D.R. II, série, de 10 de Dezembro de 1998.
Aplicando o regime da caução global para desalfandegamento estabelecido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, ao caso, concreto, temos de precisar que o Banco Autor/garante pagou à Alfândega, mercê da cláusula do pagamento à primeira interpelação, inserida na garantia que celebrou com J.., ficando sub-rogado no crédito da Alfândega sobre o Importador - ora Ré.
Assim, a Ré ao ser demandada pelo Banco Autor para lhe pagar a quantia sub-rogada não tem senão que pagar, uma vez que não tem qualquer meio de defesa pessoal contra a Alfândega, como seja o de já lhe ter pago a quantia pedida na presente acção.
Tem razão a sentença recorrida ao escrever que: Não se encontrando previsto na lei o requisito "inexistência prévia de entrega da quantia ao despachante" para activar o direito de sub-rogação (ou de regresso) aqui em exercício. e correspondendo tal "excepção" a uma interpretação correctiva inadmissível (nos termos do artigo 9° do Código Civil), a R. não pode deixar de ser condenada a entregar à A. a quantia que esta pagou à Alfândega. A esta quantia acrescem juros de mora, à taxa supletiva comercial, contados desde a data do termo do prazo concedido à R. para pagamento na carta de interpelação (10-VII-12 - ponto 8) até à data de entrada do requerimento de injunção (conforme peticionado) - que se liquidam em 1.359,43€.
A corrente jurisprudencial que vimos seguindo é a maioritária. Para ela a entrega de dinheiro por parte do importador ao despachante com o objectivo deste proceder ao pagamento dos direitos aduaneiros não exonera aquele no caso deste não ter procedido ao referido pagamento. Baseia-se para tal, na letra do n.º 2 do art. 2º, do Dec.-Lei n.º 289/88, de 24/08, que prevê a responsabilidade solidária do despachante e do importador, quer perante a alfândega, quer perante o garante que procedeu o pagamento à alfândega. E ainda no disposto no art. 769º do C.C. nos termos do qual a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante e o despachante não tem, nem a qualidade de credor (que é a Fazenda Nacional através da alfândega), nem a qualidade de representante do credor.
A outra corrente decisória, na qual a Apelante se ancora, sustenta que a previsão do art. 2º/2 do DL 289/88 está feita no pressuposto de que o importador não tenha previamente feito entrega ao despachante oficial do montante relativo às verbas a liquidar na alfândega para o desalfandegamento das mercadorias. Se, ao contrário daquela previsão, o importador fizer entrega ao despachante oficial do imposto a pagar e não o entrega na alfândega, quem terá de responder perante esta é o próprio despachante ou, na sua falta, a seguradora por força do seguro-caução. Cfr. Ac. do TRL de 26-2-2004 proferido no processo nº 1217/2004-6, Relator Des. Pereira Rodrigues, consultável no site da dgsi.net.
Quer uma quer outra solução não é posta em causa pelo disposto no art. 2º do Regulamento (CEE) Nº 1031/88 do Conselho, de 18 de Abril de 1988, nem pelo disposto no art. 5º do Regulamento (CEE) Nº 2913/92, de 12 de Outubro de 1992, que traçam normas apenas para determinar a pessoa obrigada ao pagamento de uma dívida aduaneira e ao procedimento a seguir para quem actuar com poderes de representação junto das autoridades aduaneiras.
O entendimento seguido neste aresto é mais conforme à construção da garantia com pagamento à primeira solicitação, uma vez que a eventual entrega dos montantes pelo importador ao despachante oficial, directamente ou por interposta pessoa, é alheia à constituição da mesma e desencadeamento do pagamento garantido.
Por outro lado o importador/exportador já beneficiou da agilização de pagamentos que o instituto da caução global de desalfandegamento proporciona.
Por outro lado ainda o regime da solidariedade passiva das obrigações permite que o credor fique tutelado perante o incumprimento e, principalmente, a insolvência de um dos co-devedores, uma vez que pode exigir a realização da prestação por inteiro, ao outro co-devedor ou outros co-devedores.
A Apelante sustenta que, no caso, o direito de regresso deve ser exercido pelo Banco contra o despachante oficial, por conduta ilícita (artigos 483º e 762º, nº2 do Código Civil) e por lhe serem oponíveis as excepções que o importador poderia deduzir contra o despachante (artigo 525º, nº l do Código Civil).
A disposição do artigo 762º do CC contém a obrigação geral das partes, no cumprimento das obrigações contratuais assim como no exercício do direito correspondente, agirem de boa-fé.
Da disposição do artigo 525º do CC, e atento o caso, verificamos que a ora Ré não tem excepção que possa opor ao credor de regresso, o Banco Autor. Nenhum dos condevedores solidários pagou ao credor o montante dos direitos e imposições devidos. A excepção tinha de ser forçosamente o pagamento integral, válido e escrupuloso junto do credor ou seu representante.
Por outro lado, face ao disposto no artigo 526º do CC, se um dos condevedores estiver insolvente ou não puder cumprir a obrigação a que está adstrito, quem a deve suportar vem a ser o outro condevedor, mesmo perante o credor de regresso.
Corresponde dizer, de acordo com o aforismo popular, que se a Ré pagou mal, entregando o montante ao condevedor, fica obrigada a pagar duas vezes.
Não age o Banco Autor nem em abuso de direito nem numa situação de enriquecimento sem causa. Antes actua no estrito exercício do seu direito de regresso legal, direito próprio que nasce na sua esfera jurídica ex novo, e que não cabia às Alfândegas, ressarcindo-se do que pagou.
Improcedem as conclusões de recurso. Improcede a apelação.
V-DECISÃO:
Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas na 2ª instância pela Apelante ora Ré.
Valor da causa: € 15.462,35- fls. 40.
Lisboa, 2014.12.4
(Rui António Correia Moura)
(A. Ferreira de Almeida)
(Catarina Arêlo Manso)
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1- Relativamente à qualificação contratual da actividade do despachante oficial, judicou o STJ no Ac. de 20-11-2012 proferido no processo nº 3451/08.8TVLSB.L1.S1 (Relator Exmo. Cons. Azevedo Ramos, acessível no site da dgsi.net, o seguinte:
O art. 426 da Reforma Aduaneira, introduzida pelo dec-lei nº 46.311, de 27-4-65, veio dispor que apenas os despachantes oficiais podem intervir no despacho aduaneiro, mediante mandato sem representação.
O despachante oficial é um técnico especializado em matéria aduaneira, procedendo às formalidades necessárias ao desembaraço, por conta de outrem, de mercadorias e meios de transporte, competindo-lhe assim o exercício quotidiano, indiscriminado, da actividade ligada ao requerimento, instrução e obtenção do despacho alfandegário.
A actividade de desembaraço aduaneiro de um despachante oficial enquadra-se, assim, no contrato de mandato sem representação (art. 1180 do C.C.), na medida em que o mandatário age em nome próprio, mas por conta de outrem
No âmbito deste contrato, cabe ao mandante entregar ao despachante oficial as verbas correspondentes aos direitos aduaneiros e demais imposições relativos ao desalfandegamento das mercadorias, enquanto que a este, na qualidade de mandatário, lhe compete entregar à administração aduaneira os valores recebidos do mandante – arts 1161 e 1167 do C.C.
2- Relativamente à constitucionalidade das normas do DL 289/88, judicou o STJ no Ac. de
10-7-1997 proferido no processo nº 97B377 (Relator Exmo. Cons. Pereira da Graça), acessível no mesmo site, que:
E judicou o Tribunal Constitucional, no Ac. de 3-11-1998, no Proc. nº 369/97 da
1ª Secção, Rel. Cons. Tavares da Costa, acessível através da base de dados da PGR, que:
Este diploma não criou qualquer imposto.
O que nele se regula é tão só um aspecto particular do sistema de cobrança dos impostos aí previstos, que são os direitos aduaneiros e demais imposições devidas pelas declarações à Alfândega, apresentadas pelos despachantes oficiais.
Não há, pois, qualquer violação do disposto no art. 106º, nºs. 2 e
3, da Constituição.
Situando-se a norma impugnada no âmbito da regulação interna das relações creditícias entre os sujeitos de uma operação de desalfandegação, é bom de ver que a iniciativa legislativa - concorde-se ou não com a sua razão de ser - nada tem a ver com a criação de impostos, com o princípio da legalidade tributária ou, de qualquer modo, com o disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 103º da CR.
3- Neste sentido o Ac. TRP de 13-11-1997, proferido no processo nº 9631239 (Relator Exmo. Des. Diogo Fernandes, acessível no site da dgsi.net, cujo sumário é em parte o seguinte:
I - No âmbito do contrato de seguro caução global celebrado entre a Seguradora e o despachante oficial, aquela fica subrogada nos direitos da Alfândega em relação às quantias pagas e de todos os privilégios, como o direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas pelo despachante.
II - Em tal situação existe uma relação de mandato sem representação entre o despachante e o destinatário das mercadorias, agindo aquele em nome próprio e por conta do importador das mercadorias.
III - Não importa averiguar se o importador entregou a importância a alguém com a qualidade de intermediário do despachante, porque tal entrega é irrelevante em relação à Seguradora por se tratar de " res inter alios ".
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