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PENA DE MULTA SUBSTITUTIVA
CUMPRIMENTO DE PENA
Sumário
O artigo 48º do Código Penal deve ser interpretado no sentido de não haver qualquer razão material para não ser aplicado às penas de multa de substituição, podendo assim o tribunal, a requerimento do condenado, determinar que a pena de multa de substituição possa ser substituída por dias de trabalho quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
I . RELATÓRIO
1. Por decisão de cúmulo jurídico de 17 de Maio de 2013, foi o arguido J.... condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do CP, na pena única de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa e em 120 dias de multa, ambas à taxa diária de €5, o que perfaz o montante respectivamente de €750,00 e de €600,00, e na pena acessória única de proibição de conduzir pelo período de 13 meses.
2. A pena de multa de 120 dias à taxa diária de € 5 e respectiva pena acessória foram declaradas extintas pelo cumprimento no respectivo processo, antes de realizado o cúmulo jurídico.
A pena de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de €5, encontrava-se à data do cúmulo parcialmente cumprida, uma vez que o arguido, conforme fls. 100 a 104, havia pago 300 euros, faltando pagar €450,00.
3. Posteriormente, o condenado veio requerer que o remanescente da multa, no montante de € 450,00, fosse “convertida em trabalho a favor da comunidade”ou que fosse congelada até que esteja a trabalhar visto encontrar-se desempregado”.
4. Por despacho de 12 de Novembro de 2014, foi indeferido tal pedido.
5. O Ministério Público, não se conformando com esta decisão veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. Por douta sentença de cúmulo jurídico, transitada em julgado, o arguido foi condenado, entre o mais, numa pena de 5 meses de prisão em substituição de pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5 euros.
2. O arguido efectuou parte do pagamento em cerca de 300 euros, conforme fls. 100 a 103, estando em dívida 450 euros.
3. O arguido requereu o pagamento deste valor em Trabalho a Favor da Comunidade, alegando que se encontra desempregado e junta comprovativo dessa situação -cfr. fls. 209 a 211.
4. Com todo o devido respeito, entende-se que não há motivos para indeferir o requerido pelo arguido.
5. Afigura-se que apresentação de trabalho a favor da comunidade requerida pelo arguido é susceptível de assegurar as finalidades da pena.
6. Acresce que a falta de pagamento ou a impossibilidade de pagamento alegada pelo arguido deve-se segundo o mesmo a uma situação de desemprego em que se encontra e que para tanto juntou elemento de prova de fls. 210 e 211.
7. Entende-se pois que no caso concreto a impossibilidade de pagamento da pena de multa ainda que seja em prestações, nos termos do arº 47º, nº 3 do CP, nestas circunstâncias não pode sem mais ser imputável ao arguido sem lhe deixar a possibilidade de cumprir a pena substituindo-a por trabalho a favor da comunidade.
8. Segue-se o entendimento explanado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de Junho de 2014, proferido no processo nº 659/12.6PIVNG.P1, consultado em www-dgsi.pt, o qual esclarece que “Os arts. 48º e 58º do C. Penal prevêem apenas a substituição das penas de multa e de prisão, aplicadas a título principal, por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que, numa interpretação literal e rígida do sistema, impossibilita a substituição da pena de multa substitutiva por trabalho a favor da comunidade. II. Todavia, a finalidade última da aplicação dos fins das penas, impõe a interpretação no sentido de que não se vê qualquer razão material para as penas de multa, que sejam aplicadas a título principal quer como penas de substituição, não tenham idêntico regime quanto ao seu cumprimento e possibilidade de substituição por dias de trabalho. III-Consequentemente, pode ser substituída a pena de multa de substituição de prisão por trabalho a favor da comunidade”.
9. O Tribunal a quo ao ter decidido conforme douto despacho ora colocado em crise, com todo o devido respeito, violou o disposto nos artigos 48º e 58º, ambos do Código Penal.
Neste termos devem Vossas Excelências dar provimento totalmente ao recurso apresentado e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida e determinando-se que no caso em apreço se solicite à DGRS o competente relatório para efeitos de substituição da pena substitutiva de pena de multa por Trabalho a Favor da Comunidade...”
6. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo cujo despacho recorrido veio a ser sustentado pelo Mmº Juíza fls. 244 a 246)
7. Neste tribunal, a Exmª Procuradora Geral Adjunta apôs visto.
8. Após os Visto legais procedeu-se à Conferência com observância do legal formalismo.
Cumpre agora decidir.
II. Fundamentação.
1. Conforme é aceite pacificamente pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extraia da motivação, assim se definindo as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[1].
Atentando nas conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso coloca a seguinte questão:
Saber se o disposto no artº 48º do Código Penal, que permite que a pena de multa fixada seja substituída por dias de trabalho, pode ser aplicável a penas de multa substitutivas de penas de prisão?
2. Do despacho recorrido:
2.1. O despacho recorrido consignou o seguinte:
“Pese embora o requerido a fls. em referência, relativamente à substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, cumpre referir não ser admissível tal forma de cumprimento da pena de multa, atento o disposto nos artigos 43º e 47º, do Código Penal, posto que, parte da pena aplicada ao arguido, em sede e cúmulo jurídico realizado, a título principal foi de 5 meses de prisão, que o tribunal decidiu substituir por pena de multa.
Pelo exposto, sem prejuízo do disposto no artº 47º, nº 3, aplicável ex vio artigo 43º,nº 1,in fine ambos do Código Penal,indefere-se ao requerido, por manifesta inadmissibilidade legal, em relação a esta, devendo o arguido proceder ao imediato pagamento da remanescente valor em dívida -€450, conforme promoção e despacho de fls. 198 a 201.Notifique”.
2.2. Nos termos do artº 414º, nº 4 do CPP, a Mmª Juiz veio sustentar o despacho recorrido dizendo, em resumo, o seguinte:
“Melhor concretizando, a pena de prisão aplicada na sentença -5 meses – foi substituída por pena de multa -150 dias –nos termos do artº 43º, nº 1, do CP.
Tal preceito legal prevê, para além da possibilidade de substituição da pena de prisão por pena de multa também a possibilidade de substituição por outra pena não privativa da liberdade -a saber, apena de prestação de trabalho a favor da comunidade. No entanto, o julgador, no momento da escolha e aplicação da pena em concreto, entendeu que a pena substitutiva a aplicar, no caso em apreço, não seria outra pena substitutiva da pena de prisão, que não a pena de multa e, assim decidiu e, a sentença TRANSITOU EM JULGADO.
Da lei resulta então que, não podendo o arguido cumprir a pena de multa substitutiva aplicada, uma de três situações pode ocorrer:
-O arguido pode requerer o pagamento faseado –artº 47º, nº 3, aplicável ex vi do artº 43º, nº 1, do CP;
-O arguido pode cumprir a pena de prisão aplicada –artº 43º, nº 2, do CP, ou
-Provando que a razão do não pagamento lhe não é imputável, tal execução da PENA DE PRISÃO, poderá ser suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
(...)
Caso se entendesse que a pena de prisão substituída por multa podia igualmente ser substituída por pena de prestação de trabalha a favor da comunidade - o que se reitera, não resulta de qualquer normativo em apreço e com o que não se concorda - qual a consequência do incumprimento da prestação de tal trabalho?
Na circunstância prevista no nº 2 do artº 59º do CP, em caso de revogação de tal pena substitutiva, o condenado terá de cumprir a pena de prisão determinada na sentença.
No entanto, na situação aqui em apreço, tal pena teria a natureza de pena substitutiva da pena substituída, logo, salvo melhor e superior entendimento, caso o arguido incumprisse o trabalho fixado, em substituição da pena de multa (e só assim se poderá aceitar, isto é, analisar tal aplicação à luz do disposto no artº 48º do CP, sob pena de violação do disposto no artº 613º do CPC, aplicável ex vi do artº 4º, do CPP, por se encontrar extinto o poder jurisdicional com a prolação da sentença e tal pena de prestação de trabalho a favor da comunidade substitutiva não ter sido equacionada, por sentença TRANSITADA EM JULGADO), o arguido teria de cumprir a pena de multa substitutiva inicialmente aplicada em relação a pena de prisão decidida e transitada em julgado e, só depois de verificadas as razões de tal incumprimento, se poderia executar a pena de prisão.
(...)”.
3. Apreciando.
3.1. Nos presentes autos foi aplicada ao arguido a pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 dias de multa à taxa diária de 5€.
O arguido apenas conseguiu pagar 300,00€, por entretanto ter ficado desempregado, e juntando prova de tal facto, requereu que lhe seja permitido cumprir o restante da multa, no montante de 450,00€, em dias de trabalho.
Opôs-se o despacho recorrido a esta possibilidade de cumprimento com o argumento de que o artº 48º do Código Penal não é aplicável a penas de multa substitutivas de penas de prisão, como é caso dos autos, porquanto no momento da escolha e aplicação da pena em concreto, o Tribunal ponderou já a possibilidade de substituição por outras medidas, designadamente, por trabalho a favor da comunidade e optou pela substituição por pena de multa, e a sentença mostra-se transitada em julgado.
Vejamos.
Ainda que de forma breve, e para melhor compreensão, não é de mais relembrar, numa perspectiva dogmática, seguindo os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime, reimpressão, Coimbra Editora, 2005, pgs.335-336) que penas de substituição são as penas aplicadas na sentença em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Distinguem-se as penas de substituição em sentido próprio, que se caracterizam pelo seu carácter não detentivo, ou seja, são cumpridas em liberdade, e por pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, que vão substituir (nesta categoria estão as penas de suspensão da execução da prisão -artº 50º-, a multa de substituição -artº 43º, nº1 -, a prestação de trabalho a favor da comunidade -artº 58º-, a admoestação -artº 60º-, e mais recentemente consagrada, a proibição do exercício de profissão -artº 43º, nº 3), e as penas de substituição detentivas, pressupondo igualmente a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, que depois é substituída por penas cumpridas intramuros (prisão por dias livres –artº 45º- regime de semidetenção -artº 46º- e regime de permanência na habitação -artº 44º).
No caso concreto, o tribunal, face á alternativa de prisão ou multa, optou pela aplicação de uma pena detentiva, cominando ao arguido a pena de 5 meses de prisão. De seguida, determinada a pena e fixada a medida concreta a aplicar, impunha-se a operação de saber se é de aplicar ou não, uma pena de substituição, dispondo expressamente o artº 43º, nº 1, do Código Penal que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
E o tribunal, ponderando as penas de substituição não detentivas abstractamente aplicáveis (como seria o caso da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, prevista no artº 58º, do Código Penal), optou por substituir a pena de 5 meses de prisão por 150 dias de multa á razão diária de 5€.
Temos assim que o tribunal aplicou como pena principal a pena de prisão que depois foi substituída por multa, sendo esta pena de multa uma pena de substituição.
Refira-se ainda que do ponto de vista dogmático a pena pecuniária principal e a pena de multa de substituição são penas diversas tendo consequências jurídicas diversas, designadamente, no que se reporta aos efeitos do incumprimento. Daí que sempre seria errado dizer-se que “a pena de prisão substituída por multa passa a ser pena de multa”. Pelo contrário, trata-se de uma pena de substituição dotada de autonomia e de especificidades perante a pena pecuniária principal.
É ao nível das consequências prático-jurídicas do incumprimento de ambas as penas que se coloca a questão central que vem colocada no presente recurso.
Mais concretamente, saber se a pena de multa substitutiva de pena de prisão pode ser substituída por dias de trabalho nos termos do artº 48º, do Código Penal?
O citado preceito legal dispõe o seguinte: “A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A aplicação deste preceito legal á pena de multa de substituição tem gerado posições divergentes na jurisprudência.
Entende uma parte da jurisprudência que o artº 48º do Código Penal que permite a conversão de multa por dias de trabalho não se aplica á pena de multa de substituição. Neste sentido citam-se, entre outros, os acórdãos da Rel. de Évora de 25/08/2004 e 16/10/2007, da Rel. do Porto os acórdãos de 15/06/2011 e 22/06/2011, da Rel. de Lisboa o acórdão de 9/10/2013 (relatora Graça Santos Silva) e acórdão da Relação de Guimarães de 4/02/2013 (relatado por Teresa Baltazar) acessíveis em www.dgsi.pt, como todos que sejam citados sem outra indicação).
Isto porque se entende que as penas têm natureza diversa e o citado preceito apenas prevê tal possibilidade no caso de pena pecuniária principal.
Argumenta-se com a natureza diversa das penas, ou conforme se refere no acórdão da TRG de 4/02/2013 acima citado que “sendo a pena de prisão substituída por multa, não pode esta, por sua vez, ser substituída por dias de trabalho nos termos do artº 48º do CP. Demostrando-se que o não pagamento de multa, resultante da substituição da prisão, não é imputável ao condenado, pode a prisão ser suspensa pelo período de 1 a 3 anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico”.
Entende-se assim que permitir a sua aplicação cumulativa/sucessiva era admitir uma dupla substituição de penas, o que não é legalmente admissível.
Outra orientação jurisprudencial, pelo contrário, sustenta a aplicação do artº 48º do Código Penal também ás situações de pena de multa de substituição, ou seja, permite que a requerimento do condenado possa ser substituída a pena de multa de substituição por dias de trabalho a favor da comunidade.
Somos a concordar com esta última posição.
Para melhor compreender as razões de divergência, importa atentar no regime de incumprimento estando em causa a pena pecuniária principal ou a pena de multa de substituição, que são diversos.
E assim é que:
a) No caso de pena pecuniária principal, o não cumprimento da multa (voluntária ou coercivamente) que não tenha sido substituída por trabalho comunitário implica o cumprimento de prisão reduzido a dois terços (2/3), conforme determina o nº 1 do artº 49º, mesmo que o crime não seja punível com pena de prisão.
Por outro lado, o cumprimento da prisão subsidiária pode não vir a concretizar-se se: i) o condenado pagar, total ou parcialmente, a multa em que foi inicialmente condenado, podendo fazê-lo a todo o tempo (cfr.nº2 do artº 49º, CP); ii) se o condenado provar que o incumprimento da multa não lhe é imputável, caso em que a prisão subsidiária pode ser suspensa na sua execução por um período de um a três anos e sujeita a condição não pecuniária (nº 3 do artº 49º, CP).
b) No caso de incumprimento de multa substitutiva da pena de prisão, se esta não for paga culposamente, a pena de prisão aplicada na sentença será executada, assim o determina expressamente o artº 43º, nº 2 do Código Penal, dispondo que “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”. Assim, não sendo paga a multa opera a revogação da pena de substituição (a pena de multa), “renascendo” a pena principal, ou seja, a pena de prisão directamente aplicada e que havia sido substituída pela multa.
Neste caso de incumprimento culposo, o condenado (diferentemente do que ocorre na prisão subsidiária) já não pode evitar, total ou parcialmente, o cumprimento da pena de prisão, pagando a multa (v., entre outros, ac. STJ de 02.03.2011, relator. Cons. Maia Costa, vindo a ser fixada jurisprudência neste sentido pelo AFJ 12/2013, in DR de 16/10/2013).
Mas se a falta de pagamento não for imputável ao condenado, o regime de incumprimento não diverge, estando em causa pena pecuniária principal ou pena de multa de substituição.
Conforme refere Figueiredo Dias (ob. cit, pág. 369), á primeira vista, um tal regime parece contrariar a natureza diversa das penas, em que a multa de substituição não é a pena principal de multa. “Ainda aqui, porém, o propósito político-criminal de tornar em extrema ratio o cumprimento da prisão pode justificar atenuações da pura lógica (...) também aqui se podem invocar razões para que entre o incumprimento de pena de multa de substituição e a execução da prisão se interponham vias de “diversão” análogas às cominadas para o incumprimento da pena pecuniária principal”.
E seguindo este entendimento, a lei expressamente permite que á pena de multa de substituição seja “correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artº 49º”, ex vi do artº 43º, nº 2, ambos do CP, ou seja, permite-se que estando em causa uma pena de multa de substituição, provando o condenado que a razão do não pagamento da multa (de substituição) lhe não é imputável, pode a execução da prisão (pena principal) ser suspensa por um período de um a três anos, desde que subordinada a deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Assim dispondo em igualdade de circunstâncias com a pena pecuniária principal.
De igual modo, sendo análoga a situação, em que também a falta de pagamento não é imputável ao condenado, não se vê razão substancial para não deferir ao condenado a substituição da pena de multa substitutiva por dias de trabalho comunitário nos termos do citado artº 48º.
Seria a nosso ver incompreensível que em situação de incumprimento não imputado ao condenado, se permitisse a suspensão da prisão (artº 49º, nº 3) e não se permitisse, a requerimento do condenado, a substituição da multa por trabalho comunitário (artº 48º).
Não vemos assim qualquer razão material para que a pena pecuniária principal, assim como a pena de multa de substituição, não tenham idêntico regime quanto ao seu cumprimento e possibilidade de substituição por dias de trabalho.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o acórdão do TRE de 8/04/2010, acórdão do TRL de 17/04/2013 (P. 418/09.3PASXL, relatado por Margarida Almeida), e acórdão da TRP de 11 de Junho de 2014, proferido no processo nº 659/12.6PIVNG.P1, também citado no recurso pelo Ministério Público.
Apenas resumidamente para manifestar a nossa discordância com a argumentação de que a possibilidade de aplicação do artº 48º do CP á pena de multa de substituição levaria a uma dupla substituição não permitida por lei.
Não vemos que assim seja, porquanto a substituição da multa por dias de trabalho comunitário nos termos do artº 48º é uma forma de cumprimento da pena de multa, ao lado do pagamento em prestações e que diverge o seu regime da medida de substituição enquanto pena autónoma prevista no artº 58º do Código Penal.
Podemos até dizer que operando a substituição da multa nos termos do artº 48º, em termos práticos, o resultado final traduziria a substituição de uma pena de prisão por uma pena de trabalho a favor da comunidade. Mas só eventualmente em termos práticos, porque em termos jurídicos estamos perante realidades diversas, com regimes que não são coincidentes. Evidencia bem essa distinta realidade a arrumação sistemática de cada uma das situações no Código de Processo Penal: a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade tem a sua execução regulada no artigo 496º do CPP, sob a epigrafe “Da Execução Da Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade...”, já a substituição da multa por dias de trabalho, enquanto forma de cumprimento da pena de multa tem a sua execução regulada de modo diverso no artº 490º do CPP, sob a epígrafe “Da Execução Da Pena De Multa”.
Neste sentido, de forma esclarecedora, refere o acórdão da Relação de Évora, de 8/04/2010, que “Enquanto a prestação de Trabalho, a que alude o artº 48º do CP é uma forma de cumprimento da pena de multa, só funcionando a título subsidiário, a pena de prestação de Trabalho a Favor da Comunidade consagrado no artº 58º do CP, constitui uma pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes é ela, em si e por si mesmo, uma pena”.
3.2. Por fim, importa referir a falta de apoio legal da argumentação do despacho recorrido, no sentido de que, tendo optado, no momento da escolha e aplicação da pena em concreto, pela aplicação de pena de multa enquanto pena substitutiva da pena de prisão, e transitada em julgado a sentença, não poderia agora ser aplicada outra pena de substituição, como a requerida pelo recorrente, de trabalho a favor da comunidade, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional
Com o devido respeito, o trânsito em julgado da sentença nunca poderia ser obstáculo à aplicação de qualquer medida tendente ao cumprimento da pena de multa que foi aplicada, pois o que o arguido veio requerer foi a substituição da multa por dias de trabalho como forma de cumprimento da pena de multa (cfr. artº 48º). Nunca esteve em causa a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, consagrado no artº 58º do CP, enquanto medida substitutiva da pena de prisão.
A verdade é que, no caso de o Tribunal ter optado pela substituição da pena de prisão por multa, nos termos do artº 43º, nº 1 do CP, tal não afasta a possibilidade de posteriormente, em fase de pagamento voluntário, a pena de prisão poder vir a ser substituída por trabalho comunitário, nos termos do artº 48º, do Código Penal.
3.3. Em face do que se deixou dito, somos, pois, a entender que o artº 48º do Código Penal tem em vista também a pena de multa de substituição, podendo esta ser substituída, a requerimento do condenado, por dias de trabalho, quando seja de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso dos autos, tendo presente a situação alegada de desemprego, tendo o arguido já cumprido parcialmente a multa, importa ponderar, como requerido, a possibilidade de substituição da multa por dias de trabalho nos termos previsto no artº 48º do CP.
Assim, entende-se dever revogar o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que admita o requerimento do arguido no sentido de ser ponderada a substituição da multa nos termos do artº 48º do Código Penal.
Procede, assim, o recurso.
III-Decisão
Termos em que as Juízas da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita o requerimento do arguido no sentido de ser ponderada a substituição da multa por trabalho nos termos do artº 48º do Código Penal.
Sem custas, por não serem devidas.
Notifique.
Lisboa, 11/03/2015.
Relatora: Conceição Alves Gonçalves:
Adjunta: Maria Elisa Marques.
[1] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. 2007, pág.103; entre outros, mais recentemente, o ac.do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt, e ainda, o acórdão do Pelenário das Secções Criminais do STJ nº 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.