EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
COMPRA E VENDA
NULIDADE
Sumário

SUMÁRIO:
- Nos termos do art. 54/7 do DL 39/2008, de 7/3, deve fazer parte integrante dos contratos de transmissão de propriedade de fracções autónomas que integrem empreendimento turístico de propriedade plural, cópia simples do título constitutivo, devidamente aprovado e registado.
- Daí a necessidade de constar no registo predial o registo do título constitutivo de composição do empreendimento, registo esse prévio à transmissão de qualquer fracção imobiliária, sob pena de nulidade (da transmissão).
- Omisso no registo predial o registo do título constitutivo de composição do empreendimento, facto esse a que os adquirentes são de todo alheios, a transmissão efectuada (compra e venda) é nula.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

D... e A... demandaram M..., V..., J... e R.., pedindo que fosse declarada nula a compra e venda do imóvel – fracção autónoma, identificada pelas letras CC – Bloco C Dois, R/C, apartamento nº 167, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº ..., da freguesia de Albufeira, afecto ao regime de propriedade horizontal – condenando-se os 1º e 2º réus a devolver aos autores o preço da compra, acrescido dos juros, à taxa legal, bem como a condenação de todos os réus a indemnizar os autores pelos custos que suportaram com a aquisição do imóvel, nomeadamente, encargos e juros bancários, despesas de escritura e registo, encargos fiscais, bem como as despesas de administração do imóvel, num total de € 8.971,25, e ainda nas prestações vincendas de condomínio, juros e encargos bancários.
Alegam, em suma, que adquiriram o imóvel identificado supra e só após a celebração da escritura de compra e venda é que foram informados de que não o poderiam arrendar/explorar porquanto o apartamento adquirido estava inserido em empreendimento turístico e, por isso, sujeito a regras especiais.
Os réus contestaram.
Os réus M..., V... e J..., requereram a intervenção principal do Notário que celebrou a escritura, concluindo pela absolvição do pedido.
Sustentaram que, antes da celebração da escritura de compra e venda, os autores foram informados - réus contestantes e ré R..., mediadora imobiliária encarregue da promoção e venda da fracção – de que as fracções autónomas que compõem o edifício, nela se incluindo a dos autores, eram sempre arrendadas através do Empreendimento Turístico Albufeira Jardim.
Esse Empreendimento, através da A..., é a entidade que, habitualmente, explora os apartamentos que lhe são confiados pelos respectivos proprietários.
A ré sociedade contestou concluindo pela absolvição do pedido.
Defendeu-se alegando que sobre o imóvel em questão não incidem quaisquer ónus e encargos.
Tal, aquando do contrato de mediação imobiliária, foi-lhe mencionado pelo 3º réu – J..., em nome e em representação dos dois primeiros réus – M... e V... - resulta da caderneta predial que lhe foi entregue pelo 3º réu, e confirmada pelo Sr. Notário que celebrou a escritura.
Nunca os autores lhe transmitiram a intenção de arrendarem/explorarem (turística) a fracção.
Não foi admitida a intervenção principal.
Realizou-se a audiência prévia, na qual se fixou o objecto do litígio, elencaram-se os factos assentes e os temas da prova.
Após julgamento foi prolatada sentença que julgando parcialmente procedente a acção, declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre os autores e os dois primeiros réus, tendo como objecto a fracção autónoma, designada pelas letras CC, correspondente ao apartamento nº 167, Bloco C, que se situa em Vale de Santa Maria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº ..., condenando os réus – M... e V... a restituir aos autores a quantia de € 65.000,00 (valor rectificado por despacho de fls. 404, de 19/11/2014), bem como a pagar aos autores a quantia de € 1.408,63, absolvendo do mais peticionado.
Absolveu os demais réus – J... e R... - , do pedido.
Inconformados, os réu M... e V..., apelaram, formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª. A fracção autónoma objecto dos presentes autos (fracção CC do Bloco C2) integra um prédio urbano, denominado Apartamentos Albufeira Jardim;
2ª. O qual foi construído no início dos anos 70;
3ª. Os apartamentos Albufeira Jardim, têm como data de abertura o ano de 1973;
4ª. A propriedade horizontal do referido prédio foi constituída em 20 de Março de 1974;
5ª. Tendo lhe sido atribuída utilidade turística em 25 de Julho de 1983;
6ª. A licença de utilização para a totalidade do prédio, onde se integra a fracção dos autos, foi emitida em 22 de Outubro de 1983;
7ª. Não podendo ser declarada nula a compra e venda objecto dos presentes autos com fundamento na aplicação do art. 54/7 do DL 39/ 2008, de 07 de Março;
8ª. Na medida em que a fracção autónoma dos autos integra um prédio urbano construído antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 39/2008, de 07 de Março;
9ª. A sentença recorrida viola a lei substantiva, uma vez que, o regime aplicável ao empreendimento turístico em causa nos autos seria o vigente à data do respectivo licenciamento (25 de Julho de 1983), ou seja, o regime previsto nos Decretos de Lei nº 49399, de 24 de Novembro de 1969 e nº 435/ 82, 30 de Outubro e não o do Decreto-Lei 39/ 2008, de 07 de Março;
10ª. O art. 75/7 do Decreto-Lei 39/2008 de 07 de Março procede a uma repristinação (para os empreendimentos turísticos, como o que está em causa nos autos) do regime constante do Decreto de Lei nº 49399, de 24/11 de 1969 e DL 435/82 de 30/10.
11ª. Este regime permitia (e por ser o aplicável a estes empreendimentos, continua a permitir) que os proprietários das fracções autónomas que integram o empreendimento turístico possam, querendo, dar directamente as suas fracções de arrendamento a terceiros;
12ª. A sentença recorrida viola o disposto no artigo 75/7 do Decreto-Lei 39/2008, de 07 de Março;
13ª. Mesmo que não fosse este o regime aplicável, ainda assim, a escritura pública de compra e venda objecto dos presentes autos continuaria a ser plenamente válida;
14ª. Nos termos do disposto no art. 64/1 do Decreto-Lei 39/2008, de 07 de Março, aos empreendimentos turísticos anteriores à data de entrada em vigor deste Decreto-Lei que já possuíam um título constitutivo de empreendimento turístico validamente aprovado, é lhes aplicável o regime constante do Decreto-Lei 167/97, de 4 Julho e não as normas constantes do Decreto-Lei 39/2008, de 07 de Março;
15ª. Segundo o qual, para que o título constitutivo de empreendimento turístico seja considerado válido, o mesmo não pode « (...) conter normas, cláusulas ou condições contrárias ou modificativas do titulo da propriedade horizontal sem que este tenha sido previamente alterado - cfr. art. 47/6 do Decreto-Lei 167/97, de 4 de Julho;
16ª. A propriedade horizontal do empreendimento Albufeira Jardim foi constituída em 20 de Março de 1974.
17ª. Constando do título constitutivo da mesma que o prédio em causa se denomina "Apartamentos Albufeira Jardim" e que as fracções autónomas que o compõe (onde se inclui a fracção autónoma objecto dos presentes autos) se destinam a habitação;
18ª. No caso dos autos, verifica-se que o alegado título constitutivo do empreendimento turístico junto a fls…. dos presentes autos contém inequívocas limitações ao direito de propriedade previamente inscrito (no título constitutivo da propriedade horizontal), de entre as quais se destacam-se as seguintes:
   (i) uso afecto a unidade de alojamento para exploração turística; e
  (ii) a exploração, administração ou arrendamento de qualquer unidade de alojamento (fracção) do Empreendimento está reservada à entidade exploradora do empreendimento - cfr. artigos 17 a 21 e Anexo do titulo constitutivo de empreendimento turístico junto como Doc. 2.
19ª. O título constitutivo da propriedade horizontal da fracção autónoma dos presentes autos nunca foi objecto de qualquer alteração;
20ª. A licença de utilização existente é uma licença de utilização normal e não uma licença turística;
21ª. A obrigatoriedade de menção da existência de um título constitutivo de empreendimento turístico depositado prevista no art. 47/8 DL 167/97, de 4 de Julho, tem como pressuposto prévio e essencial, que nos casos em que esse título seja contrário ou introduza ónus ou limitações ao direito de propriedade das fracções imobiliárias a transmitir - como é o caso do título dos presentes autos - tenha ocorrido a prévia modificação do título constitutivo da propriedade horizontal - cfr. art. 47/6 Decreto-Lei 167/97, de 4 de Julho. (sublinhado nosso).
22ª. Ao considerarmos que o título constitutivo não é válido (ou não é eficaz), por não ter cumprido os requisitos do Decreto-Lei 167/97, tudo se passa como se não houvesse título, sendo certo que o artigo 75 do Decreto-Lei 39/2008 acaba por repristinar o regime vigente à data em que o empreendimento foi licenciado para turismo;
23ª. Razão pela qual nunca poderia ter sido declarada a nulidade do contrato de compra e venda dos autos, com fundamento no disposto no art. 44/7 DL 39/2008, inserido no Capítulo VIII, com a epígrafe "Propriedade plural em empreendimentos turísticos";
24ª. Em 1983, a actividade dos empreendimentos turísticos era regulada pelo regime previsto nos Decretos de Lei 49399, de 24 de Novembro de 1969 e 435/82, que vieram posteriormente a ser revogados pelo Decreto-Lei 328/86, de 30 de Setembro;
25ª. De acordo com este regime legal, os proprietários das fracções autónomas que integram os empreendimentos turísticos eram livres de as explorar directamente, nomeadamente dando as mesmas de arrendamento a terceiros;
26ª. Não estando os recorridos de forma alguma impedidos de a arrendar directamente a fracção objecto dos presentes autos;
Por outro lado:
27ª. O alegado título de empreendimento turístico não pode produzir efeitos em relação aos proprietários das fracções autónomas que compõe o Edifício Albufeira Jardim;
28ª. A certidão do registo predial menciona que o edifício é composto por fracções autónomas e não por unidades de alojamento.
29ª. Inexistindo qualquer referência a um empreendimento turístico e a que o imóvel objecto da compra e venda reveste a natureza de unidade de alojamento;
30ª. Os autores da presente acção e ora recorridos, inscreveram a aquisição do imóvel objecto dos presentes autos no registo predial, sem qualquer tipo de dificuldade ou recusa.
31ª. O que por si só demonstra que o seu direito de propriedade sobre o imóvel dos autos é pleno e não contém qualquer ónus ou limitação.
32ª. Para que assim não fosse, a certidão do registo predial teria necessariamente que mencionar o empreendimento turístico e a alteração da propriedade horizontal, com consequente afectação da fracção a unidade de alojamento.
33ª. Não existindo qualquer referência – porque o título da propriedade horizontal nunca chegou a ser alterado – o que consta da certidão do registo predial e do título da propriedade horizontal é que o que vale entre as partes e é oponível a terceiros.
34ª. Nos termos da lei, o direito de propriedade plena e sem quaisquer ónus ou limitações dos ora recorrentes sobre o imóvel que consta inscrito na certidão de registo predial junta a fls. dos autos e que aqui se junta novamente como Doc. 1., não pode ser contrariado ou alterado pelo disposto no título de constituição do empreendimento turístico.
35ª. Não tendo qualquer validade as limitações ao direito de propriedade e/ou a afectação do uso da fracção autónoma objecto dos presentes autos a unidade de alojamento.
36ª. O título constitutivo é, assim, no mínimo, um documento irregular, insusceptível de produzir efeitos perante terceiros.
37ª. Os recorridos alicerçaram o seu pedido de nulidade da escritura de compra e venda numa alegada omissão de menção pelos ora recorrentes da existência de um título constitutivo de empreendimento turístico na escritura de compra e venda.
38ª. A obrigação de menção à existência de um título constitutivo de empreendimento turístico não existe no presente caso porque a lei aplicável, tendo em conta a data de início do empreendimento, não estabelece aquela obrigação.
39ª. Nesta medida, a compra e venda foi validamente celebrada e nunca deveria ter sido declarada nula!
40ª. Para além de declarar nulo um contrato com base no referido DL 39/2008 - o que se demonstrou ser um erro de aplicação de direito – a sentença recorrida acabou também por perfilhar entendimentos absolutamente erróneos no que tange a questão da formação da vontade negocial dos recorridos.
41ª. O que também carece de qualquer fundamento ou base legal;
42ª. A venda foi pretendida efectuar sem quaisquer ónus ou encargos tal como consta da escritura pública de compra e venda;
43ª. O que sucedeu;
44ª. Não se verificando qualquer vício na formação da vontade dos autores ora recorridos;
45ª. Inexistindo qualquer limitação ao direito de propriedade destes;
46ª. Os recorridos não estão obrigados arrendar a fracção autónoma através do explorador turístico;
47ª. Podendo, se assim o pretenderem, arrendar directamente a fracção autónoma objecto dos presentes autos;
48ª. Contrariamente ao que sustenta a Mma. Juiz a quo não existe qualquer erro na formação da vontade dos compradores;
49ª. Existe de facto um erro, mas o mesmo radica na circunstância dos compradores se terem entretanto convencido de que não podem arrendar o apartamento senão através da Admitur (explorador turístico dos Apartamentos Albufeira Jardim);
50ª. Limitação esta que não tem qualquer fundamento ou sustentação legal;
51ª. A falta de registo implica que o facto sujeito a registo não seja oponível a terceiros, conforme decorre dos artigos 5 e sgs. do Código do Registo Predial.
52ª. Os autores desta acção e ora recorridos são inegavelmente terceiros em relação ao facto que devia ter sido objecto de registo.
53ª. Não lhes sendo por isso oponível um título constitutivo de empreendimento turístico não registado;
54ª. Em suma, também por esta razão os apelados nunca estariam impedidos de arrendar directamente o apartamento.
55ª. Qualquer outro enquadramento jurídico da pretensão dos autores e ora recorridos em dar de arrendamento a sua fracção autónoma, evidenciaria uma incongruência sistémica inaceitável dos Direitos Reais e dos princípios subjacentes ao regime do Registo Predial;
56ª. Nestes termos, urge revogar a sentença recorrida, na medida em que a mesma, assenta no pressuposto de que é oponível aos adquirentes de boa-fé da fracção, as limitações decorrentes da existência de um título constitutivo inválido e não registado;
57ª. O Tribunal a quo procede ainda a uma errada interpretação do art. 54 do referido Decreto-Lei 39/2008, por uma outra razão ainda mais determinante:
58ª. É que todo o petitório dos apelados e os fundamentos da sentença recorrida, assentam na interpretação de que o art. 54/7 do referido DL 39/2008, se aplica a qualquer contrato-promessa de transmissão ou contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural;
59ª. Quando, uma correcta interpretação sistémica daquele preceito evidência que não é assim;
60ª. O art. 54/7 do referido Decreto-Lei 39/2008 estabelece que "Deve fazer parte integrante dos contratos-promessa de transmissão, bem como dos contratos de transmissão de propriedade de lotes ou fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico em propriedade plural, uma cópia simples do título constitutivo devidamente aprovado e registado, cópia simples do título referido no nº 3 do artigo 45, bem como a indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, nos termos do título constitutivo, sob pena de nulidade do contrato”;
61ª. A obrigação de indicação do valor da prestação periódica devida pelo titular daqueles lotes ou fracções autónomas no primeiro ano, claramente deixa perceber que o que se pretendeu proteger foram as primeiras transmissões de lotes ou fracções, efectuadas entre o promotor do empreendimento e os adquirentes iniciais dos lotes ou fracções;
62ª. Na sequência da sua aprovação e ainda antes de qualquer transmissão pelo promotor do empreendimento "O título constitutivo é registado nos serviços do registo predial previamente à celebração de qualquer contrato de transmissão ou contrato-promessa de transmissão dos lotes ou fracções autónomas”;
63ª. Nenhuma obrigação desta natureza impendendo sobre os ora recorrentes, no quadro da compra e venda que agora está em causa.
64ª. Assim, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que declare a escritura de compra e venda dos autos válida.
Os autores apresentaram contra-alegações suscitando como questão prévia que as questões suscitadas sobre a invalidade do título constitutivo do empreendimento e da sua inoponiblidade a terceiros, por se tratarem de questões novas, não poderão ser apreciadas, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
A - Por escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de Março de 2012, os autores adquiriram a propriedade da fracção autónoma designada pelas letras "CC" correspondente ao apartamento 167, bloco C, que se situa em Vale de Santa Maria, e está integrada no "Empreendimento Apartamentos Albufeira Jardim" descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 10811 – cfr. doc. de fls.20 e ss;
B - A sociedade 4ª ré, interveio no negócio na qualidade de mediadora, conforme doc. de fls.91, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C - Com data de 7 de Novembro de 2012, os autores receberam da Direcção do E..., uma carta, junta a fls. 13, por via da qual, foram alertados para os seguintes factos:
O apartamento que haviam adquirido integrava-se num empreendimento turístico, registado com o nº 1181 no Ministério do Turismo.
Como empreendimento turístico que é, a fracção ou unidade de alojamento, encontra-se sujeita ao disposto nos termos do Decreto-Lei 39/2008 de 07 de Março.
O Decreto-Lei acima referido, no respectivo artigo 44, vem interditar o proprietário da fracção de a arrendar e explorar.
Mais referindo que, o título constitutivo do Empreendimento Turístico vem proibir expressamente a possibilidade de os proprietários poderem arrendar o imóvel em questão;
D - Empreendimentos Turísticos Albufeira Jardim, através da  sociedade A... é a entidade que explora os apartamentos que lhe são confiados pelos respectivos proprietários, mantendo para esse fim serviço de recepção e placas de identificação do empreendimento;
E - Pelo Departamento de Estruturação da Oferta do Turismo de Portugal, foi emitida certidão da qual consta que "...os Apartamentos Turísticos Albufeira Jardim de três estrelas, localizados no Cerro da Piedade, encontram-se registados no Registo Nacional de Turismo com o numero ...." - cfr. Doc. de fls.266 e fls.120 e ss.
F - (1 BI) - Os autores, residentes em França, pretendiam com a aquisição da fracção, dela usufruírem pessoalmente durante as férias de Verão e, bem assim arrendá-la...;
G - (3 BI) - A fracção está integrada em empreendimento turístico registado no Ministério do Turismo sob o nº ..., sendo as fracções do empreendimento exploradas comercialmente, designadamente através de arrendamento, pelos "Empreendimentos Turísticos Albufeira Jardim";
H - (5 BI) - Se os autores  soubessem do referido em G (3), não teriam celebrado o contrato de compra e venda;
I - (6 BI) - Só aquando do levantamento das chaves junto da recepção, após efectuar a escritura referida em A), e nesse mesmo dia, os autores foram informados do referido em G (3);
J - (8 BI) - A 4a ré limitou-se a publicar a venda, acompanhar os interessados na visita ao prédio, dar-lhes a conhecer o representante dos proprietários, deixar que as partes estabelecessem os termos do negócio e acompanhá-los na celebração da escritura;
L - (9 BI) - Os autores, por força do contrato referido em A), pagaram:
- a título de IMT e imposto de selo o valor de € 325,00 e € 260,00, respectivamente, Cfr. Fls.26 e 31;
- registo predial, € 200,00; (fls.15)
- condomínio, € 623,43.(fls.37 e 38)
Factos Não Provados
2 BI - Os réus sabiam que os autores pretendiam arrendar a fracção;
4 BI - Os autores foram informados pelos representantes da 4a ré e pelo réu J..., em momento anterior ao da celebração da escritura, de que a fracção apenas poderia ser arrendada através da E...;
7 BI - Os réus valeram-se do facto de os autores residirem em França e desconhecerem a lei portuguesa, aliado ao fraco conhecimento da língua, para omitirem o referido em 3;
9 BI - Os autores pagaram:
- a título de IMT e imposto de selo o valor de € 1.220,00;
- a título de amortização de juros com o crédito bancário de € 3.914,06;
- a título de despesas de avaliação e de abertura do processo, € 1.394,00;
- com a celebração da escritura, € 204,68;
- despesas de conservação e benfeitorias, € 1.415,08 (fls.34).
Atentas as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há lugar ou não há nulidade do contrato de compra e venda.
Vejamos, então.
Questão da nulidade ou não do contrato
Defendem os apelantes a validade do contrato sustentada nas seguintes premissas:  
1 - O regime aplicável ao empreendimento turístico em causa é o constante dos Decretos-Lei 49399 de 24/11 e 435/82 de 30/10 (revogados pelo DL 328/86 de 30/9), ex vi art. 75/7 do DL 39/2008 de 7/3 (repristinação), por vigentes à data do respectivo licenciamento – os proprietários das fracções autónomas que integram o empreendimento podiam, querendo, arrendar, directamente, a terceiros.
2 - Invalidade do título do empreendimento turístico por “conter normas, cláusulas e condições contrárias ou modificativas do título da propriedade horizontal sem que este tenha sido previamente alterado” por força da aplicação previsto no DL 167/97 de 4/7, arts. 47/6 e 8, ex vi art. 64 do DL 39/2008, o título constitutivo da propriedade horizontal do empreendimento nunca foi alterado/modificado. 
3 - O título constitutivo do empreendimento não foi sujeito a registo e, como tal, é inoponível a terceiros, neles se incluindo os autores/apelados.
4 - Inexistência de erro/vício na formação da vontade dos autores

Antes de mais, constata-se que, no que concerne às premissas 2 e 3, respeitantes à invalidade do título do empreendimento turístico e sua inoponibilidade a 3ºs, estas questões não foram suscitadas por qualquer das partes ao longo do processo e, por esse motivo, não foram apreciadas na sentença, constituindo questões novas.
Os recursos são meios a usar para se obter a reapreciação de uma decisão, já não para obter decisões sobe questões novas, ou seja, questões que não foram suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, não sendo lícito invocar nelas questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, os quais se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas, sob pena de supressão de um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida – cfr. Acs. STJ 7/11/93, in CJ STJ 1/9/93 e de 4/7/95, in CJ STJ de 2/95 -153, entre outros e ainda Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra Edit., Abril de 2009 – 50/51 e Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in CPC Anot. 3º, 2ª ed., Coimbra Edit., 2008 -8.
O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas, excepção feita às de conhecimento oficioso.
Destarte, afastada está a apreciação destas premissas.
Inexistência de erro/vício na formação da vontade dos autores
Na celebração de um contrato as partes sopesam determinadas circunstâncias de carácter geral.
No entanto, aquando da celebração podem ocorrer determinados vícios.
Entre esses vícios encontramos o erro obstáculo ou erro na declaração – art. 247 CC - por exemplo, formou-se sem erro uma determinada vontade, mas declarou-se outra.
E o denominado erro vício ou erro motivo em que há conformidade entre a vontade real e a declarada (não há erro na formação da vontade e do processo de decisão), somente a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante (falsa representação da realidade ou ignorância de circunstâncias falsas ou incorrectamente representadas) e, não fora o erro a pessoa não teria realizado o negócio ou, pelo menos, tê-lo-ia realizado em termos/moldes diferentes – art. 251 CC.
A consequência da existência de erro é a anulabilidade do negócio verificados que sejam determinados requisitos, nomeadamente, saber/averiguar se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade.
Cabendo a prova dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, constitui ónus de quem invoca o erro, art. 342/1 CC.
Daqui se extrai, que “o erro ocorre, no momento da formação da vontade de contratar, na assumpção da decisão de celebrar um contrato e da sua conclusão formal ou consensual, um desvio relevante, substancial e essencial, entre o querido e o contratado, de tal forma, que se a parte contratante tivesse obtido uma correcta e arrimada formação da sua vontade, não teria celebrado o contrato ou, pelo menos não teria celebrado o negócio nos moldes em que o fez.
Sendo que este desvio na formação e conclusão do da vontade de contratar tem de incidir sobre o núcleo determinante do conteúdo substantivo do acorda das partes e tem de se revelar desvirtuador do sentido essencial que uma vontade deserta de vício teria querido naquele concreto e contemporâneo momento de assumpção da decisão de contratar” – cfr. Acs. STJ de 27/11/2012, relator Gabriel Catarino e de 20/5/2010, relator Moreira Camilo, in www.dgsi.pt.
No caso em apreço, lograram os autores provar de tal tendo o ónus o erro e a essencialidade do mesmo.
Na verdade, aquando da celebração do contrato de compra e venda da fracção os autores estavam convencidos que sobre ela não incidia qualquer ónus, podendo arrendá-la e explorá-la, quando quisessem e a seu belo prazer, ou seja, dela dispor livremente.
Pretendeu-se que a compra e venda fosse efectuada sem quaisquer ónus e encargos, em consonância com o constante da escritura.
A essencialidade do erro assenta no facto de que os autores não teriam firmado o negócio se soubessem que sobre a fracção incida um ónus, bem sabendo os 1ª e 2º réus proprietários/vendedores da fracção (através do seu representante na escritura) que estavam a declarar algo que (venda efectuada sem ónus e encargos), na verdade, não correspondia à realidade.
Destarte, soçobra a pretensão dos apelantes.
O regime aplicável ao empreendimento turístico em causa é o constante dos Decretos-Lei 49399 de 24/11 e 435/82 de 30/10 (revogados pelo DL 328/86 de 30/9), ex vi art. 75/7 do DL 39/2008 de 7/3 (repristinação), por vigentes à data do respectivo licenciamento – os proprietários das fracções autónomas que integram o empreendimento podiam, querendo, arrendar, directamente, a terceiros.
A fracção autónoma objecto da venda, integra um prédio urbano cuja constituição da propriedade horizontal ocorreu, em 20/3/74, ou seja, em data anterior à entrada em vigor do DL 39/2008 de 7/3 que ocorreu 30 dias após a publicação do diploma – cfr. art. 79 do DL cit.
A fracção em questão está integrada no empreendimento turístico, em propriedade plural, denominado “Empreendimentos Apartamentos Albufeira Jardim”.
Aquando da celebração da escritura de compra e venda da fracção não foi junto o título constitutivo de empreendimento turístico.
À data da constituição da propriedade horizontal a legislação aplicável, aos empreendimentos turísticos, era o DL 49399 de 24/11 e DL 435/82 de 30/10.
Posteriormente, o DL 328/86 de 30/9, cuja entrada em vigor ocorreu, em 1/1/87, revogou os diplomas citados – cfr. arts. 92 e 94.
Dispunha este diploma no seu art. 44 que a exploração de cada estabelecimento deve ser globalmente realizada por uma única entidade … sendo que esta unidade de exploração não é impeditiva da propriedade ser pertença de uma pluralidade de pessoas, sendo omisso relativamente a qualquer exploração de proprietário singular. 
Em seguida, foi publicado o DL 167/97 de 4/7, cuja entrada em vigor teve lugar, em 1/7/97, que revogou o DL 328/86 – cfr. art. 81.
Este diploma, tal como o anterior, estipulava que a exploração do empreendimento (cada) é da responsabilidade de uma entidade, não sendo impeditivo da propriedade das fracções que o compõem, pertencerem a diversos proprietários, afastando a possibilidade dos proprietários poderem, por si só/individualmente, arrendar/explorar directamente, as suas fracções – cfr. art. 45.
Em 7/3/de 2008, é publicado o DL 39/2008 que, por seu turno, revogou o DL 167/97 – cfr. art. 77 (entrada em vigor ocorreu 30 dias após a publicação – cfr. art. 79).
Constata-se assim, que o regime que regula os empreendimentos turísticos de propriedade plural, foi sendo alterado, por sucessivas leis, ao longo do tempo.
O art. 12 CC consagra o princípio da não retroactividade das leis, ou seja, estas só se aplicam para futuro e, mesmo que tenham eficácia retroactiva, presume-se a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos (nº1).
Salvaguardando-se no nº 2 os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou referentes aos seus efeitos, ou seja, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc.), bem como os efeitos da respectiva invalidade, aferem-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado.
Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, ou de qualquer outro direito real, é aplicável a lei nova e não a lei à data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação do direito. O mesmo sucede, geralmente com os direitos de natureza perpétua, como os relativos ao estado de casado, de filho, de adoptado – cfr. P.Lima e A. Varela, in CC Anot., I vol., 3ª edição, Coimbra Edit., anotações art. 12.
O art. 75/7 do DL 39/2008 estipula que: “Os empreendimentos turísticos em propriedade plural existentes à data em vigor do presente DL mantém o regime de exploração turística previsto na legislação vigente aquando do respectivo licenciamento, salvo se, por decisão unânime de todos os proprietários, se optar pela exploração turística prevista no presente DL”.
Chamando à colação o art. 12 CC, aplicação das leis no tempo, e o preceituado no DL 39/2008, art. 75, constatamos que se mantém o regime de exploração turística à data do licenciamento o que nos remete, em princípio, para o regime do DL 167/97, de 4/7.
Por seu turno, o art. 64 do DL 39/2008, dispõe que: As normas do presente capítulo não se aplicam aos empreendimentos turísticos em propriedade plural cujo título constitutivo já se encontre aprovado à data da entrada em vigor do presente DL, sendo-lhes aplicável o disposto no DL 167/97 de 4/7, na redacção actualmente em vigor e seus regulamentos.
À luz do DL 167/97, às relações entre proprietários, é aplicável o regime da propriedade horizontal com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento.
Cabendo à entidade titular da licença de utilização turística do empreendimento ou, se essa ainda não tiver sido emitida, da licença de construção deve elaborar um título constitutivo de composição do empreendimento, no qual deve especificar as várias fracções imobiliárias, o seu valor, o fim a que se destina, identificar as instalações e equipamentos comuns ao empreendimento, entre outros (cfr. art. 47/2).
Tal título deve ser depositado na Direcção Geral de Turismo, antes da celebração de qualquer contrato de transmissão…das fracções imobiliárias que integrem o empreendimento.
A existência de título depositado deve ser obrigatoriamente mencionada nos contratos de transmissão…sob qualquer forma, de direitos relativos às fracções, sob pena de nulidade dos mesmos – cfr. art. 47 DL 167/97.
No entanto, conforme expresso supra, aquando da celebração da escritura de compra e venda não foi junto o título constitutivo do empreendimento e, como tal, tudo se passa como se não houvesse título.
Ora, a inexistência de título afasta a aplicação do DL 167/97 de 4/7 e remete-nos para o regime do DL 39/2008, aplicável ao caso em apreço, nomeadamente para o art. 54/7, norma em tudo idêntica à do art. 47 do DL 167/97.
Dispõe o art. 54/7 do DL 39/2008 que: Deve fazer parte integrante dos contratos…de transmissão de propriedade de…fracções autónomas que integrem o empreendimento turístico de propriedade plural, uma cópia simples do título constitutivo e devidamente aprovado e registado…
Daqui se extrai a necessidade de constar no registo predial o registo do título constitutivo de composição do empreendimento, registo esse prévio à transmissão de qualquer fracção imobiliária, sob pena de nulidade (da transmissão).
In casu, não obstante a venda/transmissão ter sido efectuada sem ónus e encargos, o que não corresponde à realidade, omisso é no registo predial o registo do título constitutivo de composição do empreendimento, facto esse a que os autores enquanto adquirentes de boa-fé, são de todo alheios.
Destarte, a transmissão efectuada (compra e venda) é nula, falecendo a pretensão dos apelantes.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença.
Custas pela apelante.

Lisboa, 12/03/2015


(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)