RECURSO DE REVISÃO
PRAZO DO RECURSO
FÉRIAS JUDICIAIS
SUSPENSÃO DO PRAZO
Sumário

SUMÁRIO:

I. O prazo de sessenta dias, para a interposição do recurso de revisão, conta-se nos termos da lei processual, por efeito do disposto no art. 138.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
II. Por consequência, a contagem desse prazo suspende-se durante as férias judiciais.
III. Assim, é tempestivo o recurso de revisão interposto a 9 de janeiro de 2014, contado o prazo de sessenta dias a partir de 28 de outubro de 2013.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO

            Renato, Réu na ação declarativa, interpôs, em 9 de janeiro de 2014, na 4.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa (Instância Central, 1.ª Secção Cível da Comarca de Lisboa), nos termos do disposto nos arts. 696.º, alínea e), 697.º, n.º s 1 e 2, alínea c), e 698.º, n.º 1, todos do CPC, recurso extraordinário de revisão da sentença proferida em 9 de fevereiro de 2010, que o condenou a pagar à Telecomunicações, a quantia de € 15 336,75, acrescida dos juros de mora, à taxa legal supletiva, até integral pagamento, sendo os vencidos até 11 de junho de 2007, no montante de € 1 784,12, pedindo a sua citação para a ação, com o seguimento dos ulteriores termos do processo.
Para tanto, alegou em síntese, a falta de citação e a nulidade da citação edital, por preterição de formalidades essenciais, tendo tomado conhecimento da ação no dia 28 de outubro de 2013.
Recebido o recurso, foi notificada a parte contrária que, respondendo, alegou a intempestividade e falta de fundamento do recurso de revisão.

Por despacho, de 29 de abril de 2014, o recurso foi indeferido, por intempestividade.
Inconformado com essa decisão, apelou o Recorrente, e tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) Há que atender ao disposto no art. 245.º, n.º 1, do CPC.
b) E é também aplicável o regime previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.
c) O prazo para apresentar o recurso de revisão suspende-se em férias.
d) Ao prazo de 60 dias há que aplicar a dilação de cinco dias, por a citação ter sido efetuada em pessoa diversa do réu – art. 254.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
e) O ato praticado em 9 de janeiro de 2014 não pode ser considerado extemporâneo.
f) Havendo entendimento de que o prazo não interrompeu nas férias, impunha-se que a secretaria o notificasse para proceder ao pagamento da multa – art. 139.º, n.º 5, do CPC, o que não sucedeu.
g)  A falta de notificação acarreta uma nulidade insanável – art. 195.º do CPC

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e, em consequência, o prosseguimento normal dos autos.

Contra-alegou a Recorrida, no sentido da improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está apenas em causa a extemporaneidade do recurso extraordinário de revisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa então conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente acaba de ser especificada.
A decisão recorrida, como se referiu, indeferiu o recurso extraordinário de revisão, por extemporaneidade, dado ter sido interposto depois do decurso do prazo de sessenta dias previsto no art. 697.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC).
O Apelante, porém, manifestando a sua discordância, continua a insistir na defesa da tempestividade da revisão, dissentindo a Apelada.
A intangibilidade da autoridade do caso julgado, ditada por razões de segurança e certeza jurídicas, constitui um princípio do processo civil. Na verdade, formado o caso julgado, deve ficar em definitivo encerrada a discussão da causa, nomeadamente por uma questão de segurança jurídica e também por prestígio dos Tribunais.
Contudo, podem ocorrer circunstâncias que, por razões de justiça, justifiquem a abertura de uma exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado. Com efeito, se a sentença for o resultado de circunstâncias estranhas e anómalas, que atinjam flagrantemente os princípios fundamentais do Direito, por uma questão de justiça, deve permitir-se a reabertura da discussão da causa, de forma a alterar a sentença. Nestes casos, no confronto com “uma sentença intoleravelmente injusta”, segundo palavras de Chiovenda, é preferível admitir a revisão da sentença transitada em julgado (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, VI, Reimpressão, 1981, pág. 337).
Para além de uma razão de justiça, que deve prevalecer, também o prestígio dos Tribunais fica mais garantido, pois seria sempre bastante pior e corrosivo da confiança das pessoas manter uma sentença transitada em julgado, quando tivesse sido manifesto o modo fraudulento, flagrantemente contrário ao Direito, como fora obtida (AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 268).
Com o valor da justiça a sobrepor-se ao da segurança jurídica, a lei portuguesa admite também o recurso extraordinário de revisão, permitindo a reabertura do processo, mediante a invocação de fundamentos, taxativamente, previstos no art. 696.º do CPC.
Entre esses fundamentos inclui-se o da situação das partes, nomeadamente o plasmado na alínea e) do art. 696.º do CPC, decorrente da falta absoluta de intervenção do réu, por falta de citação ou nulidade desta.
Perante o aí disposto, são dois os requisitos exigidos, cumulativamente, para a revisão da decisão transitada em julgado: ação e execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, e falta ou nulidade da citação do réu.
A revelia, aqui referida, corresponde à ausência absoluta de contraditório, onde o demandado não pode defender-se, quer porque não tomou conhecimento da ação proposta contra si, através da omissão do ato da citação, quer porque este ato foi realizado com preterição das formalidades prescritas por lei, numa preocupação da ordem jurídica com o princípio do contraditório e a realização efetiva da citação (J. O. CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, pág. 347). Na verdade, sendo esbatida a diferença entre a falta de citação e a nulidade da citação, justifica-se que, em caso de revelia, os efeitos sejam os mesmos (ALBERTO DOS REIS, Ibidem, pág. 364, e AMÂNCIO FEREIRA, Ibidem, pág. 274).
Na situação de revelia, com efeito, a equiparação legal dos efeitos da falta de conhecimento ou o conhecimento deficiente da ação, por falta da citação ou citação nula, permite garantir, de modo eficaz, o exercício do princípio do contraditório na ação judicial, no respeito integral pelo direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado expressamente no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, o recurso de revisão deve ser interposto no prazo de sessenta dias, contados, nomeadamente desde que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à revisão – art. 697.º, n.º 1, alínea c), do CPC, para além de não ser possível a interposição do recurso revisão depois de decorrido o prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão.
Não obstante se trate de um prazo de natureza substantiva, como é entendimento comum da jurisprudência (acórdão n.º 184/98 do Tribunal Constitucional, publicado no DR, II, de 13 de maio de 1998, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de setembro de 2011 (Processo n.º 158-A/2000.L1.S1), acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de dezembro de 2012 (Processo n.º 1588/05.5TBTVD-B.L1-8) e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de dezembro de 2014 (Processo n.º 536/2002.C1-A), os quatro últimos acessíveis em www.dgsi.pt), a sua contagem obedece, no entanto, ao disposto no n.º 4 do art. 138.º do CPC, segundo o qual os prazos para a propositura de ações previstas no Código de Processo Civil seguem o regime dos números anteriores.
Esta disposição legal corresponde, ipsis verbis, ao n.º 4 do art. 144.º do anterior CPC, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, e DL n.º 180/96, de 25 de setembro.
Com semelhante disposição, optou-se, “por razões de equidade e segurança para as partes, por um critério de base sistemática, que conduz a aplicar o regime estabelecido neste art. 144.º a todos os prazos – ainda que para a propositura de ações, que integrem uma nova ou renovada instância – estatuídos pela lei de processo” (C. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, pág.151). No mesmo sentido, pronuncia-se também J. LEBRE DE FREITAS, referindo, especificamente, a sua aplicação ao recurso extraordinário de revisão (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 1999, pág. 251). Semelhante posição é, igualmente, assumida por ABRANTES GERALDES (Temas da Reforma do Processo Civil, III, 3.ª edição, 2004, pág. 307).
Nesta perspetiva, o prazo de sessenta dias, para a interposição do recurso de revisão, conta-se nos termos da lei processual e, por consequência, por efeito do disposto no art. 138.º, n.º 1, do CPC, tal prazo suspende-se durante as férias judiciais.

Esclarecida convenientemente a forma de contagem do prazo, para a interposição do recurso de revisão, vejamos então a situação concreta dos autos, para saber se o recurso foi, ou não, extemporâneo.
É inequívoco, para todos, que o Apelante teve conhecimento da sentença proferida na ação declarativa, em 28 de outubro de 2013, e que veio a interpor o recurso de revisão no dia 9 de janeiro de 2014.
A contagem do prazo de sessenta dias inicia-se no dia 29 de outubro de 2013, suspendendo-se durante as férias judiciais do Natal, nomeadamente entre 22 de dezembro de 2013 e 3 de janeiro de 2014, e continuando a correr a partir de 4 de janeiro de 2014.
Assim, o prazo de sessenta dias completou-se no dia 9 de janeiro de 2014.
Perante este termo do prazo, é manifesto que o recurso de revisão, tendo sido interposto no dia 9 de janeiro de 2014, foi apresentado dentro do prazo legal de sessenta dias, previsto no art. 697.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
Por isso, não se incorreu em caducidade.

Assim sendo, evidencia-se que o recurso de revisão foi interposto tempestivamente, não se justificando o seu indeferimento, com tal fundamento, como se decidiu no despacho recorrido.

Nestes termos, procedendo a apelação, não pode manter-se a decisão recorrida, que deve ser revogada.

2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:                                                                                                                                                        
I. O prazo de sessenta dias, para a interposição do recurso de revisão, conta-se nos termos da lei processual, por efeito do disposto no art. 138.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
II. Por consequência, a contagem desse prazo suspende-se durante as férias judiciais.
III. Assim, é tempestivo o recurso de revisão interposto a 9 de janeiro de 2014, contado o prazo de sessenta dias a partir de 28 de outubro de 2013.

2.3. A Apelada, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, de harmonia com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.
 
2) Condenar a Apelada (Recorrida) no pagamento das custas.


Lisboa, 26 de fevereiro 2015


(Olindo dos Santos Geraldes)

(Lúcia Sousa)

(Magda Geraldes)