TRIBUNAL DE FAMÍLIA
COMPETÊNCIA
Sumário

- Compete aos tribunais de família preparar e julgar as acções de investigação e impugnação da maternidade e paternidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – A..., intentou acção declarativa de impugnação da perfilhação, com “processo ordinário” contra I... e M..., pedindo que se declare que este 2º Réu não é filho do Autor
Alegou que, não obstante a paternidade deste 2º Réu se encontrar estabelecida por perfilhação, resultante de declaração voluntária nesse sentido, tem dúvidas que essa declaração corresponda à verdade biológica. Intentou acção para impugnar a paternidade, no caso, estabelecida por perfilhação voluntária.
A acção foi intentada em, 11-2-2014, nos juízes cíveis, aí decidiu-se que é o juízo de família e menores o competente para preparar e julgar as acções de investigação e de impugnação da paternidade – cf. art. 115º, nº 1, al. l), da Lei nº 52/2008, de 28-8. Nos termos dos art. 96º, 97º, 98º e 99º, nº 1, todos, do C.P.Civil, declarou a incompetência do juízo de grande instância cível de Sintra, em razão da matéria. Absolveu os Réus, da instância – art. 577º, al. a), 579º e 278º, nº 1, al. a), todos, do C.P.Civil.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso o autor e nas alegações concluiu:
1. A douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação do direito aplicável na sua fundamentação, ao determinar a incompetência daquele tribunal em razão da matéria para julgar a acção de impugnação de perfilhação, declarando que será o "juízo de Família e menores o competente para preparar e julgaras acções de investigação e de impugnação da paternidade – cf. art. 1 15o, no 1, ai. 1), da Lei no 52/2008, de 28-8."
2. O artigo 115 n.º 1 alínea 1), da Lei no 52/2008, de 28-8 estatui que "Compete igualmente aos juízos de família e menores: 1) Proceder à averiguação oficiosa de maternidade, de paternidade ou para impugnação da paternidade presumida;"
3. O Apelante discorda da fundamentação da sentença, entendendo que impugnação da paternidade estabelecida por via da perfilhação destina-se e tem como fundamento a demonstração de que a declaração constante do registo de perfilhação não corresponde à verdade.
4. Trata-se de uma declaração prestada pelo Apelante perante a Conservatória, que aquele pretende fazer desaparecer da ordem jurídica e ver excluída a paternidade declarada no assento de nascimento do réu M...
5. A apreciação do mérito do pedido contém, subjacente, uma acção de declaração negativa.
6. Como tal, as acções declarativas de simples apreciação - art. 1 0° nº 2 e 3 al. a) do C.P.C. - visam precisamente declarar a existência ou inexistência de um direito ou de facto, pondo assim termo a um estado de incerteza.
7. O que determina a apresentação da petição da acção de impugnação da perfilhação nos tribunais comuns.
8. Assim, ao contrário da sentença proferida, a acção de impugnação de perfilhação terá que correr os seus temos no tribunal civil e não no tribunal de competência especializada, como é o tribunal de família.
9. O Apelante não se conforma com a sentença proferida, entendendo que esta deverá ser revogada, atendendo à errada aplicação na fundamentação das normas legais invocadas, seguindo a acção os seus trâmites.

Factos
O menor M... nasceu em 26 de Maio de 2013. Foi registado como filho de I... Foi efectuado o averbamento em 10.10.20013, onde consta que o pai é A... doc. Fls. 7 e 8.
Não houve contra alegações
Dispensados os vistos legais, nada obsta ao conhecimento.
II – Apreciando
Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
Vejamos
Como nos parece pacífico, para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelos AA., pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante, ou nas doutas palavras de Alberto Reis, é assim que se caracteriza o “modo de ser do processo” (In Com. 1º, 110). Quer dizer que, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.
A competência em razão da matéria, “deriva da competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação”, sendo que “na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se pois de uma competência “ratione materiae”. A instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes”(Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 94.)
O art. 26º da LOFTJ (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei 52/2008 de 28/8, vigente à data das decisões em conflito) estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais (Hoje o art. 80º nº 1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto estabelece em idêntico sentido que “compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais”.). É que os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não descriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas. A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada. Em sentido idêntico estipula o art. 64º do Novo C.P.Civil que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Na mesma direcção aponta o art. 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
A causa de pedir nesta acção é a impugnação da perfilhação que o apelante fez, em processo de averiguação de paternidade, consta do averbamento do registo, ou seja, a sua anulação. Sendo a perfilhação irrevogável, art. 1858 do CC, o art. 1860 permite a sua anulação nas condições aí enumeradas.
Invocou o apelante o Acórdão n..º 086731 de Supremo Tribunal de Justiça, 09 de Maio de 1995 invocado nas alegações "1 - A acção destinada a obter a declaração de que o réu não é filho de quem, em averbamento ao seu assento de nascimento, figura como pai-perfilhante, tendo apenas como fundamento a não existência da paternidade biológica, é acção declarativa de impugnação da perfilhação, sendo para o seu conhecimento, materialmente competente o tribunal comum.".
Hoje o art. 115,nº1,al m) do DL 52/2008 estatui que compete aos tribunais de família: Preparar e julgar as acções de investigação e impugnação da maternidade e paternidade.
Este art. corresponde ao art. 82 al.j) da LOFTJ, 3/99, de 13 de Janeiro que tinha a seguinte redacção – Proceder à averiguação oficiosa de maternidade, de paternidade ou para impugnação da paternidade presumida.
No caso vertente, o apelante impugna a paternidade. O pedido é de declaração da inexistência de um facto ou seja a impugnação da perfilhação, por erro.
A decisão, não podia ser outra e deve ser mantida.
Como a incompetência foi conhecida depois dos articulados, e não há trânsito, pode o apelante requerer a remessa do processo para o tribunal competente em conformidade com o estatuído no art. 99/2 do CPC.
Concluindo
- Compete aos tribunais de família: Preparar e julgar as acções de investigação e impugnação da maternidade e paternidade.
III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação.
Sem custas

Lisboa,  19/2/2015
Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
Ana Luísa Geraldes