LIBERDADE CONDICIONAL
PREVISIBILIDADE
Sumário

I- A ressocialização que se espera, por força da execução de uma pena de prisão, é a relativa aos bens jurídicos que o arguido violou.
II- O fundamentado juízo de prognose, favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, exigido pela Lei para concessão da liberdade condicional no patamar dos 2/3 da Pena, assenta necessariamente na apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão e implica que se possa ter fundada expectativa de que não voltará a delinquir no âmbito dos mesmos tipos de crimes.
III- O essencial do juízo de prognose que há que fazer reporta-se aos bens jurídicos tutelados pelos tipos de crimes cometido e não a qualquer outra circunstância.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
                  
I – Relatório:

No âmbito do processo gracioso de concessão da liberdade condicional, a 29/10/2014, foi proferida decisão de não concessão da liberdade condicional ao arguido…, nascido a 04/03/1979, filho de …e de …  
    
***
***
O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« A) A decisão em crise fundamenta-se, basicamente nos relatórios apresentados e pareceres.
B)- O Ministério Público lavrou parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional;
C)- O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu por unanimidade parecer desfavorável;
D)- O condenado deu anuência à concessão da liberdade e pronunciou-se sobre o circunstancialismo do caso e as suas perspectivas e projectos de futuro.
E)- O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, tendo em conta os pressupostos formais e materiais indispensáveis para a concessão da liberdade condicional
F) Quanto aos pressupostos formais entende o Tribunal a quo que a liberdade condicional está dependente em primeiro lugar de um pressuposto subjectivo essencial, caracterizante da fácies político-criminal do instituto: o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, a expectativa de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” configura para o Tribunal a quo um pressuposto inultrapassável, por expressa previsão legal; se não existir, a liberdade condicional não poderá ser concedida.
G) No que respeita aos pressupostos formais, os mesmos estão reunidos, pois o recluso já cumpriu 2/3 da pena a que foi condenado - 26/09/2013.
H) Em nosso entender o Tribunal a quo analisou a situação mas não teve em consideração o percurso prisional do recluso, nomeadamente que é pessoa trabalhadora, não tem conflitos com ninguém, etc.
I) O recluso encontra-se a cumprir uma pena de 14 anos de prisão.
A pena foi liquidada nos seguintes termos:
-   Meio da pena - 26.05.2011
-   Dois terços da pena - 26.09.2013
-   Cinco sextos - 26-01-2016                             
-   Termo da pena - 26.05.2018
J) O recluso tem vindo a melhorar o seu comportamento;
-  O seu comportamento prisional tem vindo a estabilizar (alínea W dos pressupostos materiais)
-  Exerceu funções liberais nos filtros, mecânica, serralharia e lavandaria (alínea x dos pressupostos materiais)
-  Tem visitas da esposa, filhos e irmã (alínea ee dos pressupostos materiais)
-   Beneficiou de quatro licenças de saída jurisdicional, sendo que a última lhe foi concedida por despacho de 01.06.2012 (alínea ff dos pressupostos materiais)
-  Perspectiva ir viver coma esposa, em São … (alínea hh dos pressupostos materiais)
-   pretende voltar a trabalhar na área de mecânica automóvel (alínea ii dos pressupostos materiais)
L) O recluso regista alguma evolução ao nível da atitude criminal.
M) O Tribunal a quo não teve em conta a evolução do recluso.
N) O recluso interiorizou por demais os crimes que cometeu e está deveras arrependido.
O) A concessão da liberdade condicional, não implica uma modificação da pena na sua substancialidade, mas apenas uma realidade inerente à respectiva execução.
P) Está portanto definitivamente ultrapassado o entendimento da liberdade condiciona] como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta.
Q) Em Portugal, face ao direito positividado, trata-se de um incidente da execução da pena de prisão não devendo ser encarada como uma medida coactiva de socialização, isto por duas razões:
e) Ela depende sempre do consentimento do condenado
f) A liberdade condicional nunca ultrapassa o período de tempo de prisão que falta cumprir o condenado
g) A liberdade condicional tende a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, destinado a permitir que o arguido possa nela integrar.
h) -A liberdade condicional tende a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, destinado a permitir que o arguido possa nela integrar-se depois de um período de divórcio ocasionado pela prisão.
R) - Por outra, almeja-se adaptar a duração do cumprimento da pena à evolução do arguido no estabelecimento prisional, estimulando-se ao mesmo tempo, para que oriente o seu destino, durante o cumprimento, em proveito de um comportamento positivo.
S) A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, possibilitando dessa forma que o recluso adquira novamente o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.
T) E portanto, uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá com a defesa da ordem e da paz social.
U) Por outro lado se a liberdade condicional for suscitada quando se mostra cumprida mais de 1/2 da pena, como é o caso, (mais de 2/3) é aplicada em função da emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade decorrente da avaliação das circunstâncias do caso da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução durante a execução da pena de prisão.
V) O condenado só cumpriu mais de 2/3 da pena a que foi condenado.
X) O condenado já cumpriu mais de 10 anos de reclusão, tempo mais que suficiente para interiorizar os crimes que cometeu e mostrar arrependimento, o que o recluso referiu sem reservas.
Z) O condenado pretende retomar a sua actividade de mecânico, actividade que é fácil de arranjar emprego.
AA) Em nosso entendimento, encontram-se reunidos todos os pressupostos para que seja concedida a liberdade condicional - art° 61° do Cód. Penal.
BB) O Tribunal baseou-se no facto do arguido ter penas altas; O tribunal a quo apenas tem como objectivo o percurso prisional do recluso. O arguido já foi condenado pelos diversos crimes que praticou e não pode ser condenado outra vez.
CC) O Tribunal a quo ao condenar novamente o arguido, violou o disposto ni n° 5 do Art° 29° da Constituição da República Portuguesa e o Art° 61° do Cód. Penal.
DD) Parece contudo que no caso vertente, encontram-se reunidos todos os pressupostos para que seja concedida a liberdade condicional do arguido.
EE) Assim deve ser revogada a decisão em crise e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao condenado
Nestes termos e nos mais de direito deve a presente decisão ser revogada e, em consequência seja proferida outra decisão que conceda a liberdade condicional».

***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos termos que se transcrevem:
« 1. Por decisão judicial, datada de 29/10/2014, não foi concedida a liberdade condicional ao condenado.
2. Tal decisão foi proferida após prévia instrução dos Autos, respectivamente, com junção, mormente, de relatórios da DGRSP, CRC do recluso, parecer, por unanimidade, desfavorável de reunião de Conselho Técnico, auto de audição do recluso e parecer desfavorável do Ministério Público.
3. Na base dos elementos carreados para os Autos, aludidos em 2., conjugados com o acórdão condenatório proferido nos Autos de Cúmulo Jurídico n.° 366/08.4TCLSB, com ponderação da defesa da ordem e da paz social, tendo cm conta as circunstâncias dos crimes cometidos e a evolução do percurso prisional do recluso/recorrente, o tribunal “a quo” proferiu a decisão recorrida, de acordo com juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional.
4. Analisando o processo decisório é inegável que o despacho recorrido, de forma escrupulosa, cumpriu a lei e se mostra fundamentado, nos termos preceituados no Art. 97° n° 4 do C. P. Penal, conjugado com o Art. 146°n.° 1 do CEPMPL, para os actos decisórios.
5. A decisão judicial ao não conceder a liberdade condicional, acertadamente não ignorou a gravidade dos factos pelos quais foi condenado, a extensão da pena e o seu percurso prisional.
6. E o certo é que o percurso prisional tem-se pautado por diversas punições disciplinares revelando dificuldades no cumprimento de regras.
7. Saliente-se que já gozou de RAI, o qual foi revogado em 17/07/2012, por razões disciplinares, sendo que sofreu novas sanções disciplinares em 06/03/2013 e 18/02/2014.
8. Para beneficiar da concessão da liberdade prisional tem de consolidar o seu percurso prisional e retomar todas as etapas do tratamento penitenciário, mormente, eventual, gozo de Licenças de Saída Jurisdicional e de curta duração.
9. Terá de passar, de novo, por RAI e ser avaliado, eventualmente, em RAE, caso, como se salientou, seja credor dos mesmos.
10. O tribunal “a quo” fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 29°n.°5 da CRP, 97°n. °4, do C. P. Penal, 61° n. ° 2 als. a) e b) do C. Penal e 146° do CEPMPL.
11. A decisão judicial recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos».

***
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta declarou sufragar a contra-motivação apresentada na instância recorrida.
 
***
***
II- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pelo recorrente é a substituição da decisão recorrida por outra que lhe conceda a liberdade condicional, por entender que estão verificados os pressupostos de que depende.

***
 ***
III- Fundamentação de facto:
1- O condenado nasceu em 04/03/1979 e cumpre pena de prisão pela primeira vez.
2- Cumpre a pena única de 14 anos de prisão, à ordem dos presentes autos, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes, respectivamente, à autoria de um crime de roubo na forma tentada, de três crimes de roubo, agravados, de dois crimes de receptação, de três crimes de detenção de arma proibida e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal
3- O condenado não tem antecedentes criminais fora do âmbito dos processos cujas penas foram cumuladas nem processos contra si pendentes.
4- O condenado está preso desde 26/05/2004.
5- O condenado atingiu o meio da pena em 26/05/2011 e os dois terços em 26/09/2013.
6- Os 5/6 da pena serão atingidos a 26/01/2016 e o termo prevê-se para 26/05/2018.
7- Até ao momento nunca beneficiou de liberdade condicional.
8- O condenado deu o seu assentimento à concessão de liberdade condicional.
9- Reunido o Conselho técnico, verifica-se que todas as entidades presentes emitiram parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional.
10- Do relatório social elaborado, consta, entre o mais, que «…consideramos que Ricardo Galinho manifesta competências pessoais e sociais que podem refletir-se favoravelmente na sua futura reinserção social, ainda que continue a evidenciar dificuldades de atualização das suas lacunas quanto ao modo como perceciona a pena, nomeadamente o sentido e extensão da mesma.
Desde que regressou a regime fechado tem desenvolvido atividade laboral, mantendo hábitos de trabalho que lhe são reconhecidos.
Tem apoio familiar, nomeadamente por parte da cônjuge, e perspetivas de trabalho no exterior, na mesma área de trabalho em que exerce atividade no EP, facto que poderá sedimentar os hábitos já revelados em contexto prisional.
O retrocesso manifestado no seu percurso parece-nos indiciar importantes falhas ao nível da assunção crítica e responsabilização pessoal.
De resto, ainda não retomou o benefício de licenças de saída.
Assim, consideramos que não estão reunidas condições globalmente compatíveis com o benefício da medida, pelo que emitimos um parecer desfavorável à liberdade condicional».
11- Consta do relatório elaborado, com vista à concessão da liberdade condicional, entre o mais, que «Apesar de todas as vicissitudes ao nível do seu percurso, com consequente revogação das medidas flexibilizadoras da pena, parece-nos que se encontra num estado que potência a mudança, sendo importante a mobilização dos seus recursos internos para alterar comportamentos, e manter a avaliação da coerência entre as suas acções e comportamentos. Assim, faz-nos sentido que retome as medidas flexibilizadoras da pena, de forma a consolidar o seu percurso e interiorizar as competências adquiridas. Por ora, emitimos parecer desfavorável».
12- O despacho recorrido contém-se nos seguintes termos:
«Os presentes autos foram instaurados para eventual concessão da liberdade condicional …, actualmente afecto ao Estabelecimento Prisional do Linhó.
Foram juntos os relatórios exigidos pelo art. 173°, n° 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O Ministério Público lavrou parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu por unanimidade parecer desfavorável.
O condenado foi ouvido, dando a sua anuência à concessão do instituto em questão (art. 61°, n° 1, do Código Penal) e pronunciando-se sobre o circunstancialismo do caso e as suas perspectivas e projectos de futuro.
O processo mostra-se devidamente instruído, inexistindo nulidades, excepções ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito.
Afigura-se-nos inexistirem diligências a que haja ainda de proceder para apreciação da liberdade condicional.

II   - Fundamentos:

Segundo dispõe o art. 40°, n° 1, do Código Penal, a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade". E "a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" - art. 42°, n° 1, do CP.
Portanto, a ressocialização é perspectivada pela lei portuguesa como escopo essencial do ius puniendi.
Também a ressocialização dos criminosos se apresenta, em face dos pressupostos jurídico-constitucionais próprios do Estado de Direito material e das considerações humanitárias, como um imperativo de carácter ético, vale dizer, como "concretização de um dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrem carecidas" (A. Almeida Costa, "Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1989, págs. 449-50).
O objectivo da liberdade condicional é, segundo o n° 9 do Preâmbulo do Decreto-Lei n° 400/82, de 23 de Setembro, "criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão". Este tem, pois, uma "finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização" (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 528).
Como refere Figueiredo Dias (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 529-30, 553-4), a "finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre - e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico- penal - visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele
Nos termos do disposto no artigo 61° do Código Penal, são pressupostos formais (adoptamos a terminologia de Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português: Breves Notas, tese de mestrado, Datajuris pág. 14) de concessão da liberdade:
a) Que o recluso tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses (condiciona-se a libertação condicional ao cumprimento de uma parte substancial da sanção decretada na sentença condenatória de modo a salvaguardar as exigências irrenunciáveis de prevenção geral, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico, a que o tribunal atende na determinação da medida concreta das reacções criminais);
b)  Que aceite ser libertado condicionalmente.
São, por outro lado, pressupostos materiais ou requisitos substanciais indispensáveis:
c)  Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes;
d)  A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social (exceptuado o disposto no n° 3 do preceito em causa).
No que respeita aos pressupostos materiais da liberdade condicional, o da alínea c) assegura uma finalidade de prevenção especial, enquanto o da alínea d) prossegue um escopo de prevenção geral (António Latas, Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade - Aspectos Práticos, Direito e Justiça, vol. especial, 2004, págs. 223 e 224, nota 32).
Reunidos os pressupostos formais, a concessão da liberdade condicional está dependente em primeiro lugar de um pressuposto subjectivo essencial, caracterizante da fácies político-criminal do instituto: o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social. A expectativa de que o condenado, uma vez em liberdade, "conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" configura-se como pressuposto inultrapassável, por expressa previsão legal: se não existir, a liberdade condicional não poderá ser concedida. Ao formular o juízo de prognose, o tribunal aceita um "risco prudencial” (sendo certo que é por todos os autores penitenciaristas reconhecida a dificuldade e incerteza na formulação destes juízos) que radica na expectativa de que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da libertação, possa ser comunitariamente suportado, por a execução da pena ter concorrido, em alguma medida, para a socialização do delinquente (Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pág. 21; Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, quinta edição, Cornares, pág. 915).
O juízo de prognose depende do conhecimento tanto quanto possível perfeito das grandezas que condicionam o comportamento criminoso: a individualidade humana com todas as suas incógnitas e o mundo social com todos os seus imprevistos. A previsão da conduta futura do indivíduo delinquente (prognose criminal individual) deve assentar na análise dos seguintes elementos:
a)   As concretas circunstâncias do caso;
b)   A vida anterior do agente;
c)   A sua personalidade;
d)   A evolução desta durante a execução da pena de prisão.
Posto isto, vejamos o caso concreto dos autos:
i)    Da verificação dos pressupostos formais
O recluso cumpre, após cúmulo jurídico, a pena única de 14 anos de prisão, à ordem do processo n° 366/08.4TCLSB, da 2a Vara Criminal de Lisboa, pela prática de 1 crime de roubo, na forma tentada, de 3 crimes de roubo agravado, de 2 crimes de receptação, de 3 crimes de detenção de arma proibida e de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal e de um crime de falsidade de declaração.
A pena foi liquidada nos seguintes termos:
-   Início do cumprimento: ininterruptamente preso desde 26.05.2004;
-   Meio da pena: 26.05.2011;
-   Dois terços da pena: 26.09.2013;
-   Cinco sextos: 26.01.2016;
-   Termo da pena: 26.05.2018.
A possibilidade de concessão da liberdade condicional foi apreciada por despachos de 02.06.2011, de 22.05.2012,12.06.2013 e de 11.10.2013, mas não foi concedida.
Mostram-se verificados os pressupostos formais para a apreciação da liberdade condicional, uma vez que o recluso declarou aceitar a sua eventual libertação condicional e já decorreu um ano desde a última decisão (art. 180°, n° 1, do CEPMPL).
ii) Dos pressupostos materiais
Considerando os elementos existentes nos autos, em especial as certidões das decisões condenatórias, o CRC, a ficha biográfica, o auto de audição, os relatórios da Reinserção Social e dos Serviços de Tratamento Penitenciário e o teor do SIP do condenado, pode dar-se como demonstrado o seguinte quadro factual e analítico:
a)  O recluso assume a prática dos crimes por que foi condenado;
b)  Verbaliza arrependimento;
c)  Alega que cometeu os crimes para ajudar economicamente os avós e os filhos;
d)  O seu certificado do registo criminal integra 15 boletins, tendo antecedentes criminais;     
e)   A sua primeira condenação foi por crime de desobediência, por factos de 7.11.1996;     
f)    O condenado nasceu a 04.03.1979, em Oeiras;
g)   Os pais separam-se ainda na sua infância;
h)   Ambos os pais reconstituíram família;
O   Tem uma irmã consanguínea e uma irmã germana;
j)    Viveu com o pai até aos 9 anos de idade;
k) A relação com o pai culminou com a separação de ambos face a conflitos interpessoais com a madrasta;
l)    Depois foi acolhido pelos avós matemos;
m)  Registou um percurso escolar de insucesso e abandono;
n)   Concluiu o 6º ano de escolaridade;
o)   A relação afectiva com os progenitores é difusa;
p)   A sua adolescência e início da idade adulta foram caracterizados pela delinquência e integração em grupos de pares com comportamentos desviantes;
q)   Iniciou na adolescência relacionamento do qual nasceram dois filhos;
r) À data da detenção vivia com a ex-mulher, os dois filhos e os avós maternos;
s) Após a detenção e a separação da mãe dos seus filhos, voltou a reconstituir família, tendo casado já em situação de reclusão;
t)   Em liberdade teve um percurso profissional irregular, tendo exercido actividades indiferenciadas, numa indústria de madeira, na construção civil, como mecânico e como distribuidor de pizas;
u) Em reclusão, averba 15 punições disciplinares, sendo a última aplicada por despacho de 18.02.2014;
v) Destacam-se as sucessivas medidas disciplinares por posse repetida de telemóveis;
w)   O seu comportamento prisional tem vindo a estabilizar;
x) Exerceu funções laborais nos filtros, mecânica, serralharia e lavandaria;
y)    Foi colocado em regime aberto no interior em 07.12.2011;
z)   O RAI foi revogado a 17.07.2012, na sequência da prática de infracção disciplinar (posse de telemóvel);
aa) Actualmente trabalha como mecânico na oficina, com bom desempenho; bb) Revela hábitos de trabalho;
cc)   Frequentou o curso EFA B2 (marcenaria), que não concluiu por ter sido excluído por faltas;
dd) Inscreveu-se no curso EFA B3 mas foi excluído por falta de assiduidade em 08.02.2010;
ee)  Tem visitas da esposa, filhos e irmã;
ff)  Beneficiou de quatro licenças de saída jurisdicional, sendo que a última lhe foi concedida por despacho de 01.06.2012;
gg) Desde então não voltou a beneficiar de medidas de flexibilização da execuçãoda pena;
hh)   Perspectiva ir viver com a esposa, em São …; 
ii)    Pretende voltar a trabalhar na área de mecânica automóvel;
jj) A sua mulher acumula o trabalho de empregada doméstica com a de esteticista, num cabeleireiro.

*
O recluso regista alguma evolução ao nível da atitude criminal (se bem que subsista uma postura de desculpabilização) e não há dúvidas de que é uma pessoa trabalhadora. Tem hábitos de trabalho e competências profissionais, designadamente como mecânico.
Porém, em termos de sentido de responsabilidade, continuam a subsistir alguns défices. Ao longo do seu percurso prisional tem sido regularmente punido com medidas disciplinares, essencialmente por posse de telemóveis.
O RAI foi revogado a 17.07.2012, precisamente por possuir um telemóvel e em 06.03.2013, foi-lhe aplicada nova medida disciplinar por factos de 12.02.2013, também por posse de dois telemóveis. Em 18.02.2014 voltou a ser punido disciplinarmente.
Todos os elementos do Conselho Técnico enfatizam o facto de o recluso não ter sabido aproveitar as oportunidades que lhe foram sendo concedidas, suscitando dúvidas sobre a sua capacidade para em liberdade assumir um comportamento responsável.
Por outro lado, quem praticou crimes graves, como sucede com o recluso, e foi condenado numa pena única de 14 anos de prisão, não pode ser colocado em liberdade de ânimo leve. Deve exibir um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário.
No caso em apreço, o percurso prisional tem sido marcado por um padrão de avanços e recuos.
No que respeita à última fase da reclusão, observa-se que a última licença de saída jurisdicional foi concedida por despacho de 01.06.2012 e desde então não voltou a retomar as medidas de flexibilização da pena, o que impede a formulação de um juízo seguro sobre o recluso. Regrediu no percurso prisional e não voltou a avançar para a fase do tratamento penitenciário de maior aproximação à vida em liberdade, de preparação para esta e de teste ao comportamento em meio livre.
Portanto, qual será o comportamento do recluso em liberdade permanece uma incógnita.
Acresce que no meu entender, que aqui deixo expresso, esta é daquelas situações em que o normal seria a colocação, previamente à libertação condicional, em regime aberto no exterior, de forma a permitir ao recluso demonstrar que se tornou um cidadão responsável e que está em condições de ser restituído à liberdade.
E precisamente essa a função do RAE, especialmente para penas elevadas, como é o caso vertente. A colocação nesse regime permitiria também testar devidamente o recluso em meio livre.
Em todo o caso, a verdade é que o recluso nem sequer conseguiu manter-se eni regime aberto no interior, nem retomar as medidas de flexibilização, o que diz bem da falta de conclusão do processo de readaptação social.

III   - Decisão:

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, não concedo a liberdade condicional (…)»
13- Durante a execução da pena de prisão:
a) O condenado beneficiou de licenças de saídas jurisdicionais, a 19/06/2012, 19/03/2012 e 24/12/2011, as quais foram avaliadas com nota positiva.
b) O condenado beneficiou de regime aberto, entre Dezembro de 2011 e Julho de 2012.
c) O regime aberto e as licenças jurisdicionais cessaram na sequência da posse de um telemóvel;
d) Averbou punições no seu registo disciplinar, designadamente: repreensão escrita por uma infracção cometida a 24/10/2010; permanência por 12 dias no alojamento, pela prática de infracções, cometidas a 10/7/2012; permanência por 12 dias no alojamento, pela prática de infracção cometida a 26/7/2012; permanência por 10 dias no alojamento, pela prática de infracções cometidas a 12/02/2013, repreensão escrita por infracções cometidas a 20/09/2013 e registou outra infracção a 24/07/2014;
e) Reiteradamente, as infracções relacionaram-se com a detenção de telemóveis na sua posse;
f) Exerceu funções laborais e actualmente trabalha, com bom desempenho;
g) Participou em programa de prevenção rodoviária, de forma interessada;
h) Beneficia de apoio da mulher, com quem casou já em situação de reclusão, dos filhos e de uma irmã;
i) Perspectiva ir viver com a mulher, que dispõe de rendimento laboral e residência adequada;
j) Perspectiva arranjar trabalho, em situação de liberdade.

***
***
IV- Fundamentos de direito:

O condenado, recorrente, pretende beneficiar da liberdade condicional a 2/3 da pena, porque entende que lhe «parece (…) que no caso vertente, encontram-se reunidos todos os pressupostos para que seja concedida a liberdade condicional do arguido» porquanto «o Tribunal a quo analisou a situação mas não teve em consideração o percurso prisional do recluso, nomeadamente que é pessoa trabalhadora, não tem conflitos com ninguém, etc (…) tem vindo a melhorar o seu comportamento (…) seu comportamento prisional tem vindo a estabilizar (…) exerceu funções liberais nos filtros, mecânica, serralharia e lavandaria (…) tem visitas da esposa, filhos e irmã (…) beneficiou de quatro licenças de saída jurisdicional, sendo que a última lhe foi concedida por despacho de 01.06.2012 (….) perspectiva ir viver coma esposa, em São … (…) pretende voltar a trabalhar na área de mecânica automóvel (…) regista alguma evolução ao nível da atitude criminal (…) interiorizou por demais os crimes que cometeu e está deveras arrependido (…) já cumpriu mais de 10 anos de reclusão, tempo mais que suficiente para interiorizar os crimes que cometeu e mostrar arrependimento, o que o recluso referiu sem reservas (…) pretende retomar a sua actividade de mecânico, actividade que é fácil de arranjar emprego». Conclui, dizendo que «o seu bom comportamento prisional, o apoio familiar e a expectativa de trabalho, com que conta, são adequados a preencher o pressuposto material de que dependa a sua concessão».
Mais entende que a não concessão da liberdade condicional constitui nova condenação o que viola o disposto no artº 29°/5, da CRP e o art° 61°/ CP, «estando-lhe a ser negados os mais elementares direitos constitucionais e processuais».
O recorrente está preso e a cumprir uma pena em que foi condenado, como consequência da prática de crimes que mereceram as penas que lhe foram impostas e a pena cumulativa, que cumpre. O recorrente sabe, pelo menos porquanto está representado por profissional do foro, que o que está em causa, agora, é uma questão do âmbito da execução da pena e não da definição da pena. Não foi sujeito a novo processo de condenação pelo que juridicamente não significado nem sentido a alegada nova condenação, com a inerente violação dos direitos constitucionais e processuais.
O instituto da liberdade condicional é um poder/dever que está ao serviço da ressocialização e das necessidades de prevenção. Não tem aplicação automática nesta fase dos 2/3 da pena e depende da verificação de pressupostos formais e materiais, na apreciação dos quais se coloca todo o cuidado, tendo em vista precisamente a compatibilização do interesse do recluso, na restituição à liberdade, com os interesses da sociedade, que já vitimou e que é preciso acautelar que não volte a vitimar. Não se vislumbra que violação de direitos constitucionais ou processuais se pode o recluso queixar, quando em causa está precisamente a compaginação do seu direito à liberdade com a potencialidade lesiva do direitos alheios, já demonstrada, correndo ainda termos a execução da precisa pena em que foi condenado e cuja medida foi ditada, predominantemente, pela apreciação da sua culpa.
Atenhamo-nos então na questão da pressuposta desadequação da não concessão da liberdade condicional.
A finalidade de qualquer pena não é a retribuição do mal do crime mas a protecção dos bens juridicamente tutelados, pela prevenção da prática de futuros crimes o que, em cada caso, pressupõe a assunção pelo agente de novos valores e condutas que o afastem dos trilhos da criminalidade (artºs 40º e 42º/CPP). É pela expiação da pena que se espera que o agente atinja uma (re)integração social que evite a prática criminosa, assim se atingindo o desiderato da paz social, mediante a efectiva protecção dos bens jurídicos penalmente tutelados.
Isto quer dizer que, num critério de generalidade, a perspectiva da reintegração social visa moldar a personalidade e conduta do agente, não numa abrangência total, mas na medida necessária e adequada à prevenção da prática de futuros crimes, ou seja, na medida determinada pela conformação da sua conduta delituosa a uma conduta socialmente aceite. Estão em causa, particularmente, os reajustamentos comportamentais relativos aos bens jurídicos já violados. E, tendo em vista a eficácia dessa ressocialização, surge a liberdade condicional, como ≪medida de flexibilização da pena de prisão, que visa criar um período de transição entre a reclusão prisional e a liberdade definitiva, durante o qual o condenado possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, enfraquecido por efeito da prisão e, assim, atingir uma adequada reintegração social, satisfazendo-se o preceituado no supra citado are 40°, n° 1 do Código Penal≫ ([3]).
O instituto da liberdade condicional assume «um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.
 Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento» ([4]).
A liberdade condicional, quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do Tribunal, vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são diferentes, consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
A sua aplicação assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material. Os primeiros compreendem:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º/1, do CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão (artigo 61º/2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º/2, 3 e 4 e 63º/2, do CP).
Os pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena são:
a) Um fundamentado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (artigo 61º/2, a) e b), do CP), o qual assenta numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
São exigências, simultaneamente, de prevenção geral e especial que condicionam a concessão da liberdade condicional a metade da pena.
Quanto apreciada aos 2/3 da pena, a liberdade condicional satisfaz-se com a verificação dos pressupostos atinentes à prevenção especial de ressocialização (artº 61º/3, do CP).
Quando apreciada à metade ou aos 2/3 da pena, o Juiz deve considerar os elementos de que disponha e que se mostrem relevantes, dentro dos quais se impõe a apreciação das circunstâncias do crime, a vida anterior do agente e a evolução da personalidade, revelada à data da condenação, durante a execução da pena de prisão.
A este respeito vem sendo entendido que ([5]):
1) A análise das circunstâncias do caso passa, naturalmente, pela valoração do crime cometido, ou seja, para além da sua natureza, das realidades normativas que serviram para a determinação concreta da pena, nos termos do artº 71º/1 e 2 do C. Penal e, inerentemente, à medida concreta da pena em cumprimento;
2) A consideração da vida anterior do agente, (já também valorada na determinação concreta da pena, nos termos da alínea e) do nº 2 do referido artº 71º) relaciona-se com a existência, ou não, de antecedentes criminais;
3) A referência à personalidade do recluso, reporta-se aos indícios relativos a uma personalidade conforme, ou não, ao direito e potencialmente merecedora da liberdade condicional, tendo em conta a adequada compreensão sobre a existência de um determinado percurso criminoso ao qual possa ter sido conduzido ou determinado por circunstâncias que não controlou, ou não controlou inteiramente.
4) A evolução da personalidade do recluso, durante a execução da pena de prisão, deve ser indiciada através de algo que transcenda a esfera meramente interna (psíquica) daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.
Há que alertar para que, a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se esgota, necessariamente, através de uma boa conduta prisional, devendo considerar-se outros elementos de facto, quando relevantes e disponíveis.
Em qualquer das situações a norma exige, expressamente, que seja «fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (artº 61º/2-a), do CP).
Ora, nada melhor para avaliar da evolução da personalidade do recluso, absolutamente determinante a eficácia da prevenção especial positiva, do que a observação da sua postura (intelectual e emotiva) perante os factos pelos quais foi condenado.
Todos os pareceres emitidos foram, fundadamente, negativos. Foram pareceres emitidos por profissionais que acompanham, in loco, o percurso do arguido e que, melhor do que ninguém, percepcionam as suas atitudes que são um reflexo da sua postura perante os factos.
Por outro lado, nos termos do recurso, e ressalvada a deturpação que o “esquecimento” do cadastro disciplinar do arguido determinou (como afirmar que não tem conflitos com ninguém), não se encontra referência a circunstância concreta alguma que não tenha sido objecto de análise no despacho recorrido, nem tão pouco fundamento para uma apreciação distinta daquela que foi feita. 
O que determinou a prisão do arguido foi, essencialmente, a prática de crimes de roubo, receptação e detenção de arma proibida.  
A ressocialização que se espera nestes autos é a relativa aos bens jurídicos que o arguido tão reiteradamente violou – a liberdade de autodeterminação, a integridade física e a propriedade privada. O que se exige é a capacidade de aferir, com alguma segurança, se a pena que já cumpriu é, ou não, suficiente para que se crie uma fundada expectativa de que não voltará a delinquir no âmbito do mesmos tipos de crimes. O essencial do juízo de prognose que há que fazer reporta-se aos bens jurídicos tutelados pelos tipos de crimes cometido e não a qualquer outra circunstância.
O arguido foi preso muito novo, com 25 anos de idade. Seguramente, à delinquência manifestada não foi alheio o percurso vivencial de desprendimento afectivo e emocional a que foi votado pelos progenitores. Acresce a isso a vivência em ambientes conotados com comportamentos desviantes - que não foram escolhidas pelo próprio mas resultaram simplesmente do meio onde nasceu e cresceu – e a sua integração nos mesmos – o que reflecte as necessidades de aceitação próprias da juventude.
Desde então cumpriu 10 anos de prisão, numa fase da vida muito importante para a estruturação da personalidade.
O arguido, já mesmo em fase de concessão de benefícios, designadamente pelas saídas precárias e pela colocação em regime aberto, adoptou uma postura de desrespeito pelos limites das situações que vivencia, o que é dizer pelas regras próprias da sua situação de reclusão.
Manifesta-se aqui uma componente de deficiente assunção da necessidade de respeito das regras de convivência social o que faz temer pela capacidade de manutenção de uma postura idónea, uma vez em liberdade. É que se, com as atitudes de reiterada violação das regras de conduta do E.P., o arguido se colocou na precisa situação de lhe ver revogadas todas as benesses que o aproximavam de regimes de maior liberdade, torna-se infundado acreditar, agora, que a concessão de liberdade condicional está isenta de sério risco de reiteração criminosa. 
É de louvar a dedicação ao trabalho que o recorrente tem demonstrado.
Contudo, não há factos, nos autos, que permitam o juízo de prognose positiva acerca da inexistência de riscos sérios de cometimento de futuros crimes, uma vez colocado, agora, em liberdade condicional
O arguido está a um ano dos 5/6 da pena, altura em que será necessariamente colocado em liberdade (artº 61º/4, do CP). Impõe-se, a nosso, ver, a preparação dessa libertação de forma gradual, segura e vigiada, de modo a garantir que todo este tempo de reclusão não tenha sido inútil para a integração social do arguido.
Improcede, na conformidade, o recurso interposto.

***
V- Decisão:

Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas do recurso, pelo recorrente, com taxa de justiça de 2 ucs, considerando-se, no entanto, a sua situação de preso em cumprimento de pena.

Lisboa, 28/ 01/2015
                                                  

(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva)                                  
(Ana Paula Grandvaux Barbosa)
______________________________________________________
[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em B.M.J. 477º-271.
[2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3] Cfr. n° 9 do Preâmbulo do DL n° 400/82, de 23/09 e, Almeida Costa em «Passado e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português», no
BFDC, vol LXV, 1989, 433 e 434.
[4] Figueiredo Dias, «Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Editorial Notícias, 1993,528.
[5] Ac. RP, de 10/03/2010, proc. 757/05.2TXPRT.P1, em www.dgsi.pt.