CASO JULGADO
DESPACHANTE OFICIAL
ALFÂNDEGA
DIREITO DE REGRESSO
DIREITOS ADUANEIROS
Sumário

Sumário da Responsabilidade do Relator:

I- Se o importador de mercadoria se serviu de terceiro, como seu auxiliar, para assegurar o cumprimento de todas as diligências e procedimentos necessários à importação de mercadorias, tal importador é responsável nos termos do art. 800.º, n.º 1, do CC.
II - Se o importador pagou os direitos aduaneiros a esse terceiro, seu auxiliar, mas este não entregou o dinheiro ao despachante, o qual teve de pagar do seu bolso tais direitos, há direito de regresso do despachante contra o importador, nos termos do art. 2.º, n.º 2, do DL n.º 289/88, de 24-08
III- Estando demonstrado que a Ré, importadora contratou a Transhipping para o serviço de despacho alfândegário e que esta, por seu turno contratou a P&F (pontos 11 e 12), desconhecendo-se, todavia, para quê e se a Ré sabia que a Transhipping subcontratava aquela empresa para a prestação desse serviço e se a P&F, por seu turno, ficava encarregue de entregar os valores ao despachante e se o Autor, ciente desse modelo aceitava receber da P&F as quantias que lhe seriam entregues pela Transhipping que por sua veza as recebia da Ré para o pagamento dos direitos aduaneiros, a matéria de facto não permite tirar a ilação da aceitação do pagamento pela Ré ao terceiro como forma de extinção do direito do despachante ao reembolso das quantias que pagou pela Ré à Alfândega.

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

Com os sinais dos autos.


*

I.1 Inconformada com a sentença de 8/6/2015, (ref:º 336278772), que, julgando improcedente a acção, consequentemente absolveu a Ré do pedido, dela apelou o Autor, em cujas alegações conclui:

a) o pagamento a terceiro constitui exceção perentória;

b) no douto despacho pré saneador foi decidido que a Ré na sua contestação apenas tinha invocado duas exceções: a incompetência territorial do Tribunal e a sua ilegitimidade;

c) tanto assim, que o Autor viu ser considerada não escrita parte da sua resposta à contestação e foi condenado em custas por incidente anómalo;

d) a decisão formada em pré saneador da existência de apenas das duas aludidas exceções formou caso julgado nos termos do art. 620º do NCPC;

e) a douta decisão recorrida, ao ter julgado improcedente a ação devido a ter considerado procedente a exceção perentória do pagamento a terceiro, mostra-se violadora do caso julgado formado nos autos e consequentemente do art.º 620º do NCPC;

f) ao ter-se no douto despacho pré saneador dado como não escrita a argumentação expendida pelo recorrente na resposta à contestação, por a resposta só ser permitida às exceções deduzidas (incompetência territorial do Tribunal e ilegitimidade da Ré), e ao julgar-se procedente uma excepção perentória não alegada como tal, nem identificada no despacho pré saneador foi violado o princípio do contraditório, consignado no art.º 3º, n.º 3 do NCPC;

g) a exceção perentória do pagamento a terceiro por consentimento do credor não é de conhecimento oficioso;

h) não tendo essa exceção sido alegada na contestação, a douta sentença recorrida, padece de nulidade, por ter tomado conhecimento de uma questão que lhe estava vedada, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do NCPC;

i) existe perfeita similitude entre a situação dos autos e a dirimida no douto Acórdão do STJ referente ao processo 2451/08.8TVJCB, porquanto em ambos os casos as Rés efectuaram o pagamento à sua auxiliar, em ambos os casos o relacionamento existente era da Ré com a sua auxiliar, em ambos os casos não existem factos provados concernentes à relação entre o A. e a Ré, dos quais se possa deduzir que o autor aceitou que a entrega de dinheiro à auxiliar da Ré

equivaleria, só por si e desde logo, a pagamento ao Autor;

j) nos termos do art.º 217º, n.º 1 do Código Civil, a declaração tácita é aquela que se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelem;

k) como se salientou no Acórdão desse Venerando Tribunal reiterado no Acórdão do STJ no processo 2451/08.8TVJCB, os factos respeitantes ao apuramento da declaração tácita terão de reportar-se à relação do Autor com a Ré, devendo conduzir à dedução de que o Autor aceitou que o pagamento à Transhipping equivaleria, só por si e desde logo, ao pagamento do seu crédito decorrente do direito de regresso derivado de ter efetuado por conta da Ré o pagamento dos direitos e demais imposições às alfândegas;

l) todavia, os factos provados nos autos apenas se reportam quer à relação do Autor com a P&F, quer desta com a Transhipping, quer desta com a Ré, nenhum facto provado dizendo respeito à relação da Ré com o Autor;

m) daí que se tenha de concluir que inexistem factos suficientes donde se possa concluir, com toda a probabilidade, pela aceitação tácita da alegada extinção do crédito do Autor por via do direito de regresso, através da simples entrega desses montantes à sociedade Transhipping, com a qual, aliás, o Autor não tinha qualquer relação;

n) sendo a exceção perentória do pagamento a terceiro, impeditivo do direito do Autor, os factos integradores da mesma teriam de ser alegados e provados pela Ré – art. 342º, n.º 2 do Código Civil.

a douta decisão recorrida viola:

- a alínea a) do n.º 1 do art.º 770º do Código Civil por errada interpretação e aplicação da mesma;

- o disposto nos art.ºs 217º, n.º 1 e corpo do art. 770º do Código Civil;

- o art.º 2º, n.º 2 do DL 289/88.

Termos em que,

e nos que serão doutamente supridos, por V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a acção e, consequentemente, condenando-se a Ré no peticionado.

I.2. Em contra-alegações conclui a Ré:

1) A Ré, aqui Recorrida, na sua contestação defendeu-se por exceção e por impugnação, alegando todos os factos respeitantes à sua defesa;

2) Na sua contestação a Ré alegou que tinha efetuado o pagamento a uma terceira entidade, nomeadamente à sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda.;

3) A Ré, aqui Recorrida, na sua Contestação requereu a intervenção acessória provocada da sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda., em virtude de ter procedido ao pagamento a esta sociedade dos valores peticionados pelo Autor, aqui Recorrente, na presente ação;

4) Sendo certo que o Autor, aqui Recorrente, notificado para se pronunciar sobre a intervenção provocada da massa insolvente da sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda., nada veio a dizer;

5) Tendo por esse facto, sido admitida tal sociedade a intervir no presente processo;

6) A Ré, aqui Recorrida alegou o pagamento dos valores ora peticionados pelo Autor à sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda., tendo para isso requerido a sua intervenção no processo;

7) Ao contrário do que o Recorrente alega, a Ré alegou o pagamento dos valores peticionados pelo Autor;

8) Pelo acima exposto falece o argumento do caso julgado invocado pelo Recorrente, devendo improceder o recurso interposto pelo Recorrente, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

9) Também não assiste razão ao Recorrente quando alega a violação do princípio do contraditório;

10) Foi dado ao Autor, a possibilidade de se pronunciar sobre os pagamentos efetuados pela Ré à Sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda.;

11) O Autor foi notificado para se pronunciar sobre a intervenção da referida sociedade, sendo que nada veio dizer, nem quanto ao pedido de intervenção da mesma, nem quanto aos fundamentos invocados;

12) Pelo que também por este facto, falece o argumento invocado pelo Recorrente, devendo assim, improceder o Recurso interposto pelo Recorrente;

13) Conforme resulta da contestação apresentada pela Ré, bem como da Intervenção acessória provocada da Sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda., a Ré sempre alegou que a partir de 2008 celebrou com esta sociedade um contrato de prestação de serviços de transporte e logística para importação;

14) Mais alegou que, em virtude de tal contrato, a Sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logística, Lda., se comprometeu com a Ré, a efetuar o transporte e despacho de mercadorias exportadas e importadas por esta;

15) Tendo inclusivamente acordado o preço da prestação de serviços, a sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logistica, Lda., no âmbito das suas obrigações acordadas, diligenciou pelo tratamento de todas as burocracias alfandegárias de importação de exportação, nomeadamente, a liquidação e pagamento dos direitos aduaneiros e impostos devidos por tais operações, junto das autoridades aduaneiras, via Despachantes Oficiais, que eram subcontratados diretamente pela sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logistica, Lda.;

16) Pelos serviços prestados, a sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logistica, Lda., enviava à Ré as respetivas faturas, onde faziam incluir não só o preço dos seus serviços, mas também os direitos aduaneiros e impostos (IVA), cujos montantes lhe eram debitados diretamente pelos Despachantes, através de faturas, já juntas aos autos;

17) Conforme resulta dos autos, o juiz não conheceu de questão que não devia conhecer, visto que o pagamento à sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logistica, Lda., foi alegado pela Ré;

18) Também quanto a este facto não assiste razão ao Recorrente;

19) Acresce que, e sem prescindir, sem prejuízo às partes caber a formação da matéria de facto, mediante alegação dos factos principais que integram a causa de pedir, é sabido que a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais ativa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, última ratio do processo;

20) Reconhece-se, pois, ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova, a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa, e tal, para além da alegação supra referida, também sucedeu no presente caso;

21) Dada a natureza pública do processo civil, os interesses públicos inerentes à administração da justiça e ao funcionamento das instituições judiciárias, o interesse de proteção de partes mais fracas, o interesse da prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjetiva, muitas correções vêm sendo introduzidas ao funcionamento do princípio do dispositivo;

22) O artigo 6º do NCPC (anterior 265º) atribui ao juiz o poder de direção do processo, defere-lhe a competência para, em superação da omissão da parte, providenciar pelo suprimento dos eventuais pressupostos processuais suscetíveis de sanação;

23) Mais do que isso, prescreve ainda o nº 3 que ao Juiz cabe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio;

24) A evolução do processo civil tem, assim, vindo cada vez mais a subtrair a influência do princípio do dispositivo, em favor do princípio do Inquisitório ou da Oficialidade;

25) Temos pois a noção de que o juiz surge cada vez mais como interventor, sendo que a própria jurisprudência foi caminhando no mesmo sentido, designadamente ao nível da segunda instância;

26) Caso se entendesse que tal ónus de alegação não foi cumprida pela recorrida – situação meramente hipotética com a qual não se concorda e que apenas se coloca por dever de patrocínio –, bem entendeu a 1ª instância, em virtude de toda a prova produzida, que ficou mais do que demonstrado o pagamento efetuado pela Ré à Sociedade Transhipping – Planeamento de Carga e Logistica, Lda.;

27) Conforme resulta do alegado na P.i, pelo Recorrente, e do seu depoimento de parte, foi a sociedade P&F – Transportes e Serviços, Lda. que pagou o restante montante da caução ao Autor;

28) O Meritíssimo Juiz ao proferir a decisão recorrida, entendeu e aplicou bem as normas jurídicas ao caso concreto, atendendo a todos os elementos que constam dos autos, bem como da prova testemunhal, nomeadamente do depoimento de parte do Autor.

29) Como ponto essencial nunca poderá pois ser relegado para segundo plano o princípio da verdade material, última ratio do processo;

30) Andou bem o Tribunal “a quo” quando decidiu aplicar ao caso concreto a norma do artigo 770º do Código Civil;

31) Isto porque conforme consta da Sentença o Autor prestava serviços na sequência da relação com a P&F – Transportes e Serviços, Lda, bem com outras entidades, envolvendo a ausência de contato entre o Importador e o Autor, aceitando o pagamento por meio dos intermediários;

32) Ao contrário do alegado pelo Recorrente, foram alegados factos que comprovam a declaração tácita do Autor que a obrigação que a mesma recorrente tinha para com ele, decorrente do despacho de desalfandegamento de mercadorias, se extinguiria mediante o pagamento à indicada

33) Assim deve manter assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto, o que se requer,

Pede Deferimento.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser proferido determine a improcedência do recurso interposto mantendo-se a decisão de 1ª Instância, as consequências daí resultantes, fazendo costumada:

JUSTIÇA.

I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.

I.4. Questões a resolver:

a) Saber se ocorre nulidade de sentença nos termos do art.º 615/1/d do Código de Processo Civil por o Tribunal ter conhecido da excepção do pagamento de créditos do Autor à Sociedade Transhipping por o Autor a tal o ter consentido, questão que não foi alegada pela Ré.

b) Saber se ocorre violação do princípio do contraditório na medida em que o Tribunal dera por não escrita a argumentação expendida pela apelante me resposta á contestação na parte em que foi para além da mera resposta às excepções de incompetência territorial do Tribunal e ilegitimidade da Ré;

c) Saber se o Tribunal recorrido ao conhecer da excepção peremptória do pagamento pela Ré a terceiro viola o caso julgado formado no saneador na parte em que expressamente identifica como únicas excepções invocadas a incompetência territorial do Tribunal e ilegitimidade da Ré;

d) Saber se ocorre na sentença recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições legais dos art.ºs 217/1 e corpo do art.º 770, 770/1/a e 2/2 do DL 289/98 não havendo factos suficientes para se concluir pela aceitação tácita da extinção do crédito do Autor por via do direito de regresso através da entrega das quantias peticionadas à Transhipping

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que o Autor apelante não impugna nos termos da lei de processo:

1 – O Autor dedica-se à actividade cometida aos Despachantes Oficiais.

2 – No exercício da sua actividade processou, na Alfândega Marítima de Lisboa , os despachos de importação, de mercadorias importadas pela Ré, que tomaram os nºs 2011/2160522 de 21.09.2011, 2011/2161731 de 22.09.2011 e 2011/2165710 de 28.09.2011.

3 – Na Alfândega de Alverca processou o despacho de importação que tomou o nº 2011/2108687 de 22.09.2011.

4 – Os referidos despachos foram processados através da Caução Global para Desalfandegamento, criada pelo Decreto-Lei nº 289/88, de 4 de Agosto.

5 – Através do sistema da caução global, em 15.11.2011, foram liquidados os direitos de importação devidos por aquelas importações, nos montantes de € 22.708,29 e 5.677,07, no respeitante aos despachos de importação processados na Alfândega Marítima de Lisboa, e pagos pelo Autor.

6 – No que respeita ao despacho de importação da Alfândega de Alverca foram liquidados os direitos nos montantes de € 948,53 e 3.794,10 e pagos pelo Autor.

7 – Em 15.11.2011, o Autor efectuou o pagamento à Alfândega Marítima de Lisboa do montante de € 28.385,36 e à Alfândega de Alverca do montante de € 4.742,63, relativos à importação realizada pela Ré.

8 – Do montante pago ainda se encontra por liquidar a quantia de € 15.640,74.

9 – Uma vez que da restante quantia o Autor foi já reembolsado pela sociedade transitária “P & F – Transportes e Serviços, Lda.”.

10 – Apesar de diversas interpelações para efectuar o pagamento a Ré não se predispõe a fazê-lo.

11 – A Ré contratou para tratar dos despachos alfandegários a “Transhipping – Planeamento de Carga Logística, Lda.” .

12 – A “Transhipping – Planeamento de Carga Logística, Lda.” contratou por seu turno a “P & F – Transportes e Serviços, Lda.”.

13 – O Autor trabalha com a “P & F – Transportes e Serviços, Lda.”.

14 – A Ré pagou a totalidade dos montantes em causa à “Transhipping – Planeamento de Carga Logística, Lda.”.

15 – O montante pago pela Ré à “Transhipping – Planeamento de Carga Logística, Lda.” não foi entregue ao Autor.

16 – A mercadoria em causa foi importada pela Ré.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.

III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.

III.3. Saber se ocorre nulidade de sentença nos termos do art.º 615/1/d do Código de Processo Civil por o Tribunal ter conhecido da excepção do pagamento de créditos do Autor à Sociedade Transhipping por o Autor a tal o ter consentido, questão que não foi alegada pela Ré.

III.3.1. Ocorre a nulidade da sentença da alínea d) do n.º 1 do art.º 615, na modalidade de excesso de pronúncia, quando o juiz se pronuncie sobre questão de que não possa tomar conhecimento.

III.3.2 O art.º 608, n.º 2, estatui que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. O art.º 615, n.º 1, alínea d), fulmina de nulidade processual a sentença que se deixe de pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

III.3.3. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos, que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de resolução do pleito as partes tenha deduzido ou o próprio juiz tenha inicialmente admitido (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol V, pág. 143, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 2001, pág. 646); em sentido contrário se pronunciou Anselmo de castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 142, para quem o conceito “questões” deve ser tomado em sentido amplo abrangendo tudo o que diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras, às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, a menos que o exame de uma só parte imponha necessariamente a decisão da causa.

III.3.4. A jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, na esteira de Alberto dos Reis, que o conceito questões não abrange as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes; a determinação da norma aplicável e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver mencionado art.º 660 do CPC (cfr. Ac do STJ de 18/12/2002, Revista n.º 3921/02-2.ª Sumários). Uma fundamentação pobre ou medíocre da sentença não constitui vício susceptível de conduzir à sua nulidade.

III.3.5. A Ré, para além de invocar a excepção a incompetência territorial, excepcionou a sua ilegitimidade em suma alegando que nada contratou com o Autor, nada lhe deve (art.ºs 7 a 16); para além de impugnar os factos da p.i de 2 a 19 e em jeito de impugnação motivada veio dizer que a partir de 2008 contratou a interveniente Transhipping para efectuar o transporte e despacho de mercadorias exportadas e importadas pela Ré e acordado o preço esta última no âmbito das obrigações acordadas diligenciou o tratamento das burocracias alfandegárias de importação e de exportação nomeadamente a liquidação e pagamento dos direitos aduaneiros e impostos devidos por tais operações junto das autoridades aduaneiras via despachantes subcontratados por ela Transhipping por cujos serviços enviava à Ré as facturas que incluíam também os direitos aduaneiros e impostos IVA cujos montantes lhe eram debitados pelos despachantes, tendo a Ré pago à Transhipping todas essas facturas, sendo que a Transhipping subcontratou a P&F Transportes e Serviços Ld.ª da qual o Autor se intitulava sócio e sempre que esta última enviava as facturas à Transhipping esta remeti-as à Ré que as pagava, nunca podendo a Ré fazê-lo ao Autor por nunca contratou com este (art.ºs 18 a 34); a esta matéria veio o Autor responder expressamente à matéria de incompetência territorial e de ilegitimidade (art.ºs 6 a 31); nestes últimos artigos o Autor expressamente impugna a matéria dos art.ºs 23, 25,27, 29 e 31 da contestação declarando desconhecer os restantes o que vale por impugnação aceitando no entanto aquilo que considerou confissão da Ré do art.º 22 da contestação ou seja que diligenciou pelo tratamento de todas as burocracias alfandegárias e pagamentos de direitos via despachantes oficiais subcontratados pela Transhipping. No art.ºs 23 a Ré alega que pelos serviços prestados a Transhiping enviava à Ré as facturas que incluíam os direitos aduaneiros, no art.º 27 alega que nada contratou com o Autor e no art.º 31 a Ré alegara que a quantia peticionada pelo Autor diz respeito a todos os processos de despachos alfandegárias feitos em nome de várias empresas onde a Ré está incluída. Ou seja, o Autor na resposta à matéria em questão que pode ser qualificada de impugnação motivada e de excepção peremptória de pagamento dos valores reclamados a terceiros não invocou novos factos, limitou-se a impugnar alguns deles. Não obstante o despacho de 24/10/04 decretar que apenas será considerada a resposta do Autor de fls. 65 e ss em resposta à matéria de excepção (que aparentemente e pela leitura do §5 desse despacho seria apenas a matéria de resposta à questão da ilegitimidade e de incompetência territorial) e pedido de condenação da Ré como litigante de má fé, o certo é que nos temas de prova enunciados no saneador consta “o valor dos encargos alfandegários já pagos pela Ré”, tema da prova que pela sua amplitude abarca toda aquela factualidade invocada pela Ré na sua contestação e acima mencionada que o Tribunal recorrido fez subsumir (com ou sem erro questão a  dirimir adiante) na sentença à figura jurídica do pagamento a terceiro do valor recamado nos termos e para os efeitos do art.º 770 do CCiv, enquanto causa de extinção da obrigação. E tanto assim é que o Tribunal recorrido deu como provados os factos 9, 11 a 14 da sentença recorrida que correspondem a parte dos factos alegados pela Ré naquela acima designada impugnação motivada que também pode ser subsumida a matéria de excepção peremptória de extinção da obrigação em razão do pagamento a terceiro, questão de direito ínsita naquela alegação e que não depende de alegação expressa pela Ré, pois o Tribunal é livre na subsunção dos factos ao direito. Nenhuma nulidade pois, improcedendo nessa aparte a apelação.

III.4. Saber se ocorre violação do princípio do contraditório na medida em que o Tribunal dera por não escrita a argumentação expendida pela apelante me resposta á contestação na parte em que foi para além da mera resposta às excepções de incompetência territorial do Tribunal e ilegitimidade da Ré;

III.4.1. Pelas razões supra expostas, não obstante o teor do despacho não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório porque aquela matéria do pagamento a terceiro foi alegada, foi objecto de julgamento, prova e contra-prova, na certeza de que no articulado de resposta à contestação não foram alegados novos factos susceptíveis de serem qualificados de contra-excepções de cuja prova e julgamento o Autor tenha ficado privado. Improcede também aí a apelação.

III.5. Saber se o Tribunal recorrido ao conhecer da excepção peremptória do pagamento pela Ré a terceiro viola o caso julgado formado no saneador na parte em que expressamente identifica como únicas excepções invocadas a incompetência territorial do Tribunal e ilegitimidade da Ré.

III.5.1. Já cima se disse que a qualificação que o Tribunal recorrido fez da alegação da Ré na contestação, porventura incorrecta do ponto de vista jurídico, na medida em que a Ré também se defendeu mediante a alegação do pagamento dos valores reclamados a terceiro, não significa que o Tribunal tenha decidido que se não verificava a excepção de pagamento a terceiro; mesmo no despacho tabelar “inexistem excepções de que cumpra conhecer”, não forma caso julgado sobre a questão do pagamento a terceiro já que sobre essa matéria nenhum decreto existe aquando do saneador; na audiência prévia elegeu-se aquele referido III tema da prova que pela sua extensão abarca a factualidade alegada pela Ré e que em parte ficou provada como acima se disse, na sequência do julgamento. Não ocorre essa excepção.

III.6. Saber se ocorre na sentença recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições legais dos art.ºs 217/1 e corpo do art.º 770, 770/1/a do CCiv e 2/2 do DL 289/98 não havendo factos suficientes para se concluir pela aceitação tácita da extinção do crédito do Autor por via do direito de regresso através da entrega das quantias peticionadas à Transhipping.

III.6.1. O Tribunal recorrido considerou em suma:

    • A relação que nos presentes autos se estabelece é enquadrada pelo regime do art.º 2.º do DL 298/88 de 24/8 segundo o qual o despachante e o importador são solidariamente responsáveis pelo pagamento de caução global junto da Alfândega, encontrando-se o despachante que satisfaça tal pagamento sub-rogado em todos os direitos das Alfândegas relativos às quantias pagas e face a tal regime não existem dúvidas de que à partida o Autor teria direito a receber os montantes por si pagos e relativos à importação realizada pela Ré (situação idêntica à do Ac STJ de 20/11/2011 proc.º 3451/08.8TVJCB.L1.S1);
    • A Ré importadora contratou uma sociedade, a Transhipping para tratar do despacho das mercadorias importadas a qual por seu turno contratou a sociedade P&F- Transportes e Serviços Ld.ª, com a qual o Autor trabalha e a Ré pagou a esta sociedade os montantes peticionados, pelo que esta última e por via dela o Autor aceitaram um modelo de recrutamento de clientes, com o inerente modo de pagamento sucessivos e a relação que se estabeleceu entre o Autor e a Ré implicou a contratação por parte da Ré da Transhipping a qual por seu turno contratou a P&F que colaborava com o Autor;
    • O Autor disponibilizou os seus serviços por via de um modelo de relacionamento com o importador final que envolvia a ausência de contacto entre ambos implicando os pagamentos a intermediário, o que o Autor aceitava, pelo que nos termos do art.º 770/1/a do CCiv o pagamento feito pela Ré à Transhipping extinguiu a obrigação, sem embargo dos direitos do Autor despachante sobre o intermediário
    • É o Autor despachante que tem o ónus de se certificar que os pagamentos dos seus clientes (clientes recrutados de um modo que é pelo despachante aceite), são feitos às pessoas certas.
III.6.2. Discorda o Autor/apelante em suma dizendo:
    • No acórdão do STJ citado na sentença recorrida entendeu-se que os factos provados diziam respeito à relação do despachante com a auxiliar CC e da auxiliar com a importadora não dizem respeito à relação da importadora com o autor despachante, inexistindo factos suficientes para se concluir com toda a probabilidade pela aceitação tácita da alegada extinção imediata do pagamento dos serviços através da entrega do dinheiro à auxiliar;
    • No caso dos autos o relacionamento da importadora foi exclusivamente com a Transhipping e os factos provados reportam-se à relação do autor com a P&F e da Ré com a Transhipping nenhum facto dizendo respeito à relação, inexistindo factos suficientes para concluir com toda a probabilidade pela aceitação tácita da alegada extinção imediata do pagamento dos direitos aduaneiros, através da simples entrega do dinheiro à Transhipping, sendo certo que se não provou o pagamento pela Transhiping à P&F dos direitos aduaneiros
    • A própria Ré refere na sua contestação que nada contratou com o Autor, não o conhece nada lhe devendo.
    • Não foi alegado nem provado que a Ré tivesse pago os direitos aduaneiros à P&F com quem a Autora tinha uma relação de intermediação, sendo que só nessa última hipótese se poderia afirmar que com toda a probabilidade o Autor aceitava que os pagamentos à P&F faziam extinguir a obrigação do pagamento dos direitos nos termos e para os efeitos do art.º 770/1/a do CCiv.
III.6.3. O art.º 2º do DL nº 289/88, de 24 de Agosto, estatui:

         “1 – No âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, o despachante oficial age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis.

          2- O despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas”.

III.6.4. O art.º 426 da Reforma Aduaneira, introduzida pelo DL nº 46.311, de 27-4-65, veio dispor que apenas os despachantes oficiais podem intervir no despacho aduaneiro, mediante mandato sem representação. O despachante oficial é um técnico especializado em matéria aduaneira, procedendo às formalidades necessárias ao desembaraço, por conta de outrem, de mercadorias e meios de transporte, competindo-lhe assim o exercício quotidiano, indiscriminado, da actividade ligada ao requerimento, instrução e obtenção do despacho alfandegário.

III.6.5. A actividade de desembaraço aduaneiro de um despachante oficial enquadra-se, assim, no contrato de mandato sem representação (art. 1180 do C.C.), na medida em que o mandatário age em nome próprio, mas por conta de outrem; no mandato sem representação, cabe ao mandante entregar ao despachante oficial as verbas correspondentes aos direitos aduaneiros e demais imposições relativos ao desalfandegamento das mercadorias, enquanto que a este, na qualidade de mandatário, lhe compete entregar à administração aduaneira os valores recebidos do mandante – arts 1161 e 1167 do C.C.

III.6.6. Vem demonstrado que o Autor, como mandatário sem representação da Ré interpelou a mandante, no caso a Ré importadora, para proceder ao pagamento das quantias por si pagas à Alfândega por conta desta última, o que vale por comunicação da execução do mandato, interpelação para o reembolso das quantias por si pagas à Alfândega de Lisboa e de Alverca no valor de 28.385,36 euros e 4.742,63 euros respectivamente relativos à importação realizada pela Ré, tal como consta de 7, tendo recebido da transitária P&F com a qual trabalha parte daquele valor encontrando-se por pagar ainda a quantia de 15.640,74 euros (pontos de facto 7 a 9, 13). Vem também provado que a Ré contratou a Transhiping…, para tratar dos despachos alfandegários a quem a Ré pagou a totalidade dos montantes aqui em causa, sendo que os montantes em causa não forma entregues ao Autor. Em causa saber se o pagamento que a Ré, enquanto primeira devedora dos direitos alfandegários (por ser a importadora das mercadorias), fez àquela empresa que contratou para tratar dos despachos alfândegários extingue a obrigação da Ré para com o Autor, este entendido como credor (por ter pago no lugar da Ré e apresentar-se a exercer o direito de regresso) que consentiu o ratificou esse modo de pagamento nos termos das alínea) ou b) do art.º 770 do CCiv.

III.6.7. Dispõe o art.º 800, nº1,  do CCiv:

         “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utiliza para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”.

III.6.8. Em comentário a tal preceito dizem, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed, pág. 57):

         “ Se, sem culpa e diligentemente, o devedor encarrega alguém de lhe ir pagar uma dívida, e o encarregado foge com o dinheiro ou negligentemente se esquece de cumprir, dir-se-ia não se justificar que, por não haver culpa do devedor, o credor sofresse as consequências da culpa do auxiliar. “O devedor, escreve, porém, Vaz Serra (Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos, nº2, Bol. nº 72), que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles “. Vide a propósito o Ac. do S.T.J. de 17-6-82, Bol. 318, pág. 437). Dominam nesta matéria os princípios que justificam a responsabilidade do comitente pelos danos que o comissário causar (art. 500), bem como a responsabilidade do Estado ou das demais pessoas colectivas públicas pelos danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes (art. 501).

A responsabilidade limita-se, no caso do art. 800 aos actos praticados no cumprimento da obrigação, não abrangendo os praticados por ocasião do cumprimento, mas nada tendo com este.

Tratando-se de obrigação pecuniária, há ainda que tomar em conta, na definição da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares, a circunstância de se tratar de uma dívida portable, ou seja, que só se considera cumprida quando o devedor (ou alguém por ele) coloca o objecto da prestação em poder do credor”  

  III.6.9. A exclusão da responsabilidade do devedor que utiliza auxiliares para o cumprimento de uma obrigação pode ser convencionalmente excluída ou limitada nos termos do art.º 800, nº2, do C.C. A responsabilidade da Ré nas suas relações com a Transhipping não foi excluída ou limitada nos termos legais.

III.6.10. A prestação só pode ser feita ao credor ou ao seu representante – art.º 769 do CCiv, não extinguindo a obrigação perante o despachante que paga pela Ré e exerce o direito de regresso, a prestação que a Ré fez à Transhipping, uma vez que não estão demonstrados factos que permitam concluir que o Autor tenha consentido essa forma de pagamento ou que tenha ratificado tal pagamento (art.º 770/a e b) do CCiv).

III.6.11. A eventual apropriação pela Transhipping do dinheiro que lhe foi entregue pela Ré para por sua vez pagar os direitos aduaneiros, directamente na Alfândega ou através do Autor, não exclui o direito de regresso por parte do despachante (ora autor), contra a importadora (a ora ré), nos termos do art.º. 2, nº2, do citado DL nº 289/88, de 24 de Agosto, visto estar apurado que o despachante pagou tais direitos à Alfândega. A ré poderá exigir da Transhipping o dinheiro que lhe entregou para o questionado desalfandegamento.

III.6.12.A sentença recorrida sustenta que a relação entre o Autor e a P&F consubstancia um modo de actuar no mercado que o autor naturalmente conhece, o Autor disponibilizou os seus serviços por via de um modelo de relacionamento com o importador final cliente que envolvia a ausência de contacto entre ambos e pagamentos a intermediários o que o Autor naturalmente aceitava. Ora tal modelo de relacionamento com o importador final não está, salvo melhor opinião, minimamente demonstrado; o que está demonstrado é que a Ré contratou a Transhipping para aquele serviço que por seu turno contratou a P&F (pontos 11 e 12); perguntar-se-á legitimamente contratou-a para quê? Para tratar daqueles despachos? Era esse o objecto social da P&F? A Ré sabia que a Transhipping subcontratava aquela empresa para a prestação desse serviço e a P&F, por seu turno ficava encarregue de entregar os valores ao despachante? Ou ficaria encarregue dos entregar à Alfândega? Por seu turno o Autor, ciente desse modelo, aceitava receber da P&F as quantias que lhe seriam entregues pela Transhipping, que, por sua vez as recebia da Ré para o pagamento dos direitos aduaneiros? Não se sabe e a matéria de facto não permite tirar a ilação que o Tribunal aparentemente extraiu dos factos provados nos termos dos art.ºs 349 e 351 do CCiv. Por outro lado, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade; é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelem – art.º217, nº1, do CCiv. Não há factos suficientes que permitam concluir que o reembolso constante do ponto 9 da matéria de facto dada como provada, representa a aceitação pelo Autor do pagamento feito pela Ré à Transhipping, que é uma relação à qual o Autor é alheio, não havendo factos suficientes que permitam, com toda a probabilidade, concluir existir aqui um modelo de cobrança aceite pelo Autor.

III.6.13. Este entendimento tem sido uniformemente aceite pela nossa jurisprudência dos Tribunais Superiores (quando se trate de direito de regresso exercido pelo despachante); entre outros transcrevem-se parcialmente os seguintes disponíveis no sítio informático www.dgsi.pt:

0061046         

Nº Convencional:       JTRL00046055

Relator:           OLINDO GERALDES

Descritores:     DESPACHANTE OFICIAL

ALFÂNDEGA

DIREITO DE REGRESSO

IMPORTAÇÃO

           

Nº do Documento:     RL200210100061046

Data do Acordão:      10-10-2002

Votação:         UNANIMIDADE

Texto Integral:            N

Privacidade:    1

           

Meio Processual:        APELAÇÃO.

Decisão:          CONFIRMADA A DECISÃO.

Área Temática:           DIR ECON.

Legislação Nacional:  DL289/88 DE 24/08/88 ART1 ART2. DL445/99 DE 03/11/1999. CCIV66 ART769 ART1165.

           

Sumário:         O despachante oficial que, no âmbito da utilização do sistema da caução global para desalfandegamento de mercadoria, e no exercício de um mandato, tenha pago os direitos e demais imposições exigíveis, goza do direito de regresso contra o importador, ainda que este tenha entregue a um terceiro, para esse fim, o valor daqueles.

           


*

3451/08.8TVLSB.L1.S1       

Nº Convencional:       6ª SECÇÃO

Relator:           AZEVEDO RAMOS

Descritores:     DESEMBARAÇO ADUANEIRO

DESPACHANTE OFICIAL

MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO

PAGAMENTO

DIREITO DE REGRESSO

DECLARAÇÃO TÁCITA

ABUSO DO DIREITO

           

Data do Acordão:      20-11-2012

Votação:         UNANIMIDADE

Texto Integral:            S

Privacidade:    1

           

Meio Processual:        REVISTA

Decisão:          NEGADA A REVISTA

Área Temática:           DIREITO ADUANEIRO - CAUÇÃO GLOBAL PARA DESALFANDEGAMENTO

DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FA CTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL

Doutrina:        - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 63.

- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed, p. 57.

- Vaz Serra refere-se, “Abuso do direito”, Bol. n.º 85, p. 253; “Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos”, nº2, Bol. n.º 72.

Legislação Nacional:  CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 334.º, 770.º, 769.º, 800.º, 1161.º, 1167.º, 1180.º.

DL Nº 46.311, DE 27-4-65: - ARTIGO 426.º.

DL N.º 289/88, DE 24-08: - ARTIGO 2.º, N.º2.

Jurisprudência Nacional:        ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17-6-82, BOL. 318, P. 437.

           

Sumário :       

I - A actividade de desembaraço aduaneiro de um despachante oficial enquadra-se no contrato de mandato sem representação, na medida em que o despachante age em nome próprio, mas por conta de outrem.

II - Se o importador se serviu de terceiro, como seu auxiliar, para assegurar o cumprimento de todas as diligências e procedimentos necessários à importação de mercadorias, tal importador é responsável nos termos do art. 800.º, n.º 1, do CC.

III - Se o importador pagou os direitos aduaneiros a esse terceiro, seu auxiliar, mas este não entregou o dinheiro ao despachante, o qual teve de pagar do seu bolso tais direitos, há direito de regresso do despachante contra o importador, nos termos do art. 2.º, n.º 2, do DL n.º 289/88, de 24-08.

IV - Só há declaração tácita quando se deduza de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.

V - O abuso do direito pressupõe um manifesto excesso, um direito exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.

           


*

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar procedente a apelação, em conformidade:

a)  revogam a decisão recorrida,

b)  julgam provada e procedente a acção, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 15.640,74 (quinze mil seiscentos e quarenta euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data do pagamento efectuado às Alfândegas em 15/11/2011, às taxas legais, estando vencidos em 28/11/2012, a quantia de 1.119,32 euros (mil cento e dezanove euros e trinta e dois cêntimos).

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da Ré que decai e porque decai nos termos do art.º 527)


Lxa.,

João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves


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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu)e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente às acções declarativas pendentes, não estando a situação ressalvada no art.º 7 , atendendo a que a acção foi autuada no 8.º juízo Cível (actual Instância Local da Comarca de Lisboa, secção Cível juízo 22) e a data da decisão recorrida que é de 08/06/2015; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.