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LICENÇA CONDUÇÃO ESTRANGEIROS
Sumário
O cidadão não residente em Portugal cuja licença de condução tenha sido emitida por país estrangeiro e que venha a ser condenado em pena de sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados fica igualmente sujeito à determinação prevista no art.º 69º, nº 3 do Código Penal, de entrega da licença no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença. II-A anotação e a comunicação pela ANSR prevista nos nºs. 5 do art.º 69º do Código Penal e 6 do art.º 500º do Código de Processo Penal pressupõem, no caso de anotação, uma entrega voluntária ou forçada do título por parte do condenado, e no caso da comunicação, o incumprimento da ordem de entrega ou inviabilidade de apreensão.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I. RELATÓRIO:
1. No âmbito dos presentes autos de processo sumário, procedentes da Comarca de Lisboa - Lisboa –Instância Local, Sec. Pequena Criminalidade -J5 (antigo TPIC de Lisboa, 1º Juízo 3ª secção), com o número supra identificado, o arguido AC..., com os sinais dos autos, foi condenado, por sentença proferida em 14.07.2014, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artº 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo a quantia global de € 400,00, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, devendo fazer entrega da sua carta de condução na secretaria do tribunalou em qualquer posto policial, até ao 10º dia após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
2. O arguido, não se conformando com esta decisão, veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 14 de Agosto de 2014, por via da qual a 3ª secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, decidiu a condenação do arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artº 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo a quantia global de € 400,00.
2. Foi ainda o recorrente condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, nos termos previstos no artº 69º do Código Penal, devendo fazer entrega da sua carta de condução na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, até ao 10º dia após o trânsito em julgado da decisão.
3. A condenação do arguido, ora recorrente, na inibição temporária do direito de conduzir, acompanhada da determinação judicial da obrigação de entrega, por parte do arguido, residente em Espanha, da carta de condução, emitida pelo Reino de Espanha, no Tribunal nacional ou num posto policial, viola um dos princípios da lei penal portuguesa, ao produzir um efeito extra-territorial da jurisdição e da lei penais nacionais, ao arrepio do previsto nos arts. 4º a 6º do CP e no artº 10º e ss. do CPP.
4. Sendo que a lei prevê para os casos de inviabilidade da apreensão da carta de condução outra execução que é a comunicação da mesma à ANSR ( artigos 69º, nº 5 do CP e 500, nº 6 CPP), pelo que deverá ser essa a aplicável.
5. Tanto mais que, é a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária o organismo competente para efectuar o averbamento e divulgação ás autoridades policiais de tal punição nacional, e o Reino de Espanha no que respeita a aplicação de tal sanção acessória de inibição do direito de conduzir exclusivamente no território da República Portuguesa.
6. Termos nos quais se considera que a decisão do Tribunal a quo, na sua vertente em recurso, viola as regras jurídicas contidas nas normas citadas nas presentes conclusões, bem como as normas de Direito Internacional Público mencionadas nas nossas alegações.
Termos quem que (...) se deverá dar provimento ao presente recurso e em consequência, deve ser pelo Tribunal ad quem revogada e anulada a parte da decisão do Tribunal a quo ora sub judice”.
3. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, conforme despacho de fls. 54.
4. O Ministério Público veio responder ao recurso, concluindo não haver dúvidas de que a carta de condução foi emitida em Espanha onde reside o arguido, conforme resulta do auto de notícias, pelo que deverá ser dado cumprimento ao disposto no artº 500º, nº 6 do CPP, pugnando assim pela procedência do recuso.
5. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu o parecer que consta de fls. 62 e 63, alegando, em síntese, que da conjugação do disposto nos artigos 69º do CP e artº 500º do CPP, relativo à execução das penas acessórias, resulta que a pretensão do recorrente carece de fundamento legal, não podendo o tribunal deixar de decretar a pena acessória e ordenar a apreensão, sendo sempre da competência da ANSR a anotação no título da apreensão ou a comunicação ao organismo competente do país emitente do título. A anotação e a comunicação pela ANSR previstas nos nºs. 5 do artº 69º do CP e 6 do artº 500º do CPP pressupõe uma entrega, voluntária ou forçada do título por parte do condenado, no primeiro caso e o incumprimento da ordem de entrega ou inviabilidade de apreensão, no segundo caso.
E conclui não ser a pretensão do recorrente passível de apreciação nesta fase processual, tendo a sentença aplicado correctamente as normas legais aplicáveis ao caso, devendo assim ser negado provimento ao recurso.
6. Colhidos os vistos legais, realizou-se a Conferência com observância do legal formalismo.
Cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO:
1. Conforme é aceite pacificamente pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extraia da motivação, assim se definindo as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[1].
Atentando nas conclusões apresentadas pelo recorrente, o objecto do recurso coloca a seguinte questão:
Saber se a determinação prevista no artº 69º nº 3 do Código Penal é aplicável no caso de a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor ter sido aplicada a um cidadão não residente em Portugal e cuja licença foi emitida por um estado estrangeiro?
3. Apreciando.
3.1. Conforme resulta dos autos, o arguido reside em Espanha, mais concretamente em Badajoz, e é titular de uma licença de condução emitida por aquele país.
O recorrente insurge-se contra o segmento da sentença recorrida que, nos termos do artº 69º, nº 3 do Cód. Penal, impôs ao arguido, ora recorrente, “a entrega da sua carta de condução na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, até ao 10º dia após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência”.
Na argumentação do recorrente, tal determinação judicial ao determinar a apreensão da carta acaba por atribuir à sentença um efeito extra-territorial da jurisdição nacional e das leis penais, ao arrepio do previsto nos artigos 4º a 6º do Código Penal.
Por outro lado, entende o recorrente que neste caso não é viável a apreensão do título de condução, pelo que a execução da pena acessória nunca seria através da apreensão da carta de condução mas da comunicação da pena acessória à Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária (anterior DGV), que pela sua vez a comunicará ao estado emissor da carta de condução, não havendo assim razões para a determinação da entrega da carta como fez a sentença recorrida.
Conclui assim que aquela determinação judicial viola os artigos 69º, nº 5 do Código Penal e 500º, nº 6 do Código de Processo Penal, devendo tal segmento da sentença recorrida ser revogado e substituído por outro que determine a comunicação da pena acessória ao estado emissor da carta de condução, mais concretamente, ao organismo competente espanhol, através da ANSR.
Vejamos:
i) Facilmente se alcança que a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada a titulares de licença de condução emitida em países estrangeiros, e de passagem por Portugal, suscita acrescidas dificuldades de execução.
Nesta matéria, da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor versa o artº 500º do CPP, matéria que igualmente se encontra regulamentada no Código Penal nos nºs. 3 a 7 do artigo 69º, de harmonia com a Lei nº 77/2001, de 13 de Julho.
O artigo 500º do CPP, dispõe o seguinte:
“(...).
2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
5. O disposto nos nºs. 2 e 3 é aplicável à licença de condução emitida em país estrangeiro.
6. No caso previsto no número anterior, a secretaria do tribunal envia a licença à Direção-Geral de Viação, a fim de nela ser anotada a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.
Em conjugação com esta disposição legal dispõe ao nível do direito substantivo o artº 69º, nº 6 do CP, o seguinte:
“Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela DGV, da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da DGV, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título”.
Da análise conjugada destes preceitos legais resulta que o condenado com título emitido em país estrangeiro está igualmente obrigado a entregar o título no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado, embora o regime apresente alguma maleabilidade resultante do facto de estar em causa titular de licença emitida em país estrangeiro, e aí residente.
Assim é que, uma vez apreendida a licença de condução, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, através da ANSR, da proibição decretada, e se não for viável a apreensão, então a secretaria, por intermédio da ANSR, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.
Sendo este o regime vigente e aplicável na situação em apreço, torna-se evidente a falta de razão do recorrente quando afirma que a execução da pena acessória nunca seria através da apreensãoda carta de condução mas da comunicaçãoda pena acessória.
Como vimos, o regime legal só permite que deixe de se proceder à anotação da proibição decretada, passando á comunicaçãoda decisão, nos casos em que a apreensão não seja viável. Deste modo, o tribunal na sentença terá sempre que determinar a entrega da carta para proceder à anotação da proibição decretada, e só depois de não ser viável a sua apreensão é que a secretaria procede, por intermédio da ANSR, á comunicação da decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título. A inviabilidade da apreensão tem de resultar dos autos, o que ocorrerá em caso do incumprimento da ordem de entrega da carta e da dificuldade inerente ao facto de o condenado se encontrar de passagem no nosso país.
Em síntese conclusiva podemos dizer que a anotação e a comunicação pela ANSR prevista nos nºs. 5 do artº 69º do Código Penal e 6 do artº 500º do Código de Processo Penal pressupõe uma entrega, voluntária ou forçada do título por parte do condenado, no caso da anotação, e o incumprimento da ordem de entrega ou inviabilidade de apreensão, no caso da comunicação àquela entidade.
ii) Como dissemos, o recorrente insurge-se contra a determinação judicial de entrega da carta de condução considerando ainda que tal determinação sempre atribuiria à sentença um efeito extra-territorial da jurisdição nacional e das leis penais, ao arrepio do previsto nos artigos 4º a 6º do Código Penal e das Convenções a que alude na motivação. Reafirma tratar-se de uma imposição a um cidadão não residente em Portugal, para que proceda à entrega da sua licença de condução, emitida por outro Estado, aí residente e onde não praticou a infracção.
Vejamos:
O artº 4º do Código Penal institui o princípio da territorialidade na aplicação da lei penal no espaço, em que a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em Portugal, seja qual for a nacionalidade do agente, salvo tratado ou convenção internacional em contrário.
Por sua vez, o artº 467º, nº 1 do CPP, relativamente à força executiva das decisões, estabelece que “As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados e convenções e regras de direito internacional.
Ora, no caso em apreço, estamos em presença de um título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, inexistindo regras de direito internacional, tratados ou convenções que isentem de força executiva a decisão recorrida, não prevendo mais concretamente a lei penal qualquer isenção de entrega da carta em razão da residência no estrangeiro.
Termos em que a sentença proferida tem os efeitos extraterritoriais que a lei penal e as convenções aplicáveis lhe confere, não se mostrando violado qualquer normativo legal aplicável.
Assim se conclui não assistir qualquer razão ao recorrente, mostrando-se a determinação judicial de entrega da carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado feita de acordo com os dispositivos legais aplicáveis, não merecendo a decisão qualquer reparo ou censura. Improcede, assim, o recurso.
*
III-Decisão:
Face ao exposto, os Juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 Uc a taxa de justiça. (cfr. artº 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais (redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 13/2 e Tabela III a ele anexa).
Notifique.
Lisboa, 4.03.2015.
Elaborado, revisto e assinado pela relatora:
Conceição Alves Gonçalves e
assinado pela Desembargadora Maria Elisa Marques.
[1] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. 2007, pág.103; entre outros, mais recentemente, o ac.do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt, e ainda, o acórdão do Pelenário das Secções Criminais do STJ nº 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.