ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES
SEPARAÇÃO DE FACTO
CÔNJUGE CULPADO
DEVER DE ASSISTÊNCIA DOS CÔNJUGES
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I – Com as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, a culpa dos cônjuges deixou de ser fator relevante, quer para efeitos de decretamento de divórcio - arts. 1781º e 1782º do C. Civil -, quer, ainda, para a atribuição de alimentos – art. 2016º do mesmo diploma;
II – Tendo ficado intocado o regime do art. 1675º do C. Civil, a culpa continua a ter relevância para a fixação de alimentos durante a separação de facto;
III – Nesta, o dever de assistência persiste, apenas cessando nas circunstâncias referidas nos nºs 2 e 3 do citado art. 1675º , pelo que, querendo eximir-se daquele dever, o cônjuge a quem são pedidos os alimentos, tem o ónus de alegar e provar que a separação de facto é imputável ao cônjuge demandante, nos termos do art. 342º, nº 2 do C. Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – MI intentou contra HJ procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo que seja fixada em € 750,00 mensais a pensão de alimentos que o requerido, seu marido, lhe deve pagar.
Alegou, em síntese, estarem separados de facto desde 2008, não possuindo ela, que se encontra desempregada, outro meio de subsistência para além do valor mensal de € 253,00 que lhe é pago pela Segurança Social, enquanto o requerido aufere, como reformado da TAP, uma pensão no valor mensal líquido de € 3.500,00.
Não tendo sido obtido o acordo das partes tentado no início da audiência de julgamento, o requerido apresentou contestação onde pugna pela não concessão da providência e, produzida a prova, foi proferida sentença onde, julgando-se parcialmente procedente o pedido formulado, se condenou o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios, desde o dia 01.06.2013 até ao dia 8 de cada mês, por meio de transferência bancária para conta a indicar por esta, a quantia mensal de € 500,00.
Contra tal decisão apelou o requerido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:
1ª - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos de procedimento cautelar acima identificados, a qual, julgando procedente o procedimento cautelar, condenou o Requerido a pagar à Requerente, a título de alimentos provisórios devidos desde o dia 01/06/2013 até ao dia 08 de cada mês a quantia mensal de 500,00€ (quinhentos euros).
2ª - O Tribunal deu como provado que na pendência dos autos foi detectado ao Requerido uma doença do foro oncológico, designadamente um mieloma múltiplo, sendo que como consequência directa desta doença o Tribunal deu ainda como provado que o Requerido necessita de uma toma intensa de medicação e que necessita de ajuda de terceiros para executar actos pessoais diários tais como fazer a sua higiene pessoal.
3ª - O Tribunal não atribui ou reserva qualquer verba da pensão que o Requerido aufere para fazer face ao pagamento dos medicamentos e, bem assim, para pagar a esses terceiros que o ajudam a executar actos pessoais diários, tendo desconsiderado a documentação entregue pelo Requerido em sede de diligência de inquirição de testemunhas que comprova não só os montantes aproximados dos custos da medicação que tem de adquirir mensalmente como também os custos com as deslocações que o Requerido tem de efectuar mensalmente e de táxi ao IPO.
4ª - A luz das regras do experiência comum os factos provados e referidos na conclusão anterior são geradores de custos e, saliente-se, custos bastante elevados, pelo que deveria o Tribunal ter quantificado uma verba não inferior a 1.200€ mês para gastos do Requerido com consultas, medicamentos e terceiros que o ajudam nas tarefas diárias como higiene pessoal.
5ª - E aceitando este valor de 1.200€ como correcto então necessariamente se terá de concluir que o Requerido não tem, actualmente, condições económicas para pagar uma pensão de alimentos à Requerente ou, quanto muito, não tem condições para pagar uma pensão de alimentos que ultrapasse os 200€ mensais.
6ª - A decisão de que se recorre condenou o Requerido no pagamento da pensão de alimentos fixada desde o dia 01/06/2013, retroactividade essa decidida em consonância com o artigo 401º n.º 2 da redacção do CPC aplicável à presente providência em face da data da respectiva instauração;
7ª - Entende o Requerido que a decisão em causa viola o princípio do dispositivo constante do artigo 264º e, bem assim, o artigo 663º, ambos do CPC na redacção anterior a 01/09/2013, porquanto entre 01/06/2013 e 31/07/2014 o Requerido pagava em média 600€ mensais de colégio da menor filha de Requerida e Requerente;
8ª – A partir de Março de 2014 e até hoje, a acrescer ao pagamento do colégio, o Requerido passou a pagar todas as despesas decorrentes directa e indirectamente da sua doença, designadamente despesas com deslocações para consultas, medicamentos e apoio de terceiros.
9ª - Estas alterações de circunstâncias havidas no decorrer dos autos não foram valorizadas pelo Tribunal na medida em que o mesmo encontrou um determinado quantum que representaria a disponibilidade de tesouraria à data da prolação da decisão (Outubro de 2014) e extrapolou essa realidade para todo o percurso temporal ocorrido desde a data do requerimento inicial, sem curar de mitigar tal quantum com os factos que se verificavam na data em que a providência cautelar foi requerida e que o tribunal deu mesmo como provado nem com os factos supervenientes também dados como provados.
10ª - Se o Tribunal tivesse efectuado esse exercício facilmente concluiria que, no mínimo, aos 1700€ de despesas fixados na sentença acresciam até Julho de 2014 e em média 600€ mensais e, bem assim, que a partir de Março de 2014 ainda passaram a acrescer as despesas decorrentes da doença, determinando-se assim a evidente impossibilidade de o Requerido dispor de 500€ mensais para pagar a título de pensão de alimentos à Requerente.
11ª – O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do artigo 1675º do CC ao considerar que a referência que é feita pelo legislador à culpa na separação de facto deixou de relevar desde a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31/10/2008. Por força deste entendimento, o Tribunal não aferiu da existência ou não de culpa da Requerente na separação de facto, curando tão somente de apurar se estava ou não provada a separação de facto.
12ª - O que o Tribunal entende é que, na esteira do pretendido pelo legislador quanto ao apuramento da culpa para efeitos de decretamento do divórcio, também a culpa na separação de facto tornou-se, passe a expressão, letra morta.
13ª - Não se afigura ao Requerido que seja efectivamente essa a interpretação correcta para o n.º 3 do artigo 1675º, desde logo porque o Tribunal não teve em conta o disposto no artigo 9º n.º 3 do Código Civil
14ª - O facto do legislador com a Lei n.º 61/2008 ter procedido à alteração de vários artigos do Código Civil, designadamente aqueles que previam a exigência do apuramento da culpa no divórcio mas não ter alterado ou mesmo revogado o n.º 3 do artigo 1675º do CC deveria conduzir desde logo o Tribunal a entendimento contrário – de que a culpa na separação de facto para efeitos de alimentos continuava a ser relevante. Mais,
15ª - O pretendido pelo Legislador com a Lei n.º 61/2008 em matéria de abolição do apuramento da culpa foi aproximar a nossa legislação da existente noutros estados membros e evitar dessa forma que duas pessoas permanecessem casadas por insuficiência de prova da culpa. Isto é, e de forma sucinta, objectivar os fundamentos do divórcio e não subjectivar.
16ª - Mas as razões que presidiram a tal alteração quanto ao divórcio inexistem na determinação da obrigação de pagamento de alimentos, motivo pelo qual o legislador continuou a considerar a culpa como elemento relevante:
Nesse sentido veja-se Ana Leal, em Guia Prático da Obrigação de Alimentos, Almedina, 2012, pág. 53:
 “Verifica-se, assim, que apesar das alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que aprovou o novo regime do divórcio, manteve-se inalterada a redacção do art.º 1675º do C.Civ. mantendo-se a operância do critério da culpa para efeito da obrigação de prestação de alimentos em caso de separação de facto.”
E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/04/2014, consultado na Base de Dados do Ministério da Justiça, com o n.º de processo 1764/12.4TBVCD-A.P1:
(…).
IV - Vigorando o casamento, mas estando os cônjuges separados de facto, o dever de assistência, em que se compreende o de prestar alimentos, mantém-se, se a separação não for imputável a qualquer dos cônjuges
V - Se o for a um deles ou a ambos, nos termos do artº 1675º, nº 3, C. Civil, aquele dever só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, embora o tribunal possa, excepcionalmente, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando as particulares circunstâncias ali referidas.
VI - Sendo a acção de alimentos instaurada previamente à de divórcio e não havendo, em função desta, alteração da causa de pedir alegada naquela, a sua apreciação deve ser feita à luz do artº 2015º, do C. Civil, e não do artº 2016º.
VII - Na acção de alimentos entre cônjuges separado de facto, compete ao requerente alegar e provar, além dos requisitos da sua necessidade e possibilidade do outro, que a separação não é imputável a qualquer deles; e compete àquele que alegar a culpa ou principal culpa do outro, prová-la.
VIII - Compete, ainda, ao requerente, para o caso de ser considerado culpado ou principal culpado, alegar e provar as circunstâncias que, excepcionalmente, autorizam que o tribunal, por motivos de equidade, lhe reconheça o direito a alimentos e imponha o respectivo dever ao cônjuge inocente ou menos culpado.
17ª - Aplicando os ensinamentos constantes no Acórdão acima transcrito temos que a Requerente teria de alegar e provar que a separação de facto não era imputável culposamente a nenhum dos cônjuges ou então alegar e provar que o cônjuge requerido era o único e principal culpado dessa separação.
18ª - Porém, no requerimento inicial a Requerente limita-se a alegar que o Requerido abandonou o lar em Outubro de 2008, sendo que mesmo este facto pouco circunstanciado a Requerente não logrou provar.
19ª - Em suma, a Requerente não alegou ou, quanto muito, alegou deficientemente, que a separação não procedia de culpa sua. No entanto não logrou provar esse facto alegado.
20ª - Por seu turno o Requerido alegou e provou que a separação de facto procede única e exclusivamente de culpa da Requerente, designadamente que foi esta que mudou o canhão da fechadura da porta da casa de morada de família tentando e conseguindo que este não entrasse nessa casa e que, perante uma decisão proferida em sede de providência cautelar especificada de restituição provisória da posse ordenando a entrega de umas chaves ao Requerido, optou por abandonar o lar conjugal, recusando-se assim a viver com o Requerido.
21ª - Encontra-se assim por verificado a inexistência de um dos pressupostos para o decretamento de uma pensão de alimentos entre cônjuges – a ausência de culpa na separação de facto por parte do cônjuge necessitado dos alimentos, razão pela qual deveria ter sido considerado o pedido formulado pela Requerente como improcedente e o Requerido absolvido do mesmo.
22ª - A Requerente alegou em sede de Requerimento Inicial que abdicou do exercício da sua actividade profissional na RTP para acompanhar o Requerente quando este, por motivos profissionais, foi colocado a trabalhar pela TAP na África do Sul e que quando regressou a Portugal e pretendeu voltar à RTP viu a sua pretensão rejeitada pois havia sido colocada no quadro dos disponíveis.
23ª - Após o proferimento da presente sentença tomou conhecimento que efectivamente a Requerida foi objecto de um despedimento individual com justa causa e não de um qualquer processo de despedimento colectivo por estar num quadro de disponíveis.
25ª - Ora, num estado de direito como é o nosso deve ser assegurado a todas as pessoas o direito de, através dos meios legais, defender os seus legítimos interesses, mas não significa isto que aquelas possam utilizar todos os meios ao seu alcance, mesmo que legais, para atingir os seus fins particulares.
26ª - Com efeito, a justiça e o acesso aos tribunais, embora livre, tem regras e limites, designadamente os constantes do artigo 456º do Código de Processo Civil e são esses limites que não estão a ser respeitados pela A. ao não alegar que, após o seu regresso à África do Sul, foi reintegrada pela respectiva entidade patronal e que posteriormente foi objecto de um processo de despedimento por justa causa, o qual impugnou judicialmente, não tendo obtido vencimento nesse processo judicial.
26ª - Por alterar a verdade dos factos e omitir outros relevantes para a decisão da causa, por fazer deste processo um uso manifestamente reprovável, apenas com intuito de obter para si uma vantagem patrimonial, deve a Requerente ser condenada a pagar uma multa consentânea.
27.ª- Ao entender que a culpa na separação de facto não releva como pressuposto para a condenação do Requerido no pagamento de uma pensão de alimentos à Requerida bem como ao não quantificar os custos decorrentes de factos que deu como provados, o Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 1675º n.º 3.º do CC e dos requisitos deles constantes de decretamento da providência cautelar, bem como do artigo 399º e segs do CPC na sua anterior redacção.
Conclui pedindo que a sentença seja revogada, não se decretando a providência cautelar de alimentos provisórios.
Subsidiariamente, pede que a pensão de alimentos devida pelo requerido à requerente seja fixada no valor mensal de 100€ até Março de 2014 e no valor de 200 € mensais a partir de Agosto de 2014, nada sendo devido a esse título pelo requerido à requerente a esse título entre Março de 2014 e Julho de 2014.

Em contra-alegações apresentadas a apelada, pede a improcedência do recurso com manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Na sentença recorrida descrevem-se como sumariamente provados os seguintes factos:
1 - Requerente e Requerido contraíram entre si casamento civil , sem convenção antenupcial , no dia 05 de Maio de 2005 e casamento católico em 06/06/2006 ( cfr. certidão de fls. 22 do processo principal),
2 - ML nasceu no dia 29/06/2001 e encontra-se registada como filha da Requerente e do Requerido;
3 - Em data não concretamente apurada mas seguramente localizada no final do ano de 2008 a Requerente e o Requerido deixaram de viver na mesma casa , bem como de dormir um com o outro e de partilhar refeições ;
4 - A Requerente não exerce actividade profissional há pelo menos 6 anos;
5- A Requerente recebe uma prestação social paga pelo Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa no montante mensal de € 231,60 ( Duzentos e trinta e um Euros e sessenta cêntimos );
6 - A Requerente coabita com a ML em casa arrendada despendendo mensalmente de renda o montante de € 400,00 ( Quatrocentos Euros);
7 - A Requerente despende com electricidade em média cerca de € 30,00 ( Trinta Euros) mensais;
8 - A Requerente gasta com consumo de água uma média de € 20,00 ( Vinte Euros) mensais;
9 - Com televisão e comunicações telefónicas a Requerente despende quantia não inferior a € 50,00 ( Cinquenta Euros) mensais;
10 - A Requerente despende com gás em média € 70,00 ( Setenta Euros ) , mensais ;
11 - A Requerente tem despesas com alimentação e vestuário em montante não concretamente apurado;
12 - A Requerente vem beneficiando de ajuda económica de familiares e amigas, designadamente do seu irmão (...);
13 - Até ao final do pretérito ano lectivo o Requerido pagava a mensalidade do Colégio que a ML frequentava , despendendo em média € 600,00 ( Seiscentos Euros) mensais ;
14 - O Requerido é reformado da empresa T.A.P. auferindo a título de pensão de reforma a quantia de € 3.133, 98 (Três mil , cento e trinta três Euros e noventa e oito cêntimos ) líquidos mensais;
15 - A Requerente foi funcionária da R. T.P.;
16 - Após o nascimento da ML e na sequência da colocação do Requerido como representante da T.A.P. na África do Sul a Requerente abdicou do exercício da sua actividade profissional para o acompanhar;
17 - Regressada do estrangeiro a Requerente tentou retomar a sua actividade profissional na R.T.P., o que não viria a conseguir , acabando por ser dispensada há pelo menos seis anos pela referida empresa;
18 - Requerente e Requerido constituíram o seu lar conjugal na fração autónoma correspondente à residência referida na petição inicial pela Requerente sita na Portela, Loures;
19 – Em data concretamente não apurada mas seguramente localizada no final do ano de 2008, o requerido chegou de noite à casa referida no ponto anterior proveniente do aeroporto de Lisboa, acompanhado do seu filho (...), não tendo conseguido aceder ao interior da casa por virtude do canhão da fechadura daquela ter sido trocado;
20 – O requerido tocou à campaínha da porta de casa mas ninguém abriu essa porta tendo aquele ido pernoitar em casa do seu filho (...);
21 – O requerido instaurou contra a requerente um procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse atinente à fração identificada no ponto 18. Supra, que correu termos pelo 6º Juízo Cível do extinto Tribunal da Comarca de Loures, com o nº 9313/08.2TCLRS, o qual foi julgado procedente por sentença de 23/01/2009, considerando-se aqui por inteiramente reproduzido o seu teor constante do documento de fls. 194 a 197;
22 - Na sequência do deferimento do identificado procedimento cautelar o Requerido pode aceder de novo ao lar conjugal onde voltaria a viver apenas por poucas semanas, sozinho, saindo subsequentemente regressando à dita casa a Requerida acompanhada da filha ML;
23 - O Requerido habita em casa arrendada despendendo com renda o montante de 1.150,00 (Mil , cento e cinquenta Euros ) mensais;
24 - Em sede de consumos domésticos na casa onde habita em Lisboa o Requerido despende, em média , € 40,00 ( Quarenta Euros ) mensais com electricidade;
25 - Ainda € 16, 00 (Dezasseis Euros), bimestralmente , com água;
26 - A par de € 85,00 (Oitenta e cinco Euros) mensais com prestação para amortização de empréstimo bancário contraído;
27 - E € 53,00 ( Cinquenta e três Euros) , com energia térmica;
28 - O Requerido despende em média cerca de € 45,00 ( Quarenta e cinco Euros, com material e livros escolares da ML;
29 -O Requerido desloca-se com frequência aos Açores onde possui uma casa própria;
30 - Relativamente à casa sita nos Açores o Requerido despende em média com televisão, comunicações telefónicas e internet cerca de € 54,00 (Cinquenta e quatro Euros) mensais;
31 -Bem como € 41,00 (Quarenta e um Euros) mensais com electricidade;
32 - A par de € 12,00 (Doze Euros) com água bimestralmente;
33 -E despende cerca de € 79,00 (setenta e nove Euros) anualmente, com I.M.L;
34 - O Requerido possui uma viatura automóvel própria para se deslocar nos Açores suportando a título de despesa com o seguro automóvel obrigatório dessa viatura cerca de € 173,00 (Cento e setenta e três Euros) anuais;
35 - O Requerido suportá, ainda, a título de prestação para amortização de crédito contraído junto da CETELEM a quantia de € 126,00 (Cento e vinte e seis Euros) mensais;
36 - O Requerido suporta ainda despesas com alimentação e vestuário próprio, actividades de lazer e deslocações, designadamente aos Açores, em montante não concretamente apurado;
37 - O Requerido esteve internado por doença em Unidade hospitalar entre 09 e 19 de Março de 2014 tendo-lhe sido diagnosticado após esse internamento doença do foro oncológico, concretamente mieloma múltiplo, que exige a toma intensa de medicação;
38 - Devido ao seu problema de saúde o Requerido encontra-se debilitado necessitando de ajuda de terceiros para executar actos pessoais diários tais como fazer a sua higiene pessoal;
39 - O Requerido despende entre € 100,00 (Cem Euros) a 120,00 (Cento e vinte Euros), mensais com empregada doméstica;
40 - A Requerente manteve um relacionamento de namoro com um homem entre datas não concretamente apuradas;
41 - A Requerente tem 53 anos de idade;
42 - 0 Requerido tem 74 anos de idade;
43 - A Requerente beneficia no âmbito deste procedimento cautelar do beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

E julgou-se como não provado que:
1 - o Requerido tenha abandonado o lar conjugal em Outubro de 2008;
2 - a Requerente despenda mensalmente em alimentação e vestuário 200,00 consigo e € 350,00 com a filha ML;
3 - o Requerido aufira de pensão de reforma € 3.500, 00 mensais líquidos;
4 - a Requerente tenha interrompido a sua actividade profissional devido a uma gravidez de alto risco respeitante à filha ML;
5 - a Requerente, o Requerido e a ML tenham vivido em coabitação até ao dia 13 de Dezembro de 2008;
6 - durante o internamento a que foi sujeito em Março de 2014 o Requerido tenha sido operado a duas vertebras partidas;
7 - o Requerido necessite de contratar uma pessoa a tempo inteiro para tratar de si por valor não inferior a € 650,00 a € 700,00 mensais acrescidos de passe e descontos para a Segurança Social;
8 - a Requerente tenha sido dispensada da R.T.P. em função de um processo disciplinar instaurado com justa causa impugnado judicialmente pela mesma;
9 - a Requerente tenha vivido maritalmente com o namorado que teve.

Da impugnação da decisão proferida sobre os factos:
O apelante sustenta, como se vê da conclusão 24ª, que deve ser julgado como não provado o facto constante do  nº 17 e julgado como provado o facto tido como não apurado e descrito sob o nº 8.
Funda-se em que, recentemente, foi proferido acórdão pelo STJ que confirmou o despedimento de que a requerente foi alvo por parte da RTP e que havia sido judicialmente impugnado por esta.
Protestou juntar – invocando a tempestividade da sua apresentação por só depois da sentença ter tido conhecimento da sua existência – certidão desse acórdão, o que acabou por não fazer.
Assim sendo, e sem necessidade de outras considerações, é manifesta a improcedência desta impugnação, já que o elemento probatório que, na tese do recorrente, imporia decisão diversa da emitida quanto àqueles factos, não consta sequer dos autos.
Os factos a considerar para a decisão do recurso são, pois, os supra descritos, tidos como sumariamente provados pela sentença impugnada.

Sobre a interpretação do art. 1675º,  nº 3 do C. Civil:
Na sentença entendeu-se que a referência feita nesta norma à culpa dos cônjuges na separação de facto não pode relevar desde a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31.10.2008, nos termos da qual – e, particularmente, da redação que deu aos arts. 1781º e 1782º do Código Civil - deixou de interessar para o decretamento do divórcio litigioso a avaliação e consequente graduação da eventual culpa dos cônjuges na sua produção.
Deste entendimento discorda o apelante, sustentando nas conclusões 11ª a 16ª, em síntese nossa, que o facto de o legislador, através da Lei nº 61/2008, ter procedido à alteração de várias normas do Código Civil, nomeadamente das que exigiam a culpa dos cônjuges para o decretamento do divórcio, deixando, porém, intocado o n.º 3 do artigo 1675º desse diploma, mostra que a culpa na separação de facto para efeitos de alimentos continuava a ser relevante. E as razões que presidiram àquelas alterações quanto à desnecessidade de culpa para o decretamento do divórcio não existem quanto à obrigação de pagar alimentos.

Vejamos :
Na redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 496/77, de 25.11, o art. 1675º do C. Civil – diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência -, regulando o dever de assistência entre os cônjuges, tem o seguinte teor:
1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.
2. O dever de assistência mantém-se durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.
3. Se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado è economia do casal.
Regulando o direito de alimentos em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, o art. 2016º, na redação do mesmo Dec. Lei nº 496/77, de 25.11, preceituava assim:
1. Têm direito a alimentos, em caso de divórcio:
a) O cônjuge não considerado culpado ou, quando haja culpa de ambos, não considerado principal culpado na sentença de divórcio, se este tiver sido decretado com fundamento no artigo 1779º ou nas alíneas a) ou b) do artigo 1781º;
b) (…)
c) Qualquer dos cônjuges se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos forem considerados igualmente culpados.
2. Excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge  que a eles não teria direito, nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal.
(…)
A ambos os preceitos subjaz o propósito de obstar à injustiça que representaria o cônjuge culpado, ou principal culpado, tanto da rutura da vida em comum como da dissolução do casamento, poder, ainda assim, beneficiar de alimentos a prestar por quem foi vítima do seu comportamento.
Daí  que, num e noutro preceito, em princípio, o cônjuge único culpado ou, havendo culpa de ambos, o mais culpado, não tivesse direito a receber do outro alimentos, tanto no caso de separação de facto - em que os mesmos estão compreendidos no dever de assistência a que os cônjuges estão sujeitos, segundo o art. 1675º, nº 1 -, como na hipótese de dissolução do casamento por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.
Essencialmente fundados no critério da culpa, os referidos normativos, na redação citada, admitiam, porém, em termos idênticos e inovadoramente em relação ao Direito anterior, que o tribunal, excecionalmente, e verificados os pressupostos neles mencionados, atribuísse alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito ao abrigo das anteriores regras.
Entretanto, foi publicada em 31 de Outubro de 2008 a citada Lei nº 61/2008 que, além do mais, alterou significativamente o regime jurídico do divórcio e as suas consequências jurídicas.
No preâmbulo do Projeto de Lei nº 509/X que esteve na sua base, escreve-se, a dado passo, o seguinte:
(…)
É o facto de a dimensão afetiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem-estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio. Daqui decorre também que importa evitar que o processo de divórcio (…) se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar.
É neste intuito que se propõe o afastamento do fundamento da culpa para o divórcio sem o consentimento do outro abandonando, de resto, a própria designação de divórcio litigioso.
(…)
Firma-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, e de que a obrigação de alimentos tem um carácter temporário, embora possa ser renovada periodicamente .Elimina-se a apreciação da culpa, como factor relevante da atribuição de alimentos, porque se quer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades. Mas prevê-se que, em casos especiais, que os julgadores facilmente identificarão, o direito de alimentos seja negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.
Afirma-se o princípio de que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado. O casamento que não durar para sempre não pode garantir um certo nível de vida para sempre.(…)” (sublinhados nossos)
E, efetivamente, a culpa dos cônjuges deixou de ser fator relevante, quer para efeitos de decretamento de divórcio -  cfr. os arts. 1781º e 1782º -,  quer, ainda, para a atribuição de alimentos.
Com efeito, por força das alterações que nele introduziu a dita Lei, o art. 2016º tem agora a seguinte redação:
1. O cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio.
2. Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
3. Por razões de manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
(…)
Inovadoramente, institui-se, agora, como regra geral – nº 1 – a de que, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, cada ex-cônjuge deve providenciar pela própria subsistência, tendo o direito a alimentos, a prestar pelo outro ex-cônjuge, “carácter excepcional, expressamente limitado e de natureza subsidiária[1] – nº 2 -.
Mas, por outro lado, tal direito deixou agora de estar dependente da falta de culpa do cônjuge ou de menor culpa da sua parte, embora possa ser negado por razões de manifesta equidade – nº 3.
Quanto à obrigação alimentar na vigência da sociedade conjugal, a Lei 61/2008 deixou, porém, intocado o regime anterior, nomeadamente os arts. 2015º [2] e 1675º.
Temos, assim, que o direito a alimentos, antes sujeito a regras idênticas, quer emergisse da separação de facto na vigência do casamento, quer proviesse da relação matrimonial já desfeita, é agora regulado em termos diversos, mantendo-se o critério da culpa apenas no caso da separação de facto.
Afigura-se-nos, todavia, que esta diversidade de critérios não permite, ao invés do que se fez na sentença recorrida, considerar o art. 1675º como “letra morta”, na parte em que enuncia a culpa como elemento determinante da atribuição de alimentos; o sacrifício da norma nessa medida pressuporia que dela se fizesse uma interpretação revogatória ou ab-rogante e esta só é consentida quando, nas palavras de Baptista Machado,“entre as duas disposições legais existe uma contradição insanável[3], o que no caso não acontece.[4]
Nesta linha, e a propósito da matéria, escreve Tomé d’Almeida Ramião[5] que “a questão da culpa na violação  dos deveres conjugais, excluída por esta reforma dos pressupostos do divórcio, continua a ser discutida e a ter relevância para efeitos de imputação da responsabilidade na separação(…) , mantendo-se , pois, “para efeitos de manutenção ou não do dever de assistência – pagamento de alimentos e contribuição para os encargos da vida familiar.
Prossegue dizendo: “O pedido de alimentos formulado no âmbito da separação de facto dos cônjuges, não se confunde com o pedido de alimentos definitivos formulado na acção de divórcio. Aqui, os alimentos a fixar têm em vista o divórcio e obedecem às regras supra referidas, sendo a questão da culpa irrelevante para a concessão do direito a alimentos. Na separação de facto, os cônjuges continuam unidos pelo matrimónio e a obrigação alimentar tem como pressuposto a manutenção do vínculo conjugal e, consequentemente, do dever de assistência, e depende, em regra, da ausência de culpa do cônjuge, credor na separação.[6]
No mesmo sentido escreve Ana Leal [7] - também citada pelo apelante – : “Verifica-se, assim, que apesar das alterações introduzidas pela Lei nº 61/2088, de 31 de Outubro, que aprovou o novo regime do divórcio, permaneceu inalterada a redação do art. 1675º do C. Civ. mantendo-se a operância do critério da culpa para efeito da obrigação de prestação de alimentos em caso de separação de facto.
Também o acórdão da Relação do Porto de 10.04.2014 invocado pelo apelante na sua conclusão 16ª [8], versando a questão do direito a alimentos em caso de separação de facto ocorrida já depois da vigência da Lei nº 61/2008, teve como aplicável o regime do nº 3 do citado art. 1675º na sua plenitude.
É este, a nosso ver, o entendimento mais correcto, pelo que será à luz deste dispositivo legal que se aferirá a existência do direito da requerente a haver do requerido a pedida prestação de alimentos.
 
Sobre a verificação dos pressupostos do direito a alimentos por parte da apelada:
O recorrente defende, ao longo das conclusões 16ª a 21ª, a falta de verificação de um desses requisitos – a inexistência de  culpa da apelada na separação de facto dos cônjuges -, o que determinará a improcedência da sua pretensão.
Relembremos os pressupostos em causa enunciados no art. 1675º supra transcrito.
Compreendendo a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, o dever de assistência mantém-se durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges – nºs 1 e 2 .
Mas, sendo imputável a um ou a ambos os cônjuges, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, podendo o tribunal, excecionalmente e por motivos de manifesta equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.
A requerente alegou e demonstrou, como lhe cabia, por serem elementos constitutivos do seu direito, o casamento entre ela e o requerido, a separação de facto dos cônjuges e a sua necessidade de alimentos – factos nºs  3 e 4 a 12, respetivamente – e, bem assim, a capacidade económica do requerido para lhos prestar.
Diga-se, a propósito deste último requisito, que o próprio apelante aceita a sua verificação, embora discuta a medida dessa possibilidade, sustentando que, a serem devidos os alimentos, os mesmos deverão ser fixados em montante substancialmente inferior.
Certamente no intuito de atribuir a culpa dessa separação ao requerido, a requerente alegou, mas não demonstrou, que este abandonou  o lar conjugal em Outubro de 2008 – cfr. o ponto nº 1 dos factos descritos como não provados.
Pondo em causa a existência do direito a alimentos por parte da requerente, o requerido imputou àquela a culpa na separação de facto ocorrida, tendo para tanto alegado e demonstrado os factos supra descritos sob os nºs  19 a 22.
Havendo separação de facto, continua a existir, como é sabido, a sociedade conjugal e, consequentemente, o dever de assistência, que apenas cessará nas circunstâncias referidas nos nºs 2 e 3 do art. 1675º, pelo que, como se vem entendendo[9], cabe ao cônjuge a quem são pedidos os alimentos, para se eximir daquele dever, o ónus de provar que a separação de facto é imputável ao cônjuge demandante, nos termos do art. 342º, nº 2.
Os factos 19 a 22, têm, relembre-se o seguinte teor:
19 – Em data concretamente não apurada mas seguramente localizada no final do ano de 2008, o requerido chegou de noite à casa referida no ponto anterior proveniente do aeroporto de Lisboa, acompanhado do seu filho (...), não tendo conseguido aceder ao interior da casa por virtude do canhão da fechadura daquela ter sido trocado;
20 – O requerido tocou à campaínha da porta de casa mas ninguém abriu essa porta tendo aquele ido pernoitar em casa do seu filho (...);
21 – O requerido instaurou contra a requerente um procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse atinente à fração identificada no ponto 18. supra, que correu termos pelo 6º Juízo Cível do extinto Tribunal da Comarca de Loures, com o nº 9313/08.2TCLRS, o qual foi julgado procedente por sentença de 23/01/2009, considerando-se aqui por inteiramente reproduzido o seu teor constante do documento de fls. 194 a 197;
22 - Na sequência do deferimento do identificado procedimento cautelar o Requerido pôde aceder de novo ao lar conjugal onde voltaria a viver apenas por poucas semanas, sozinho, saindo subsequentemente regressando à dita casa a Requerida acompanhada da filha ML;
Objetivamente, o facto nº 19 violou o direito do requerido a aceder à sua habitação. Desconhecendo-se, porém, as causas e a intenção que subjazeram à mudança do canhão da fechadura e, ainda, se a requerente estava ou não em casa quando o requerido aí quis regressar e disso foi impedido, não pode afirmar-se a culpa daquela na ocorrência.
Cabe dizer, a este propósito, que nestes autos não vale o juízo, proferido no procedimento cautelar aludido no facto nº 21, no sentido de que a aqui requerente terá querido impedir a abertura da porta pelo requerente, sendo certo que não foi julgado como provado o alegado no art. 18º da contestação oferecida nos presentes autos autos, ou seja, que, contactada pelo requerido, a requerente tenha confirmado ter sido ela quem mudou o canhão da fechadura com o único propósito de impedir o acesso do requerido à casa de morada de família e ainda que não pretendia facultar-lhe o acesso à casa fosse por que motivo fosse.
Por outro lado, ignoram-se as causas que conduziram ao descrito no facto nº 22, onde se materializa uma situação de separação de facto, mas  sem possibilidade de atribuí-la à culpa de qualquer um dos cônjuges.
Em suma, a partir dos factos provados, não pode concluir-se que a separação de facto tenha ocorrido por culpa da requerente.
Era ao requerido que cabia, como dissemos, o ónus de demonstração deste facto, extintivo do dever de prestar alimentos que sobre ele, enquanto cônjuge, impende.
Não o tendo feito, há que concluir pelo seu dever de prestar alimentos à requerente, enquanto componente de dever de assistência que aos cônjuges incumbe na separação de facto.

Da medida desses alimentos:
Na sentença, a este propósito, seguiu-se a seguinte linha de raciocínio:
a)  Os factos descritos sob os nºs 6 a 11 levam a concluir que a requerente, em sede de habitação, que inclui as despesas a título de renda, eletricidade, água, gás, televisão, comunicações telefónicas e internet, gasta mensalmente € 570, tendo despesas de alimentação e vestuário que, embora de valor não apurado, ascenderão ao montante presumível de € 250, à razão de € 200,00 para a alimentação e € 50,00 para o vestuário.
b)  A requerente não exerce qualquer actividade profissional há mais de 6 anos e tem como único  rendimento uma prestação social no valor de € 231,60 – factos 4, 5, 12 e 15 – carecendo, por isso, de alimentos.
c)  dos factos nºs 14, 23 a 27, 30 a 36 e 39 extrai-se que:
- o rendimento mensal do requerido, não inferior ao valor da sua reforma, ascende a € 3.133,98 mensais.
- as suas despesas mensais com renda de casa, consumos domésticos e empregada doméstica referentes à casa de Lisboa onde normalmente habita e os encargos, incluindo os fiscais e consumos domésticos da casa que possui nos Açores, bem como com a viatura que possui naquela ilha para se deslocar, ascendem a valor global não inferior a € 1.700,00, devendo presumir-se que com alimentação vestuário e uma ou outra ida aos Açores gastará mais € 300,00 mensais, ascendendo a sua despesa global mensal a € 2.000,00.
- sobrando-lhe por mês pelo menos a quantia de € 1.100,00, tem meios económicos para prestar alimentos à requerente.
d)  Tendo em atenção a idade da requerente, que não obstante permitir admitir a sua capacidade laboral durante mais alguns anos, constitui já um óbice à angariação de um posto de trabalho em face da conjuntura laboral nacional, a colaboração que prestou em prol da vida em comum, tendo acompanhado o requerido mesmo quando este  foi colocado na África do Sul, a duração do casamento e o tempo que terá ainda de dedicar à criação de ML, sem esquecer que em sede de regulação do poder paternal desta o requerido poderá  ficar vinculado à prestação de alimentos a sua filha menor, tem-se como adequado fixar em € 500,00 a pensão de alimentos a prestar pelo requerido à requerente.
A primeira crítica que o apelante dirige à sentença nesta matéria – conclusões 2ª a 5ª - é a de que, pese embora se tenha julgado como provado que ele, requerido, sofre de doença do foro oncológico, designadamente de mieloma múltiplo, em consequência da qual necessita de uma toma intensa de medicamentos e da ajuda de terceiros para executar actos pessoais diários tais como fazer a sua higiene pessoal, o tribunal não reserva nenhuma verba da sua pensão para fazer face a estas despesas necessárias e que, à luz das regras da experiência comum, devem ser  avaliadas em € 1.200,00 por mês.
Os factos descritos sob os nºs 37 e 38 revelam tratar-se de matéria efetivamente considerada como provada, sendo igualmente certo que na sentença se não considerou qualquer valor para fazer face às despesas que tanto os medicamentos, como a contratação de terceiro para a execução da higiene pessoal do requerido, necessariamente determinarão.
É certo que se julgou como não provado que o “Requerido necessite de contratar uma pessoa a  tempo inteiro para tratar de si por valor não inferior a € 650,00 a € 700,00 acrescidos de passe e descontos para a Segurança Social” – nº 7 dos factos julgados como não provados.
Mas sendo pessoa de 74 anos de idade que padece de mieloma múltiplo – doença do foro oncológico que afeta a medula óssea –, o qual, além do sofrimento físico e psiquico consabidamente provocado pelas doenças oncológicas, lhe determina debilidade ao ponto de necessitar da ajuda de terceiros para executar atos pessoais diários e tão essenciais como fazer a sua higiene pessoal, mandam as regras da experiência comum e do bom senso que se presuma a sua necessidade de custear  os serviços de terceiro para a execução daquelas tarefas e a aquisição de alguns medicamentos, ainda que, como contra-alega a requerente, seja conhecido o facto de os doentes oncológicos beneficiarem de comparticipação nos medicamentos.
Àqueles 2.000,00 euros mensais considerados na sentença como despesas conhecida e mínimas do recorrente, há que acrescentar aquilo que o mesmo necessariamente gastou e gastará, a partir de Março de 2014 – facto nº 37 - com medicamentos e assistência prestada por terceiro na execução da sua higiene pessoal, despesa que globalmente, e em termos de experiência comum, é de estimar num mínimo mensal de € 600.00.

Tal como sustenta nas conclusões 6ª a  10ª, o apelante até ao final do ano letivo de 2013/2014 – notoriamente ocorrido em Julho de 2014 – pagou a mensalidade do colégio frequentado pela filha ML, no valor mensal de € 600,00 – facto nº 13 - e, a partir de Março de 2014, passou a ter as despesas directa ou indiretamente decorrentes da sua doença – facto nº 37.
Assim, àquele mínimo de € 2.000,00, considerados como despesa mensal do apelante, deve ser acrescentado o valor de € 600,00 entre 1.06.2013 – data do início do pagamento da prestação de alimentos fixada – e o final de Julho de 2014; e a partir de Março de 2014, e como se disse já, há-de considerar-se também como despesa estimada em medicamentos e assistência de terceira pessoa  a de € 600,00 mensais.
Temos, pois, que:
 - As despesas do apelante até ao início de Março de 2014 ascendem ao valor mensal considerado na sentença de € 2.000,00, a que acrescem € 600.00 mensais de prestação do colégio da ML, num valor global de € 2.600,00, pelo que a diferença relativamente ao valor da pensão que percebe mensalmente, é de € 500,00.
- Entre Março de 2014 e Julho de 2014 a esse valor de € 2.600,00 acresce ainda o valor de € 600,00, estimado como despesa com aquisição de medicamentos e custo da assistência a prestar por terceiro, sendo, então, negativa a diferença entre o valor da pensão recebida e o valor dos gastos do apelante.
- A partir de Agosto de 2014 a diferença entre rendimento auferido pelo apelante e as despesas que suporta volta a ser de 500,00.
Sem pôr em causa a necessidade de alimentos por parte da requerente, que há mais de 6 anos não exerce qualquer atividade profissional, não pode deixar de salientar-se que possui muito melhores condições do que o requerido para fazer face à vida e prover pelo seu próprio sustento.
Tem 53 anos de idade e o requerido, já reformado, tem 74 anos de idade.
Não lhe é conhecida nos autos doença de relevo, enquanto o requerido, sofrendo de doença oncológica, está debilitado ao ponto de não poder tratar sozinho da sua higiene pessoal.
Assim, consideramos adequado fixar a pensão de alimentos devida pelo requerido à requerente no valor mensal de € 250,00 até Fevereiro, inclusive, de 2014 e a partir de Agosto de 2014. Nada se fixa para o período de Março a Julho de 2014 atenta a indisponibilidade económica do requerido verificada nesse período.
Da litigância de má fé da requerente, ora apelada:
Não se tendo demonstrado os factos em que o apelante fez assentar o seu pedido de condenação da apelada como litigante de má fé, soçobra esta pretensão.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, alterando-se a sentença, condena-se o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios, a quantia mensal de € 250,00, desde o dia 1.06.2013 até Fevereiro de 2014 e a partir de Agosto de 2014, prestação que será satisfeita nos termos referidos na sentença.
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.

Lxa. 24.03.2015

(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Graça Amaral)


[1] Acórdão do STJ de 20.02.2014, Relator Conselheiro Granja da Fonseca, www.dgsi.pt, Proc. 141/10.6TMSTB.E1.S1
[2] Segundo o qual “Na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos nos termos do artigo 1675º.
[3] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1994, pág. 186.
[4] Oliveira Ascensão, em “O Direito Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, pág. 373, escreve, a propósito desta modalidade de interpretação: “Aí o intérprete não mata a regra, verifica que ela está morta. Após a busca do sentido possível, tem de concluir que há uma contradição insanável, donde não resulta nenhuma regra útil. A fonte tem pois de ser considerada como ineficaz.”
[5] Em “O Divórcio e Questões Conexas, Regime Jurídico Actual”, Quid Juris, 2009, pág. 25 e 92
[6] Ibidem, pág. 92
[7] Guia Prático da Obrigação de Alimentos, 2ª edição, Almedina, pág. 55
[8] Relator Desembargador José Amaral, www.dgsi.pt, Proc. 1764/12.4TBVCD-A.P1
[9] Neste sentido Tomé D’Almeida Ramião, obra citada, pág. 92, acórdãos da Relação do Porto aí citados e acórdão da Relação do Porto de 10.04.2014, já acima citado e identificado.
Em sentido semelhante cfr. os acórdãos do STJ de 7.05.2009 e de 4.11.210, acessíveis em www.dgsi.pt, respetivamente, Relator Conselheiro Salvador da Costa, Proc. nº 5385/07.5TBALM.S1 e Relator Conselheiro Álvaro Rodrigues, Proc. 995/07.3TBCTBC1.S1